7.9.20
Escravidão Indígena no Brasil
Nos primeiros anos da economia canavieira na América Portuguesa, a mão-de-obra era composta de indígenas escravisados. Mas a escravidão indígena logo se mostrou incoerente com o domínio jesuítico e a rentabilidade do tráfico negreiro.
Causas e características da escravidão indígena
Com o início da colonização em 1532, as relações entre indígenas e portugueses tornaram-se, de modo geral, bastante conflituosas. Os portugueses necessitavam de mão de obra para suas plantações de cana-de-açúcar, mas os indígenas não mostravam interesse em trabalhar nessas lavouras. Dessa forma, os lusos iniciaram um violento processo de captura e escravização indígena.
Para conseguir escravos, os colonos fizeram, em diversas ocasiões, alianças com outros grupos indígenas, uma vez que um temiminó podia achar um tamoio tão estrangeiro quanto um português.
Ao longo do século XVI, a demanda portuguesa fez as guerras intertribais se intensificarem e atingirem proporções inéditas. Ainda na primeira metade do século XVI, os dados da colônia demonstram que apenas 7% do trabalho no Brasil era executado por escravos de origem africana, o que comprova que grande parte das atividades executadas aqui eram consumidoras de trabalho escravo autóctone.
Não apenas aqueles que se opunham aos portugueses foram afetados pelo avanço da colonização lusa, mas também os povos indígenas como um todo. As investidas dos europeus levaram diversos grupos a abandonar a costa e a migrar para o interior, sobretudo para regiões de mais disponibilidade de alimentos, como as áreas de florestas da região amazônica.
Além do risco de escravização, as epidemias que acompanhavam a conquista ceifaram a vida de um número incalculável de nativos.
Até 1570, houve grande avanço dos portugueses no sentido de ampliar a escravização indígena. Nesse período, esta foi constante principalmente no Nordeste, centro da economia açucareira.
As leis contra a escravização indígena
A partir de 1570, passou a vigorar a primeira lei que previa a extinção da escravização indígena, assinada por D. João III, rei de Portugal. Embora tenha tido algum efeito a longo prazo, a lei de 1570 previa uma série de exceções.
Basicamente, a escravização era autorizada quando precedida de uma “guerra justa” contra os nativos. Essa noção jurídica, porém, era bastante imprecisa. Uma “guerra justa” podia envolver tanto casos em que os indígenas atacavam cidades e engenhos como episódios relacionados à antropofagia.
Essas brechas na lei foram bastante úteis aos colonos, que as usaram em diversas ocasiões para justificar a submissão dos nativos. É importante notar que a medida foi tomada sob influência dos padres jesuítas portugueses, que viam na escravidão uma barreira à conversão dos indígenas à fé cristã. Esses religiosos eram os mais preocupados em fazer a lei de 1570 ser obedecida.
A resistência indígena e sua dizimação
Além da atuação dos jesuítas, outro fator que dificultou a escravização indígena foi a intensa resistência dos nativos. Ela foi tão forte que algumas capitanias hereditárias foram abandonadas em razão das dificuldades dos capitães donatários para enfrentar os “índios bravios”. Além disso, quando capturados e submetidos, os nativos com frequência entravam em conflito em razão das medidas tomadas pelos senhores de engenho. As fugas também eram constantes e facilitadas pelo conhecimento prévio do território.
Fatores como esses, aliados à grande mortalidade dos indígenas após o contato com doenças trazidas pelos europeus, resultaram em uma verdadeira catástrofe demográfica autóctone, em que dados recentes apontam que, no fim do sistema colonial, a população indígena no Brasil resumia-se a meio milhão de indivíduos.
Esses elementos explicam em parte a lenta transição para o uso da mão de obra escrava negra que se iniciou no final do século XVI. Vindos de outro continente, os negros estavam deslocados no Novo Mundo, o que desestimulava as fugas. Esse aspecto, entre outros, explica a maior escravização desse grupo.
Apesar de não ter sido mão de obra preponderante no Brasil colonial, o apresamento de índios foi bastante intenso, chegando a representar em torno de 20% dos braços de trabalho na colônia, mesmo no auge do sistema escravista africano negro.
A partir do século XVII, os bandeirantes paulistas passaram a fazer com mais frequência expedições contra aldeias e missões jesuíticas, principalmente nas regiões Sudeste e Sul, as chamadas bandeiras de preação. Assim, embora houvesse uma legislação da Coroa portuguesa sobre os povos nativos, ainda que contraditória e oscilante, longe dos olhos das autoridades metropolitanas, muitos colonos ignoravam que houvesse qualquer regra a ser seguida na relação com os indígenas.
A cristianização dos indígenas
Durante quase todo o Período Colonial, os missionários jesuítas foram bastante atuantes. Entre 1549 e 1760, esses religiosos fundaram colégios, criaram aldeamentos cristãos e conseguiram constituir um considerável patrimônio. Seu principal intuito era difundir no Novo Mundo a fé cristã, tida como a única verdadeira.
Para difundir sua fé, os padres aproximavam-se das tribos indígenas e lideravam o processo de transformação das aldeias em missões cristãs. No processo de catequização, os religiosos costumavam articular as antigas tradições indígenas às práticas culturais cristãs construídas no cotidiano dos aldeamentos.
O domínio da língua tupi foi, em especial, uma importante ferramenta no processo de catequização de vários povos, conquistada pela atuação do padre Anchieta, clérigo responsável pela primeira gramática tupi criada por Portugal.
Esse processo de catequização, que podia demorar anos, levava à lenta conversão do grupo e das lideranças indígenas ao cristianismo, ainda que nem sempre houvesse unanimidade dentro das comunidades. Essa conversão também esteve, muitas vezes, condicionada à aceitação por parte dos padres da continuidade de alguns costumes indígenas.
Os aldeamentos podiam congregar milhares de nativos e tendiam a ser autossuficientes em termos econômicos. Nesses locais, a cultura indígena milenar era praticamente abandonada em nome do cristianismo. Os jesuítas, porém, não pretendiam escravizar os índios, mas torná-los “filhos de Deus”. Para isso, com frequência, intervinham na pacificação dos nativos considerados hostis.
As “expedições de descimento”, nome dado ao percurso dos índios que habitavam o interior e se dirigiam para aldeamentos no litoral, passaram a ser obrigatoriamente acompanhadas pelos missionários a partir de 1587. Dessa forma, as autoridades portuguesas buscavam impedir a violência indiscriminada contra os indígenas.
A partir do século XVII, porém, colonos da capitania de São Vicente, principalmente, passaram a atacar com violência os aldeamentos, locais onde os índios já estavam “pacificados”. Nessas situações, havia graves confrontos entre jesuítas e bandeirantes.
É importante destacar que, apesar de defenderem arduamente os indígenas cristianizados, os jesuítas, de modo geral, não discordavam da violência aplicada aos índios infiéis, ou seja, àqueles que não se subordinavam à religião trazida da Europa. Se, por um lado, os aldeamentos dificultavam o acesso à mão de obra indígena por parte dos portugueses, por outro, sua ação foi fundamental para a ocupação colonial. Isso porque, ao longo do tempo, a formação de aldeamentos mostrou ser uma maneira bastante eficaz de manutenção do território português na América. Além disso, os aldeamentos garantiram súditos à Coroa (garantindo a ocupação do território) e a cristãos recém-convertidos à Igreja Católica.
Por: Wilson Teixeira Moutinho