17.1.14

Achado em arquivo na Saxônia lança luz sobre final da vida de J.S. Bach

Carta de apresentação revela que um aluno assumiu as tarefas do grande músico como "kantor" das igrejas de Leipzig. Médicos, musicólogos e jornalistas se dividem: sinal de "burnout" profissional ou de sabedoria de vida?



Pouco antes do Natal, uma descoberta dos pesquisadores do Arquivo Bach de Lepizig agitou o mundo da música erudita: o musicólogo Michael Maul encontrou no arquivo de Döbeln, na Saxônia, uma carta de candidatura a emprego de 1751, pouco menos de um ano após a morte de Johann Sebastian Bach. De 1723 a 1750, o grande músico ocupou o posto de kantor (diretor musical) nas quatros principais igrejas de Leipzig.


Musicólogo Michael Maul

No documento, Gottfried Benjamin Fleckeisen – antigo integrante do coro da Igreja de São Tomás de Leipzig, e portanto discípulo de Bach – se apresenta para o posto de kantor (diretor musical) na igreja de sua cidade natal, Döbeln. Entre outras qualificações, ele afirma que "durante dois anos inteiros" esteve encarregado de "executar e reger" a música das igrejas de São Tomás e de São Nicolau em Leipzig, tarefa que a que fez jus "com todas as honras".

O exame da biografia de Fleckeisen leva à conclusão que ele se refere ao período de 1744 a 1746. Por outro lado, é sabido que, especialmente nos últimos anos de vida, Bach procurou reduzir sua carga profissional diária, a fim de dispor de mais tempo para outras atividades – como, por exemplo, a organização de sua obra de compositor. No entanto, é uma novidade que ele tenha delegado em tão grande escala suas tarefas centrais como kantor.

Críticas e mobbing

"É grande a discrepância entre a fama mundial de que a música de Bach goza hoje em dia, e o que sabemos, de fato, sobre a sua pessoa", comenta Michael Maul em entrevista à DW. Ele dirige um projeto do Arquivo Bach de pesquisa sistemática das trajetórias biográficas dos antigos membros do coro de São Tomás, durante a gestão de J.S. Bach.

Essa lacuna de informação torna valioso cada novo dado. Na época, Bach foi a terceira opção na escolha do kantor de Leipzig, e não se pode dizer que se tratasse do emprego de seus sonhos: as atas das sessões do conselho municipal a partir de 1723 testemunham numerosos pequenos e grandes conflitos com o músico, tachado de "pouco diligente" e "incorrigível". Ele, por sua vez, considerava equivocada a política cultural da cidade.


"S.D.G." nas partituras de Bach significa "Soli Deo Gloria" – Glória a Deus somente

Apesar disso tudo, os pesquisadores partiam do princípio que Bach sempre cumprira fielmente seus deveres profissionais. Agora, surpreendentemente, descobre-se que "um monitor o substituiu inteiramente, e por um tempo muito mais longo do que se pudesse imaginar", enfatiza Maul.

Será que o músico altamente considerado, na região e mais além, portador do título de "compositor da corte do príncipe eleitor da Saxônia" podia efetivamente se dar a tal luxo? "Espanta-me que o conselho de Leipzig tenha permitido isso", revela o musicólogo do Arquivo Bach. "Não se sabe se Bach tomou por iniciativa própria essa decisão. Ou será que, na realidade, foi uma decisão do conselho?"

O que se sabe é que, em algum ponto, o grande compositor perdeu o direito de escolher pessoalmente os futuros membros do prestigioso grupo musical. Em 1749, ocorreu uma ação que hoje em dia poderia ser definida como mobbing: na presença de Bach, foi organizada uma audição para a escolha de seu sucessor – uma séria afronta para um profissional em cargo vitalício.

Diagnóstico precipitado

Por que o instrumentista e compositor tão prolífico negligenciou desse modo suas obrigações comokantor? Diante do novo e sensacional achado, talvez precipitadamente, jornalistas de música alemães logo falaram de estafa profissional, o "burnout de Bach".


Exposição "Bach no espelho da medicina", em Eisenach

O médico e musicólogo Wolfram Görtz, porém, adverte contra diagnósticos a tamanha distância temporal. Coordenador do serviço ambulatorial para músicos da clínica da Universidade de Düsseldorf, ele dedicou sua tese de mestrado às cantatas de Johann Sebastian Bach. "É relativamente difícil constatar umburnout. E se fosse uma depressão, Bach não teria conseguido compor tanto como o fez em sua última década de vida", argumenta.

Ou seja: diante de obras como A arte da fuga ou a Missa em si menor, não há como falar em dúvida de si mesmo, sentimento de inferioridade ou mesmo perda de sentido existencial. Pelo contrário, ressalta Görtz: "Bach amava o trabalho rápido e eficiente; amava as mulheres, sobretudo as suas próprias. E amava a música!"

O médico encontra outra explicação para o retiro profissional. "Não podemos esquecer que Bach enxergava mal e que, por isso, possivelmente não conseguia dar conta de certas tarefas quotidianas."

Mestre na arte de viver


Biografia de Johann Sebastian Bach é relativamente pouco documentada

Peer Abilgaard, médico-chefe da Clínica Helios, em Duisburg, e docente de Saúde para Músicos pela Escola Superior de Música e Dança de Colônia, concorda com Görtz: para ele Bach é um fenômeno, justamente por sua capacidade de lidar com diversos tipos de estresse.

"Ele tinha nove anos quando perdeu pai e mãe; doze anos quando o irmão, sua figura de referência mais próxima, morreu; não pôde nem mesmo se despedir de sua amada primeira mulher: ela morreu quando ele estava viajando. De seus 20 filhos, teve que enterrar dez. Eu acho muito mais interessante se perguntar como, apesar de todas essas cargas, ele conseguiu criar uma obra tão vasta."

E, ainda por cima, uma obra que, longe de só se dedicar ao sofrimento, até hoje comunica consolo e energia vital a quem a escuta. A conclusão dos especialistas é: Bach era um grande mestre na arte de gerir as próprias forças, tanto psíquicas quanto físicas. É plenamente compreensível que ele soubesse se livrar das tarefas que considerasse incômodas ou secundárias, com a maior tranquilidade.
Fonte:DW.DE
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