Uma das razões pelas quais o processo de Galileu sempre despertou o interesse dos leitores da História das Ciências foi, sem dúvida, a simpatia que em todos nós desperta a condição daqueles que, armados de verificações objetivas, ousam desafiar as verdades estabelecidas pelas antigas tradições.
Mas, mesmo deixando de lado os aspectos mais emocionais do problema, ainda há, no processo de Galileu, muita coisa para despertar o interesse do investigador sóbrio e imparcial, por causa da ausência de registros escritos sobre alguns fatos que permaneceram obscuros até os dias de hoje.
Embora seja obviamente impossível apresentar neste artigo uma cobertura completa dos acontecimentos que resultaram neste famoso processo, vamos procurar, mesmo nos limitando aos fatos essenciais, dar ao leitor uma idéia geral daquilo que realmente se sabe e dos acontecimentos sobre os quais só podemos infelizmente fazer suposições.
Todos concordam, em princípio, que a causa imediata do processo de Galileu foi a publicação da sua obra “Diálogo sobre os dois maiores sistemas do mundo”, onde se discute, sob a forma de um debate entre três personagens, os méritos dos sistemas astronômicos de Ptolomeu e Copérnico. Devemos lembrar aqui que, desde sua publicação em 1543, a teoria de Copérnico (segundo a qual os planetas giram em torno do sol) encontrou forte oposição, tanto entre os astrônomos como entre os teólogos.
É verdade, entretanto, que a aparência de Vênus, vista no telescópio era o argumento mais importante contra a teoria de Ptolomeu. De fato, de acordo com esta teoria, a órbita deste planeta estaria sempre contida entre a Terra e o Sol, o que estava em franco desacordo com as observações de Galileu que viu suas fases indo desde a Vênus “nova” até a Vênus “cheia” (caso em que o Sol deveria estar entre a Terra e Vênus).
Apesar de convencido da superioridade do sistema de Copérnico, Galileu esperou até 1632 para publicar seu “Diálogo”. A razão desta demora é conhecida: em 1616 ele foi chamado para uma entrevista com o cardeal Bellarmino (um dos maiores teólogos da época) na qual ele foi oficialmente informado da posição da Igreja, contrária à teoria de Copérnico, conforme consta de uma declaração (preservada até hoje) na qual o cardeal acrescenta, provavelmente a pedido do próprio Galileu, que este não tinha recebido nenhuma penitência ou sido forçado a desmentir qualquer opinião herética. (Deve-se acrescentar que a Igreja não se opunha diretamente à discussão das idéias de Copérnico, desde que estas fossem tratadas como uma hipótese matemática conveniente para ilustrar a disposição dos corpos celestes).
Por que então Galileu decidiu-se a escrever o “Diálogo”? O motivo para esta resolução deve ter ocorrido a partir de 1623, quando o cardeal Barberini, colega de Galileu na “Academia dos Linces” (uma das primeiras sociedades científicas), que mostrara anteriormente interesse pelos seus estudos, foi eleito papa adotando o nome de Urbano VIII. Se, ao que tudo indica, Galileu julgou que a situação tornava-se mais favorável para a divulgação de suas idéias ele estava certamente equivocado, pois assim que a obra foi publicada houve logo forte pressão, da parte dos seus adversários, para que ele fosse oficialmente condenado.
Mais recentemente outras possibilidades foram lembradas como possíveis motivos para a condenação de Galileu, envolvendo desde o uso que este faz do raciocínio indutivo (que era avançado em relação à argumentação científica da época) até uma possível associação da parte dos seus opositores, da sua obra com a de Giordano Bruno.
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