31.10.09

Cinco descobertas que abalaram o mundo

Grandes feitos da arqueologia, como a descoberta de Pompéia, alteraram para sempre nossa visão sobre as civilizações do passado

por Texto Reinaldo José Lopes

1763

Pompéia e Herculano

O dia-a-dia do Império Romano revelado em detalhes.

Era como se os caprichosos deuses greco-romanos, sempre dados a efeitos especiais, tivessem decretado que aquelas cidades ficariam congeladas no tempo para sempre – com o desagradável subproduto de transformar os moradores em estátuas de cinza vulcânica. Foi exatamente esse o efeito que uma erupção do Vesúvio, no ano 79 da era cristã, teve sobre Pompéia,Herculano, Estábia e outras comunidades romanas no sul da Itália, perto da atual Nápoles. A desgraça dos que morreram se revelou uma bênção para os arqueólogos, que ganharam um retrato vívido de como era a vida italiana no apogeu de Roma.

TESTEMUNHA OCULAR

Embora a destruição das cidades tenha sido relatada em detalhes por uma testemunha ocular, o escritor Plínio, o Jovem (que viveu do ano 61 ao 113), a localização exata das cidades de Pompéia e Herculano ficou esquecida durante 1 500 anos. Não é para menos, já que camadas de material vulcânico de até 25 metros cobriram os municípios romanos. Foi só em 1599 que o arquiteto Domenico Fontana, ao cavar um novo leito para o rio Sarno, desenterrou parte das cidades. A construção de um novo palácio para o rei de Nápoles, Carlos de Bourbon, trouxe à luz inscrições que identificaram Pompéiaem 1763.

O monarca napolitano teve o bom senso de patrocinar escavações para revelar de forma cuidadosa as cidades antigas, no que se tornou um marco para a pesquisa arqueológica moderna. Desde então, os trabalhos na área não pararam mais. A descoberta das primeiras obras de arte de Pompéia – afrescos e mosaicos que decoravam as casas de romanos ricos – causaram uma onda de interesse renovado pela Antiguidade entre artistas e intelectuais da Europa. Mas o verdadeiro diferencial dos achados foi trazer um retrato do dia-a-dia no século 1. O formato do corpo dos cidadãos desesperados, e até de seus cães, foi eternizado pelas cinzas; utensílios de cozinha, pães que ainda estavam no forno e tavernas podem ser vistos com o aspecto que tinham quando foram abandonados às pressas. E os edifícios, embora em ruínas, ainda estão cobertos com propaganda política, pichações chulas ou bê-á-bás rabiscados por crianças.

1822

Pedra de Roseta

Hieroglifos do Egito antigo traduzidos pela primeira vez.

Em 1801, enquanto o general Napoleão Bonaparte enfrentava a Marinha britânica numa disputa pelo controle do Egito, os soldados ingleses fizeram um “prisioneiro” nada comum – um bloco de rocha coberto de cima a baixo com 3 tipos de caracteres antigos. A Pedra de Roseta, batizada em homenagem ao porto egípcio de mesmo nome, tinha sido encontrada dois anos antes, em Rashid, durante obras num forte francês. França e Grã-Bretanha continuaram a ser inimigas nas décadas seguintes, mas foi graças ao esforço de pesquisadores dos dois países que a rocha acabou cedendo seus segredos.

MISTÉRIOS REVELADOS

A Pedra de Roseta é um daqueles casos raros nos quais uma inscrição não é importante pelo que ela diz, mas, sim, por “como” ela o diz. A primeira parte do texto estava em grego e era, portanto, relativamente fácil de ser lida. Ela dizia que a pedra havia sido erigida no ano 196 a.C. e continha um decreto de rotina. Acontece que exatamente a mesma coisa estava gravada em outras duas versões: numa escrita conhecida como demótica e, o mais importante, em hieroglifos egípcios, a até então indecifrável escrita dos faraós. Quem conseguisse traduzi-los teria acesso a quase 3 milênios de história.

Para atacar os hieroglifos, entrou em cena a dobradinha franco-britânica. O inglês Thomas Young propôs que alguns caracteres cercados por cartuchos (molduras decorativas) eram nomes reais, e com isso identificou menções ao faraó Ptolomeu 5o Epífanes, que governou o Egito de 205 a 180 a.C, e sua rainha. Para Young, cada hieroglifo correspondia a uma idéia ou conceito – conclusão equivocada que acabou travando o trabalho. Partindo dos estudos de Young, e do fato de que os 3 tex-tos da Pedra de Roseta eram traduções ou paráfrases uns dos outros, o francês Jean-François Champollion testou a idéia de que a maioria dos símbolos na verdade era fonética, correspondendo a sons do idioma egípcio antigo. Funcionou: a partir de 1822, Champollion conseguiu decifrar não só a pedra como uma série de outras inscrições, dando os primeiros passos para acabar com o mistério que cercava o Egito antigo.

1922

Tumba de Tutancâmon

A descoberta mais espetacular na história da arqueologia.

"Temo que o Vale dos Reis esteja exaurido”, escreveu em 1912 o arqueólogo Theodore M. Davis, depois de descobrir a tumba do faraó Horemheb e o que julgava ser o túmulo de outro rei egípcio, um tal Tutancâmon (veja o mapa ao lado). Davis provavelmente quis engolir o próprio chapéu 10 anos depois, quando o mundo ficou sabendo de uma incrível descoberta no mesmo lugar, envolvendo a verdadeira tumba do faraó Tutancâmon.

O britânico Howard Carter achou os primeiros sinais do mausoléu do monarca debaixo de restos de material de construção e tendas de trabalhadores que viveram mais de um século depois de Tutancâmon. O arqueólogo violou a licença de escavação que lhe fora concedida, entrando na tumba antes de comunicar a descoberta às autoridades egípcias (artefatos e jóias da tumba foram encontrados em sua casa depois que ele morreu, sugerindo que as peças teriam sido surrupiadas antes que o governo do Egito pudesse colocar as mãos sobre o tesouro de Tutancâmon). Diz a lenda que, após abrir a porta que separava a câmara escavada na pedra do mundo exterior, Carter teria ficado sem fala, de tão impressionado. Seu mecenas, o nobre lorde Carnarvon, teria perguntado se ele conseguia ver alguma coisa. A resposta foi: “Sim, coisas maravilhosas”.

A tumba do faraó Tutancâmon, que morreu em 1323 a.C., com apenas 18 anos, é a única de um monarca egípcio que escapou dos saqueadores, que “limparam” as sepulturas do Egito antigo. Na verdade, os arqueólogos acreditam que ela tenha sido saqueada pelo menos duas vezes na Antiguidade, mas logo nos meses seguintes ao sepultamento de Tutancâmon – a julgar pelos sinais de reparos nas paredes e reposição de tesouros roubados. Depois disso, nunca mais alguém havia colocado os pés no interior da tumba. A sorte de Tut, como ficou conhecido, também foi a de Carter, que teve acesso à quantidade nababesca de bens que os faraós carregavam consigo para o além-túmulo – e, com isso, traçou um quadro preciso de como era o cotidiano da realeza egípcia.

RIQUEZA POR TODA PARTE

A única coisa modesta no funeral de Tut parece ter sido a própria câmara mortuária – tudo indica que o faraó que o sucedeu, Aye, “roubou” a tumba mais espaçosa, que deveria ser dele. Fora isso, a riqueza estava por toda parte: 4 luxuosos carros de guerra, arcos, cajados, jóias, estátuas guardiãs, remos de barcos, jogos de tabuleiro, comida, vinho, perfumes e ungüentos, num total de 700 itens. O cúmulo do requinte, no entanto, eram os 4 sarcófagos, o último pesando aproximadamente 110 quilos de puro ouro, com a bela máscara mortuária que se tornou a “cara” de Tut para o mundo moderno.

1947

Manuscritos do Mar Morto

A chave para entender como viviam os primeiros cristãos.

As histórias sobre como manuscritos de 2 mil anos de idade começaram a ser encontrados perto do mar Morto variam. A mais popular delas conta que, em 1947, um beduíno, tentando espantar uma cabra perdida dentro de uma caverna, atirou uma pedra e acabou escutando o barulho de jarros se partindo. Ao investigar a gruta, deu de cara com os textos antigos.

Os primeiros manuscritos rapidamente foram parar no mercado de antiguidades da Palestina, e os especialistas logo perceberam que estavam diante de uma oportunidade única. Novas buscas no noroeste do mar Morto, perto do antigo assentamento de Khirbet Qumran, na região de Jericó, revelaram outras 10 grutas que abrigavam textos antigos, e o lento trabalho de leitura e publicação dos originais – alguns eram livros inteiros; outros, pequenos fragmentos com poucas letras – revelou centenas de obras literárias judaicas, a maioria escrita em hebraico e datando de 200 a.C. a 130.

ORIGEM INCERTA

Ninguém sabe a origem dos manuscritos. Uma das teses mais populares é que grande parte deles pertencia aos essênios, um grupo religioso radical que se revoltou contra as autoridades de Jerusalém e teria se instalado em Qumran. Também é possível que outros textos tenham sido escondidos nas cavernas por refugiados que tentavam escapar da destruição de Jerusalém pelos romanos, no ano 70.

Os Manuscritos do Mar Morto ajudaram a provar, em primeiro lugar, que a Bíblia é uma obra extremamente antiga: alguns livros das Escrituras ali encontrados são cerca de 1 000 anos mais velhos que as cópias mais antigas conhecidas até então, e apresentam poucas diferenças em relação ao texto que chegou até nós. Além disso, os textos documentam como o cristianismo originalmente era uma religião cheia de comunidades dissidentes, expectativas apocalípticas e previsões messiânicas. Embora os manuscritos não tragam novidades diretas sobre a vida de Cristo, eles traçam um quadro muito mais claro do mundo que o influenciou.

1974

Exército de Xian

Cerca de 8 mil estátuas em tamanho natural desenterradas na China.

Shi Huang Di (259-210 a.C.), o primeiro imperador da China, provavelmente ficaria frustrado ao descobrir que seu grandioso reino permaneceu unido durante menos de 4 anos após sua morte. Se as realizações políticas do imperador tiveram vida curta, um dos monumentos que ele deixou ainda desperta admiração no mundo inteiro. Trata-se do Exército de Terracota, um grupo de mais de 8 mil estátuas de soldados em tamanho natural que deveria servir de guarda pessoal do monarca na outra vida.

DESCOBERTA POR ACASO

Também conhecidos como “Guerreiros de Xian”, nome da localidade chinesa onde foram encontrados, os soldados de cerâmica de Shi Huang Di só vieram à luz em 1974, quando fazendeiros da região abriram buracos no solo em busca de água. Além dos guerreiros, os artistas do imperador também produziram 130 carros de guerra e 150 cavalos. O conjunto fazia parte de um complexo ainda maior – um gigantesco palácio subterrâneo que servia de tumba para o monarca chinês.

Originalmente, os soldados estavam pintados com cores vivas e carregavam armas de verdade (o tempo desbotou a tinta e as espadas e lanças acabaram sendo roubadas ainda na Antiguidade). Por um lado, as estátuas foram produzidas de maneira que lembra as linhas de montagem modernas: cada parte do corpo dos soldados era esculpida em oficinas separadas e, depois, “colada” para formar o todo. As pernas, por exemplo, provavelmente foram criadas usando o mesmo método que servia para fazer manilhas de barro na época. Além disso, marcas específicas de várias “indústrias” foram identificadas em cada guerreiro, revelando que fabricantes de telhas e outros itens da vida diária foram recrutados para a tarefa de criar o exército.

Ao mesmo tempo, cada soldado do conjunto é único. Eles variam, por exemplo, de tamanho (os menores medem 1,84 metro e os maiores quase 2 metros), em detalhes do rosto (adicionados depois da montagem do corpo) e nos traços do cabelo e do uniforme, que permitem identificar simples guerreiros, oficiais e generais.

Fonte: Superinteressante

Quem era Jó, por que ele tinha escravos e o que diabo é caxangá?

por Texto Anna Virgínia Balousser

Jó foi um personagem do Antigo Testamento. Segundo o livro, Deus apostou com o Diabo que, mesmo perdendo os filhos e a riqueza, Jó não perderia a fé. E ganhou. Daí a expressão “paciência de Jó”.

Daí para a frente é só mistério. Nada indica que Jó tivesse escravos. O mais provável é que a cultura negra tenha se apropriado de sua figura para simbolizar o homem rico da cantiga de roda. Os escravos que faziam o zigue zigue zá seriam os fujões, que corriam em ziguezague para despistar os capitães-do-mato.

O significado de caxangá é ainda mais obscuro. Segundo o Dicionário Tupi-Guarani-Português, de Francisco da Silveira Bueno, caxangá vem de caá-çangá, que significa “mata extensa”. Já para o Dicionário do Folclore Brasileiro é um adereço usado pelas mulheres alagoanas. A palavra também já foi associado aos saquinhos utilizados no contrabando de sementes para as senzalas.

Tudo indica que, de boca em boca, o significado da palavra, ou até mesmo a composição dos versos, tenha sido muito modificado. Isso também explicaria as variações regionais da cantiga. Afinal, deixamos o Zambelê ou o Zé Pereira ficar?

Fonte: Superinteressante

Gueto de Varsóvia

Por Fernando Rebouças
O Gueto de Varsóvia foi um grupo judaico que foi estabelecido pelos nazistas durante o Holocausto na Polônia, durante a Segunda Guerra Mundial. Quando os alemães invadiram a Polônia em 1939, logo iniciaram o isolamento dos judeus num gueto.

Gueto de Varsóvia - rendicao

A instalação desse gueto foram concluídas, após indefinições administrativas, pelo General gouverneur do regime nazista da Polônia, Hans Frank , em 16 de outubro de 1940. Todos os judeus de Varsóvia eram obrigados a ir para o gueto, que ficava cercado por um muro, o que aprofundava ainda mais a segregação.

A população chegou a atingir 380.000 pessoas, e ser vitimada por diversas doenças como o tifo, e mazelas como a fome, os judeus eram alimentados com ração. Em 22 de julho de 1942, iniciou-se expulsão dos judeus para campo de extermínio, levando cerca de 300.000 pessoas para a Treblinka ou para a própria Varsóvia.

Restaram cerca de 60 mil habitantes no gueto, gerando uma melhor situação de espaço e alimentação. Os judeus que permaneciam trabalhavam como escravos para as fábricas alemãs. Houve a criação do ZOB – Organização de Luta Judaica, sob a liderança de Mordechaj Anielewcz; e a ZZW – União dos Combatentes Judeus.

Gueto de Varsóvia

Soldados nazistas forçam judeus a abandonar o gueto, após uma revolta de resistência.

Esses grupos de resistências eram armados com pistolas , bombas e coquetéis molotov, e visavam enfraquecer a presença do exército alemão. Dentro do gueto movimentos juvenis e o Judenrat conseguiram organizar instituiçõesculturais e de auxílio de alimentação e educação aos judeus.

Porém , o clima de medo permanecia entre todos. Há uma tese, que o Vaticano na época, era o único que possuíainformações completas e precisas sobre o que ocorria nos campos de concentração nazista, naquele tempo, o papa Pio XII permaneceu calado.

Fontes:
http://www.beth-shalom.com.br/artigos/gueto_de_varsovia.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Gueto_de_Varsóvia

Hezbollah

Por Ana Lucia Santana
O Hezbollah, que em árabe significa ‘Partido de Deus’, é uma força islâmica xiita com estrutura similar à do Exército e, ao mesmo tempo, um grupo político com sede no Líbano. Ele nasceu em 1982, durante a Guerra Civil Libanesa, a princípio como uma milícia, ou seja, constituída por cidadãos libaneses portadores de armas e de um suposto poder policial.

Esta organização paramilitar se destaca cada vez mais na vida política do Líbano, ocupando-se de administrar os trabalhos sociais e instituições escolares e hospitalares xiitas, além de se responsabilizar também pelas atividades agrícolas do país. Ela é apoiada ativamente pelos iranianos, seja no campo doutrinário ou no financeiro.

hezbollah

Externamente ele é visto como um grupo terrorista, principalmente nos EUA, em Israel, no Canadá, nos Países Baixos e no Reino Unido. Enquanto isso, no mundo árabe e muçulmano, é respeitado como uma força de defesa contra a inferência exterior. Pode-se afirmar que sua meta principal é construir um Estado Islâmico Libanês, além de extinguir Israel.

O Hezbollah sobreviveu ao fim da guerra de Israel contra o Líbano e continua a atuar no Oriente Médio, principalmente a partir do Vale do Bekah, no sul do país. Sua fatia armada é conhecida como Jihad Islâmica, acusada de cometer inumeráveis atentados e assassinatos em Israel e região. Seu poder é tão intenso, que é possível encontrar subdivisões dela na Europa, África e Américas do Norte e Sul.

Seus criadores, em grande parte eclesiásticos xiitas, foram profundamente influenciados pelos ideais do aiatolá Khomeini, e seus membros foram formados e disciplinados por um grupo da Guarda Revolucionária Iraniana. Em 1985, um manifesto do Hezbollah expunha seus três objetivos principais – eliminar toda organização de tendência colonialista, julgar os falangistas pelos crimes cometidos e criar um estado muçulmano no Líbano -, embora ultimamente seus adeptos não falem mais sobre a edificação de uma nação islâmica.

O ódio principal do Hezbollah tem se voltado cada vez mais para Israel, país considerado ‘sionista’, estruturado a partir do arrebatamento violento das terras dos muçulmanos. Este sentimento cresceu desde julho de 1993, quando os israelitas desencadearam contra esta organização a ‘Operação Ajuste de Contas’, que resultou em 86 mortos, 480 feridos, 360 mil libaneses transferidos do Sul do Líbano para Beirute e na condenação externa de Israel.

Hoje o ‘Partido de Deus’, de mera organização paramilitar, converteu-se em um grupo político, com cargos conquistados no parlamento do Líbano, uma rádio e um canal de TV via satélite. Além disso ele detém vários projetos de progresso social. O Hezbollah goza de um grande prestígio entre os populares xiitas libaneses, e de algumas manifestações de simpatia da parte de sunitas, drusos e cristãos.

hezbollah2Esta força xiita desenvolveu, junto a outras organizações políticas do Líbano, os chamados protestos políticos do Líbano de 2006-2008, contra o primeiro-ministro Fuad Siniora. Mais tarde, graças ao Acordo de Doha, o Hezbollah conquistou o direito ao veto no Parlamento, ao mesmo tempo em que se estruturou um governo de unidade nacional, dentro do qual ele detém um ministro e onze das trinta cadeiras disponíveis. Apesar da retirada oficial dos israelenses do território libanês, este Partido é preservado como força armada com o poder de resgatar qualquer território invadido.

O Hezbollah não está livre das fissuras internas, que ganharam vigor de 1989 em diante. Em 1991 Abbas Musawi foi escolhido para liderar o grupo, mas foi morto logo em seguida, em fevereiro de 1992, por um grupo de Israel. Este assassinato teria possivelmente deflagrado o atentado à embaixada de Israel em Buenos Aires, pouco tempo depois.

Fontes:
http://www.midiasemmascara.org/artigos/terrorismo/7559-hezbollah-o-partido-de-deus.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hizbollah

Helenismo

Por Ana Lucia Santana
O período conhecido como helenístico foi um marco entre o domínio da cultura grega e o advento da civilização romana. Os sopros inspiradores da Grécia se disseminaram, nesta época, por toda uma região exterior conquistada por Alexandre Magno, rei da Macedônia. Com suas investidas bélicas ele incorporou ao universo grego o Egito, a Pérsia e parte do território oriental, incluindo a Índia.

Mapa mostra os domínios conquistados pelo Império Macedônio

Mapa mostra os domínios conquistados pelo Império Macedônio (Ilustração: Universidade do Texas. Historical Atlas by William Shepherd).

Neste momento desponta algo novo no cenário mundial, uma cultura de dimensão internacional, na qual se destacam a cultura e o idioma grego. Esta era tem a duração de pelo menos trezentos anos, encontrando seu fim em 30 a.C., com a invasão do Egito pelos romanos.

Alexandre Magno

Alexandre Magno

O período helenístico é caracterizada principalmente por uma ascensão da ciência e do conhecimento. A cultura essencialmente grega se torna dominante nas três grandes esferas atingidas peloHelenismo, a Macedônia, a Síria e o Egito. Mais tarde, com a expansão de Roma, cada um desses reinos será absorvido pela nova potência romana, dando espaço ao que historicamente se demarca como o final da Antiguidade. Antes disso, porém, os próprios romanos foram dominados pelos gregos, submetidos ao Helenismo, daí a cultura grega ser depois perpetuada pelo Império Romano.

Agora não havia mais limites entre os diferentes territórios, as diversas culturas e religiões. Antigamente cada povo cultuava seus próprios deuses, mas com a difusão da cultura grega tudo se transforma em um grande caldeirão sincrético, no qual misturam-se as mais variadas visões religiosas, filosóficas e científicas. Alexandria era o grande centro da cultura helenística, especialmente no campo das artes e da literatura.

Entre os alexandrinos floresceram as mais significativas edificações culturais deste período – o Museu, que englobava o Jardim Botânico, o Zoológico e o Observatório Astronômico; e a famosa biblioteca de Alexandria, que abrigava pelo menos 200.000 livros, salas nas quais os copistas trabalhavam ativamente e oficinas direcionadas para a confecção de papiros. Outro núcleo cultural importante foi o de Antioquia, capital da Síria, localizado próximo à foz do rio Orontes, em pleno Mediterrâneo.

A era helenística conheceu o incrível progresso da história, com destaque para Polibius; a ascensão da matemática e da física, campos nos quais surgem Euclides e Arquimedes; o desenvolvimento da astronomia, da medicina, da geografia e da gramática. A literatura conhece o apogeu com o poeta Teocritus, que prepondera especialmente na poesia idílica e bucólica.

Na filosofia despontaram quatro correntes filosóficas voltadas para a descoberta da fórmula da felicidade: os cínicos, que cultivavam a idéia de que ser feliz dependia de se liberar das coisas transitórias, até mesmo das inquietações com a saúde; os estóicos e os epicuristas, que acreditavam em um individualismo moral; e o neoplatonismo, movimento mais significativo desta época, inspirado pelos pré-socráticos Demócrito e Heráclito.

Nas artes sobressaíram alguns clássicos da Era Antiga, como a Vênus de Milo, Vitória de Samotrácia e o grupo do Laocoonte. Religiosamente pode-se dizer que o Helenismo era a contraposição pagã à nova religião que dominaria o cenário histórico a partir da preponderância de Roma, o Cristianismo.

Leia também:

  1. Alexandre Magno e a Cultura Helenística

Fontes:

http://www.fontedosaber.com/historia/helenismo-ou-periodo-helenico.html

O Mundo de Sofia – Romance da História da Filosofia – Jostein Gaarder – São Paulo, Cia das Letras.

Entretenimento Educativo

Alguma educação e alguma habilidade. Um pouco dos dois, sem isso não há ensino. O sujeito que rabiscou o javali na caverna de Altamira tinha evidentemente de ser a um só tempo um observador e um desenhista. O gênio da Disney de então (1935), sr. Carl Barks, era autodidata.

Nascido na alvorada do século XX e tendo de caminhar 6 km por dia para se educar numa escola rural, Barks diria mais tarde que “nunca fui mais longe do que meu quintal. Minha prancheta de desenho era meu tapete voador, sempre abarrotada de enciclopédias que ganhava de amigos.” Até chegar aos estúdios Disney, Barks foi fazendeiro, lenhador, torneiro, condutor de mulas, vaqueiro e impressor. Ele estava com 34 anos quando aterrizou na Califórnia, e a vida lhe ensinara que “o humor preserva a sanidade e aumenta a noção de sobrevivência”. (A frase é Charles Chaplin, outro educador que entreteve). Os personagens de Barks mais conhecidos, Pato Donald e Tio Patinhas, transpirariam muito de seu mentor. E inspirariam outros artistas. Spielberg não esconde que alguns de seus filmes tem cenas inspiradas em histórias de Donald e Patinhas.

Educadores...

A ferramenta ainda não estava há disposição, não totalmente, mas depois que o projetor de Lumiére foi patenteado subiu-se uma oitava em relação a Lanterna Mágica e estava-se mais próximo da transformação do cinema em espetáculo.

Data: 1902. Filme: “Le Voyage dans la Lune” (Viagem à Lua), de autoria do francês Georges Meliés, um misto de pintor, ilusionista, cenógrafo e mecânico, nascido em 1861. Meliés tinha 35 anos quando começou a produzir filmes, e parece que todos os truques do futuro cinema, ou do cinema do futuro, já estavam na sua cabeça. Câmera lenta e acelerada, justaposição de imagens, desenho animado misturado com realidade, miniaturas, neve artificial, Meliés pintou e bordou e descobriu até a chave de ouro da bilheteria: o nu feminino.

Nem “As Sete Bolas de Cristal”, de Hergé (“Tintim”), nem futurista de tempo algum previu a corrida cinematográfica, tanto sua existência quanto sua intensidade, na virada do século XX. A interação das imagens e a troca de informações dava saltos quânticos diários e os alfabetizados podiam, ao menos, ler tiras de jornal ilustradas, sobre, por exemplo, “As Minas do Rei Salomão”, sem nunca na vida ter sequer ouvido falar do assunto. Bastaria, porém, uma primeira vez. Se em pleno século XXI o primarismo das reações humanas nos remetem as cavernas de Altamira, é de se pensar como reagiu a platéia, num segundo instante, após a projeção dos 16 minutos de “Viagem à Lua”.

Truman Capote disse que o lance do artista é transformar sofrimento em arte. Ele não foi o único a perceber isso, nem o primeiro a dizer. Mas encerrou sua carreira literária ao se deparar com o mal que existe dentro do coração humano. Seu último livro gerou filmes, mas já sabemos que filmes, em geral, trilharam um longo caminho do manuseio humano pelo experimento, até que fossem viabilizados.

Numa frágil e temerária linha do tempo exposta no artigo anterior, que vai da percepção de Lucrecio Caro à Lanterna Mágica decorrem aproximadamente 1.700 anos. Da Lanterna ao projetor de Auguste e Louis Lumiére mais 300 anos. Na última década do século XIX tem-se a nítida impressão de que um esforço individual, ou seja, cada qual no seu canto, sem comunicação alguma com seus pares de criação, culmina num esforço internacional para que o cinema acontecesse.

Na Inglaterra, Willian Friese Greene e Willian Dickson (esse último trabalhou para Tomas Edison), na França, Louis Leprince (que desapareceu misteriosamente), na América do Norte, Birt Acres, na Alemanha, Max Skaladanowski, na Itália, Filoteo Alberini. Longa é a lista que se tem notícia, inviável talvez seja a lista real. Esse esforço, genericamente falando, era para viabilizar o cinetoscópio Edison (e genéricos), e sua adequação à percepção humana das imagens por segundo. A partir desse parâmetro, foi num curto período de tempo que a tecnologia se ajustou ao ser, (cerca de 3 anos), e das concebidas 45 imagens por segundo chegou-se nas palatáveis 16 imagens por segundo (cinema mudo).

Em Portugal, a primeira sessão pública de cinema se deu em junho de 1896. Um mês depois o italiano Vitório de Maio leva o omniógrafo para o Rio de Janeiro, pois a máquina é a mesma porém a inclinação humana para batismos variados parece inesgotável.

A “Viagem à Lua”, de Meliés, ocorrerá em 1902 e nessa data Carl Barks estava com alguns meses de vida.

O século XX será, sem sombra de dúvida, taxado de muitos rótulos, valendo então aqui rotular como o século do cinema e dos quadrinhos. Duas formas distintas, embora um tanto primas, de condensar e popularizar informações que antes existiam apenas em bibliotecas.

Revolução Farroupilha (1835-1845): um balanço historiográfico

por Lucas Aquino Brentano, Ricardo Cortez Lopes e Ganesh Inocalla

Sobre o artigo[1]

Sobre o primeiro autor[2]

Sobre o segundo autor[3]

Sobre o terceiro autor[4]

Introdução

A Revolução Farroupilha foi um conflito deflagrado na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul do então Império do Brasil e durou de 20 de setembro 1835, com a tomada de Porto Alegre, à 1º de março de 1845, com a assinatura do Tratado de Poncho Verde. Podemos inserir este conflito no âmbito daqueles que estouram após o Ato Adicional de 1834, em reação aos limites que a reforma da Constituição de 1824 teve com relação ao federalismo. Encontramos entre os motivos do conflito a negligência com que o governo central do Império tratava a Província, tanto econômica como politicamente, descontentando a elite local.

Baseada numa economia estancieira de produção de charque, exportado principalmente para a região sudeste onde era utilizado na alimentação das massas escravas, o charque gaúcho sofria com a concorrência do charque platino em virtude do preço do produto estrangeiro que era escoado diretamente pelos portos de Montevidéu e Buenos Aires, tornando-o mais barato e isento de impostos para entrada no porto do Rio de Janeiro. Os portos nacionais mais próximos das estâncias do oeste da Província (principal foco da Revolução), Laguna e Rio Grande, não tinham ligações diretas com a região e tornavam o produto mais caro, sendo mais viável escoar a produção pelo porto de Montevidéu. Com isto também estava relacionada à questão da independência da Província Cisplatina, que para os rio-grandenses fora um forte golpe tanto economicamente como moralmente, sendo eles tradicionalmente as “sentinelas da fronteira”, a ponta de lança do Império no sul do país. Os rio-grandenses acusavam a perda do território da Banda Oriental do rio Uruguai por causa da falta de apoio militar do governo central do Império.

Como já citado, por tradição a Província era fortemente militarizada, devido à fronteira plana que tinha com a região da bacia do Prata, de ocupação castelhana. Durante séculos seus habitantes lutaram com os vizinhos castelhanos e, ao longo do processo de formação dos estados independentes viram uma elite estancieira que muito se assemelhava a eles (elite rio-grandense) tomar o controle destas novas repúblicas, enquanto eram negligenciados por um governo anômalo às outras formas de governo das jovens nações americanas. Esta aproximação com as Províncias Platinas muito influenciou os farroupilhas e teve grande importância durante o conflito, em especial o Estado Oriental do rio Uruguai.

Identificamos como protagonistas do conflito a chamada elite farroupilha, composta por estancieiros militarizados, charqueadores, comerciantes, e sacerdotes, além de estrangeiros (homens oriundos tanto de fora do Império como de fora da Província). Fora aqueles que tinham interesses próprios este grupo era também composto pelas mentes ilustradas que foram responsáveis por “pensar” a República Rio-grandense. Importante ressaltar que nem todo rio-grandense era farroupilha, assim como nem todo farroupilha era rio-grandense. Além deste grupo há também os peões das estâncias, que junto aos seus patrões e comandantes das tropas, proprietários das estâncias, lutaram como soldados dos exércitos farroupilhas, assim com fizeram anteriormente e fariam posteriormente nos conflitos com os países platinos. Não podemos deixar de citar os escravos que, alforriados, compunham os Corpos de Lanceiros Negros, presença significativa na infantaria farroupilha e protagonistas de eventos de suma importância na Revolução, eventos estes que levantam questões a respeito do papel destes infantes e da escravidão no período e na região.

Podemos identificar na elite farroupilha dois grupos, classificados por uma “maioria” e uma “minoria”. O interesse da “maioria” seria na formação de um Estado republicano independente do Império do Brasil. Com o desenrolar da Revolução este grupo passa a se aproximar de outras unidades políticas com as quais tenta ensaiar uma ligação, porém sem sucesso. Entre estas tentativas está a breve existência da República Juliana, na região sul da Província de Santa Catarina, e a aproximação diplomática com o Estado Oriental do rio Uruguai e as Províncias Mesopotâmicas da Confederação Argentina. A “minoria”, que assume o governo rio-grandense no período final do conflito, estava mais interessada num acerto com o governo imperial, visando conquistar privilégios como a proteção econômica do charque rio-grandense no mercado brasileiro e uma maior participação política na província.

Dentre os fatos importantes da Revolução Farroupilha podemos citar o 11 de setembro de 1836, quando, após a Batalha do Seival, o General Antônio de Souza Netto proclama a República Rio-grandense, rompendo politicamente o território da Província; a nomeação de Luís Alves de Lima e Silva, então Barão de Caxias, para Presidência e Comando das Armas da Província em 1842; e a Batalha de Porongos em 14 de novembro de 1844, quando as já reduzidas tropas farroupilhas sofrem uma terrível derrota e eliminado quase que por completo o famoso Corpo de Lanceiros Negros, sendo este evento muito questionado e debatido desde seu ocorrido. Após então quase 10 anos de conflito é assinada uma Paz Honrosa que concede perdão aos revoltosos, mantém seus postos no exército de acordo aos que ocuparam durante o conflito e a alforria dos escravos libertos que compunham o exército farroupilha, além de ceder ao requerimento de uma maior proteção no mercado nacional para o charque rio-grandense, mais a nomeação de um Presidente de Província que fosse do gosto dos revoltosos, o próprio general Lima e Silva. Desta forma as reivindicações da “minoria” acabam por ser atendidas em maior parte.

Na nossa pesquisa a respeito da historiografia da Revolução Farroupilha optamos por dividir a bibliografia em três correntes: Historiografia Tradicional, que tem seu início ainda no período Imperial e se estende até o começo do período Republicano, Historiografia Acadêmica, que inicia as pesquisas sobre Revolução dentro das academias e universidades, através de estudos nas práticas científicas da história, que tem seu início na década de 1970 até 1990, e uma Historiografia Recente, que a partir de 1990 dá continuidade às pesquisas e produções da Historiografia Acadêmica, aprofundando e expandindo as abordagens feitas pela historiografia anterior.

Historiografia tradicional

Pode-se dizer que esta historiografia se caracterizava, em primeiro lugar, por ser puramente republicana. E, em segundo lugar, é possível também afirmar o caráter de sua metodologia como itinerante: mesmo entre espaços de tempo dilatados separando duas obras diferentes de uma terceira, ficava latente o mesmo ideário republicano em todas elas. Este caráter itinerante na questão da presença do ideário republicano é atribuído ao positivismo latente nesta historiografia, uma vez que o positivismo, como filosofia da história, pode ser utilizado por historiadores de diferentes épocas.

Este é o caso das três obras a que vamos nos referir: a “Guerra Civil no Rio Grande do Sul”, de Tristão de Alencar Araripe Júnior, “História da República Rio Grandense”, de Dante de Laytano e “História da Grande Revolução: o ciclo farroupilha no Brasil”, de Alfredo Varela. Todos os livros são republicanos e positivistas, e como seguidores de tal modelo apresentam uma metodologia semelhante – muito embora o livro de Araripe Júnior mostre-se muito mais emocionalmente engajado em contar esta história do que se apresenta o de Laytano e o de Varela neste quesito. E o trio serve ao nosso propósito de demonstrar a presença desse ideário em diferentes épocas: enquanto um é escrito em 1881, os outros dois são escritos em 1932 e 1933. Essa distancia, no entanto, é mais simbólica do ponto de vista político do que do cronológico-temporal, uma vez que vem a evidenciar uma troca de regime político no Brasil, o do Império para o da República.

Portanto, a história que aqui se apresenta é a positivista. Os pressupostos básicos já são conhecidos: o objetivo é apenas contar a história como esta ocorreu, sem intermediários subjetivos. Não haveria um sujeito entre o texto e a história. Daí a colocação de nomes e datas para permitir que a História se baste por si mesma.

Esse período da historiografia não teve uma produção muito fecunda acerca de estudos da época farroupilha. E o motivo é óbvio: os positivistas não se atreveriam a analisar o período farroupilha antes de decorrido um período de tempo longo entre o fato histórico e a época em que se começaria a análise. Tal período de tempo permitiria que as paixões e repulsas se diluíssem no esquecimento, restando ao historiador que se propusesse a analisar o fato histórico apenas a sobriedade para lidar com o acontecimento. Fica patente, então, a confiança que os positivistas guardam no potencial argumentativo dos documentos e das evidências: eles teriam a capacidade de resgatar a história por completo. Essa concepção não é tão aceita pelos historiadores do tempo presente, que são mais cautelosos em relação às suas fontes do que estes historiadores positivistas.

E a história aqui também é republicana. Para citar os dois livros diametralmente opostos: Araripe cioso por tornar a republica uma realidade e Laytano por fazer a manutenção do status quo republicano. Fica evidente o uso da história para fins argumentativos. A busca do regime republicano, mais evoluído e mais racional do que o Império (ou seja, mais capaz de levar o Brasil ao progresso), é a tônica do discurso da historiografia tradicional.

Apesar de Tristão de Alencar Araripe Júnior (1881) acreditar – e professar insistentemente o item em sua obra, “Guerra Civil no Rio Grande do Sul – nos princípios de uma Ciência Histórica isenta de subjetivismo, limitada à exposição dos acontecimentos passados sem juízos apaixonados proferidos por parte do historiador, não é o dito pressuposto que se vê aplicado na escrita de seu relato. Araripe deixa transparecer em seu livro a antipatia que sente pela Revolta dos Farrapos (1836-1845), asco provocado por este levante não se assentar num verdadeiro sentimento republicano. A revolta seria sustentada, segundo o autor, muito antes pelo “arbítrio dos caudilhos” do que pela soberania do povo gaúcho na construção de seu governo. Tal direção tornaria a republica Rio-Grandense uma “monarquia hipócrita” (expressão minha), ou seja, uma monarquia disfarçada de república com o intuito de proteger os caudilhos gaúchos da sanha punitiva do Império, disposto a lhes punir as desobediências anteriores à Revolução[5]. Ou seja, a revolta seria uma farsa[6].

Torna-se evidente que Araripe é um republicano convicto quando da realização da leitura de seu texto. Daí decorre a sua critica quanto à Revolução Farroupilha: em um período em que predominava o império no país, uma instituição governamental míope e representante do atraso político brasileiro, uma revolta que se intitula falsamente como republicana vem a afastar mais ainda o governo do povo, ao invés de guiá-lo para o infinitamente mais esclarecido caminho da república.

Tão logo se torna claro este enunciado, Araripe expõe os argumentos que lhe permitem tal oposição ferrenha à causa farroupilha. Em primeiro lugar, o regime instalado seria ditatorial, uma vez que a assembléia constituinte realizada com fins a criar uma carta magna fora desimportante[7] para que se erigisse o novo governo. A democracia, portanto, não integrava a república. E a rendição deste movimento ocorrera de modo igualmente excludente: satisfeitas as vontades dos caudilhos, que pretendiam verem-se livres das punições imperiais no pós-guerra[8], o movimento simplesmente caiu por terra, uma vez que os líderes já se tinham acomodado à nova ordem. Araripe classifica tal intenção revolucionária de “egoísta”.

Demonstra o autor também uma outra concepção de sua época: a da admiração pelos grandes homens. De tal monta que, sem demonstrar pudor nenhum no uso da comparação, exaltar a figura de Duque Caxias por seus feitos militares e desclassificar Bento Gonçalves até mesmo em seu aspecto físico, chamando-o de fraco e de possuidor de baixa estatura.

Por fim, o autor traça um paralelo sobre a Revolta dos Farrapos e a Confederação do Equador, conferindo muito mais dignidade à segunda revolução do que à primeira, uma vez que aquela se mostrava mais ciosa na busca do ideal republicano e assentava seu programa em um modelo mais republicano.

Toda essa propulsão de ideais republicanos é explicada devido à época da escrita desta obra. O ano da obra foi 1881. O império não se mostrava mais tão sólido em sua base política estrutural, e assistia impassível ao surgimento de movimentos republicanos e abolicionistas. Luiz Roberto Cairo, no seu livro “O salto por cima da própria sombra: o discurso crítico de Araripe Júnior : uma leitura”, dá uma idéia da formação intelectual de Araripe. O autor afirma, na página 24, que o positivismo comteano afetara diferencialmente as regiões brasileiras, de modo que no Ceará surgira a Academia Francesa, espécie de clube de ex-alunos do Ateneu. Suas reuniões eram caracterizadas pela ortodoxia positivista, constando entre seus membros, além de Araripe Júnior, Capistrano de Abreu, Rocha Lima e outros. Não é de se estranhar, pois, a tendência positivista de Araripe, que descreve a ciência histórica como não possuindo “Complacências, e tam-sómente dignifica [ndo]-se pela verdade;”[9]. Também denuncia seu alinhamento o trato para com as fontes: “o processo organiza-se pelos depoimentos, acumulando-se os documentos, em que estes se contêem”.

O objetivo do autor não é tão somente o de depreciar a revolução farroupilha. É o de, ao desvalorizar este acontecimento, propagandear o modelo republicano como superior ao monarquista. A república farroupilha seria uma espécie de micro-cosmos desta, pois ambas seriam movidas pelos arbítrios dos mais poderosos. Entendê-la em suas contradições internas equivaleria a entender as mesmas contradições passíveis na monarquia. Tal recurso seria eficiente e didático no tocante ao convencimento do interlocutor à aderência à causa republicana. A argumentação por exemplificação esta é “tratado de argumentação: a nova retórica” [10].

As fontes do autor são exclusivamente documentos. Nada mais é preciso ser dito, a ascendência positivista deste fica completamente exposta com esta informação.

Se o livro de Araripe Júnior apresentava uma versão totalmente – e descaradamente – contrária à Revolução Farroupilha, Dante de Laytano (1932) será seu contraponto interpretativo mais evidente. E essa oposição fica evidente quando o autor, ao reclamar do pouco volume de estudos dedicados à Revolução Farroupilha, a nomeia como detentora de um “papel brilhante na tecedura política do país, o que o desempenhou como acontecimento dos mais altos e significativos do século XIX”[11].

Ora, o outro contraste que é possível identificar a partir de Araripe é o fato de Laytano atribuir à causa da Guerra um papel mais complexo do que o de simples rebelião de caudilhos temerosos de punição por parte do Império. Laytano se dá ao trabalho de estabelecer uma cronologia que abrangesse os antecedentes do conflito farroupilha, algo do qual nem é possível dar-se conta quando da leitura de Araripe, uma vez que a causa da Revolução Farroupilha, para este, baliza-se na ação dos caudilhos. “História da República do Rio-Grandense”, no entanto, dedica um capítulo inteiro ao estudo desses precedentes, dividindo-os em “origens políticas”, “ origens separatistas”, “origens confederativas” e “ origens nacionalistas”.

Nesta primeira sessão já é possível notar o pendor do autor para as suas furiosas periodizações e para os registros de nomes importantes, algo que também caracteriza Araripe Júnior. Contudo, separa-os o período de publicação de seus trabalhos, uma vez que Júnior escrevera a época do Império e Laytano já tornara pública sua obra na época da República, a 1934.

Pelo fato de Laytano encontrar tantas origens diferenciadas para a explicação do início do fenômeno farroupilha, ele acaba aventando as causas de cada uma destas origens. Estas irão se confluir quando de uma análise posterior, e vão trazer o entendimento sobre a problemática da revolução.

À época da escritura do livro predominava a história positivista, mas não necessariamente republicana. Não se nota na obra uma propaganda republicana inerente ao desenvolvimento do texto, mas sim uma espécie de excelência no método. Afinal:

“Também os fatos políticos de Piratini, que muitos autores de bom nome comentaram, segundo as suas atitudes pessoais e intelectuais, aparecem aqui isentos de qualquer sentido unilateral” [12]

“Assim, o papel da Igreja Católica, a ação da maçonaria (...), são expostos de maneira livre, sem preconceitos e de acordo com as melhores leis de estudos históricos. Obra esforçadamente serena, o equilíbrio seria a única linha admissível”[13]

Araripe provavelmente está incluído nesse rol de intelectuais. Sua análise mostrou-se unilateral no sentido que se restringiu a utilizar retoricamente os fatos históricos para comprovar a sua tese da característica fundamentalmente imperial da revolução farroupilha. Logo, o autor se reafirma superior a estes por apresentar os fatos de modo exclusivamente científico, ou seja, sem o crivo de uma manipulação subjetiva com o intuito de garantir uma adesão do leitor. A análise da república rio-grandense também possui artifícios retóricos: o objetivo é demonstrar que a iniciativa rio-grandense em estabelecê-la foi uma experiência muito saudável, e que o Império é um sistema fadado ao insucesso, pois levanta uma oposição muito qualificada dentro do próprio Brasil.

Os documentos a que recorre Laytano são leis, decretos e jornais farroupilhas. Notemos o que há de diferente da Historiografia Tradicional é o uso dos jornais, que não são um documento muito confiável para os positivistas.

Já o autor Alfredo Varela (1933) não inicia diretamente pela narrativa dos acontecimentos da Revolução Farroupilha, tal qual ocorre com o texto de Araripe Júnior. Varela vai pincelar a história gaúcha desde a época portuguesa, reafirmando o caráter guerreiro do povo gaúcho a partir de uma história pródiga em acontecimentos bélicos.

Tal qual ocorre com Dante de Laytano, desde o início o autor vai afirmar a deficiência de estudos mais elaborados acerca da Revolução Farroupilha, ressaltando neste ínterim que uma correta análise do conflito dos Farrapos deve ser feita sobre a luz da erudição.

O autor dialoga com autores deterministas, e, ao realizar tal confronto, afirma sua própria identidade positivista: “no processo científico de investigação, que se apóia em sólidos fundamentos científicos, genialmente resumidos em profundo conceito filosófico: - as modificações quaisquer da ordem universal se limitam à intensidade dos fenômenos, cujo arranjo permanece inalterável” [14].

Logo, esse princípio científico positivista centrado na descrição dos fenômenos vai se estender por todos os seis volumes da obra, onde se vislumbra uma narrativa bastante detalhada – o primeiro capítulo, a exemplo narra a chegada dos portugueses à região que futuramente constituir-se-á na província de São Pedro de modo bastante detalhado, abusando Varela do potencial descritivo da documentação.

Esta obra parece muito menos engajada com a causa republicana do que as obras dos dois autores anteriores, ao mostrar um estudo detalhado sobre a topografia e sobre a história gaúcha remontando à época de sua descoberta por parte dos portugueses. Também há uma profusão bastante considerável de autores, o que demonstra que não apenas de documentação foi constituído o embasamento de Varela. Contudo, essa aparência de neutralidade desmorona quando o autor, utilizando-se da tese de que o Rio Grande do Sul fora até aquele momento uma ferramenta utilizada pelo Brasil com fins defensivos das fronteiras sul do país, o que lhe permite afirmações do tipo “sob a acrabunhante carga da velha tirania se lança, decidida, abnegadamente, à dianteira de todas. Escolhe para si a posição de mais risco. Alinha-se na vanguarda-extrema do movimento reivindicador e liberal”. [15]. Esta afirmação permite uma comparação com o otimismo de Dante de Laytano e afasta o autor do pessimismo demonstrado por Araripe Júnior, apesar de Varela ser contemporâneo de Araripe Junior, e não de Laytano.

As fontes do autor são livros (como o uso de Saint-Hilaire, por exemplo), jornais e documentos.

Historiografia acadêmica

Muito já foi escrito sobre a Revolução Farroupilha. A historiografia acadêmica, que na nossa pesquisa data desde 1979 até aproximadamente 1990, procura fazer uma interpretação científica desse conflito. Fazem esse trabalho da forma mais objetiva possível mediante vasta pesquisa empírica. Diversas fontes são utilizadas: desde documentos, cartas, arquivos, jornais, pesquisas, entre outras. Pode-se afirmar, dessa forma, que é um revisionismo da historiografia tradicional (analisada anteriormente), já que esta era em grande parte positivista, republicana e em certa medida enaltecedora da “heroicidade” de alguns de alguns líderes da Revolução, como o caso de alguns estudos sobre a liderança de Bento Gonçalves.

Essa “nova” interpretação é formulada em um momento diferente ao da historiografia tradicional. É um período em que o método historiográfico de pesquisa está mais desenvolvido. Além disso, outros documentos e fontes estão disponíveis, o que proporciona uma visão melhor do que de fato aconteceu entre 1835 e 1845. Outro aspecto importante dessa historiografia acadêmica é influência que ela sofre do momento em que os autores estão escrevendo. Tal influência fica muito perceptível principalmente no trabalho de Décio Freitas (1985). Quatro dos autores que utilizamos ficaram classificados nesse revisionismo: Spencer Leitman (1979), Décio Freitas (1985), Sandra Pesavento (1985) e Moacir Flores (1990). Todos eles, embora estudem o mesmo conflito, fazem uma abordagem um pouco diferente sobre o tema.

Spencer Leitman (1979) afirma que muita atenção foi dada ao aspecto político do conflito, principalmente à questão do separatismo – se de fato os farrapos pretendiam se separar ou não do Império. No seu estudo, todavia, ele dá um enfoque às origens socioeconômicas da Guerra, e principalmente ao fenômeno do fluxo de gado do Uruguai para o Rio Grande do Sul. Ele acabou trazendo à luz um assunto pouco discutido, a questão da participação de afro-descendetes no conflito. Naquele período, a província tinha uma população escrava entre 25 e 30% do total de habitantes, de acordo com a maior parte das estimativas. O vizinho Estado Oriental, hoje Uruguai, já havia libertado e incorporado afro-uruguaios no serviço militar. Os farrapos negros tornaram-se a espinha dorsal das forças rebeldes, visto que, diferentemente de seus compatriotas brancos ou mestiços, que contavam com suas licenças do exército, eles tinham que permanecer presos as suas unidades. A escravidão, nas charqueadas, como as de Pelotas, era brutal e severa, rivalizando nos piores aspectos com os engenhos do Nordeste. Ela ainda afirma que a escravidão na Campanha foi provavelmente menos severa do que em outros lugares, como observaram viajantes estrangeiros do período, mas essas observações foram o resultado histórico de um ambiente rural. A cultura da escravidão e a necessidade de trabalho colocaram os escravos a cavalo. Isto deixava muitos deles próximos a fronteiras internacionais, e armados com os instrumentos da vida nas propriedades rurais, os estancieiros os tratavam como outros ajudantes. Isso não era um princípio democrático, mas sim a praticidade do controle social sobre os escravos numa economia carente de mão-de-obra.

Por fim, ele afirma que a liderança farrapa era composta de guerreiros que estavam buscando, antes de tudo, seus próprios interesses pessoais. Tal atitude e comportamento intensificaram-se depois da publicação dos decretos do governo farrapo, em 1836, com o confisco da propriedade daqueles que se opuseram à rebelião. Os líderes farrapos estavam sempre voltados para a expansão e guarda segura de seus próprios escravos, terras e gado, em detrimento do grande fim de estabelecer um estado republicano independente.

Décio Freitas (1985), por sua vez, faz uma análise do federalismo na Revolução Farroupilha. Ele discute a origem do centralismo na Brasil, assim como o surgimento das reivindicações federalistas – mais descentralizadoras. Ele afirma que diante de um Estado Imperial estrangulador, as elites de diferentes regiões chegaram à conclusão de que não tinham um futuro, ou se tinham era um muito sombrio. Assim, ele interpreta que outras rebeliões também tinham um viés federalista e eram reativas à tal sistema centralizador. Entre elas, pode-se citar a Confederação do Equador, a Federação dos Guanais, a Cabanagem a Sabinada. Todavia em nenhuma outra região a ideologia autonomista e federalista vicejava mais vigorosa que no Rio Grande de São Pedro. A rebelião federalista pode ser definida, numa síntese histórica, como um movimento destinado a assegurar as condições da dominação e do desenvolvimento da burguesia pastoril gaúcha, ameaçada pelo centralismo a serviço do sudeste. Quanto ao povo – massa de índios gaudérios, escravos fugidos, desertores do exército, peões e agregados de instância – estes serviram meramente de massa de manobra. Além disso, o projeto dos republicanos farrapos mantinha a escravatura, excluindo os negros da nacionalidade. O Regime republicano, nesse sentido, discriminava ainda mais que o imperial, visto que ao contrário deste recusava a cidadania aos próprios libertos nascidos no Brasil. Por fim, ele conclui que o movimento de 1830 despontou como uma força insurgente contra o poder central. Ele por fim conclui que:

“Historicamente, no Brasil, o centralismo se fez sinônimo de opressão. Este é um momento oportuno para lembrar que não pode haver democracia sem federalismo, nem federalismo sem democracia: as coisas são absolutamente inseparáveis” [16]

O momento a que ele se refere é o do fim da ditadura militar no Brasil, momento em que um civil chega ao poder (José Sarney), embora pelo voto indireto. Era o período de grande discussão sobre os rumos do Brasil e de como seria o novo projeto de Constituição e organização política do Brasil, num momento pós-ditadura militar.

Já Sandra Jatahy Pesavento (1985) centra o seu trabalho na ideologia e no Liberalismo, durante a Revolução Farroupilha. Ela usa a concepção de Gramsci sobre ideologia para analisá-la.

O importante a reter, segundo ela, é que as correntes que dentre os farroupilhas pugnavam pela monarquia constitucional quanto as que se declaravam pela república estavam defendendo um regime político que se coadunava com os interesses dos grupos dominantes locais.

Na questão da liberdade individual, por exemplo, a noção deve ser entendida como referente ao conjunto de homens livres e proprietários, considerados como cidadãos ou detentores de direitos políticos. Eventuais emancipações de negros durante o conflito devem ser entendidas à luz das necessidades da guerra- era preciso libertar o escravo para armá-lo e torná-lo um soldado da causa rebelde – e não de uma tendência emancipacionista. A bandeira não era o fim da escravidão.

Segundo ela, salvo eventuais futuras pesquisas que possam trazer à luz novos dados, não houve, no movimento farroupilha, nenhuma proposta que defendesse a generalização do trabalho livre. No Rio Grande do Sul, o movimento circunscreveu-se aos limites da classe dominante, pecuarista, latifundiária e escravocrata. Estes eram os cidadãos que se autodenominavam “o povo do Rio Grande” e que arrastavam junto a si seus empregados e dependentes para lutarem num movimento em torno de causas alheias aos horizontes dessas camadas dominadas. Não há, portanto, falta de correspondência entre o discurso político e a sua base social. O pensar e o agir correspondem aos interesses dos grupos que empresariam o movimento, bem como à sua necessidade de manter a dominação sobre o corpo social. Ela termina concluindo que:

“A demonstração de força da época era dada pela capacidade de resistir ao centro, e a justificativa da rebelião passava pelo endosso seletivo das idéias liberais da época, adaptadas aos interesses e problemas sociais. (...) Em suma, não é com a importação de idéias que os farrapos se tornaram ‘liberais’. O contexto histórico rio-grandense criou formas de agir e pensar ‘liberais’, e as idéias européias só entraram e foram adotadas em função desta realidade.”[17]

E por fim Moacyr Flores (1990) analisa a revolução, discutindo também o liberalismo no conflito. Na mesma linha de Pesavento e Freitas, Flores também o caráter liberal da Revolução Farroupilha, ao afirmar que era um entre outros movimentos (Ceará, Pernambuco, Bahia, Maranhão) durante o contexto de distensão entre liberais federalistas e os conservadores do Brasil Imperial.

Os farroupilhas classificavam o movimento armado como revolução, já que de acordo com o conceito liberal da época houve uma mudança da forma de governo, pela primeira vez ter-se-ia instituído um governo republicano entre 1836-1845, abrangendo Rio Grande do Sul, Lages e Laguna em Santa Catarina. Mas, segundo Flores, o correto seria classificar como uma guerra civil, na qual lutaram rio-grandenses contra rio-grandenses que não aderiram ao movimento.

Ele afirma que a República Rio-Grandense era separatista porque possuía bandeira, hino e escudo de armas como símbolos da pátria, que não eram os do império do Brasil. Em suas cartas, Bento Gonçalves, Neto, Mariano de Mattos referiam-se que fundaram uma nova nação. Um ponto importante do seu trabalho é sobre o autoritarismo rio-grandense. Ele o identifica como parte da nossa cultura. Chega a afirmar que “Bento Gonçalves, não querendo abrir mão de seus poderes de ditador militar, protelou eleições e depois por várias vezes a sessão de abertura”, desde a época da proclamação da República em 1836.

Moacyr Flores, ao se referir a outras interpretações históricas do conflito, afirma que:

“Infelizmente historiadores eruditos, com suas preciosidades, historiadores positivistas, com suas exaltações aos heróis e historiadores políticos, com sua ideologia econômica, deturparam o verdadeiro sentido da Revolução Farroupilha, que foi a luta pelos princípios liberais contra o autoritarismo político, inclusive dentro da própria República Rio-Grandense.” [18]

Historiografia Recente

A Historiografia Recente tem seu começo a partir do início da década de 1990 e se estende até os dias de hoje. Identificamos essa historiografia como dando continuidade às pesquisas e estudos feitos pela Historiografia Acadêmica, fazendo uso extenso da bibliografia produzida pela precedente. Valendo-se então daqueles estudos como base, os historiadores deste período buscam estender, se aprofundar e elaborar questões além daquelas exploradas pela Historiografia Acadêmica, ora usando-a como base, ora contestando-a. Sendo assim, se considerarmos a Historiografia Acadêmica como uma revisão da Historiografia Tradicional, podemos chamar a Historiografia Recente de uma “re-revisão”.

Selecionamos dois autores para analisar esta historiografia de uma maneira intrínseca, sendo o primeiro César Augusto Barcellos Guazzelli, que estuda as relações diplomáticas do Império e da República Rio-grandense com as províncias da Bacia do Rio da Prata (províncias estas que mais tarde se tornariam a Argentina e o Uruguai), representadas pelos seus caudilhos, e os aspectos políticos, econômicos e militares destas relações; e Maria Medianeira Padoin que analisa documentos e ideologias do período anterior à Revolução, fazendo um estudo do Direito das Gentes, da formação dos Estados nacionais platinos, do federalismo, da maçonaria e as influências destas ideologias e instituições sobre a Revolução e no discurso da chamada elite farroupilha. Nota-se então a tendência destes autores em analisar a Revolução por uma ótica ignorada pelos autores anteriores, que é a importância da região platina no conflito. Por razões disto ambos os autores trabalham com além da documentação produzida pelos Farroupilhas e pelo Império, também com documentos oriundos de arquivos estrangeiros, em especial argentinos e uruguaios. Num segundo momento analisamos brevemente uma obra que dá uma nova abordagem para os estudos da Revolução Farroupilha: um artigo que analisa a questão sobre os famigerados Corpos de Lanceiros Negros e os estudos que vem sendo feitos até o momento sobre esta divisão da infantaria farroupilha e a escravidão na Província durante aquele período.

César A. B. Guazzelli, em sua tese de doutorado “O Horizonte da Província: a República Rio-Grandense e os caudilhos do Rio da Prata (1835-1845)”, defendida em 1997 no PPG de Pós-Graduação em História Social da UFRJ, aborda as relações entre farroupilhas e imperiais com os caudilhos platinos. A tese se divide em sete capítulos, tendo sido abordados apenas dois: o capítulo quarto, que analisa o conflito em si, e o sétimo, que aborda os últimos momentos da Revolução.

Para Guazzelli a relação que os Farroupilhas estabeleceram com os caudilhos uruguaios Oribe e Rivera (o segundo em especial) foi essencial para a manutenção da Revolução. Sem acesso ao porto de Rio Grande ou qualquer outro porto nacional que permitisse o escoamento da produção de charque, o acesso ao porto de Montevidéu foi essencial para a frágil estabilidade econômica do governo republicano. Além do escoamento da produção rio-grandense a praça econômica de Montevidéu também foi importante no fornecimento de produtos para os farroupilhas, como tecidos e produtos importados. O apoio logístico dos uruguaios também foi importante, sendo eles grandes fornecedores das cavalhadas para os farroupilhas. A cavalaria ligeira era a base, a essência do exército rio-grandense, desde os períodos das guerras entre luso-brasileiros e castelhanos, e era essencial a manutenção destas cavalhadas, somado ao fato de os Farroupilhas possuírem uma infantaria precária e artilharia débil, sendo também através do Uruguai que o armamento para o exército republicano chegava às mãos dos revoltosos. Relações também foram estabelecidas com caudilhos das chamadas províncias mesopotâmicas da Confederação Argentina, porém o conflito com o caudilho e então governador da Província de Buenos Aires, Juan Manuel de Rosas, não permitiu um maior aprofundamento nestas relações.

O autor também trabalha a questão de o Uruguai ter sido usado como um refúgio, por assim dizer, das propriedades e economias de certos estancieiros e charqueadores, que com as incertezas e os riscos da guerra em território rio-grandense enviavam para a república oriental seu gado e seus escravos. Muitos destes proprietários inclusive tinham terras no Uruguai, o que marca uma continuidade nas relações entre a província rio-grandense e a república oriental mesmo após a guerra que separou a província Cisplatina do império. Este fator também vai levantar questões muito sérias no período final e após a guerra devido ao fato de a escravidão ser aceita nas propriedades de brasileiros, mesmo que tal já era abolida no Uruguai. Havia até mesmo acordos de no caso de escravos brasileiros ou rio-grandenses fugidos fossem encontrados em território oriental, tal deveria ser devolvido ao seu dono ou à seu respectivo governo.

Além das relações econômicas entre rio-grandenses e platinos Guazzelli também cita casos de relações entre farroupilhas e legalistas. Mesmo com a guerra e mesmo em lados opostos houve casos onde charqueadores, estancieiros e comerciantes fizeram negócios, mostrando um aspecto que poderia dar até calafrios em certos estudiosos de historiografias predecessoras. Somada à questão do contrabando de charque, couro e gado do e para o Uruguai mostra como as relações entre as diferentes partes foram mais complexas do que certos autores haviam abordado anteriormente, desmontando até certas perspectivas dualistas. Mesmo com tais relações encontramos leis que permitiam aos farroupilhas confiscar e expropriar os rebanhos e terras dos legalistas.

Por fim, com a nomeação de Luís Alves de Lima e Silva para a Presidente e Comandante das Armas da Província, que passa a utilizar as mesmas táticas militares dos farroupilhas e assim conquistar um maior número de vitórias; o fracionamento dos farroupilhas entre uma “maioria” que desejava manter a separação com o Império e defender a bandeira do federalismo e uma “minoria” interessada em negociar com Caxias e obter resultados positivos após quase 10 anos de Revolução; e a queda de Riveira do governo oriental e a ascensão de Oribe, apoiado por Rosas, faz com que o panorama se transforme. Rivera busca apoio nos farroupilhas, porém ambas as partes estão debilitadas, enquanto o Império busca uma aliança com seus tradicionais inimigos da Confederação Argentina, que acabou por não se realizar. Os interesses então desta “minoria” somado ao fato da ascensão de Rosas, caracterizada na expressão contemporânea do conflito “Um estranho Poder Ameaça a Integridade do Império!” fez com que farroupilhas e o Império chegassem a um acordo que beneficiou bastante os revoltosos, a conhecida Paz Honrosa do Tratado de Poncho Verde.

Com estas abordagens Guazzelli então defende uma característica muito importante e peculiar da Revolução Farroupilha, que é o aspecto dela ter sido, de todas as revoltas do período Imperial, a única de importância internacional, como bem colocado neste trecho:

“[...]estabelecer relações diplomáticas no primeiro período da insurreição, fundamentalmente com a Confederação Argentina dominada por Rosas e seu aliado Oribe, presidente oriental e criador da divisa dos blancos. [...]tratativas como o colorado Rivera e com o Francia, o Supremo do Paraguai [...] Estas abordagens não podem ser interpretadas como fracassos, visto terem perturbado enormemente a política imperial no Rio da Prata, já que a pacificação dos rio-grandenses era uma condição essencial para a afirmação do Brasil na região. Além disto, os republicanos do Rio Grande passaram a ter peso em praticamente todos os conflitos e negociações no âmbito do Prata, o que conferiu à insurreição uma importância internacional que não teve nenhuma outra tentativa de secessão contra o Império.”[19]

Guazzelli faz uso da bibliografia produzida pelos historiadores das historiografias antecessoras, porém seu grande diferencial é notado pelo uso de documentos referentes à diplomacia do Império, localizados no Arquivo Histórico do Itamaraty, da diplomacia dos Farroupilhas, localizados no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, além de documentação referente aos territórios platinos.

Em seu livro “Federalismo gaúcho: fronteira paltina, direito e revolução” de 2001, inspirado na sua tese de doutorado “O Federalismo no espaço fronteiriço platino. A Revolução Farroupilha (1835-1845)”, defendida em 1999, Maria Medianeira Padoin relaciona o ideário que permeou durante os movimentos de independência da América Hispânica, mais precisamente na região da Bacia do Rio da Prata, com as influências destes no ideário e no discurso da chamada elite farroupilha. Padoin identifica na elite farroupilha Estancieiros militares, Charqueadores, Comerciantes e Sacerdotes, havendo alguns que se enquadravam em mais de uma classificação, lembrando também que nem todo rio-grandense era farroupilha.[20]

Num primeiro momento ela aborda o federalismo na formação dos estados platinos, buscando as influências deste ideário a partir do Direito Natural e das Gentes, muito difundido já desde o período colonial nos fins do século XVIII, da maçonaria e dos sacerdotes. A autora compara estes temas (o federalismo e o ideário político do período) com teorias das Ciências Políticas, parte presente apenas na sua tese de doutorado, mostrando espaço para a interdisciplinaridade nas abordagens sobre a Revolução Farroupilha. A autora trás também um detalhe importante a respeito da formação do Uruguai, que a partir do caudilho Artigas, contrário à proposta de estado unitarista defendida por Buenos Aires, apresenta uma nova proposta de federalismo e de Estado na região. Estas então seriam as influências que levariam os farroupilhas a se levantarem contra o Império.

A questão da separação definitiva não teria ficado clara, já que os farroupilhas apresentam uma interpretação própria do federalismo, sendo possível que, caso as demais províncias aderissem a este formato político, os farroupilhas aceitariam formar então uma Confederação com estas províncias, podendo ser citado o caso da República Juliana, no território de Santa Catarina. A autora também contesta a tese de Moacyr Flores a respeito da ligação imprescindível entre federalismo e república e o conhecimento apenas empírico de federação por parte dos farroupilhas, apontando a existência de facções que eram tanto federalistas como monarquistas e o conhecimento por parte dos farroupilhas tanto das tentativas de formação de federações e confederações no território vizinho quanto o bem sucedido caso dos Estados Unidos. Os homens responsáveis por “pensar” o Estado republicano rio-grandense tinham todo o arcabouço teórico e ligações com pessoas diretamente responsáveis pela formação destes novos modelos de Estado.[21]

A respeito destas influências no começo da Revolução, citamos a autora:

Assim, no primeiro momento da Guerra, acreditamos que foi a idéia em torno do federalismo que garantiu a unidade da elite farroupilha [...] a Província do Rio Grande com as demais províncias do Império tornar-se-iam estados federados, membros de uma Monarquia federal. Somente com a proclamação da República, pelo grupo da maioria, que aparecerá o projeto “real” de quem pensou a Revolução, ou seja, a formação de um Estado Independente Republicano Federal.[22]

E no seu ocaso:

Esse nosso posicionamento [...] é complementado com o fato de que nos últimos anos da Revolução a visão de Monarquia federal e de Monarquia descentralizada ressurgiu pelo discurso da minoria em suas tratativas de paz com Caxias.[23]

Assim como Guazzelli, Padoin faz uso da documentação produzida pelo governo farroupilha, além de figuras importantes que compunham a chamada ‘maioria’ da elite farroupilha, jornais produzidos pelos revolucionários e o diferencial de ter buscado os programas de ensino nas universidades no período anterior à Revolução e os movimentos de independência na América Hispânica, em especial os programas da Universidade de Coimbra. Isto traz a tona o conhecimento e o ideário a qual tinham acesso as pessoas que seriam responsáveis por pensar estes movimentos e os novos Estados.

A partir destes autores e da relação que eles fazem entre a Província e os Estados platinos podemos identificar um fator motivacional da revolução: enquanto a elite rio-grandense vivia baixo um governo monárquico que em relação a eles era negligente e indiferente, eles enxergavam os vizinhos, composta também por uma elite estancieira produtora de gado, tomar a frente na formação de Estados republicanos que por eles passou a ser controlado.

No artigo “Os lanceiros Francisco Cabinda, João Aleijado, preto Antônio e os outros personagens negros na guerra dos Farrapos”, de autoria de Vinicius Pereira de Oliveira e Daniela Vallandro de Carvalho, os autores buscam fazer um breve estudo da vida destes três lanceiros a partir de uma análise micro-histórica e relacionar com as pesquisas sobre os Lanceiros Negros e a escravidão na Província antes e durante o conflito. Os autores apontam como um dos motivos destas pesquisas o interesse de ressaltar a diversidade na composição étnica do estado do Rio Grande do Sul. Num segundo momento eles realizam uma análise dos estudos já realizados sobre a famosa Batalha de Porongos, que ao longo da história, desde seu ocorrido, recebeu inúmeras caracterizações como Massacre, Traição, Surpresa, etc. Por fim os autores comparam a busca e os estudos a respeito da Revolução Farroupilha, que é para os gaúchos uma referência e marco fundador da identidade regional, com os estudos a respeito dos Lanceiros e dos escravos no estado como uma referência para estes grupos étnicos, participantes na formação da nossa história e identidade. Tal artigo pode ser encontrado no livro “RS negro: cartografia sobre a produção do conhecimento”, organizado por Gilberto Ferreira da Silva, José Antônio dos Santos e Luiz Carlos da Cunha Carneiro.

Bibliografia

ARARIPE, Tristão de Alencar. Guerra civil no Rio Grande do Sul: memória acompanhada de documentos: lida no instituto histórico e geographico do Brasil. Porto Alegre: Corag, 1986.

FLORES, Moacyr. Revolução Farroupilha. 4. Ed. Porto Alegre: Editora UFRGS, 1990.

FREITAS, Décio. Farrapos: uma revolução federalista. In: VÁRIOS. A Revolução Farroupilha: história e interpretação. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.

GUAZZELLI, César A. B. O Horizonte da Província: a República Rio-Grandense e os caudilhos do Rio da Prata (1835-1845). Rio de Janeiro: Tese (Doutorado em História), PPG – História Social/UFRJ, 1997.

LAYTANO, Dante de. História da República Rio-Grandense (1835-1845). 2. Ed. Porto Alegre: Sulina, 1983.

LEITMAN, Spencer. Raízes socioeconômicas da Guerra dos Farrapos: um capítulo da história do Brasil no século XIX. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

OLIVEIRA, Francisco Pereira de; CARVALHO, Daniela Vallandro de. Os lanceiros negros Francisco Cabinda, João Aleijado, Preto Antonio e outros personagens negros da Guerra dos Farrapos. In: RS Negro: cartografia sobre a produção do conhecimento. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.

PADOIN, Maria Medianeira. Federalismo Gaúcho – Fronteira platina, direito e revolução. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001.

PESAVENTO, Sandra. Farrapos, Liberalismo e ideologia. In: A Revolução Farroupilha: história e interpretação. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.

VARELA, Alfredo. Historia da grande revolução: o cyclo farroupilha no Brasil. Porto Alegre: Globo, 1933.6v

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2000.

LINHARES, Maria Yedda (org.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1996.


[1] O artigo foi composto com a participação equitativa de todos os autores

[2] Graduando no Bacharelado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

[3] Graduando no Licenciatura em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

[4] Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

[5] ARARIPE, Tristão de Alencar. Guerra civil no Rio Grande do Sul: memória acompanhada de documentos : lida no instituto histórico e geographico do Brasil. Porto Alegre: Corag, 1986, p.9 e 10

[6] Ibid., p.9

[7] Ibid., p.4 e 5

[8] Ibid., p.11

[9] Ibid., p.13

[10] PERELMAN, Chaim. Tratado da argumentação : a nova retórica. São Paulo: M. Fontes, 2005, p. 339

[11] LAYTANO, Dante de. História da República Rio-Grandense : (1835-1845). 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 1983, p.17

[12] Ibid., p.11

[13] Ibid., p.12

[14] VARELA, Alfredo. Historia da grande revolução : o cyclo farroupilha no Brasil. Porto Alegre: Globo, 1933. 6 v, p.13

[15] Ibid., p.10

[16] FREITAS, Décio. Farrapos: uma revolução federalista. In: A Revolução Farropilha: história e interpretação. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985. p.120.

[17] PESAVENTO, Sandra. Farrapos, Liberalismo e ideologia. In: A Revolução Farroupilha: história e interpretação. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985. p.29.

[18] FLORES, Moacyr. Revolução Farroupilha. 4º Ed. Porto Alegre: Editora UFRGS, 1990. p.105

[19] Ver Tese de Doutorado de GUAZZELLI, César A. B. Horizonte da Província: A República Rio-Grandense e os Caudilhos do Rio da Prata (1835-1845). PPG em História Social/UFRJ, 1998.

[20] PADOIN, Maria Medianeira. Federalismo gaucho: fronteira platina, direito e revolução. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001. p.78-90.

[21] Ibid., p.92-94.

[22] Ibid., p.112.

[23] Ibid., p.113

Fonte: