Pesquisas lançam novas luzes sobre a guerra contra o Paraguai
MOACIR ASSUNÇÃO
Quase 130 anos após seu desenlace, a Guerra do Paraguai, o maior conflito da história da América Latina, é pouco lembrada no Brasil, um dos participantes, ao lado de Argentina e Uruguai, da Tríplice Aliança, que derrotou as tropas paraguaias em 1870, após seis anos de combates.
A guerra custou a morte de 600 mil pessoas - número somente comparável, no continente, à Guerra da Secessão americana -, vítimas não somente dos combates, mas da fome e de doenças como cólera, febre amarela e muitas outras que grassavam nos pântanos paraguaios por conta dos cadáveres insepultos e das péssimas condições sanitárias. A fina flor da juventude paraguaia, que integrava o mais poderoso exército sul-americano da época, foi dizimada.
As teses sobre as razões do conflito ainda são controversas. No Brasil, a guerra foi vista, inicialmente, como uma opereta militar da luta em defesa da "civilização", que estaria sendo ameaçada por um tirano sanguinário, o paraguaio Francisco Solano López. Nas décadas de 60 e 70, contudo, a visão meramente militarista, que parecia enxergar a guerra apenas como uma sucessão de batalhas, foi abandonada pelos estudiosos. No lugar dessa abordagem, estudiosos de esquerda passaram a enfatizar o jogo de interesses político-econômicos por trás do conflito. O Paraguai passou a ser visto então como um país que não se rendeu ao imperialismo inglês e, por isso, foi destruído pelos três vizinhos, em conluio e sob o patrocínio da Inglaterra.
Em torno dessa interpretação da guerra agruparam-se vários historiadores, que passaram a ser conhecidos como revisionistas ou dependentistas. No Brasil, essas idéias foram bastante difundidas a partir da publicação do livro Genocídio americano: A Guerra do Paraguai, de Júlio José Chiavenatto.
Nos outros países envolvidos no conflito a corrente revisionista também teve defensores de peso, como o uruguaio Eduardo Galeano, autor de As veias abertas da América Latina, os argentinos León Pomer e José María Rosa e os paraguaios Carlos Pucineri Scala e Luis Benítez.
Nos últimos anos, contudo, começam a surgir novas abordagens. No Brasil, os historiadores Ricardo Salles, Alfredo Menezes e Francisco Doratioto contestam, a partir de farta documentação, a abordagem dos revisionistas.
Menezes, que teve acesso a documentos guardados em universidades européias e americanas, defende que o conflito se deu, basicamente, por conta de rivalidades entre os países vizinhos, motivadas por problemas de fronteiras e erros de avaliação, sem participação decisiva dos ingleses.
A guerra é nossa
Em seu livro Guerra do Paraguai - Como construímos o conflito, Menezes sustenta que a Inglaterra não teria nenhum interesse em fazer eclodir o conflito, já que venderia seus produtos, de qualquer maneira, aos países envolvidos na guerra. "A América Latina tem a mania de transferir para o exterior o ônus, positivo ou negativo, dos eventos que ocorrem em seu território. A guerra é nossa e foi gestada aqui mesmo na área", diz o historiador.
Segundo ele, o Brasil foi empurrado às armas, primeiramente num conflito no Uruguai (ver cronologia abaixo), devido às reclamações que vinham do sul do país. Cerca de 40 mil gaúchos viviam em território uruguaio, e estariam sendo sistematicamente hostilizados por autoridades locais, sob "vistas grossas" do partido blanco, que detinha o poder no Uruguai. Alguns meses antes do início da conflagração, em 17 de março de 1864, o periódico gaúcho "O Expectador da América do Sul", por exemplo, usava argumentos duros para exigir que o Império do Brasil, então ainda vacilante, fosse à guerra. "Somos ou não súditos do imperador? Temos direito à vossa proteção, ou devemos contar somente conosco?" Por medo da repetição de distúrbios como a Revolução Farroupilha, que aconteceu entre 1835 e 1845, e de levantes separatistas do Rio Grande do Sul, o governo imperial atendeu aos pedidos gaúchos e ordenou a invasão do Uruguai, em outubro de 1864, episódio que gerou imediata reação do Paraguai.
Incitado, segundo Menezes, pelos representantes diplomáticos do Uruguai em Assunção, Solano López declarou guerra ao Brasil - contrariando os conselhos do seu pai, o ex-presidente Carlos Antonio López, que preferia a via diplomática. Espremidos entre os gigantes Brasil e Argentina, os blancos do Uruguai queriam o Paraguai como aliado e, em troca do apoio militar, teriam prometido a López a livre navegação pelo rio da Prata - saída para o oceano Atlântico -, fator vital para a sobrevivência econômica dos paraguaios.
De acordo com Menezes, a efetivação da guerra foi uma surpresa para os dois lados. O Brasil não acreditava que López, que há muito tempo tentava ter voz ativa na área e era solenemente ignorado pelo Império, fosse à guerra em defesa do Uruguai.
López, por sua vez, aparentemente também não esperava que o governo imperial aceitasse o desafio, pois o Brasil tinha, espalhados por seu imenso território, no máximo 18 mil soldados (número que não inclui o contingente da Guarda Nacional, de circunscrição regional), enquanto o Paraguai era uma potência militar, com 80 mil homens em armas.
Além da diferença numérica, pesava a improbabilidade de obter alianças. Nada indicava que o Brasil, monárquico, escravagista e descendente cultural de Portugal, pudesse contar com a simpatia das repúblicas de língua espanhola, ainda mais se estivesse em guerra com uma delas.
A rica e poderosa Argentina de Bartolomé Mitre, por exemplo, tinha relações tensas com o Império, que já enfrentara em conflitos anteriores. Mas López, em vez de valer-se disso, pôs tudo a perder por falta de tato. Em 14 de janeiro de 1865, o ditador paraguaio pediu permissão ao governo argentino para cruzar a província de Corrientes e atacar os brasileiros no Uruguai. A licença foi negada, mas mesmo assim ele atravessou a fronteira argentina e invadiu Corrientes. Com isso, conseguiu um feito surpreendente: aproximou Mitre e o governador da província de Entre-Ríos, Justo Urquiza, que eram inimigos políticos. Pouco tempo antes, Urquiza havia enviado ao Paraguai seu secretário particular Julio Victorica para pedir que López não avançasse em território argentino. "Se me provocarem, levarei todos pela frente", respondera, irado, o paraguaio.
O isolamento de López então se completou, uma vez que no Uruguai, antigo aliado, agora mandava Venancio Flores, seu desafeto e devedor de favores ao Império, que o colocou no poder, com a cumplicidade de Mitre. Resultado: o Brasil passou a contar com um campo de operações no país vizinho e pôde, junto com a Argentina e o Uruguai, invadir o Paraguai.
Mão inglesa oculta
Diretor do Museu Casa da Independência e um dos mais respeitados historiadores paraguaios, Carlos Pucineri Scala, que detém um precioso arquivo sobre o conflito, defende firmemente a idéia revisionista de que o nascente Paraguai, em início de desenvolvimento, foi destruído pela Inglaterra, tendo o Brasil, a Argentina e o Uruguai como executores do crime. "Tínhamos a fundição de ferro de Ibicuí, a ferrovia, conseguíamos fabricar barcos e Assunção ostentava belos prédios, de traçado europeu, feitos por arquitetos ingleses e italianos. Intransigentes, os López não deixavam os ingleses entrarem no país para fazer negócios, o que acabou fazendo com que aquela potência acumulasse ódio contra eles", diz.
Scala, que ainda tem exemplares do jornal "Cacique Lambaré", escrito em guarani e feito em papel de caraguatá (ananás silvestre), afirma que a guerra, que considera trágica e dolorosa para os paraguaios, também foi causada por certa inveja, por parte dos vizinhos, do desenvolvimento do Paraguai e por pressões da maçonaria. "Os López eram muito católicos e não admitiam a maçonaria, muito difundida nos outros países. Vale lembrar que todos os líderes aliados, entre eles dom Pedro II, Mitre e Venancio Flores, além de personagens importantes da guerra, como o duque de Caxias, eram maçons. Terminada a guerra, a primeira loja maçônica do Paraguai foi fundada por um brasileiro", diz. No fim do conflito, a fundição de Ibicuí foi destruída, a mando do conde D'Eu, genro do imperador e último comandante das tropas brasileiras. Não só as máquinas e os altos-fornos foram destruídos, como o vale onde ficava a fundição foi inundado.
Ex-presidente da Academia Paraguaia de História, Manuel Peña, que se alinha entre os intelectuais anti-López, discorda de Scala. O historiador, que teve antepassados perseguidos pelos poderosos López, afirma que os governos de Carlos Antonio e Francisco Solano López foram, na verdade, ditaduras que não tinham maiores compromissos com a população e tampouco os pendores quase socialistas enxergados pelos revisionistas. Peña não acredita na teoria da mão inglesa por trás do conflito. "O Paraguai da época, um país pequeno e pobre, não interessava aos ingleses, que tinham outras preocupações em suas posses pelo mundo e nenhum motivo para insuflar o conflito", diz.
Na opinião de Peña, nos dias de hoje os historiadores dos quatro países envolvidos na conflagração têm uma visão mais objetiva e isenta de paixões da guerra. "Todos somos irmãos e integramos o Mercosul. Quanto aos López e sua tirania, a história, cedo ou tarde, cobra o seu tributo, e a verdade sempre aparece, como, aliás, tem acontecido nos últimos anos", diz.
López brasileira
A proximidade de Peña com os temas relacionados à guerra não se limita aos livros e documentos. O historiador é vizinho, no elegante bairro de Villa Morras, em Assunção, da filósofa Gladys Solano López, uma simpática senhora de 72 anos, bisneta de Francisco Solano López. Loira como madame Lynch, mulher de López, ela é neta de Enrique, único filho do casal que deixou descendência.
Gladys, que viveu cinco anos no Rio de Janeiro e um em São Paulo e, por isso, fala um português perfeito, se alinha entre os defensores do antepassado famoso. Ela considera que a guerra viria de qualquer jeito, independentemente de qualquer medida que seu bisavô tomasse. "O Paraguai era uma potência cobiçada pelos estrangeiros e estava sitiado pelos inimigos."
Gladys defende o bisavô até mesmo nos casos em que atacou, acreditando que conspiravam contra ele, membros da própria família - a mãe, Juana Carrillo, foi surrada e os irmãos, Benigno e Venancio, assassinados por sua ordem. "Ele não tinha outra saída", diz Gladys.
Por uma curiosa ironia histórica, a família López hoje tem uma descendente brasileira. A neta de Gladys, Ines Muñoz de Cote Solano López, nasceu em São Paulo, em 23 de fevereiro do ano passado. Filha de Elisa Solano López e do mexicano Ignazio Muñoz de Cote, a menina vive no México e tem dupla nacionalidade - paraguaia e brasileira -, devendo optar, quando completar 18 anos, pela que mais lhe interessar. Como a mãe, Elisa guarda uma boa imagem do antepassado famoso, ao mesmo tempo em que diz gostar muito do Brasil, país onde morou e que gosta de visitar nas férias. "Os brasileiros são muito amigos e estão sempre prontos a ajudar", diz ela, que viveu em São Paulo de novembro de 1997 até o mesmo mês do ano passado.
"Cambás" e "macaquitos"
Essa imagem dos brasileiros, no entanto, nem sempre é positiva. Para o historiador Luis Benítez, autor do livro Historia diplomática del Paraguay, os paraguaios não têm nada contra os brasileiros de maneira geral, mas tremem toda vez que vêem um político do país.
"Mesmo muito depois da guerra, ainda tivemos problemas com o Brasil que nos fazem pensar o que um país tão grande ainda quer tomar de um vizinho tão pequeno", desabafa. Benítez, que integra o time de intelectuais lopistas, refere-se a um episódio ocorrido em 1965, quando o então presidente Castelo Branco mandou, como numa repetição do conflito 95 anos depois do seu final, uma guarnição militar brasileira ocupar áreas em litígio entre os dois países, provocando protestos dos paraguaios. Somente depois de uma exaustiva negociação houve um acordo e os governos brasileiro e paraguaio iniciaram a construção da usina binacional de Itaipu, com a retirada dos militares brasileiros.
Também defensor da teoria de que os ingleses tinham interesse no conflito, Benítez afirma que não é fácil julgar López e seu governo com serenidade, mas, em sua opinião, o Paraguai, com certeza, seria outro país, muito mais evoluído e rico, se a guerra não tivesse acontecido.
A ocupação de Assunção pelos aliados, principalmente os brasileiros, em 5 de janeiro de 1869, é um episódio que marcou profundamente seus estudos sobre o conflito. "A cidade teve até cemitérios saqueados pelos cambás (gambás), em busca de dentes de ouro. Tudo o que havia de valor nas casas foi roubado", revolta-se. "Cambá" é, como o conhecido "macaquito", também usado na guerra, um apelido de teor racista, empregado para referir-se depreciativamente aos brasileiros.
Chamados pelos paraguaios de "curepas" (peles de porco), devido à tez clara, os argentinos, segundo o historiador Félix Luna, um dos mais importantes de seu país, já não crêem tanto nas teorias revisionistas, propagadas, principalmente, por León Pomer, autor dos livros A Guerra do Paraguai, um grande negócio e Paraguai, nossa guerra contra esse soldado, e José María Rosa, que escreveu La guerra del Paraguay y las montoneras argentinas. As montoneras, cujo nome batizou um movimento guerrilheiro de esquerda dos anos 70, durante a ditadura militar, foram revoltas, ocorridas entre 1866 e 1868, contra Mitre e a participação argentina na Guerra do Paraguai.
"Creio que a parcela majoritária dos historiadores argentinos, nos dias de hoje, já não defende as teorias da participação inglesa no conflito e tudo aquilo em que Pómer e Rosa acreditavam. De qualquer maneira, esse é um assunto de que os argentinos preferem não falar muito, porque nos lembra que um povo irmão foi praticamente destruído, com nossa participação", diz o historiador, que contesta a importância atribuída pelos paraguaios e intelectuais pró-López à ferrovia do país, concluída em 1861. "Na verdade, não podia ser considerada uma ferrovia. Era muito pequena e tinha pouquíssimas paradas", afirma.
Soldados escravos
Na opinião do historiador Ricardo Salles, há outro mito revisionista a ser derrubado. No livro de Chiavenatto, considerado, durante muito tempo, uma verdadeira bíblia sobre o assunto, o exército brasileiro no conflito aparece como formado, basicamente, por escravos, "o que não corresponde à realidade", diz.
Segundo Salles, autor do livro Guerra do Paraguai - Escravidão e cidadania na formação do exército, no máximo 10% dos soldados brasileiros eram escravos, o que não impede que houvesse muitos militares negros. "Havia muitos alforriados que começaram a ver no serviço militar uma possibilidade de carreira, o que não acontecia antes do conflito", diz.
De acordo com o historiador, a guerra também iniciou a consolidação do exército como instituição nacional, típica de um poder centralizado, em oposição à Guarda Nacional, dirigida por grandes proprietários rurais aos quais se prestava como uma força de repressão e intimidação diante de outros estratos da sociedade. "Para fazer a guerra, o Império teve de promover uma grande participação de todo o país, inclusive dos escravos, tendo que, de certa forma, dar voz a setores que não a tinham", diz.
Tradicionalmente, o Império privilegiava a armada (marinha), força de características aristocráticas, ao contrário do exército, ligado mais aos setores populares e de classe média da sociedade. Não por acaso, a República foi proclamada, em 1889, 19 anos depois do fim do conflito, pelos militares do exército Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, ambos heróis da Guerra do Paraguai.
A grande vencedora
Se a guerra enfraqueceu o poder do Império no Brasil, teve efeito de certa maneira oposto na Argentina. Segundo Ricardo Salles, além de ter sofrido perdas humanas e materiais muito inferiores às dos brasileiros, o país fortaleceu-se politicamente, pois alcançou maior integração entre a capital e as províncias, muitas delas antes inimigas de Buenos Aires.
Como se isso não bastasse, como maior e praticamente único ponto de abastecimento das tropas, a Argentina foi a grande beneficiada pelos gastos do Império. Na correspondência do duque de Caxias, comandante brasileiro que ficou mais tempo à frente das tropas brasileiras durante o conflito, pode-se perceber que essa posição vantajosa dos argentinos gerou desconfianças entre os brasileiros. Na opinião de Caxias, então ainda marquês, Mitre inclusive se esforçava em fazer a guerra se prolongar, para que os argentinos, especialmente o comerciante Gregorio Lezama, um dos principais fornecedores do exército em Buenos Aires, continuassem ganhando muito dinheiro. "Mitre tenta, por todos os meios, atrapalhar a marcha das operações", escreveu o militar brasileiro em carta para a mulher, Anica. Mas essa não era a única desconfiança de Caxias em relação às intenções de Mitre, que havia recebido o comando-geral de operações como uma espécie de prêmio por ter aceitado a participação do seu país na Tríplice Aliança. Um atrito entre os dois surgiu quanto o presidente argentino ordenou ao vice-almirante brasileiro Joaquim José Inácio que a esquadra brasileira forçasse, sozinha, as fortalezas de Humaitá e Curupaiti, protegidas por canhões, milhares de soldados e correntes de ferro, esticadas de margem a margem do rio Paraguai.
Respondendo à ordem, Inácio disse : "Não arriscarei a esquadra porque é minha íntima convicção que, se o fizesse, seria em pura perda para o Império". Segundo o seu biógrafo Paulo Matos Peixoto, no livro Caxias - Nome tutelar da nacionalidade, depois de ouvir o vice-almirante, Caxias chegou à conclusão de que os argentinos conspiravam contra a esquadra brasileira - ponto em que o Império era mais poderoso militarmente que a Argentina. "Mitre nutre idéia sinistra a respeito da armada", teria dito Caxias, recusando-se a cumprir a determinação, mesmo depois de muitos ofícios do argentino. Na opinião do militar brasileiro, a perda da esquadra deixaria igualadas, em termos militares, as duas potências. Finalmente, Mitre cedeu e desistiu da arriscada empreitada, não sem antes perguntar a Caxias se essa era a orientação de dom Pedro II.
Desentendimento
Ao contrário de Caxias, Manuel Luís Osório, outro líder militar brasileiro, considerado pelo engenheiro britânico George Thompson, que combateu ao lado de López, o mais valente dos oficiais do Império, se dava tão bem com os argentinos que chegou a receber a proposta de se tornar cidadão daquele país. Segundo o coronel João Baptista Magalhães, no livro Osório - Perfil do seu papel histórico, o militar gaúcho foi recebido com festa, em Buenos Aires, logo após o fim do conflito, quando o então presidente, Domingos Faustino Sarmiento, e Mitre lhe ofereceram a cidadania argentina.
Apesar de ter servido sob as ordens de Caxias, Osório acabou se indispondo, depois do fim do conflito, com o patrono do exército. As diferenças políticas - Caxias era conservador e Osório liberal - não foram o estopim que precipitou o rompimento entre os dois militares, causado, na verdade, por episódios do conflito. Na tomada da fortaleza de Humaitá, Osório mandou avisar a Caxias que tinha grandes perdas de soldados e esperava ordem para avançar ou retirar. Caxias teria respondido que retirasse, o que ele fez. No Senado, no entanto, Caxias disse que teria deixado a decisão a seu critério, o que Osório negou.
Nessa ocasião, em 25 de julho de 1868, morreram 1,1 mil soldados brasileiros, incluindo dois auxiliares próximos do militar gaúcho, contra um total de 300 paraguaios. Na tomada da ponte de Itororó, em 6 de dezembro de 1868, Osório, que pegou um caminho mais longo, demorou a chegar, tendo sido acusado, em publicações anônimas, de ter se furtado ao combate, o que, comprovou-se depois, não ocorreu. Os partidários de Osório no Senado, segundo o livro do coronel Magalhães, para defendê-lo, atacavam Caxias. Em carta ao conselheiro Muritiba, ministro da Guerra na fase final dos combates, Osório fez uma crítica direta ao comandante brasileiro por mandar diminuir a forragem para a cavalaria, no fim da guerra, e acreditar que o conflito estava encerrado com a tomada de Assunção. Depois das intrigas, os dois, antes muito amigos, deixaram de se falar.
Apoio estrangeiro
Durante a guerra, o Paraguai recebeu apoios que hoje soariam surpreendentes, como o dos Estados Unidos, que se colocaram, desde o primeiro momento, ao lado de Solano López. Um barco militar da atual potência mundial - cujo poderio econômico, na época, não era tão superior ao brasileiro quanto hoje - chegou a participar, sem nenhum constrangimento, de manifestações contra o governo brasileiro, em Montevidéu.
Também prestaram seu apoio aos paraguaios Colômbia, Chile, Peru, Equador e Bolívia, que seria posteriormente derrotada pelo próprio Paraguai na Guerra do Chaco. O momento em que praticamente toda a opinião pública internacional se colocou contra os aliados, entretanto, ocorreu em 1866, quando, por uma indiscrição dos diplomatas ingleses, o tratado da Tríplice Aliança foi divulgado. Como estava explícito nos documentos o interesse dos governos brasileiro e argentino por territórios paraguaios em litígio, os aliados ficaram numa difícil situação.
José María Rosa cita em seu livro que o diário argentino "La América" publicou a seguinte frase, indignada, em editorial: "O tratado é secreto, a sessão que o aprovou é secreta. Só a vergonha é pública". O articulista Miguel Navarro, que considerava que a Argentina de Mitre estava se submetendo aos interesses brasileiros, passou a chamar o tratado de "a tríplice infâmia".
Cronologia sangrenta
1864
• Outubro – O Brasil invade o Uruguai, provocando imediata reação do Paraguai, que expulsou o embaixador brasileiro Vianna de Lima e emitiu uma nota de protesto contra o Império.
• 11 de novembro – O navio brasileiro "Marquês de Olinda" é apreendido em Assunção. A bordo, viajava o governador de Mato Grosso.
• 13 de dezembro – O Paraguai declara, formalmente, guerra ao Brasil.
1865
• Janeiro – Tropas paraguaias invadem o Mato Grosso, tomando Corumbá e toda a região de Coxim. A área só foi retomada em junho de 1867.
• 20 de fevereiro – Após a queda do governo blanco no Uruguai, Venancio Flores, apoiado por Brasil e Argentina, assume o governo do país.
• Abril – Tropas paraguaias invadem a província argentina de Corrientes, com o objetivo de atacar os brasileiros.
• 1o de maio – Representantes da Argentina, Brasil e Uruguai assinam o tratado da Tríplice Aliança.
• Junho – A esquadra brasileira derrota a paraguaia na Batalha do Riachuelo. Os paraguaios invadem o Rio Grande do Sul. Dois meses depois, são derrotados em Uruguaiana.
• Dezembro – Tropas aliadas invadem o Paraguai, a partir do sul do país.
1866
• 24 de maio – A Batalha de Tuiuti, a maior da América do Sul, é vencida pelos paraguaios, que no entanto perderam muitos soldados.
• Setembro – Somente Mitre e Flores participam da conferência proposta por López com os chefes aliados para tentar discutir a paz. O general brasileiro Polidoro recusa-se a conversar com o paraguaio.
• Outubro – Luís Alves de Lima e Silva, o duque de Caxias, assume o comando das tropas brasileiras.
1868
• Janeiro – Caxias passa a comandar todas as forças aliadas. Mitre havia sido forçado a retornar à Argentina para enfrentar as rebeliões contra o seu governo e a participação do país na guerra.
• Fevereiro – A esquadra brasileira começa a forçar a passagem de Humaitá. No mesmo mês, a área fortificada de Estabelecimento foi tomada pelos aliados. Em julho, Humaitá capitulou.
• Dezembro – As batalhas de Avaí, Itororó e Lomas Valentinas são vencidas pelos aliados. Esses combates, que destruíram o último exército regular de López, passaram à história com o nome de Dezembrada de 1868.
1869
• 5 de janeiro – Tropas brasileiras, com Caxias à frente, entram em Assunção. Doente e agora defendendo a paz, o comandante brasileiro volta ao Rio de Janeiro e é substituído pelo conde D’Eu.
1870
• 1o de março – Os brasileiros cercam o acampamento paraguaio, matando López e alguns de seus seguidores e encerrando o conflito. O dirigente paraguaio teria sido morto pelo cabo Francisco Tavares, o Chico Diabo.