| DIVULGAÇÃO | | Cena do filme Dr. Fantástico, de 1964, em que um general (interpretado por Peter Sellers) faz planos de neutralizar o inimigo que levariam ao fim do mundo. | | Assim como as grandes empresas regularmente treinam seus trabalhadores para orientá-los sobre como agir em caso de incêndio, durante a Guerra Fria funcionários de ministérios estratégicos do governo britânico passaram pelos chamados “ensaios para o fim do mundo”. Todos os anos, eram realizados exercícios preparatórios para explicar os procedimentos que deveriam ser adotados no caso de ser deflagrada a Terceira Guerra Mundial.
Os exercícios, que podiam durar semanas, eram organizados de acordo com as orientações contidas no Livro de guerra (War book), um manual ultrasecreto produzido pelo governo britânico. Editado em 1970, ele trazia, ao longo de 16 capítulos, o passo a passo de como agir se o tão temido ataque nuclear detonasse a Terceira Guerra. A Inglaterra seria, então, dividida em 12 áreas, cada uma delas coordenada por um governo regional, sediado em um dos bunkers subterrâneos espalhados pelo país. Esse complexo de fortificações seria coordenado a partir de um abrigo em Cotswolds, para onde seriam levados os membros do alto escalão da administração britânica.
Alguns trechos do Livro de guerra de 1970 já haviam sido liberados anteriormente, mas só agora pesquisadores tiveram acesso à versão integral do documento, conservado pelos Arquivos Nacionais britânicos. Sua liberação faz parte de um programa de abertura dos acervos de documentos relativos à Guerra Fria.
No ano passado, por exemplo, foram divulgadas gravações do serviço de rádio da BBC, prontas para ir ao ar a cada duas horas, anunciando que o país sofrera um ataque com armas nucleares. Nelas, se pedia calma à população, que era orientada a ficar em casa e armazenar comida e água. A locução seria transmitida caso fosse deflagrada a Terceira Guerra, esclarecendo que a partir daquele momento a rádio se tornaria a porta-voz oficial do governo. A emissora estatal seria instalada em um bunker em Worcestershire, e um estúdio também passaria a funcionar no bunker onde ficaria o governo central.
Um dos cenários catastróficos imaginados no livro descreve a chegada de cosmonautas soviéticos à Lua, em um suposto 17 de outubro de 1968. Ao mesmo tempo que os soviéticos andariam lá no alto, a tensão cresceria na Terra. Tropas da Hungria e da Tchecoslováquia se concentrariam na fronteira com a Áustria, um avião civil americano teria sido derrubado, e, na Inglaterra, as cidades se esvaziariam aos poucos, com a população procurando se proteger. Então se suspeitaria que armas químicas e biológicas estivessem sendo usadas.
Em uma situação como essa, o Livro de guerra explicava como o governo emergencial deveria funcionar. Se as medidas preliminares não dessem resultado, teria chegado o momento de acionar as armas nucleares britânicas – a “Hora R”, como era conhecida. Unidades médicas seriam então preparadas para uma catástrofe, e a polícia, os bombeiros e a defesa civil colocariam em prática seus planos de emergência.
Para que as operações previstas no Livro de guerra fossem executadas corretamente, era essencial garantir que as pessoas situadas em postos estratégicos soubessem muito bem o que fazer e em que hora agir. No entanto, nem todos os que seriam deslocados para os bunkers estavam cientes disso. Muitos trabalharam a vida toda sem saber que estavam escalados para desempenhar tais funções em caso de guerra.
Potência nuclear desde 1952, a Inglaterra realizou esse tipo de exercício até o início da década de 90. A liberação do Livro de guerra de 1970 ocorreu a pedido do historiador Peter Hennessy, professor de história contemporânea da Queen Mary University, em Londres.
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