7.10.20
Administração Colonial no Brasil
Em dezembro de 1530, partiu de Lisboa uma esquadra que mudaria a história das terras conquistadas pelos portugueses na América. Seu comandante era Martim Afonso de Sousa, que, à frente de quatrocentos homens, deu início à ocupação efetiva do território brasileiro.
A ocupação: primeiras providências
Uma das razões pelas quais o governo de Portugal decidiu colonizar as novas terras, a partir de 1530, foi o fato de que na Europa e no Oriente a situação não era mais tão favorável para os portugueses. Os holandeses também haviam entrado no comércio de especiarias das Índias, concorrência que provocava a queda nos preços dos produtos.
Assim, para os portugueses, já não compensava investir em viagens longas e custosas para buscá-los nas Índias e vendê-los a preços pouco atraentes na Europa. Além disso, os franceses faziam constantes incursões ao litoral das novas terras para extrair pau-brasil. Entretanto, uma razão mais forte atraía as atenções da Coroa portuguesa para o Novo Mundo: a notícia de que na América Espanhola havia grandes jazidas de ouro e prata.
Martim Afonso de Sousa na colônia
Martim Afonso de Sousa recebeu do governo português ordens para combater os navios franceses, explorar o rio da Prata (segundo alguns, via de acesso a um reino cheio de riquezas) e criar núcleos de povoamento nas novas terras. Para isso, dispunha de poderes tais como o de distribuir sesmarias (grandes propriedades rurais), de nomear tabeliães e de estabelecer um sistema administrativo no novo território.
Martim Afonso percorreu o litoral de São Paulo, onde fundou a vila de São Vicente, em janeiro de 1532, e nessa região implantou a primeira unidade produtora até chegar à região do rio da Prata, navegando rumo ao norte. Aportou no litoral do atual estado de ora de açúcar da colônia, o Engenho do Senhor Governador ou São Jorge dos Erasmos (1534). Não muito longe de São Vicente foram fundadas, naquele mesmo período, duas outras vilas: Santo André da Borda do Campo, por João Ramalho, e Santos, por Brás Cubas.
As estruturas de poder no início da colonização
Com o planejamento das estruturas político-administrativas da colônia, a Coroa portuguesa buscava viabilizar o processo de ocupação do território e criar condições para o desenvolvimento de atividades econômicas rentáveis, de acordo com o modelo de mercantilismo europeu. Para tanto, resolveu adotar na colônia os padrões administrativos da metrópole, aliados à experiência portuguesa nas ilhas do Atlântico.
Em 1532, o rei dom João III decidiu aplicar na colônia da América uma divisão administrativa que havia dado bons resultados nos Açores e na ilha da Madeira: o sistema de capitanias hereditárias.
Quase duas décadas depois, criou-se um poder central, o governo-geral, e, no âmbito local, foram instituídas as câmaras municipais, semelhantes às já existentes em Portugal.
As capitanias hereditárias
As capitanias hereditárias eram enormes faixas de terra que se limitavam a leste com o oceano Atlântico e a oeste com a linha de Tordesilhas. Essas terras foram doadas pelo rei a militares, burocratas e comerciantes portugueses, que receberam o título de “capitães donatários”.
Para formalizar seus direitos e deveres, o governo português lançou mão de dois documentos: a Carta de Doação e o Foral.
De acordo com a Carta de Doação, o capitão donatário detinha a posse da capitania, mas não a sua propriedade.
Dessa forma, não podia nem vendê-la nem dividi-la. Já o Foral dava-lhe amplos poderes: ele podia, entre outras coisas, fundar vilas, conceder terras (as sesmarias) e arrecadar impostos. Ele também podia receber tributos sobre a produção das salinas, as moendas de água e os engenhos, além de monopolizar a navegação fluvial.
Cabia-lhe, ainda, a aplicação das leis em suas possessões, bem como a defesa militar da capitania.
Com as capitanias hereditárias foi criado um sistema político-administrativo descentralizado, ou seja, não havia um governo central. Todos os donatários reportavam-se diretamente ao rei. Os donatários eram os responsáveis pelos custos do processo de implantação e do funcionamento das capitanias. Dessa forma, a Coroa portuguesa transferia para particulares o ônus da colonização. Para si, o rei reservou o monopólio das drogas-do-sertão, que eram as especiarias da floresta Amazônica (castanha-do-pará, cravo, guaraná, canela etc.), e uma parte dos impostos arrecadados.
O governo-geral
As capitanias não desapareceram imediatamente. Pouco a pouco, foram retomando ao domínio da Coroa portuguesa, por confisco ou por meio do pagamento de indenizações aos donatários. Com isso, perderam seu caráter privado, passando à esfera pública. Entretanto, mantiveram a função de unidade administrativa até o início do século XIX, quando transformaram-se em províncias.
A transferência das capitanias para o domínio da Coroa só foi concluída no período entre 1752 e 1754, sob as ordens do marquês de Pombal, espécie de primeiro-ministro de dom José I. Contudo, em 1548 o fracasso desse sistema já havia levado o governo de Portugal a criar um órgão central para administrar a colônia: o governo-geral.
No ano seguinte, chegou à Bahia Tomé de Sousa, o primeiro governador-geral. Ele veio acompanhado de aproximadamente mil pessoas, entre elas um grupo de padres jesuítas chefiado por Manuel da Nóbrega, além de funcionários da administração, militares, artesãos e degredados.
O governo-geral tornou-se o centro político da administração portuguesa na América. Sua legitimidade foi estabelecida pelo Regimento de Tomé de Sousa, de 1548, que determinava as funções administrativas, judiciais, militares e tributárias do governador-geral. Para assessorá-lo, havia três altos funcionários: o ouvidor-mor, responsável pela justiça; o provedor-mor, encarregado da tributação; e o capitão-mor, responsável pela defesa.
O cargo de governador-geral subsistiu até o século XVIII, quando foi substituído pelo de vice-rei. Os três primeiros governadores-gerais foram:
• Tomé de Sousa (1549-1553): durante seu governo foi fundada a cidade de São Salvador, que se tomou sede do governo-geral e capital da colônia. A Bahia passou a ser a Capitania Real do Brasil. Foram estabelecidos o primeiro bispado e o primeiro colégio da colônia. Na imagem ao lado, a representação de Tomé de Sousa desembarcando na Terra de Santa Cruz, de autor anônimo.
• Duarte da Costa (1553-1558): enfrentou grande instabilidade política, causada, entre outros fatores, pela invasão francesa do Rio de Janeiro (1555); entrou em atrito com o bispo do Brasil, Pero Fernandes Sardinha, que criticava o comportamento e a violência de seu filho, dom Álvaro da Costa. Um dos marcos de seu governo foi a fundação do Colégio de São Paulo, em 25 de janeiro de 1554. O colégio, fundado pelos jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, deu origem à cidade de São Paulo.
• Mem de Sá (1558-1572): fundou a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro em 1565; juntamente com seu sobrinho, Estácio de Sá, expulsou os franceses do Rio de Janeiro. É considerado o melhor governador-geral do século XVI.
O poder local: as câmaras municipais
A partir de cerca de 1550, a administração das cidades e vilas ficou nas mãos das câmaras municipais. Esses órgãos administrativos eram formados por três ou quatro vereadores, dois juízes ordinários, um procurador, um escrivão e um tesoureiro, eleitos pelos chamados “homens bons”. Além disso, contavam com alguns funcionários nomeados, conhecidos como “oficiais da Câmara”. Cabia aos membros da Câmara elaborar as leis e fiscalizar o seu cumprimento, assim como nomear juízes, arrecadar impostos e cuidar do patrimônio público (estradas, ruas, pontes etc.), do abastecimento e da regulamentação das profissões e do comércio.
As câmaras municipais representavam os interesses dos proprietários locais. Esse poder, delegado pelos senhores de engenho aos vereadores (membros eleitos da Câmara), às vezes entrava em conflito com o poder central, representado pelo governador-geral. Exemplo disso foi a Câmara de Olinda, na capitania de Pernambuco, que em 1710 chegou a comandar uma luta armada contra as tropas do governo porque se opunha à elevação do Recife à condição de vila.
A partir de 1642, com a criação do Conselho Ultramarino, que detinha forte controle político-administrativo sobre a colônia, as câmaras municipais foram pouco a pouco perdendo seu poder.
Mudanças na organização administrativa colonial
A organização administrativa da colônia passou por várias mudanças entre os séculos XVI e XVIII. Em 1548 foi dado o nome de Estado do Brasil pelo governo português. Os limites territoriais do Brasil atual não eram, nem de perto, os do período colonial. Durante anos, a Coroa ficou apenas na exploração das faixas litorâneas e aos poucos foi ampliando as terra para o oeste. Em 1572 foram estabelecidos dois governos-gerais: um ao norte, com capital em Salvador, e outro ao sul, com sede no Rio de Janeiro. Seis anos depois, os governos foram reunificados, com a capital tendo permanecido em Salvador.
Em 1621, uma nova divisão administrativa criou o Estado do Brasil, com sede em Salvador (e a partir de 1763 no Rio de Janeiro), e o Estado do Maranhão, com capital em São Luís (mais tarde, Estado do Maranhão e Grão-Pará, com sede em Belém). Em 1641, houve uma reorganização administrativa e a capital foi transferida para Salvador. Em 1774, a colônia voltou a ser reunificada administrativamente.
O papel da Igreja na administração colonial
A Igreja católica foi a grande parceira da Coroa portuguesa na tarefa de administrar a colônia. Para a instituição, os principais objetivos da conquista e da colonização das novas terras eram difundir a fé cristã em sua versão católica apostólica romana, bem como promover a catequese dos índios e administrar a vida espiritual dos colonos segundo os preceitos estabelecidos pela Santa Sé. Além de cristianizar os indígenas, buscava evitar o desregramento dos costumes entre os colonos, combater sua tendência à poligamia com as índias e educar os filhos desses colonos dentro dos preceitos religiosos da Igreja católica.
Para isso, os primeiros religiosos a chegar trataram de construir igrejas, capelas e escolas, criar paróquias e dioceses. Aos poucos ia surgindo uma estrutura material e administrativa de enorme interesse para o governo português e para a Santa Sé, que estavam preocupados em manter um rígido controle sobre as atividades e a vida religiosa da colônia.
Por: Paulo Magno da Costa Torres