O dia começava com a Oração da Manhã, cantada por um pajem:
“Bendito seja a luz
E a Santa Veracruz
E o Senhor da Verdade
E a Santíssima Trindade
Bendito seja o Espírito
E o Senhor que o envia para nós
Bendito seja o dia
e o Senhor que o envia para nós
Amém
Então ele recitava uma Ave-Maria e o Pai Nosso, seguido por uma saudação:
Deus nos dê bons dias, boa viagem, boa passagem para a nao,
Amém.
Senhor Capitão, Mestre e todos bons companheiros
Façam uma boa viagem
aos senhores da proa e aos da popa
Deus conceda a vossas mercês dias bons.”
Em seguida eram distribuídas as rações de biscoito com água. A primeira tarefa era retirar a água que entrou no navio durante a noite, utilizando bombas, missão cumprida pelos marceneiros e calafates. Era preciso removê-la frequentemente e com cuidado, pois a tripulaçao virava ali os vasos com os dejetos e se tornava um verdadeiro esgoto fétido, agravado pelo calor e falta de ventilação.
A próxima tarefa era verificar se o velame estava em bom estado e, durante o restantes do dia se praticava as tarefas comuns, como manter os pavimentos do navio limpo, reparação das velas, levantá-las quando fosse pedido, prendendo-as com cordas, esfregar o convés, e fazer as várias reparações que eram necessárias.
A tarefa de lidar com as velas era dura e exigia um máximo de coordenação, de forma que a tripulação entoava canções ritmadas - enquanto içavam, amarravam e empurravam a barra do cabrestante.
Cada tarefa tinha seu própiro ritmo, que se acompanhava com a forca empregada. Um, era o ritmo de marcha, usado para girar ao redor do cabestro, movendo para recolher as ancoras. Outro era um ritmo mais lento, para trabalhos que exigiam uma pausa e o passar de mão em mão. Outros trabalhos precisavam um ritmo de dois tempos, se empregava para as tarefas pesadas, como içar velas, subir apetrechos de peso.
Ao meio dia, o dispenseiro repartia ração de comida, preparada num fogão, que era uma caixa metálica e retangular, com três lados e aberta na parte superior, com um fundo de areia em que se colocava a lenha. Era a única comida quente do dia.
Os turnos para vigiar o navio eram de quatro horas cada, que tanto oficiais, como marinheiros cumpriam. A primeira rodada desses turnos se iniciava às quatro da tarde e ía até meia noite, era chamada da “guarda do capitao”, a segunda rodada - da meia noite até as oito da manha, chamada de ” guarda do piloto” – e a terceira, da oito da manha até às quatro da tarde, conhecida como “guarda do mestre”. A segurança do navio dependia do homem que estava de guarda. Por isso, se ele dormia durante seu turno, era severamente punido e ganhava o desprezo dos companheiros. Para não pegar no sono, o vigilante permanecia de pé olhando na proa, pois era de lá que poderia surgia o perigo e à barlavento, pois era dali que vinham as tormentas.Qualquer incidente, deveria ser comunicado imediatamente ao piloto e ao contramestre. A cada meio hora, um grumete dava as horas, ao mesmo tempo que virava o relogío de areia e fazia soar um sino:
” Uma se vai de passada que em dois se divide, mais se dividirá se meu Deus permitir; a Meu Deus pedimos para fazer uma boa viagem; e que a Mãe de Deus, nossa advogada, nos livre d’água, das bombas e das tormentas”. Ao final, dizia: “Ao da proa! Alerta e vigilante!”
Ao meio dia se conferia e ajustava as horas, verificando-se a altura do sol. Comprova-se que a sombra projetada tocava o norte da agulha da bússola quando davam doze horas em ponto. A troca do timoneiro se fazia de hora em hora, quando esse saía devia comunicar ao capitao da guarda o rumo em que o navio seguia. Em frente ao leme, havia um tabuleiro de bordo. Nele se marcava com cavidades o rumo que havia feito. A distância percorrida era calculada a cada meia hora. Para medir a velocidade da embarcação, muitas vezes, se lancava uma peça de madeira pela proa e se cronometrava quando tempo o barco demorava para ultrapassá-la.
O espaço desses galeões estava distribuído entre a carga e as pessoas que viviam a bordo. A dispensa ficava em cima da quilha – protegida por uma tábua plana, embaixo dessa tábua se situava o lastro – geralmente de pedras ou areia. Ali, se colocava também os maiores e mais pesados barris – que continham os víveres mais duradouros. Sobre a primeiro pavimento, situada acima da adega, havia mais outro andar, que íam da proa à popa. Esse era o espaço da tripulação ou dos soldados. O capitão do mar ou capitão de guerra se alojavam na câmara principal, onde mantinham seus pertences pesoais e o de diversos equipamentos do navio. Se a bordo havia capitães de infantaria, esses compartilhavam o mesmo camarote. Acima, ficava o piloto e o mestre, seu ajudante. O condestável e os artilheiros ficavam no paiól. O capelão se alojava no toldo, entre o mastro e as camaras principais. E os marinheiros dormiam no primeiro pavimento.
As tripulações destes navios podiam chega a 200 homens, embora o número mais comum fosse por volta dos 120 a 150. A este contingente juntavam-se os soldados ou os simples passageiros o que podia fazer chegar o total de 1000 pessoas a bordo, mas a média era cerca de 500. No topo dessa hierarquia estava o capitão que desempenhava funções essencialmente judiciais, militares e administrativas enquanto comandante supremo do navio. Quem verdadeiramente governava e conduzia o navio era o piloto. Este era o posto de maior responsabilidade a bordo, cabendo-lhe traçar a rota com a ajuda dos regimentos, das cartas náuticas e da observação astronómica e escrever o diário de bordo. O elemento que se seguia nesta estrutura era o mestre. Cuidava da manobra dentro do navio orientando e comandando tanto marinheiros como grumetes.
Os postos seguintes eram ocupados por uma série de homens do mar que se dividiam por atividades e funções bem distintas desde o guardião, a carpinteiros, calafates ou tanoeiros. Com funções não ligadas especificamente ao mar seguiam o meirinho ou alcaide, o capelão, o escrivão e um ou vários despenseiros, e por vezes o boticário e o cirurgião/médico – substituído quase sempre por um barbeiro que prestava os primeiros socorros. Depois dos oficiais vinham os últimos três tipos de homens do mar: os marinheiros, os grumetes que executavam os trabalhos mais duros e os pajens, geralmente crianças que tinham por função servir de mensageiros dentro do navio e transmitir as ordens dadas pelos capitães e oficiais. À parte desta estrutura havia
uma outra, a dos homens encarregados da artilharia, e que era comandada pelo condestável tendo sob as suas ordens os bombardeiros.
Depois destes, que constituíam a tripulação, havia muitas outras pessoas que podiam embarcar. O contingente mais importante era o dos soldados. Com eles seguiam os fidalgos e nobres que iam assumir cargos administrativos ou militares. Havia ainda diversos religiosos, as mulheres, homens de negócios ou simples aventureiros que tentavam a sorte que teimava em escapar-lhes no velho continente.
1.Mobiliário para los camarotes de los chefes e comandantes dos navio.
2.Provisiões e víveres para as largas travessias oceânicas.
3. Corte longitudinal de um navio
«Diccionario demostrativo con la configuración o anatomía de toda la arquitectura naval moderna», Album del Marqués de la Victoria, Cádiz, 1719-1756