Escultura em pedra em memória às vítimas do nazismo é colocada diante do prédio onde Adolf Hitler nasceu, em Braunau am Inn, na Áustria
Dias depois que esta cidade que fica do outro lado do rio a partir da Baviera se rendeu ao Exército norte-americano em maio de 1945, um grupo de soldados alemães tentou derrubar uma casa de três andares aqui que servia como santuário e local de peregrinação nazista desde o final dos anos 1930.
As tropas norte-americanas os impediram. Mas ao proteger o prédio no centro histórico da cidade, consolidaram um legado indesejado para os cidadãos de Braunau am Inn. Quem, afinal de contas, quer uma lembrança constante em seu meio de que vive na cidade onde Adolf Hitler nasceu?
Muitas pessoas aqui têm outras ideias sobre os motivos pelos quais esta cidade no rio Inn deveria ser conhecida. A cidade natal de um autor de hinos. A saúde de sua indústria local. Mas para virar a página, elas precisam primeiro lidar com a casa.
Quando as tropas impediram a destruição do prédio na rua Salzburger Vorstadt, elas abriram caminho para uma disputa que ainda enfurece muitos, embora possa se resolver em breve.
Desde dezembro, o governo austríaco vem pressionando por uma solução para o prédio vazio, que é uma propriedade privada, porém alugada pelo governo. Ele ofereceu comprar a casa e está avaliando se é possível desapropriá-la da dona se ela continuar evitando as reformas necessárias. A condição da construção está dificultando o aluguel.
Ao longo dos anos, a casa serviu como um museu improvisado, uma escola e uma biblioteca. Por mais de três décadas, uma organização que oferece apoio e assistência para a integração de pessoas deficientes administrava uma loja e uma oficina na casa. Mas a organização se mudou em 2011, e o governo novamente se viu diante da questão do que fazer com a construção.
O problema não é a falta de ideias ou de iniciativa.
"Por que refugiados não podem morar lá?", diz Georg Wojak, comissário de Braunau e do distrito em torno, quando questionado sobre o futuro da casa natal. "Não precisamos dessa casa, mas este seria um uso apropriado para ela."
Andreas Maislinger, historiador de Innsbruck, passou anos tentando conseguir apoio para sua ideia de estabelecer um memorial e projeto pela paz na casa, que envolveria jovens e colaboradores internacionais, refletindo a peculiaridade do local.
"Braunau é um lugar histórico em sua própria categoria", disse Maislinger. "Não é um local onde foram cometidos crimes. Nenhuma decisão foi tomada aqui. Contudo, estamos preocupados com o lugar há décadas."
"Braunau é um símbolo", diz ele. "É onde o mal entrou no mundo."
Depois da guerra, os alemães e as forças de ocupação quiseram demolir todos os locais ligados a Hitler, desde o antigo e o novo prédio da chancelaria em Berlim até o Berghof nos Alpes da Baviera.
Este sentimento ainda está vivo, descobriu Maislinger ao tentar conseguir apoio para seu projeto com membros do Parlamento alemão.
Gregor Gysi, um líder do partido de esquerda, resumiu-o em sua resposta curta: "ou a casa deveria ser demolida ou usada de uma forma que nenhum neonazista ousasse chegar perto dela".
Temores de que a casa possa se tornar um local de peregrinação levaram o governo austríaco a assumir o arrendamento da casa em 1972, hoje propriedade de Gerlinde Pommer, uma descendente da família que a construiu. Ela tinha uma taverna no térreo e apartamentos nos andares superiores, um dos quais foi alugado pelos pais de Hitler antes de seu nascimento em 1889.
A dona atual se recusa há anos a permitir que as reformas necessárias sejam feitas, o que espantou a organização para deficientes do local três anos atrás. Sua relutância também dificultou encontrar um inquilino que atenda as exigências de utilizá-la para fins administrativos, educativos ou de serviços sociais.
Enquanto isso, o governo austríaco continua pagando cerca de 4.800 euros (cerca de R$ 15.500) de aluguel por mês para ela.
O prefeito Johannes Waidbacher de Braunau suspira quando questionado sobre a casa. Ele preferiria se concentrar na expansão da fábrica de alumínio que serve como espinha dorsal da indústria local ou nos esforços para revitalizar a área central da cidade, onde a casa onde Hitler nasceu é um entre vários prédios vacantes.
Ele passou meses com o conselho municipal e outros, lutando em vão para criar um uso para a casa que deixasse todos – o governo, a prefeitura e a dona – felizes. Agora, ele está esperando.
"Não existe razão para criar novos conceitos até vermos como a situação se desenrola", disse Waidbacher.
Como muitos aqui, o prefeito reconhece o peso da responsabilidade que vem com a ligação histórica indisputável, embora indesejável, da casa – e da cidade.
O estigma há muito perturba os moradores. Já é difícil o bastante viver em um lugar que alude aos nazistas no nome - "braun", marrom em alemão, é a cor associada ao Partido Nazista. "Braunau não é marrom", declarava um slogan que tentava melhorar a imagem da cidade.
A última palavra em Braunau é "paz". Desde que assumiu como comissário em 2008, Wojak plantou dezenas de mudas de tília pelo distrito, como símbolos da paz. Moradores locais menos conhecidos e com biografias mais limpas, como Franz Jägerstätter, da resistência ao nazismo, tiveram parques nomeados em sua homenagem.
Um esforço comunitário foi feito em torno da celebração do local de nascimento de Franz Xaver Gruber, o compositor de "Noite Feliz", com uma trilha decorada com sete estátuas de bronze – uma para cada continente onde a música deste filho do local é cantada nas noites de Natal.
Os moradores de Braunau passam pelas janelas vazias da casa ou esperam no ponto de ônibus na calçada sem nem mesmo olhar para a pedra memorial que alerta em letras maiúsculas sobre os perigos do fascismo. Eles, no entanto, gostariam mesmo de se livrar daquilo.
Por décadas depois da 2ª Guerra Mundial, veteranos da Áustria e da vizinha Alemanha ainda peregrinavam até ela, especialmente no aniversário de Hitler.
Agora a polícia local diz que a cena neonazista minguou nos últimos anos. A casa está sob vigilância constante, mas os problemas são raros, diz a polícia.
Entretanto, alguns ainda se esforçam muito para evitar o que eles sabem que é inevitável. Quando viaja para o exterior e perguntam de onde ele vem, Hans Schwarzmayr, morador local, diz que sempre responde "rio abaixo de Salzburgo", ou "a cerca de 120 km a leste de Munique" - qualquer coisa para evitar dizer o nome da cidade.
"Se eles msmo assim não entendem, então eu desisto e digo 'Braunau'", diz Shwarzmayr. "A resposta é sempre a mesma: 'ah, o lugar onde Hitler nasceu. Por que você não falou?'"
Fonte: http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/the-new-york-times/2015/02/16/cidade-natal-de-hitler-tenta-superar-a-heranca-do-mal.htm
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