Para Descartes, não há homens com mais e homens com menos razão. Esta é uma característica inata inerente à espécie humana. Então como pode haver o erro nos juízos? É preciso buscar um fundamento seguro e definitivo em que a verdade possa ser universalizada.
Os gregos admitiam que ao observarem a natureza, eles interpretariam, desvelariam a verdade contida na phýsis
Essas contradições levaram os homens a descrerem de Deus e dos próprios homens, suspendendo os juízos de realidade, impossibilitando o conhecimento (ceticismo). Eis que surge um homem capaz de salvar a verdade, atribuindo a responsabilidade desta ao construtor dos argumentos.
Descartes utiliza-se do mesmo método daqueles céticos que não acredita que o mundo possa ser conhecido. Assim, ele duvida de tudo o que é possível duvidar (do corpo, das pessoas, de Deus, de si mesmo, do mundo, etc.) até que chega um momento em que a dúvida cessa. Pode-se duvidar de qualquer coisa, mas jamais pode-se duvidar de que para duvidar é preciso pensar. Cogito ergo sum(Penso, logo existo!) é a primeira e mais fundamental evidência da verdade da qual se deve partir. Isso quer dizer que todo conhecimento possível é humano, até mesmo as interpretações sobre Deus, o que se diz dele. Então ele é uma mera criação de nossa fantasia? Talvez! Mas não segundo Descartes, para quem Deus é um ser necessário como segunda verdade devido à consciência do sujeito pensante de sua própria imperfeição.
Temos, portanto, uma divisão de duas substâncias, já que o pensamento é real enquanto o resto depende deste: a Res extensa, que é a matéria e a Res cogitans, que é o espírito, razão ou somente sujeito pensante (em termos universais). Esse dualismo psicofísico subordina o mundo à mente humana de modo que somente pelas representações do espírito se conhece as coisas, ou seja, elas só ganham sentido (leia-se existência) a partir de uma abordagem que constrói argumentativamente o mundo através de princípios puramente inteligíveis. E o caminho para se chegar a esses princípios é o que Descartes escreve no seu Discurso do método:
1. Evidência: segundo Descartes é a regra que nos permite ter clareza e distinção dos princípios inteligíveis. Por serem simples ideias, são a fonte de toda construção teórica do saber;
2. Análise: é o processo pelo qual decompomos nossas representações imediatas em representações mais simples a fim de organizar e ordenar os dados de forma a compreender o objeto;
3. Síntese: momento ao qual se chega depois da decomposição; significa que o todo desorganizado de uma representação é sintetizado numa ordenação de suas partes, compondo-o em um todo, agora, organizado;
4. Enumeração: como há possibilidades de falhas, trata-se de uma verificação geral do processo com a finalidade de garantir que foi feita correta e devidamente a análise do objeto.
Em outras palavras, Descartes submete os dados dos sentidos (fonte de erro) ao jugo da razão humana (fonte de verdade). Para entender melhor do que se trata, bem como para se entender o funcionamento do método, vamos ver como Descarte considera as ideias ou representações humanas:
- Ideias adventícias: são as representações oriundas dos sentidos (advem = vem de fora). Nestas estão a fonte de erros dos juízos, pois um juízo não é feito sobre coisas e sim sobre o modo como compreendemos coisas. Assim, juízos que são baseados nestas ideias, segundo Descartes, são fontes do erro, pois nos dizem como a coisa aparece e não o que ela é;
- Ideias fictícias: ficção é o nome para o que não existe. Significa dizer que nossa imaginação pode, a partir de ideias adventícias, formar seres que não têm nenhuma correspondência com a realidade (cavalo alado, por exemplo, que é a ideia de cavalo com asas). Jamais nos instruem sobre algo;
- Ideias inatas: são princípios simples por si mesmos e de índole matemática. Só é possível representar ao espírito por uma intuição (ou seja, não são coisas). Por exemplo, o círculo, o triângulo, a perfeição, etc. São a marca do criador em nosso espírito e que nos permite conhecer os objetos particulares. São deduzidas e demonstradas apenas racionalmente.
Logo, é com esses critérios que, segundo Descartes, pode haver ciência absoluta e universal entendida como uma construção de um sujeito pensante e, por isso, ativo no processo do conhecer. As consequências e responsabilidades são sempre humanas. Se Deus ajuda, é devido a uma intervenção que não pode ser evidenciada (ou seja, seus projetos não podem ser conhecidos).
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