Engana-se quem pensa que as ideias republicanas no Brasil surgem em torno da proclamação da República. O projeto de instituição de uma república federativa já estava presente no cenário político do Primeiro Reinado (1822-1831), assim como no período das regências (1831-1840), bem antes de 15 de novembro de 1889.
A palavra república possuía significados muito diferentes na primeira metade do século XIX. Em primeiro lugar, de acordo com a herança do Antigo Regime, seria ainda associado à identificação de um território regido pelas mesmas leis, ou submetido ao mesmo governante, independente da forma de governo. Em segundo lugar, a ideia de república também era compreendida como a precedência do bem comum e a prevalência da lei e da Constituição sobre os interesses individuais. Em terceiro lugar, o conceito de república denotava o governo eletivo e temporário. Assim o expressava o jornal fluminense Nova Luz Brasileira em artigo de 9 de julho de 1831. “A Nova Luz quer que o Povo Brasileiro fique certo (...) que não deve confiar em mandatário, cujo poder não é revogável e temporário”.
A apologia da república como forma de governo era considerada crime pela Constituição de 1824, pela lei de imprensa de 1830 e pelo Código de Processo Criminal de 1832. Tais constrangimentos legais explicam a utilização de vários recursos para definir ou louvar a república. Por exemplo, jornais republicanos de diversas províncias do Império eram transcritos nos periódicos da Corte. Com isso, pretendia-se demonstrar não só a extensão de suas ideias, como também fugir da responsabilidade legal sobre os princípios apregoados. Outro recurso seria desqualificar ou ridicularizar os rituais monárquicos, como a cerimônia de beijar a mão do Imperador ou a concessão de títulos e honrarias. Mas o expediente mais usado, por parte dos jornais republicanos, era o emprego de expressões como “monarquia americana” ou “sistema americano” para designar o conceito de república. Por oposição, o governo hereditário e vitalício seria denominado de “monarquia européia” ou “sistema europeu”.
Curiosamente, o argumento em prol da instauração da república no Brasil não recaía na história ou no passado, mas sim na geografia, ou seja, no pertencimento ao continente americano. Da mesma forma, a ausência de aristocracia na América assinalava a especificidade do continente e tornava a monarquia inconciliável com o Novo Mundo. Em 1831, a folha fluminense O Tribuno do Povo estranhava a permanência da monarquia no Brasil em meio a tantas repúblicas na América. “Lembrem-se que longe da Europa, a América trilha uma vereda bem diversa (...), e que se ora existe no Brasil a anomalia de um trono, tal não é o fim dos Brasileiros”.
No início do século XIX, os periódicos republicanos não defendiam a abolição imediata da escravidão africana. O tema da república associado à libertação dos escravos evocava a experiência recente da Revolução do Haiti (1791-1804), onde ocorrera uma revolta escrava da qual se procurava manter distância.
Já os anseios federalistas, ou a garantia da descentralização política e administrativa, animavam o ideário republicano. No entanto, nem sempre federação seria sinônimo de república. Em Pernambuco, a autonomia provincial tinha primazia sobre a forma de governo, desde que a monarquia fosse “autenticamente constitucional e preservasse tais franquias”. Tais ideias culminam na proclamação de uma república confederada, apoiada pelo Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte − a Confederação do Equador. Após quatro meses de embates, o movimento foi sufocado por violenta repressão das tropas imperiais.
Associado ou não à república, o clamor federalista rondava as revoltas do período regencial. Apesar de suas especificidades, muitas denunciavam a centralização política e administrativa como responsáveis pela opressão fiscal, que carreava recursos para o Rio de Janeiro, bem como pelo acirramento de conflitos entre as lideranças políticas locais e os presidentes de província nomeados pelo governo central.
Em 1837, Francisco Sabino Vieira (1797-1846), o líder da Sabinada (1837-1838), nos seus artigos no recém fundado Novo Diário da Bahia, refuta a impropriedade da república como forma de governo para o país e defende que a autonomia da província justifica a defesa da instauração da República Baiense − ainda que o novo regime só devesse ser mantido até a maioridade do futuro imperador. Já a Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul (1835-1845), teve maior duração. O acordo de paz final incluiu, além das mudanças tarifárias exigidas, o direito a escolherem o administrador local.
O tema da república ganharia novo impulso na década de 1870, com a divulgação do Manifesto Republicano no Rio de Janeiro. O documento atacava as instituições políticas do Império, o Poder Moderador, o caráter vitalício do Senado. O republicanismo do final do século deslocava então seu eixo para as províncias do centro-sul do país, como Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais. Ainda assim, o movimento era heterogêneo. No Rio de Janeiro, aglutinava setores médios urbanos, mais atentos à defesa das liberdades e direitos individuais, à representação política e, particularmente, entre algumas lideranças como José do Patrocínio (1854-1905), à luta pelo fim da escravidão. Já em São Paulo, a campanha republicana congregava, em sua maioria, cafeicultores, para os quais a instauração do federalismo republicano significava colocar o governo provincial a serviço de seus interesses.
Muitas opiniões, diferentes conceitos, projetos distintos. Mas ao final do século XIX, a república deixava o mundo das ideias para se tornar uma realidade possível.
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