Frédéric Belnet
Uma das mais conhecidas personagens da pré-história é a doce Lucy, a pequena fêmea de Australopithecus afarensis de 3 milhões de anos, descoberta na Etiópia em 1974. O esqueleto mais completo de Homo florensiensis – uma espécie humana fóssil que não alcançava mais de 1 metro de altura, descoberta na Indonésia em 2003 – data de 18 mil anos e é o de uma mulher de 30 anos. Quanto a Luzia, uma das primeiras brasileiras, ela teria vivido há 11.500 anos...
Esses fósseis informam os especialistas sobre a existência ou a presença de uma espécie. As ossadas de indivíduos do sexo masculino cumprem o mesmo papel. Já as Vênus paleolíticas, mais especificamente ligadas à feminilidade, são estatuetas de mulheres de carnes abundantes do Período Gravetiano (28 000-20.000 a.C.), como a de Vênus de Lespugue (Haute-Garonne,França) ou a Dama de Brassempouy (Landes, França).
Esses objetos antes evocam a mãe ou a mulher-objeto do que a mulher liberada. É uma imagem veiculada por uma longa tradição. “Pelo lugar que é concedido à mulher, a pré-história apresentada aos europeus da segunda metade do século XX oferece a imagem de uma mulher inferior ao homem e submetida aos caprichos dele”, observa o historiador Pascal Semonsut. Com a exceção de Ayla, a heroína de Os filhos da terra, a saga da romancista norte-americana Jean M. Auel, a mulher do romance histórico e da história em quadrinhos, se está geralmente presente (e muitas vezes é bela), permanece no entanto apagada e relegada a um papel de segundo plano. No cinema, “simples figurante, ela é a heroína de raros filmes que exigem uma plástica irrepreensível”, acrescenta ele.
Não há muita coisa, no plano acadêmico, para ajustar o foco: nos manuais escolares, mesmo nos recentes, “a mulher não está presente senão em episódios raros e muito discretos. Ela não tem direito a uma só linha, seja para retratá-la, seja para descrever o que se pensa que foram as suas atividades”, conclui o historiador.
As iniciativas feministas, se fizeram as coisas se agitar um pouco, sofreram da falta de documentação objetiva sobre o assunto. “Por muito tempo, a mulher foi considerada arqueologicamente invisível”, observou a historiadora das ciências Claudine Cohen.
Na tentativa de fornecer respostas, alguns autores se apoiaram sobre a etnologia – o estudo dos povos indígenas atuais – e por vezes sobre a simples lógica para dar uma nova vida à mulher pré-histórica.
Assim, o corte da caça abatida e o transporte da carne, que não necessitavam de grande força física, foram considerados atividades femininas. Assim como a coleta (retirada de frutos, de mariscos...), essencial à subsistência do grupo, o artesanato e talvez até a arte. Mas a mulher permanecia acima de tudo como “a mãe”.
“De início, não havia nem divisão sexual do trabalho nem especialização. Elas se desenvolveram pouco a pouco. As tarefas mais especificamente femininas eram a peleteria (tratamento das peles de animais), a costura, a manufatura de cestos e, mais tarde, a fabricação de potes de argila. Se o homem era o caçador e o artesão de suas ferramentas, a mulher se entregava à coleta e depois à agricultura”, estimou Myriam Philibert, doutora em pré-história, que acrescentou que “ter uma numerosa prole fazia da mulher favorecida pela sorte um ser excepcional no seio do clã”.
Por muito tempo defendida, a tese de uma sociedade matriarcal, até mesmo uma ginecocracia, está hoje em dia abandonada. A paleoantropologia e a arqueologia fornecem raras precisões. De início, no que diz respeito à organização familiar: em 2011, uma equipe internacional estudou os isótopos químicos do esmalte dentário de australopitecos sul-africanos de cerca de 2 milhões de anos (Sterkfontein) e mostrou que, entre esses pré-humanos, a fêmea púbere deixava seu clã natal para encontrar em outros lugares um companheiro (o macho, por sua vez, permanecia em sua comunidade). Essa organização foi encontrada entre os neandertais há 50 mil anos, como mostra um estudo (genético) de fósseis encontrados na gruta de El Sidrón, na Espanha. Nesses dois exemplos, é portanto a fêmea que transpõe o limiar de sua família para fazer a sua vida em outra tribo, evidenciando por isso mesmo uma atitude menos conservadora exclusivamente feminina.
Em um registro totalmente diverso, em 2006, graças a um programa de computador criado pelos franceses Jean-Michel Chazine e Arnaud Noury, baseado no índice de Manning (que mede as proporções entre os dedos indicador e anular, diferentes nos dois sexos), pesquisadores estabeleceram que na gruta Cosquer (Marselha, França, 27.000-19.000 a.C.) as impressões de mãos deixadas nas paredes – um motivo recorrente na arte rupestre – eram provenientes, na maioria dos casos, de mulheres, e não de homens, e que, na gruta indonésia de Gua Masri, os registros de mãos femininas e masculinas ficavam lado a lado, sem se misturar, o que deve provocar a reflexão daqueles que atribuem aos homens (os machos) as atividades valorizadas, como a caça ou a arte pré-histórica. Finalmente, se, de acordo com Myriam Philibert, “as primeiras sepulturas (...) do Paleolítico Médio mostram que não existe diferença alguma, na morte, entre os indivíduos do sexo masculino e os do sexo feminino”, não se pode dizer o mesmo do Paleolítico Superior: a Dama de Saint-Germain-la-Rivière (Gironda, França), uma jovem mulher enterrada há cerca de 15.800 anos com um preciso mobiliário tumular – notadamente adornos em dentes caninos de cervos –, apresenta todos os sinais de um status social muito elevado, que ela tentou manter, inclusive, na vida após a morte.
Fonte:
História Viva
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