O presente trabalho analisa os fundamentos do populismo, tendo por referência a esfera política das relações entre o Estado e a sociedade. Busca, entretanto, chegar a uma representação síntese do processo de mudanças estruturais ocorridos na sociedade brasileira entre o primeiro quartel e meados do século XX, dando ênfase às causas e efeitos da inércia psicossocial herdada do período colonial e escravocrata. Estudo um Brasil que se moderniza e se industrializa a partir de estímulos de mercado, mas que permaneceu atrasado do ponto de vista de seu amadurecimento institucional.
A análise inicia-se com o exame do conceito de alienação. Em seguida, entender como os intelectuais, no período imediato ao golpe militar de 1964, se engajam fortemente na questão nacional em detrimento da questão democrática. Nessa altura da análise, reconheço, que o mesmo fenômeno - valorização e busca da identidade nacional em descompasso com a institucionalização da democracia - ocorreu em outros países onde o colonizador europeu esteve presente.
Na América Latina, o populismo dá-se nos governos democráticos e ditatoriais instaurados no período 1950 a 1970. No Brasil, embora me referenciando ao Estado Novo, para efeito desta análise a mesma fase ocorre no período que vai de 1945 a 1964, quando governantes e lideranças buscam legitimidade e retorno eleitoral junto às massas populares.
Embora para o líder populista as classes sociais se agreguem num todo homogêneo que se presta à manipulação, o sucesso do populismo, todavia, associa-se ao baixo nível de institucionalização da sociedade civil brasileira do início e meados do corrente século.
O fenômeno da industrialização que promove a rápida migração do campo para a cidade é, sem dúvida, relevante para explicar a manipulação do operariado e das camadas médias urbanas. Esses contingentes de trabalhadores, em grande parte vindos do interior ou do exterior, tinham dificuldades para organizar ações coletivas de longo alcance, preferindo confiar ao líder populista seus anseios de justiça e progresso social.
O crescimento econômico e as mudanças estruturais da sociedade são avanços importantes dessa época. Os intelectuais, sobretudo os do ISEB, são vistos como pessoas devotadas à causa nacional e muito pouco à causa democrática. A crise institucional que leva à ruptura autoritária de 1964 tem a ver com tudo isso.
A manipulação das massas populares durou enquanto Estado teve condições de responder, embora que com limites, suas demandas. Fracassou quando, esgotada as possibilidades da acumulação capitalista em curso, as reformas estruturais passaram a ser demandadas por um movimento de massas que se insinuava cada vez mais autônomo, radical e fora do controle dos líderes populistas. Essa atmosfera de radicalização chega rapidamente ao Congresso Nacional e, com ela, o impasse institucional que acabaria em golpe militar.
Uma teoria para superar a alienação
As coisas são assim e assim hão de ficar! Parece ser esta a imagem que a maioria dos brasileiros faziam de si e de seu país no início do século XX. Uma imagem calcada na realidade do colonizador que domina e promove a aculturação subalterna. Uma imagem de quem se referencia integralmente nos olhos de alguém que enxerga o colonizado como simples "coisa". Uma imagem que emana de uma auto-estima coletiva rebaixada com o peso dos complexos herdados do longo período colonial e da escravidão. Uma perspectiva que impõe, aos países colonizados, dominação econômica e cultural. A primeira, no plano material, se completa com a segunda pela apropriação do espirito do oprimido pelo opressor.
Era este, portanto, o cenário psicossocial brasileiro no início do século. No correr dos anos, todavia, com as tensões e conflitos provocados com a transição urbano-industrial (IANNI. 1994), essas formas de representação de si mesmo seriam questionadas pela intelectualidade brasileira e logo pelos políticos. Uma nova pergunta resumiria a problemática no campo social, econômico e político: o que sou e por que estou assim? Tratava-se, do colonizado ir em busca de sua verdadeira identidade como forma de seguir novos rumos com vistas a enfrentar os desafios reais de sua existência individual e coletiva. O indivíduo agora era chamado a fazer a sua opção! Um comportamento que nos anos 50 e 60 se generalizaria entre as elites dos chamados povos oprimidos do Terceiro Mundo.
A sistematização filosófica desse comportamento encontrou, nos Intelectuais do mundo periférico — América Latina, Ásia e África, formas de comunicação de massa até então raras. A realidade colonial e neocolonial seria analisada a partir da interação dos fatores subjetivos e objetivos que a compõe. A dominação econômica assente nas relações desiguais das trocas internacionais e a dominação cultural, assente numa visão eurocêntrica do passado, do presente e do futuro da condição humana.
No Brasil, essa abordagem encontra sua especificidade na produção intelectual do ISEB orientada de conformidade com as idéias do nacional-desenvolvimentismo:
Para os intelectuais brasileiros vinculados ao ISEB, a transição da filosofia para a política implicava viver e transformar o mundo em que se vive a partir da ótica e dos interesses do oprimido. E transformar, era agora sinônimo de desenvolvimento no contexto de um movimento político que chamaria as massas não para uma ruptura revolucionária, mas, tão somente, para uma ruptura reformista (ORTIZ. 1985:60; IANII. 1994:18)
A participação do povo como ator no teatro político brasileiro, inicia-se a partir de 1922 prolongando-se até 1964. De 1922 a 1945, o fundamento mobilizador é a luta pela redução do poder econômico e político das oligarquias vinculadas ao comércio externo. Um conflito entre os setores tradicionais e os setores urbanos em torno de diferentes projetos de modernização. São lutas políticas relacionadas à necessidade de construir um sistema cultural e institucional adequado às exigências da sociedade urbano-industrial em formação. De 1945 até 1964, uma vez atendidas as condições institucionais e materiais para o desenvolvimento industrial, com a redemocratização do país, viria o proletariado e a classe média serem convocados a figurar no teatro das lutas políticas e sociais, engrossando, assim, um movimento que, sob a designação de populismo, seria o agente propulsor da orientação nacionalista dos governantes e de lideranças políticas nas praças e ruas de todo o Brasil.
Povo e democracia, eis a fórmula do pós-guerra. Democracia populista e crise institucional, o resultado. Experiência importante que duraria até 1964 e, durante todo esse período, refletiria, por meio de uma sucessão de governos e golpes, as contradições de uma sociedade que, embora amadurecida sob a ótica do mercado, continuava atrasada em suas instituições e na maneira de pensar de suas elites. Francisco Weffort, comentando sobre a crescente perspectiva de crise, após análise dos pressupostos do golpe de 1964, reproduz uma frase de Vargas que sintetiza muito bem o descompasso entre as demandas organizadas do povo e a disposição de resposta dos governantes:
"Por força das transformações sociais e econômicas que se associam ao desenvolvimento do capitalismo industrial e que assumem um ritmo mais intenso a partir de 1930, a democracia defronta-se, apenas começa a instaurar-se no após guerra, com a tarefa trágica de toda a democracia burguesa: a incorporação das massas populares ao processo político". Deste modo, podemos crer que Vargas, já em 1950 quando se elege Presidente diretamente pelo voto popular, tocava no ponto essencial em comentário que teria feito sobre a designação de seu Ministério: Governo popular, Ministério reacionário; por muito tempo terá de ser assim. (Weffort.1989: 17)
Eis a fórmula da manipulação que presidiria as relações entre o governo e as classes sociais durante todo o período de vigência da democracia populista de 1945 até 1964.
Democracia, populismo, desenvolvimentismo e crise institucional
A partir de 1946 o Brasil ganhou uma nova Constituição que, no essencial, contemplava os requisitos do que a maioria dos cientistas políticos reconhece como sendo uma democracia clássica no sentido da palavra. Competição política, pluralismo partidário, eleições diretas, separação formal dos poderes do Estado, razoável direito de contestação pública, faziam secundárias as distorções de inércia herdadas do regime anterior, o Estado Novo. Com efeito, a inércia a que nos referimos explica uma transição marcada pela apatia das massas, pelas exigências democratizantes de além fronteira e que, por não haver reciclado a elite do regime anterior, incorrera na sobreposição das novas regras à velha estrutura de poder, mantendo intacto o sistema sindical corporativista e o perfil de uma burocracia estatal concentradora do poder decisório. (Souza.1976:105)
Não bastando a limitação das franquias democráticas, o modelo político de 1945 conseguiu captar a complexidade da sociedade brasileira via sistema partidário. Um partido de trabalhadores (PTB), um partido das camadas médias urbanas e empresariais moderna (UDN) e um terceiro, com penetração no meio rural e na parte menos desenvolvida do país (PSD). A competição política, em que pese tentativas de interrupção da democracia, sobreviveu por vinte anos.
Foi nesse ambiente, de fragilidade do consenso e da democratização, que a intelectualidade brasileira estreou suas lutas, aderindo, voluntariamente, as causas populares. Alguns à esquerda, saíram do liberalismo da UDN para em seguida entrarem, majoritariamente, no Partido Socialista Brasileiro ao tempo em que outro segmento, mais radicalmente comprometido com o socialismo e menos com a democracia, firmava posição dentro do Partido Comunista — declarado ilegal e 1947 e com os parlamentares cassados em 1948. Daniel Pécaut em estudo sobre os intelectuais da geração 1954-1964, analisando esse contexto declara:
"... o ardor democrático dos intelectuais de 1945 tinha poucas chances de durar. Tendo admitido, por cálculo ou impotência, o aspecto corporativista do regime, pouco inclinados aos prazeres da política partidária e, além disso, pouco instrumentados para tomar parte nela, não tinham motivos para celebrar as virtudes da "democracia formal" que de qualquer forma nunca exaltaram assim. ".
Para essa elite pensante, o aperfeiçoamento democrático em curso era apenas um tema subordinado a questão nacional que agora, diferente do período 1925-1940, estaria definitivamente gravitando em torno do reconhecimento da existência concreta da nação brasileira, do caráter e da personalidade acabadas de seu povo, e do direito inalienável ao progresso econômico e social. Agora não se tratava mais de buscar a identidade do oprimido frente o opressor, mas de mobilizar as massas para o confronto que afirma e defende a soberania nacional indispensável ao desenvolvimento.
Com essa orientação, a intelectualidade tinha a clara percepção de que sua opção, ao privilegiar o mercado interno, contrariava interesses estabelecidos dentro e fora do País, não lhe restando outra escolha que não o apelo às massas urbanas para dar sustentação a um projeto abrangente e politicamente definido. Coube ao ISEB, criado em 1955, produzir esse projeto. (PÉCAUT,1989. BIELSCHOWSKY, 1988). O diagnóstico da realidade brasileira a ser transformada pela ação do planejamento estatal, com o apoio das massas, inspirava-se na contribuição teórica da Cepal. Essa entidade já havia desenvolvido, para toda a América Latina, estudos e conceitos encadeados para dar sustentação teórica a um modelo econômico condizente a proposta de industrialização das economias da região. Conceitos como deterioração dos termos de troca, baixa elasticidade da demanda do exterior por produtos do setor primário; desemprego estrutural; desequilíbrio no balanço de pagamentos; inflação estrutural e vulnerabilidade aos ciclos econômicos — eram interligados num discurso que se espalhou no universo acadêmico e político, sustentando a defesa do planejamento e da industrialização da economia. (BIELSCHOWSKY, 1988:26).
O impulso para a industrialização veio com o retorno de Vargas, em 1950, pelo voto direto. O desejo de autonomia econômica, entretanto, despertaria tensões sociais e protestos junto às classes tradicionalmente ligadas ao comércio de exportação e importação, não tanto pela industrialização em si, mas e principalmente devido a ameaça aos privilégios que chegava com a emergência de uma nova estrutura social. (Skiidmore.1979). Seguem-se os conflitos, tensões e golpes planejados ou abortados, o que não impede a eleição e a posse traumática de Juscelino Kubitschek, com o rótulo do nacional desenvolvimentismo e a promessa de realizar "cinqüenta anos de progresso em cinco".
Desta vez o ISEB — "agora Meca da pesquisa e do ensino de problemas brasileiros" (Skidmore. 1979: 211) — encontra o seu momento, sua hora e a sua vez, para lançar uma série de livros e publicações sobre as causas do subdesenvolvimento e as formas de sua superação. Entrava o Brasil num período de crescimento sem precedentes no século XX para o conjunto dos países capitalistas do Ocidente. A renda per capita brasileira viria sustentar-se ao longo da década de 50 em nível três vezes maior do que o resto da América Latina. A respeito dos anos JK é bom ouvir o que Skidmore tem a dizer sobre o desempenho da economia:
"Entre 1955 e 1961, a produção industrial cresceu 80% (em preços constantes), com as porcentagens mais altas registradas pelas indústrias de aço (100%), indústrias mecânicas (125%), indústrias elétricas e de comunicações (380%) e indústria de equipamentos de transportes (600%). De 1957 a 1961, a taxa de crescimento real foi de 7% ao ano e, aproximadamente, 4% per capita." (Skidmore.1979: 204)
Esse processo de industrialização, uma trajetória que remonta, com já referido, a revolução de 1930 é, na segunda metade dos anos 50 e primeira dos 60, fator primordial das tensões decorrentes do avanço do capitalismo brasileiro e das mudanças na estrutura social. Nos anos 60, a participação da indústria no PIB (26%) quase se equiparou com a agricultura (28%). O país transforma-se de economia agrária exportadora, em agrária industrial com todas as mazelas e demanda acarretada por uma intensa migração do campo para a cidade. Um processo em que brasileiros esquecidos nos lugares mais remotos, chegavam a grande cidade para conhecer novos padrões de consumo, instrução, amparo social limitado, mas também desemprego, miséria, violência e discriminação. Estas são as razões que fazem do populismo um jogo perigoso, um jogo de mão dupla. Se havia interesse do Estado na emergência política das classes populares, esse mesmo Estado sofre, via mercado, as pressões decorrentes desse processo. De um lado precisa das massas trabalhadoras para seu projeto político nacional-desenvolvimentista. Mas de outro, precisa controlar essas massas trabalhadoras de forma a atender a estratégia da acumulação com o aumento da lucratividade e dos níveis de poupança do setor privado. Este conflito encontra em Wefforf uma advertência:
"Seria ingênuo supor que somente para atender as necessidades de seu jogo interno, o Estado tivesse inventado uma nova força social". (Weffort. 1978: 71)
De acordo com Weffort o poder de manipulação do governante e a passividade das massas era um fenômeno social aparente. A incapacidade de representação associada a suposta passividade das massas, contagiava também o grupo dominante que, fragmentado nos seus interesses, não consegue fazer-se representar. Essa é a razão porque a tutela de um Presidente que centraliza o poder e manipula é aceita por oprimidos e opressores. Heterogeneidade de interesses e conflitos inter e intra classes é o resultado desse fenômeno brasileiro que termina por revelar o populismo como uma falsa solução. Trata-se, portanto, de uma ambigüidade das relações classe x governo e classe x classe. São relações individuais infensas a qualquer forma autônoma de organização. Vejamos de novo o que Weffort tem a dizer:
"Desse modo, a manipulação é uma relação ambígua, tanto do ponto de vista social como do ponto de vista político". (Weffort. 1978: 74)
A lógica dos fatos vem comprovar, no entanto, os limites da manipulação populista. Pois enquanto a economia cresceu, houve acumulação e pôde o Estado atender, no interesse dessa mesma acumulação e de sua sustentação política, a demanda dos trabalhadores. Contudo, tão logo se esgota o ciclo de expansão da economia brasileira, essa demanda extrapola a capacidade de atendimento do Estado, abrindo as portas para uma verdadeira mobilização política popular. (Weffort.1978) Com isso, instala-se o conflito que combinado à precária institucionalização da democracia (uma dívida do populismo) converge para o impasse e a ruptura. É o advento dos governos militares e da fase de modernização conservadora quando o país, superados os ajustes da segunda metade dos anos 60, adentra os 70 com um crescimento reconhecidamente acelerado.
Conclusão
O presente estudo atesta a especificidade da construção da cidadania no Brasil. Vimos que as marcas da colonização só foram parcialmente superadas com o advento da industrialização que cria e demanda mão-de-obra excedente do campo. No início essa mão-de-obra, fundamento da formação do proletariado urbano, chega à cidade para ganhar a vida sem voltar as costas para seu local de origem, o interior atrasado e oligárquico. Por isso, durante muito tempo sente-se estranha e pouco representada, incapaz de se organizar para lutar por seus interesses. Esse perfil social, pouco a pouco, com o aprofundamento da industrialização, sobretudo após a II Guerra Mundial, cristaliza e segmenta interesses econômicos de um proletariado e de uma classe média nitidamente urbanos, que não conseguem fazer-se representar na esfera política. Nas classes dominantes, o mesmo fenômeno ocorre em razão da rápida mudança da estrutura produtiva e de classes. Seus interesses também se fragmentam e a perplexidade impede-as de uma representação política consistente.
Como decorrência dessa especificidade histórica, a ação da elite política que capta e opera a transformação, inventa uma forma de poliarquia limitada, a Constituição de 1946, chamada aqui de democracia populista. Esse arranjo institucional expressa seus fundamentos políticos por meio de ações populistas circunscritas a alianças policlassistas, estimulando relações individuais entre as classes, no interior destas, e entre estas e o Estado. É o populismo, um recurso, uma muleta que a meu ver sustenta a falta de legitimidade original do Estado perante o conjunto da sociedade brasileira. Trata-se, portanto, de uma particularidade histórica de um Estado que nasceu antes da nacionalidade. (Carvalho 1980 e 1994) Essas são as razões que explicam o período 1945 a 1964. Esse período expressa todo o potencial de conflito decorrente da inércia da regulação da cidadania patrocinada no período Vargas e que aflora na forma do radicalismo político, da paralisia decisória e da negação das instituições democráticas.
Surpreendentemente, a intelectualidade que poderia ser o contraponto dessa tendência, produzindo um pensamento político capaz de questionar as instituições na perspectiva do aperfeiçoamento, preferiu apostar na questão nacional, mergulhando, de cabeça numa proposta de desenvolvimento econômico e social que terminou, nos meandros das negociações de gabinete, transformando-se em apêndice do populismo.
Trabalho de graduação apresentado por Flávio Spricigo de Souza à disciplina História da América do 3º ano curso de História da UNIVILLE
Bibliografia
BIELSCHOWSKY, R - Pensamento econômico brasileiro: O ciclo ideológico do desenvolvimentismo.Rio de Janeiro:Contraponto,1988.
CARVALHO, José Murilo de - A Construção da Ordem: A elite política imperial. Rio de Janeiro:Editora Campus, 1980.
IANNI, O - O colapso do populismo no Brasil. São Paulo:Editora Civilização Brasileira, 1994.
ORTIZ, R - Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo:Ed. brasiliense, 1985.
PÉCAUT, D - Os intelectuais e a política no Brasil: Entre o povo e a nação. São Paulo: Editora Ática, 1989.
SKIDMORE, T - Brasil: de Getúlio a Castelo. São Paulo: Paz e Terra, 1979.
SOUZA, Maria do Carmo Campello – Estado e partidos políticos no Brasil (1930 a 1964). São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1976.
WEFFORT, F - O populismo na política brasileira. São Paulo: Paz e Terra, 1989.
Fonte:
A análise inicia-se com o exame do conceito de alienação. Em seguida, entender como os intelectuais, no período imediato ao golpe militar de 1964, se engajam fortemente na questão nacional em detrimento da questão democrática. Nessa altura da análise, reconheço, que o mesmo fenômeno - valorização e busca da identidade nacional em descompasso com a institucionalização da democracia - ocorreu em outros países onde o colonizador europeu esteve presente.
O crescimento econômico e as mudanças estruturais da sociedade são avanços importantes dessa época. Os intelectuais, sobretudo os do ISEB, são vistos como pessoas devotadas à causa nacional e muito pouco à causa democrática. A crise institucional que leva à ruptura autoritária de 1964 tem a ver com tudo isso.
A manipulação das massas populares durou enquanto Estado teve condições de responder, embora que com limites, suas demandas. Fracassou quando, esgotada as possibilidades da acumulação capitalista em curso, as reformas estruturais passaram a ser demandadas por um movimento de massas que se insinuava cada vez mais autônomo, radical e fora do controle dos líderes populistas. Essa atmosfera de radicalização chega rapidamente ao Congresso Nacional e, com ela, o impasse institucional que acabaria em golpe militar.
As coisas são assim e assim hão de ficar! Parece ser esta a imagem que a maioria dos brasileiros faziam de si e de seu país no início do século XX. Uma imagem calcada na realidade do colonizador que domina e promove a aculturação subalterna. Uma imagem de quem se referencia integralmente nos olhos de alguém que enxerga o colonizado como simples "coisa". Uma imagem que emana de uma auto-estima coletiva rebaixada com o peso dos complexos herdados do longo período colonial e da escravidão. Uma perspectiva que impõe, aos países colonizados, dominação econômica e cultural. A primeira, no plano material, se completa com a segunda pela apropriação do espirito do oprimido pelo opressor.
Para os intelectuais brasileiros vinculados ao ISEB, a transição da filosofia para a política implicava viver e transformar o mundo em que se vive a partir da ótica e dos interesses do oprimido. E transformar, era agora sinônimo de desenvolvimento no contexto de um movimento político que chamaria as massas não para uma ruptura revolucionária, mas, tão somente, para uma ruptura reformista (ORTIZ. 1985:60; IANII. 1994:18)
A participação do povo como ator no teatro político brasileiro, inicia-se a partir de 1922 prolongando-se até 1964. De 1922 a 1945, o fundamento mobilizador é a luta pela redução do poder econômico e político das oligarquias vinculadas ao comércio externo. Um conflito entre os setores tradicionais e os setores urbanos em torno de diferentes projetos de modernização. São lutas políticas relacionadas à necessidade de construir um sistema cultural e institucional adequado às exigências da sociedade urbano-industrial em formação. De 1945 até 1964, uma vez atendidas as condições institucionais e materiais para o desenvolvimento industrial, com a redemocratização do país, viria o proletariado e a classe média serem convocados a figurar no teatro das lutas políticas e sociais, engrossando, assim, um movimento que, sob a designação de populismo, seria o agente propulsor da orientação nacionalista dos governantes e de lideranças políticas nas praças e ruas de todo o Brasil.
"Por força das transformações sociais e econômicas que se associam ao desenvolvimento do capitalismo industrial e que assumem um ritmo mais intenso a partir de 1930, a democracia defronta-se, apenas começa a instaurar-se no após guerra, com a tarefa trágica de toda a democracia burguesa: a incorporação das massas populares ao processo político". Deste modo, podemos crer que Vargas, já em 1950 quando se elege Presidente diretamente pelo voto popular, tocava no ponto essencial em comentário que teria feito sobre a designação de seu Ministério: Governo popular, Ministério reacionário; por muito tempo terá de ser assim. (Weffort.1989: 17)
Eis a fórmula da manipulação que presidiria as relações entre o governo e as classes sociais durante todo o período de vigência da democracia populista de 1945 até 1964.
Esse processo de industrialização, uma trajetória que remonta, com já referido, a revolução de 1930 é, na segunda metade dos anos 50 e primeira dos 60, fator primordial das tensões decorrentes do avanço do capitalismo brasileiro e das mudanças na estrutura social. Nos anos 60, a participação da indústria no PIB (26%) quase se equiparou com a agricultura (28%). O país transforma-se de economia agrária exportadora, em agrária industrial com todas as mazelas e demanda acarretada por uma intensa migração do campo para a cidade. Um processo em que brasileiros esquecidos nos lugares mais remotos, chegavam a grande cidade para conhecer novos padrões de consumo, instrução, amparo social limitado, mas também desemprego, miséria, violência e discriminação. Estas são as razões que fazem do populismo um jogo perigoso, um jogo de mão dupla. Se havia interesse do Estado na emergência política das classes populares, esse mesmo Estado sofre, via mercado, as pressões decorrentes desse processo. De um lado precisa das massas trabalhadoras para seu projeto político nacional-desenvolvimentista. Mas de outro, precisa controlar essas massas trabalhadoras de forma a atender a estratégia da acumulação com o aumento da lucratividade e dos níveis de poupança do setor privado. Este conflito encontra em Wefforf uma advertência:
De acordo com Weffort o poder de manipulação do governante e a passividade das massas era um fenômeno social aparente. A incapacidade de representação associada a suposta passividade das massas, contagiava também o grupo dominante que, fragmentado nos seus interesses, não consegue fazer-se representar. Essa é a razão porque a tutela de um Presidente que centraliza o poder e manipula é aceita por oprimidos e opressores. Heterogeneidade de interesses e conflitos inter e intra classes é o resultado desse fenômeno brasileiro que termina por revelar o populismo como uma falsa solução. Trata-se, portanto, de uma ambigüidade das relações classe x governo e classe x classe. São relações individuais infensas a qualquer forma autônoma de organização. Vejamos de novo o que Weffort tem a dizer:
A lógica dos fatos vem comprovar, no entanto, os limites da manipulação populista. Pois enquanto a economia cresceu, houve acumulação e pôde o Estado atender, no interesse dessa mesma acumulação e de sua sustentação política, a demanda dos trabalhadores. Contudo, tão logo se esgota o ciclo de expansão da economia brasileira, essa demanda extrapola a capacidade de atendimento do Estado, abrindo as portas para uma verdadeira mobilização política popular. (Weffort.1978) Com isso, instala-se o conflito que combinado à precária institucionalização da democracia (uma dívida do populismo) converge para o impasse e a ruptura. É o advento dos governos militares e da fase de modernização conservadora quando o país, superados os ajustes da segunda metade dos anos 60, adentra os 70 com um crescimento reconhecidamente acelerado.
Surpreendentemente, a intelectualidade que poderia ser o contraponto dessa tendência, produzindo um pensamento político capaz de questionar as instituições na perspectiva do aperfeiçoamento, preferiu apostar na questão nacional, mergulhando, de cabeça numa proposta de desenvolvimento econômico e social que terminou, nos meandros das negociações de gabinete, transformando-se em apêndice do populismo.
Bibliografia
CARVALHO, José Murilo de - A Construção da Ordem: A elite política imperial. Rio de Janeiro:Editora Campus, 1980.
IANNI, O - O colapso do populismo no Brasil. São Paulo:Editora Civilização Brasileira, 1994.
ORTIZ, R - Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo:Ed. brasiliense, 1985.
PÉCAUT, D - Os intelectuais e a política no Brasil: Entre o povo e a nação. São Paulo: Editora Ática, 1989.
SKIDMORE, T - Brasil: de Getúlio a Castelo. São Paulo: Paz e Terra, 1979.
SOUZA, Maria do Carmo Campello – Estado e partidos políticos no Brasil (1930 a 1964). São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1976.
WEFFORT, F - O populismo na política brasileira. São Paulo: Paz e Terra, 1989.