Por que os combatentes brasileiros não são celebrados como os veteranos de outros países?
por Ricardo Bonalume Neto
Montanhas de livros e filmes foram e continuam sendo produzidos nos Estados Unidos e na Europa sobre seus principais heróis da Segunda Guerra Mundial. Pode ser o atirador de tocaia russo que consegue combater e sobreviver em Stalingrado; ou o piloto de bombardeiro britânico que participa de um ataque ousado contra represas alemãs; ou o submarinista americano que corre altos riscos para afundar um navio japonês. Ou mesmo um alemão que se arrisca para salvar judeus dos campos de extermínio nazistas.
Já no Brasil, o que existe basicamente é um grande silêncio sobre nossa participação nessa mesma guerra, cortado esporadicamente por um livro, um documentário, uma rara menção em filme ou série de televisão. Onde estão nossos heróis? Por que não são celebrados? Fiz essa pergunta para amigos historiadores que trabalham com temas militares. Um deles, Cesar Campiani Maximiano, é autor de um livro chamado exatamente Onde Estão Nossos Heróis – Uma Breve História dos Brasileiros na 2ª Guerra.
“A experiência de guerra não ecoou na sociedade brasileira, como ocorreu nos Estados Unidos ou na Europa. Os americanos mobilizaram 16 milhões de combatentes, a Europa foi diretamente afetada”, afirma Cesar. Ou seja, são sociedades fortemente afetadas pela guerra. Não havia família que não tivesse algum parente em uniforme ou ajudando no esforço de guerra. Continua Cesar: “No Brasil, a presença no além-mar foi de 26 mil homens apenas, e o impacto social do retorno desses veteranos não teve a mesma relevância do que nas outras sociedades. Assim, a lembrança da guerra em nosso país é quase que somente preservada pelos veteranos e suas famílias, por aficionados no assunto e pelas comemorações oficiais das Forças Armadas e prefeituras de pequenas cidades”.
O historiador Marcelo Augusto Moraes Gomes tem a mesma opinião. “São poucos os veteranos em nosso meio, considerando-se a população total do País. Então, diferentemente de outros países, onde você eventualmente tem um como vizinho, e não é difícil tê-lo sob o mesmo teto, aqui são poucos os que encontramos, e acredito que seja um fator a mais para a nossa falta de atenção sobre o assunto.”
Eu encontrei nossos veteranos ao fazer reportagens e depois até escrevi um livro sobre eles. Eram gente como Gerson Machado Pires, que comandou um pelotão de infantaria e viu amigos morrerem a seu lado. Ele foi voluntário para a guerra, mas confessava que tinha receio de como se comportaria em ação. Quando viu que conseguiria dar conta do recado, teve um grande alívio. Era de uma honestidade marcante.
Outro veterano impressionante era Alberto Martins Torres, que não só participou do afundamento de um submarino alemão, o U-199, ao largo do Rio de Janeiro, como foi para a Itália no 1º Grupo de Caça. Pilotou seu P-47 em 99 missões. Era um grande prazer ouvi-lo falar não apenas de suas façanhas – veteranos que são heróis de verdade não ficam se vangloriando de seus feitos –, mas das pequenas coisas da guerra.
Gerson Machado Pires e Alberto Martins Torres já morreram, assim como muitos outros. Restam cada vez menos veteranos da guerra que terminou já faz mais de 60 anos.
Mas não é só a quantidade pequena de ex-combatentes que afeta o modo como o País vê seus heróis de guerra. A questão envolve o relacionamento em geral entre civis e militares ao longo da história – especialmente aquela mais recente, durante e depois do regime militar.
Como diz o historiador Adler Homero Fonseca de Castro, “Há um problema de identificação entre o cidadão comum e o militar. Apesar de o número de recrutados ter sido mínimo durante toda a nossa história, era razoavelmente amplo até a década de 1940. Depois houve um certo distanciamento. É difícil o cidadão identificar-se com os valores específicos do Exército”.
Adler é pesquisador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Ele está fazendo um estudo para tombar o Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra, no Rio de Janeiro, onde estão enterrados os mortos da Força Expedicionária Brasileira (FEB).
Houve também uma propaganda negativa de autores interessados em atacar o regime militar, mas que jogaram a FEB na mesma canoa. Foi o caso da dupla Waack/Back – o lamentável livro de 1985 do jornalista William José Waack, As Duas Faces da Glória - A FEB Vista pelos Seus Aliados e Inimigos, e o horripilante documentário Rádio Auriverde, do cineasta Sylvio Back. Felizmente, historiadores mais jovens estão corrigindo esses equívocos. E há também documentários melhores e honestos, como Senta a Pua!, de Erik de Castro.
Os veteranos podem morrer sossegados. Sua memória será preservada.
Ricardo Bonalume Neto, 45, é repórter da Folha de S. Paulo especializado em ciência e assuntos militares. Cobriu conflitos em vários continentes e é autor de A Nossa Segunda Guerra – Os Brasileiros em Combate, 1942-1945.
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