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Voltaire SchillingEdição: André Roca
Por vezes na história, ficção e realidade embaraçam-se, tornando-se um novelo difícil de desatar. Tal situação aplica-se, em parte, na ascensão do presidente John Fitzgerald Kennedy e da sua bela mulher Jacqueline Bouvier Kennedy, talvez o casal mais famoso, charmoso e bem quisto da história americana no século 20. Uma dupla que parecia em tudo ter saído de uma das novelas de Scott Fitzgerald, o maior romancista dos anos da Era do Jazz, para que tudo se encerrasse com três tiros disparados contra eles em Dallas, no dia 22 de novembro de 1963.
Na mansão de Gatsby
Nem em Long Island, ou mesmo em Nova York, ninguém sabia ao certo de onde saíra Jay Gatsby. O que diziam dele é que era fabulosamente rico. Dono de uma mansão gótica que imperava sobre o distrito de West Egg, tinha gosto em promover festas fantásticas. Não havia sábado em que o casarão, feérico, não estivesse lotado de gente alegre, alucinada, vinda de todas as partes para gozar das delícias oferecidas pelo anfitrião novo-rico. Além de uma boa banda de jazz, autorizada a tocar até o seu derradeiro convidado partir, garçons prestativos não deixavam de circular entre os festeiros, levando-lhes taças e mais taças da melhor champanha. E isso em plena vigência da Lei Seca, quando beber álcool nos Estados Unidos era crime.
O Grande Gatsby, como o romancista Scott Fitzgerald o chamou, parecia-se ao Grande Houdini, o maior ilusionista daqueles tempos, um homem capaz de sair de qualquer embrulho que o metessem, de escapar, ainda que todo amarrado, de um saco do fundo do mar. Toda aquela festança, confessou Gatsby a um amigo, nada mais era do que uma rede que ele lançara na esperança de algum dia arrastar para as beiras da sua mansão a bela Daisy Buchanam. Tratava-se de uma socialite, uma ex-namorada sua que alguns anos antes casara com um ricaço e que vivia do outro lado da enseada onde se erguia a sua mansão.Francis Scott Key Fitzgerald, autor de O Grande GatsbyFoto: Getty Images
O poderoso Joseph Patrick
Scott Fitzgerald, o autor do O Grande Gatsby, a mais famosa novela do modernismo norte-americano, aparecida em 1925, segundo uma versão, teria se inspirado num tipo real, num milionário verdadeiro. Em alguém que enriquecera – idêntico ao personagem da ficção –, contrabandeando bebidas a partir de 1920. Este homem era ninguém menos do que Joseph Patrick Kennedy, o pai do presidente John Kennedy. Herdeiro de um importador de vinhos de Boston, estado de Massachusetts, segundo as histórias que dele contavam, enquanto seus filhos (teve nove: Joseph, John, Robert e Edward eram os rapazes) frequentavam as escolas católicas e a boa sociedade local, Joseph Kennedy providenciava o desembarque clandestino de caixas e mais caixas de licores, espumantes e uísque, que deram-lhe lucros de um nababo. Certamente foi um dos contrabandistas da época da Lei Seca mais bem sucedido.
A Daisy de Joseph chamava-se Rose Fitzgerald (o mesmo sobrenome de Scott), a filha do prefeito de Boston, o que o ajudou a pavimentar a carreira política e preparou os filhos, todos talentosos, para uma impressionante ascensão no cenário nacional. Se essa versão algum dia confirmar-se, John Fitzgerald Kennedy seria, pois, hipoteticamente, o filho de Gatsby, mas de um Gatsby muito bem sucedido e não o personagem da ficção que teve um fim medíocre, morto a tiros por engano, vítima de um marido traído, um mecânico pobretão.
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John&Jacquie
Pode-se também se ter outra leitura de tudo aquilo. Se Gatsby não conseguiu ficar com Daisy, para ele símbolo da sofisticação e do charme dos bem-nascidos, John Kennedy conseguiu, pois casou com Jacqueline Bouvier. Nada havia naquelas paragens de Boston e no círculo fechado em que os ricaços locais se moviam que se equiparasse a Jacqueline (que, como a Daisy da novela, também se fazia ativa em Long Island). Além da descendência francesa, chiquérrima, educara-se na elitizada Vassar, que reforçara o seu bom gosto irrepreensível herdado de casa.
A chegada dos dois à Casa Branca, em 1961, foi um acontecimento. Para os americanos, cujos últimos presidentes foram Franklin Roosevelt, um paralítico precocemente envelhecido, Harry Trumann, um caipira que parecia jamais ter saído detrás do balcão da sua loja, e o general Dwight Eisenhower, o veteraníssimo ex-comandante da IIª GM, a ascensão de John Kennedy, jovem, bonitão, ex-herói de guerra, e da sua esposa encantadora, era um anúncio dos céus para a mídia americana e mundial.
Jacqueline, de fato, era um assombro. Logo a Casa Branca tornou-se uma referência nacional em charme e fascínio. De certo modo, John&Jacquie, o Casal Vinte, formaram o primeiro par monárquico da republica americana. A imprensa da época endoideceu.
Cada recepção que a dupla presidencial oferecia, como Gatsby em Long Island, era um show de classe e apurado requinte. Os costureiros da época disputavam a honra de poder vestir a primeira-dama, pois a bela sra. Kennedy, promovida por sua elegância a ser o sol das americanas, fazia um contraste gritante com as suas três antecessoras: Eleanor Roosevelt, dedicada militante dos direitos humanos, Betty Trumann e “Mammy” Eisenhower eram medonhas.
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Porém, tudo aquilo se foi no dia 22 de novembro de 1963, em Dallas, no Texas. Como o Gatsby da ficção, John Kennedy foi vilmente baleado pelas costas por um joão-ninguém fazendo com que a América perdesse talvez para sempre sua era de sonhos.
Fonte: Voltaire Schilling
Edição: André Roca