No rádio, convocou a população ao engajamento político e foi responsável por uma mobilização sem precedentes. Exilado, era visto por algumas forças conservadoras como a principal ameaça revolucionária ao país. Hoje, morto, continua exercendo uma influência que ultrapassa legendas partidárias. “Ame-o ou deixe-o”, o lema do Brasil ditatorial também vale para Leonel Brizola.
E, sem dúvida, eram adoradores que formavam maioria no acalorado debate realizado pela Revista de História na última terça, dia 23. O projeto ‘Biblioteca Fazendo História’ levou os pesquisadores Américo Freire (Fundação Getúlio Vargas) e Marli de Almeida(Universidade Regional Integrada do Rio Grande do Sul) ao Auditório da Biblioteca Nacional para apresentarem a trajetória do líder trabalhista desde a formação do grupo dos onze até o seu exílio em Portugal.
“Nos tempos de colégio, um colega me disse que Brizola foi responsável por diversas torturas ”, lembrou um dos espectadores. Boatos como este tiveram início devido a um movimento originado com a Campanha da Legalidade, quando Leonel desejava assegurar a posse do vice João Goulart após a renúncia do presidente Jânio Quadros. Com Jango já no poder, Brizola cria a Frente de Mobilização Popular para pressionar pela realização das reformas de base e começa a usar as ondas da rádio Mayrink Veiga para aproximar o povo desta luta. “Ele estava cutucando a onça com vara curta”, comentou Marli. E a fera não demorou a acordar.
Ao final de 1963, através da rádio, Brizola arregimenta grupos de cidadãos ligados às defesas de suas causas. Inicialmente, propõe a criação de grupos de cinco pessoas, mas logo muda para onze. No país do futebol, não poderia haver número melhor. Segundo Marli de Almeida, a adesão foi grande, mas também superestimada: - As pessoas eram brizolistas, não necessariamente comunistas. A imprensa logo noticiou como grupos paramilitares, mas as listas tinham nomes de idosos e crianças de poucos meses.
Após o golpe de 64, tais documentos foram apreendidos e os alistados receberam a desagradável visita dos militares, em especial na região de Erechim (RS), local de estudo de Marli e suposto foco guerrilheiro. Apesar de muitos serem pessoas simples, que somente assinaram o chamado de Brizola para demonstrar simpatia a seus ideais, as forças policiais queriam a confissão do engajamento na luta armada a qualquer custo. “Eles prendiam as pessoas por dias. Algumas enlouqueceram depois das torturas. De armas mesmo, só encontraram espingarda de matar passarinho e canivete de cortar fumo”, relatou a pesquisadora.
O governo temia que aquela região montanhosa ao sul do país se tornasse a Sierra Maestra brasileira, mas a organização armada dos brizolistas não chegava aos pés daquela dos cubanos. "Não havia designação de uma liderança. As células eram formadas por uma ligação muito pessoal com Brizola. Quando ele lia os nomes na rádio, as pessoas ficavam felizes", diz Marli.
Além da temporada de torturas, a tomada de poder pelos militares também deu início ao exílio de muitos brasileiros antes mesmo do AI 5. Como de costume, Brizola demorou para arredar o pé. Se Jango logo partiu para o Uruguai, Leonel passou um curto período em Porto Alegre tentando organizar uma resistência ao recém-instaurado governo militar. Segundo Marli, neste período, ele foi fortemente perseguido e, certa vez, teve que fugir da polícia travestido de mulher. Quando viu que suas intenções tinham poucas chances de irem adiante, partiu para Montevidéu, “a capital dos exilados brasileiros” nas palavras de Américo Freire.
No Uruguai, afastou-se ainda mais de João Goulart. Enquanto o presidente deposto acreditava em uma solução moderada, Brizola mandou o legalismo de outrora às favas e continuou apostando no confronto armado. "Ele achava um absurdo Jango formar a Frente Ampla com Carlos Lacerda, o verdugo de Vargas. Brizola era favorável à guerrilha. Criou o Movimento Nacional Revolucionário (MNR), que recebeu de Cuba apoio logístico e material. Ele entrou em uma fase guevarista. Usava coturnos e dizia que só iria tirá-los quando voltasse ao Brasil. Porém, mais tarde, fez uma autocrítica e reconheceu que não estavam preparados para a guerrilha”, disse Américo.
Depois de fracassar na empreitada guevarista, Brizola inicia um período de ostracismo. Comprou uma Kombi de segunda mão e foi para o interior. Lá, virou fazendeiro e, entre um contato político e outro, passava o tempo vendendo leite. Porém, uma aliança dos governos ditatoriais latino-americanos para o extermínio das lideranças de esquerda da região (Operação Condor) o obriga a novamente se mexer. Ao contrário de João Goulart, Brizola sai do Uruguai após receber diversas ameaças de morte.
Então, Brizola pede e consegue asilo na Embaixada dos Estados Unidos, que sob o governo de Jimmy Carter já vislumbrava perspectivas menos autoritárias na América Latina. Posteriormente, migra para a Europa, onde atuou como ponto de convergência entra a esquerda, em especial em Portugal.
No país lusitano, Brizola organizou o "Encontro de Lisboa", que pretendia lançar as bases para a refundação do PTB. O evento completa três décadas neste mês. Todavia, em relação a este evento, não há muito o que comemorar entre os brizolistas. “Brizola fez questão de entrar discretamente no país depois do exílio. Ele já vinha mudando sua estratégia política. Voltou cauteloso. O Brasil tinha mudado e ele precisava recuperar as bases pois perdera o PTB para Ivete Vargas, que tinha ligações com os militares”, analisa o pesquisador da Fundação Getúlio Vargas.
Mesmo mais moderado, Leonel continuou causando polêmica na política nacional. Ainda hoje, seu nome pode suscitar emoções tão intensas quanto opostas, em especial entre os que viram de perto a repressão contra o Grupo dos Onze. Segundo Marli, no entanto, é preciso ter cuidado para não confundir algozes: - Alguns alistados torturados ou parentes deles consideram Brizola como persona non grata. Já outros praticamente o veneram. Eu acho que ele não foi o responsável pelas torturas. As pessoas queriam participar dos grupos. O que aconteceu depois foi conseqüência do regime militar.