1. Introdução
Paulo Freire contribuiu como poucos na reflexão do homem e seu compromisso com a sociedade. Este movimento de ser homem é pensado no seu percurso reflexivo que permite ser objetivado na medida em que, é passível de chegar aos espaços de formação de educadores, quer na formação inicial, quer na formação em serviço, a fim de torná-los capazes de transformações necessárias às práticas educativas e pedagógicas.
Esta contribuição fez de Paulo Freire um pedagogo brasileiro de destaque, não só de âmbito nacional como também internacional. Não se limitando a teorizar, mas empenhando-se para que estas questões tivessem repercussão positiva na sociedade humana em geral e na brasileira especificamente, o que faz dele um homem profundamente comprometido com a sociedade, principalmente com as camadas populares. É por isso que Paulo Freire constitui um caminho seguro para a Educação Brasileira.
Nesse sentido, as idéias freireanas servem como orientação para o processo de formação docente no que se refere à reflexão crítica da prática pedagógica que implica em saber dialogar e escutar, que supõe o respeito pelo saber do educando e reconhece a identidade cultural do outro.
Hoje, mais que em outras épocas, se exige do educador uma postura alicerçada num processo permanente de reflexão que leve a resultados inovadores no trato da educação. Sem dúvida que, as contribuições de Paulo Freire levam o educador a consciência de si enquanto ser histórico que continuamente se educa num movimento dialético no mundo que o cerca. Não é, pois, por acaso que as idéias freireanas se articulam com os interesses na formação do educador, pois, não se perde de vista o caráter histórico do homem associado sempre à prática social.
É por essa ótica, tomando-se como critério de escolha a objetividade que explicita o pensamento pedagógico, antropológico e filosófico freireano, que destaco duas obras: Pedagogia do Oprimido e Educação como Prática da Liberdade. Estas obras mostram as idéias sobre educação que permeiam a construção do educador, assim como, atende ao critério de criticidade em relação à visão de educação aqui pretendida.
2. Conceito de Teoria e Prática
No livro Educação como Prática da Liberdade, Freire (1979) se refere à teoria como um "contemplar", certamente sendo fiel à etimologia da palavra que vem do grego (fe???? ), e significa VER. Da? o sentido de teoria como observar, contemplar, ver. De fato, "contemplar" é uma expressão que, apesar de carregada de conteúdo místico, (embora se declarasse marxista, Paulo Freire era católico e estava profundamente ligado a entidades de caráter religioso como o Conselho Mundial das Igrejas – CMI), tem profundo sentido pedagógico, ao fazer desse contemplar a cultura, o sujeito da educação, o fenômeno educativo e principalmente o homem e a sociedade, um passo fundamental do que-fazer pedagógico. Isto é, na compreensão de Freire teoria é um princípio de inserção do homem na realidade como ser que existe nela, e existindo promove a sua própria concepção da vida social e política. Para confirmar esta opinião, vale a pena reler o texto:
De teoria, na verdade, precisamos nós. De teoria que implica uma inserção na realidade, num contato analítico com o existente, para comprová-lo, para vivê-lo e vivê-lo plenamente, praticamente.Neste sentido é que teorizar é contemplar. Não no sentido distorcido que lhe damos, de oposição à realidade [...] (Freire, 1979, p.93).
Com efeito, ao enfatizar o caráter contemplativo da teoria, Paulo Freire garante a inserção do homem na realidade. Ele deixa claro que teoria é sempre a reflexão que se faz do contexto concreto, isto é, deve-se partir sempre de experiências do homem com a realidade na qual está inserido, cumprindo também a função de analisar e refletir essa realidade, no sentido de apropriar-se de um caráter crítico sobre ela. Esse caráter de transformação tem uma razão de ser, pois provém antes de tudo, da sua vivência pessoal e íntima numa realidade contrastante e opressora, influenciando fortemente todas as suas idéias.
Compreende-se então, que teoria para Freire não será identificada se não houver um caráter transformador, pois só assim estará cumprindo sua função de reflexão sobre a realidade concreta.
Por outro lado, é também elucidativa a visão que Paulo Freire dá em relação à prática. A definição de prática em Paulo Freire está baseada inicialmente na dialética hegeliana da relação entre "consciência servil" e "consciência do senhor", ampliada para a conceituação de práxis colocada por Marx, referindo-se à relação subjetividade-objetividade. Para tanto, Freire diz que é necessário não só conhecer o mundo, é preciso transformá-lo, o que coincide com Marx. Isto é significativo, visto que conhecer em Freire não é um ato passivo do homem frente ao mundo, é antes de tudo conscientização, envolve intercomunicação, intersubjetividade, que pressupõe a educação dos homens entre si mediatizados pelo mundo, tanto da natureza como da cultura. Então, a prática não pode ater-se à leitura descontextualizada do mundo, ao contrário, vincula o homem nessa busca consciente de ser, estar e agir no mundo num processo que se faz único e dinâmico, melhor dizendo, é apropriar-se da prática dando sentido à teoria. Sobre essa conceituação assim se expressa Freire "[...] a práxis, porém, é ação e reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo" (1983, p.40). Portanto, a função da prática é a de agir sobre o mundo para transformá-lo.
A relação entre teoria e prática centra-se na articulação dialética entre ambas, o que não significa necessariamente uma identidade entre elas. Significa assim, uma relação que se dá na contradição, ou seja, expressa um movimento de interdependência em que uma não existe sem a outra. Assim, cada coisa exige a existência do seu contrário, como determinação e negação do outro; na superação, onde os contrários em luta e movimento buscam a superação da contradição, superando-se a si próprios, isto é, tudo se transforma em nova unidade de nível superior; e na totalização, em que não se busca apenas uma compreensão particularizada do real mas coordena um processo particular com outros processos, onde tudo se relaciona. Portanto, relação teoria e prática em Freire, não são apenas palavras, é reflexão teórica, pressuposto e princípio que busca uma postura, uma atitude do homem face ao homem e do homem face à realidade. A esse respeito reitera:
E é ainda o jogo dessas relações do homem com o mundo e do homem com os homens, desafiando e respondendo ao desafio, alterando, criando, que não permite a imobilidade, a não ser em termos de relativa preponderância, nem das sociedades nem das culturas. E, na medida em que cria, recria e decide, vão se conformando as épocas históricas. É também criando e decidindo que o homem deve participar destas épocas. (Freire, 1983).
Na afirmação acima está a base para entender teoria e prática na ação pedagógica, pois a relação teoria e prática se dão primeiro e antes de tudo na relação homem-mundo. Esta relação busca coerência entre pensamento e ação que é práxis. Do contrário, a ação sem pensamento é ativismo, e o pensamento sem ação é verbalismo.
Com isso, a ênfase da relação teoria e prática sobrepuja a visão dicotômica quando admite que:
É preciso que fique claro que, por isto mesmo que estamos defendendo a práxis, a teoria do fazer, não estamos propondo nenhuma dicotomia de que resultasse que este fazer se dividisse em uma etapa de reflexão e outra, distante, de ação. Ação e reflexão e ação se dão simultaneamente (Freire, 1983, p.149).
A fundamentação, teoria e prática numa relação de unidade, impõe-se como uma relação dialética, pois se a ação-reflexão-ação estiverem ausentes perde-se o ápice do processo de conscientização onde o educador se descobrirá autêntico com todo o significado profundo que essa descoberta acarreta.
Diante dessas afirmações, é esclarecedor e indispensável para o educador considerar que nesta perspectiva se conseguirá superar a tendência tão freqüente de trabalhar teoria e prática dissociadas entre si. Para tanto, é necessário que o educador compreenda que teoria e prática não se separam, ou seja, o vínculo teoria e prática forma um todo onde o saber tem um caráter libertador.
Para tanto, o pensamento pedagógico de Paulo Freire aponta para a comunicação, como princípio que transforma o homem em sujeito de sua própria história através de uma relação dialética vivida na sua inserção na natureza e na cultura, diferenciando-o dos outros animais. Esse processo de integração interativa é significativo quando vinculado ao diálogo que contém no seu cerne ação e reflexão, levando o homem a novos níveis de consciência e, conseqüentemente, a novas formas de ação.
A fórmula que contém os elementos constitutivos para a análise do diálogo é esta: Teoria/Prática; Discurso/Ação; Pensar/Agir; Pensamento/Ato.
A partir desta visão, observa-se que a comunicação é possuidora de um caráter problematizador que gera consciência crítica e, através do diálogo como o dado da problematização, busca-se o compromisso de transformação da realidade.
Vê-se que Paulo Freire parte sempre da análise do contexto da educação como um processo de humanização, ou seja, o caráter problematizador que se dá através do diálogo, tem base existencialista, visto que o diálogo "se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homens" (Freire, 1983, p.93). É fenomenológico, quando privilegia a palavra como objeto auxiliar do pensamento, quando diz que, "não existe uma linguagem sem um pensar e ambos, linguagem e pensar, sem uma realidade a que se encontrem referidos" (Id,p.102). E político, na medida em que permite uma compreensão crítica da prática social na relação social, histórica e cultural no qual o homem está inserido, ou seja, conhecimento e transformação da realidade são exigências recíprocas.
Assim sendo, todo ato pedagógico em Freire é um ato político, assim como, a comunicação é uma relação social, uma prática social transformadora e eminentemente política.
O pensamento de Paulo Freire está embebido nas filosofias que tiveram o homem como centro. Seu pensamento está baseado no neo- tomismo, no humanismo, no personalismo, no existencialismo, na fenomenologia e no neo- marxismo.
Influenciado por esses ideais, Freire (1983, p.p. 94-97), aponta matrizes necessárias para conquistar ou chegar à práxis através do diálogo.
São elas:
1. O amor ao mundo e aos homens como um ato de criação e recriação
2. A humildade, como qualidade compatível com o diálogo
3. A fé, como algo que se deve instaurar antes mesmo que o diálogo aconteça, pois o homem precisa ter fé no próprio homem. Não se trata aqui de um sentimento que fica no plano divinal, mas de um fundamento que creia no poder de criar e recriar, fazer e refazer, através da ação e reflexão
4. A esperança, que se caracteriza pela espera de algo que se luta
5. A confiança, como conseqüência óbvia do que se acredita enquanto se luta
6. A criticidade, que percebe a realidade como conflituosa, e inserida num contexto histórico que é dinâmico.
É sobre esta base que Paulo Freire enfatiza o ato pedagógico, como uma ação que não consiste em comunicar o mundo, mas criar dialogicamente, um conhecimento do mundo, isto é, o diálogo leva o homem a se comunicar com a realidade e a aprofundar a sua tomada de consciência sobre a mesma até perceber qual será sua práxis na realidade opressora para desnudá-la e transformá-la.
Neste sentido, é que através do diálogo a relação educador-educando deixa de ser uma doação ou imposição, mas uma relação horizontal, eliminando as fronteiras entre os sujeitos.
3. Educação Problematizadora x Educação Bancária
Freire não se limitou a analisar como são a educação e a pedagogia, mas mostra uma teoria de como elas devem ser compreendidas teoricamente e como se deve agir através de uma educação denominada Libertadora. Para ele, educação é um encontro entre interlocutores, que procuram no ato de conhecer a significação da realidade e na práxis o poder da transformação.
Entende-se por pedagogia em Freire, a ação que pode e deve ser muito mais que um processo de treinamento ou domesticação; um processo que nasce da observação e da reflexão e culmina na ação transformadora.
Em oposição à pedagogia do diálogo, Paulo Freire desnuda a concepção bancária de educação; é uma crítica à educação que existe no sistema capitalista. Nessa concepção:
O educador é o que educa; os educandos, os que são educados; o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem; o educador é o que pensa; os educandos, os pensados; o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a escutam docilmente; o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados; o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos os que seguem a prescrição; o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que atuam; o educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, se acomodam a ele; o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem adaptar-se às determinações daquele; o educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros objetos (Freire, 1983, p.68).
Este desnudamento serve de premissa para visualizar o poder do educador sobre o educando e como conseqüência à possibilidade de formar sujeitos ativos, críticos e não domesticados. A Educação Bancária se alicerça nos princípios de dominação, de domesticação e alienação transferidas do educador para o aluno através do conhecimento dado, imposto, alienado.
De fato, nessa concepção, o conhecimento é algo que, por ser imposto, passa a ser absorvido passivamente:
Na visão "bancária" da educação, o "saber" é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão - a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro (Freire,1983. p. 67).
Como se vê, a opressão é o cerne da concepção bancária. Para analisar esta concepção que se fundamenta no antidiálogo, Freire (1983) apresenta características que servem à opressão. São elas: a conquista, a divisão, a manipulação e a invasão cultural.
1. Conquista
Anecessidade de conquista se dá desde "as mais duras às mais sutis; das mais repressivas às mais adocicadas, como o paternalismo" (p.162);
2. Divisão
"Na medida em que as minorias, submetendo as maiorias a seu domínio, as oprimem, dividi-las e mantê-las divididas são condições indispensáveis à continuidade de seu poder" (p.165);
3. Manipulação
"Através da manipulação, as elites dominadoras vão tentando conformar as massas populares a seus objetivos. E quanto mais imaturas politicamente estejam, tanto mais facilmente se deixam manipular pelas elites dominadoras que não podem querer que se esgote seu poder" (p.172);
4. Invasão cultural
"A invasão cultural é a penetração que fazem os invasores no contexto cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão de mundo, enquanto lhes freiam a criatividade, ao inibirem sua expansão" (p.178).
Ao contrário da educação libertadora, a concepção bancária de educação não exige a consciência crítica do educador e do educando, assim como o conhecimento não desvela os "porquês" do que se pretende saber. Eis porque a educação bancária oprime, negando a dialogicidade nas relações entre os sujeitos e a realidade.
Por oposição à Educação Bancária, a educação, segundo Freire, é libertação. Nesta concepção, o conhecimento parte da realidade concreta do homem e este reconhece o seu caráter histórico e transformador.
Freire ressalta a necessidade do homem entender sua vocação ontológica, como ponto de partida para se obter nessa análise uma consciência libertadora, isto é, o homem só chegará a consciência do seu contexto e do seu tempo na relação dialética com a realidade, pois só desta maneira terá criticidade para aprofundar seus conhecimentos e tomar atitudes frente a situações objetivas.
Reiterando a afirmação acima, diz que:
[...] a educação problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica num constante ato de desvelamento da realidade
[...] busca a emersão das consciências, de que resulte sua inserção crítica na realidade (Freire, 1983, p. 80).
O comprometimento com a transformação social é a premissa da educação libertadora. Libertação que não é só individual, mas principalmente coletiva, social e política. O ponto de partida do pensamento de Paulo Freire se dá a partir da visão de uma realidade onde o homem já não era sujeito de si próprio, ou como ele mesmo se referia, se "coisificava", anulando o sentido de sua vocação ontológica, ou seja, deixa de ser sujeito de seu agir e de sua própria história. Por essa análise, a pedagogia freireana apresenta no Capítulo IV, em Pedagogia do Oprimido, a dialogicidade como essência da educação libertadora mostrando características necessárias para que se concretize. São elas: a colaboração, a união, a organização e a síntese cultural.
1. Colaboração
A ação dialógica só se dá coletivamente, entre sujeitos, "ainda que tenham níveis distintos de função, portanto de responsabilidade, somente pode realizar-se na comunicação" (p.197);
2. União
A classe popular tem de estar unida e não dividida, pois significa "a união solidária entre si, implica esta união, indiscutivelmente, numa consciência de classe" (p.205);
3. Organização
"[...] é o momento altamente pedagógico, em que a liderança e o povo fazem juntos o aprendizado da autoridade e da liberdade verdadeiras que ambos, como um só corpo, buscam instaurar, com a transformação da realidade que os mediatiza" (p.211);
4. Síntese cultural
Consiste "na ação histórica, se apresenta como instrumento de superação da própria cultura alienada e alienante". "[...] faz da realidade objeto de sua análise crítica" (p.p.214 -215).
4. Considerações finais
O modelo de educação proposto por Paulo Freire se diferencia da educação tradicional, pois abomina dentre outras coisas a dependência dominadora, que inclui dentre outras a relação de dominação do educador sobre o educando.
Na ação educativa libertadora, existe uma relação de troca horizontal entre educador e educando exigindo-se nesta troca, atitude de transformação da realidade conhecida. É por isso, que a educação libertadora é acima de tudo uma educação conscientizadora, na medida em que além de conhecer a realidade, busca transformá-la, ou seja, tanto o educador quanto o educando aprofundam seus conhecimentos em torno do mesmo objeto cognoscível para poder intervir sobre ele.
Neste sentido, quanto mais se articula o conhecimento frente ao mundo, mais os educandos se sentirão desafiados a buscar respostas, e conseqüentemente quanto mais incitados, mais serão levados a um estado de consciência crítica e transformadora frente à realidade. Esta relação dialética é cada vez mais incorporada na medida em que, educadores e educandos se fazem sujeitos do seu processo.
5. Bibliografia
FREIRE, Paulo. (1979). Educação como prática da liberdade. 17.ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
_______. Pedagogia do Oprimido. (1983). 13.ed. Ruo de Janeiro, Paz e Terra. ( Coleção O Mundo, Hoje,v.21).
Fonte: br.monografias.com