Relato do correspondente Joel Silveira sobre a conquista do monte italiano realizada pela FEB, em fevereiro de 1945.
Na véspera do dia 21 eu havia pedido um jipe ao Major Souza Júnior, encarregado dos correspondentes, para ir a Nápoles esperar o quarto escalão de tropas brasileiras que chegaria no dia 23. O major, então, me perguntou:
– Você prefere esperar o escalão ou uma coisa melhor?
A “coisa melhor” era a ofensiva brasileira do dia 21 sobre o Monte Castelo. Manhã cedo, no QG recuado, fomos avisados de que a nossa artilharia abrira fogo cerrado, naquela noite, contra posições defensivas inimigas nas montanhas que há três meses nos barravam o caminho. Tomamos um café apressado, enchemos os bolsos de chocolate e chicle, e soltamos nossas viaturas até o QG avançado. Os jipes necessários já esperavam os correspondentes, e cada qual subia no seu e procurou, na frente, o melhor lugar para uma observação total da luta. Creio que a sorte me protegeu, que meu jipe andou mais depressa, não sei: o certo é que tomei de assalto o PO avançado do General Cordeiro de Faria e lá me instalei por todo o dia. Eram 8h da manhã quando o general me cedeu seu lugar diante da luneta binocular e me disse:
O brasileiro que aprendeu a guerrear na guerra
– Começamos a atacar às 6 da manhã. As tropas em ofensiva constituem o 1º Regimento de Infantaria, o Sampaio. Os seus três batalhões avançam na seguinte ordem: o 1º comandado pelo Major Olívio Godim de Uzeda, segue pela esquerda; o 2º comandado pelo Major Sizeno Sarmento, vai pelo centro; e o 3º, comandado pelo Tenente Coronel Emílio Rodrigues Franklin, partirá da direita. Nossa intenção é envolver todo o morro e, em coordenação com a ofensiva americana que já conquistou Belvedere, arrancá-lo das mãos nazistas até o fim da tarde de hoje.
Vejo, através da luneta, os nossos pracinhas agachados lá na frente, grupos aqui e ali rastejando na direção do cume de onde atiram, com suas curtas e sinistras gargalhadas, as terríveis “lurdinhas” alemãs. Agora mesmo um deles encostou-se num pedaço de muro destruído e aponta sua Thompson para qualquer lugar lá em cima. Os morteiros nazistas rebentam nas faldas do sul, mas nossa artilharia reinicia seu canhoneio sistemático e certeiro, como fizera toda à noite. Escuto os silvos das granadas sobre nós, vejo-as explodirem lá adiante, numa coroa de fumaça que cai sobre o Castelo como uma auréola de chumbo. Uma de nossas baterias parece que perdeu a mira, e seis tiros caem muito aquém, quase num determinado setor brasileiro.
O General Cordeiro dá ordens secas e rápidas, e durante alguns minutos seus ajudantes-de-ordens procuram, através dos cinco telefones de campanha e dos dois rádios, localizar o canhão amalucado. Finalmente o Capitão Durval de Alvarenga Souto Maior, comandante da 1ª Bateria do 1º Grupo, descobre que o canhão pertence à sua unidade. Há uma ordem rápida pelo rádio, e os tiros agora estão perfeitamente ajustados no eficiente conjunto de toda a artilharia. À esquerda, sobre posições americanas além de Belvedere, cinco ou seis Thunderbolts descem em picada, rápidos como um peso despencado de cima, e metralham impiedosamente os nazistas em defensiva.
Marcas do Nazismo em fazendas do interior de São Paulo
Quando cheguei ao Posto de Observação do General Cordeiro, duas ou três horas depois de iniciada a ofensiva, a situação era mais ou menos esta: os batalhões avançaram, com exceção do 2º, comandado pelo Major Sizeno, que partiria às 11h 35min de Gaggio Montano. Os nazistas tentavam impedir a progressão dos brasileiros com um fogo concentrado de morteiros. Eu sabia que a conquista de Castelo só seria efetuada depois que os americanos, que partiram de Belvedere, houvessem se apoderado de Toraccia, um pico que, atrás, dominava certa parte do morro sobre o qual avançavam nossos homens.
O ataque americano, que começara na noite anterior, estava sendo efetuado por toda uma divisão especializada, a 10ª de Montanha, recentemente chegada a este setor. Naquele momento, 10 da manhã, os norte-americanos se encontravam em determinado ponto além de Menzacona, meio caminho entre Belvedere e Toraccia. Menzacona ficara em poder de um dos batalhões de brasileiros, com o qual os americanos haviam-se encontrado pela manhã. Então a ofensiva combinada, no lado direito, tomou o seguinte aspecto: os brasileiros deixaram alguns homens em Menzacona e seguiram em direção a Castelo, pela esquerda e comandados pelo Major Uzeda: os americanos foram à frente, em direção a Toraccia.
Daí por diante, os acontecimentos se sucederam nesta ordem, conforme me dizem os quase indecifráveis apontamentos que fui tomando às carreiras, entre uma olhada de binóculo e uma informação dos rádios:
– Ao meio dia, o General Clark, comandante da frente italiana, o General Truscott, comandante do V Exército, o General Crittenberger e o comandante-chefe das forças aéreas do Mediterrâneo estiveram em visita ao General Mascarenhas de Moraes, no seu posto de observação precisamente três quilômetros à direita do PO do General Cordeiro.
– Às 12h 30min, o Major Uzeda, que avança pela esquerda, pede proteção de artilharia para que possa alcançar um ponto na sua frente, e o General Cordeiro ordena às baterias: “Cinco rajadas de morteiro sobre 813.”
José Dequech: À serviço da artilharia da FEB
– Às 13h 55min, um dos batalhões avisa que foram avistados reforços alemães que começam a chegar a Castelo. Ao lado direito, o Coronel Franklin está detido com o seu 3º Batalhão. O Major Uzeda previne pelo rádio que tentará envolver Castelo pela esquerda.
– Às 14h 20min, o Major Uzeda avisa que vai atacar 920, penúltimo ponto antes da crista de Castelo. Pede mais tiro ao General Cordeiro, que transmite, através de seus auxiliares (o Coronel Miranda Correia e o Capitão Souto Maior são dois deles), ordens às baterias. O Major Uzeda se encontra precisamente a cinco quilômetros do PO, tendo realizado já uma progressão de dois quilômetros. O diálogo entre Alma I, Alma II e Alma III (observadores junto aos batalhões) e Lata I, Lata II e Lata III (oficiais de ligação em plena luta) se repete de minuto a minuto.
– Às 15h, o Major Uzeda se encontra firme em 930, mas neutralizado por metralhadoras alemãs. Seu objetivo final será 977, ou seja, o cume de Castelo, onde tenciona chegar depois das 16h 30min. Fica combinado então que, às 16h 20min, quando seu batalhão iniciar a definitiva marcha sobre a crista de Castelo, toda a artilharia divisionária concentrará seus fogos sobre as faldas e o cume do monte. Estamos disparando com canhões de 105, 155 mm e morteiros.
– Às 15h 5min, escuto do General Cordeiro que, até aquele instante, calculava já ter gasto uns 8 milhões de cruzeiros de munição com os disparos da sua artilharia.
– Às 15h 30min o Major Uzeda diz pelo rádio: “Meus homens estão prontos para atacar.” Olho pelo binóculo que me emprestou o Coronel Miranda Correia e vejo, lá em cima, no 930, os soldados em formação de ataque, esparsos pelos pequenos vales e deitados na pouca neve que o sol ainda não conseguira mandar embora.
Entre 15h 30min e 15h 50min há uma relativa calma: somente os morteiros nazistas, os aviões mergulhando nas faldas de Toraccia e um teco-teco brasileiro, plácido como uma asa estendida, que navega solitário sobre o campo de luta. O PO do General Cordeiro de Faria fica localizado numa elevação de terreno – lá embaixo, é o vale que nos separa de Castelo, e aqui atrás, seiscentos metros distante, está localizado um dos grupos de nossa artilharia. Quando suas peças disparam, há um violento estremecimento de toda a casa, e xícaras e copos trepidam na mesa com um barulho cristalino. Os paisanos que aqui residiam, neste chalé amarelo, foram expulsos pela guerra e parece que não tiveram tempo de levar suas coisas. Os móveis estão intactos, há litogravuras nas paredes, um Cristo desalentado e pálido, fotografias de cavalheiros fardados e senhoras em trajes de inverno. Num dos cantos da sala onde o general colocou sua luneta, descubro um ricordo nuziale cercado por uma moldura dourada. Ali se recorda que, no dia 11 de dezembro de 1927, numa igreja de Bolonha, se consorciaram Dino Bettochi e Caterina Cionni. Uma paz distante.Monte Castello atualmente.
– Às 16h 3min o Coronel Franklin informa pelo rádio que seus homens ocuparam Fornelo, à direita de Castelo e próximo ao seu cume. Tratava-se de um ponto forte inimigo, eriçado de metralhadoras, que foi dominado pelos nossos soldados. Fornelo foi um dos pontos em que foram barrados, em novembro e dezembro últimos, os anteriores ataques brasileiros contra a montanha tão cruel. Continua progredindo o batalhão do Coronel Franklin.
– Sem dúvida alguma, o instante mais sensacional de toda a luta do dia 21 aconteceu às 16h 20min, quando toda a artilharia divisionária concentrou seus fogos sobre Castelo. Já havia lá fora qualquer coisa da noite, e os obuses explodiam em chamas altas, que o binóculo me mostra, tão próximas e reais.
As faldas do monte estão cavadas e lá em cima o cume ficou transformado numa cratera de vulcão em erupção. O Major Uzeda avança protegido pela função dos tiros de fuligem, e nossas metralhadoras estão trabalhando ativamente. Aqui dentro, ninguém diz nada. O general colocou definitivamente os olhos na luneta, e seus dedos – vejo bem – alisam automaticamente um pedaço da mesa. O Coronel Correia diz num fiapo de voz:
– Todo mundo está andando…
– Às 17h 40min os homens do Major Uzeda alcançam Esperança, outro ponte forte nazista no setor 930.
– Às 17h 45min o General Cordeiro de Faria afasta-se das lunetas, vira-se para mim e diz: “Praticamente Castelo está conquistado.” Chegam também informações sobre a situação dos americanos: eles não conseguiram ainda tomar Toraccia, e o avanço brasileiro sobre Castelo terá que ser feito com aquela estratégica posição ainda em mãos dos nazistas.
– Às 17h 50min a voz do Coronel Franklin vem, forte pelo rádio: “Estou no cume do Castelo.” E pede fogos de artilharia sobre pontos inimigos além do monte. “Castelo é nosso”, diz-me o general. Mais três minutos, e as baterias estão canhoneando Caselina, Serra e Bela Vista. Os nazistas respondem com morteiros. Mas nada mais adiantaria, porque, como me diria no dia seguinte o Coronel Franklin, “estamos em Castelo e ninguém mais nos tira daqui.”
São mais de sete da noite quando seguimos, eu e o fotógrafo Horácio, pela estrada deserta e fria a caminho do nosso jipe que ficou distante. Nossa artilharia continua incansável. O Castelo está bem a nossa frente, mas é agora uma coleção de faldas amansadas. Já não nos domina com suas casamatas, já não vigia implacável nossos caminhos e estradas, já não nos persegue com seus mil olhos nazistas. É um morro brasileiro, e amanhã estarei lá em cima, junto com os pracinhas vitoriosos, passeando pela sua arrogância domada.O Capitão Vernom Walters canta com os ‘Pracinhas’ o Hino BrasileiroInaugurado ao pé do Monte Castello em 21/06/2001, o Monumento ai Caduti Brasiliani, projetado pela brasileira Mary Vieira, homenageia os soldados brasileiros mortos na Itália.
Um dos arcos brancos aponta para a terra e simboliza a morte, ao passo que o outro aponta para o céu, isto é, para a transcendência que as mortes dos soldados significaram.
Ademais, na concepção do monumento, a escultora Mary Vieira imaginou o movimento contínuo do sol que, ao meio-dia, projeta sobre o solo uma cruz, símbolizando o heroísmo brasileiro.
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Fonte deste artigo: História de Pracinha – Joel Silveira – Edições de Ouro
Fonte na internet: Grandes Guerras
Fonte:http://historiamilitaronline.com.br/tag/feb/
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