12.2.11

A problemática e a periodização do Renascimento

A história que aprendemos nos manuais escolares aponta o Renascimento como o movimento inaugural do período que chamamos de Modernidade. Esse, teria ocorrido por volta do século XV, primeiramente na Itália e depois em toda a Europa ocidental, bem como indicava uma nova visão do homem e do mundo a partir dos moldes da Antigüidade. No entanto, a historiografia vem colocando uma série de questões em relação à problemática e à periodização da Renascença, as quais variam de acordo com a concepção da época em que a obra historiográfica for produzida.

Não é possível afirmar o grau de consciência que o homem renascentista tinha da sua situação histórica. Embora Giovanni Boccaccio, ainda no século XIV, tenha atentado para o realismo nas obras de Giotto como primeira raiz de uma nova produção, será o século XVI que irá pensar o Renascimento como um período de destaque, especialmente através do crítico de arte Giorgio Vasari (1511-1574), o qual irá referir-se a uma "Renascita" , que valorizava a boa maneira antiga, a qual trazia uma identificação com a Antigüidade e com a cultura clássica, em detrimento da Idade Média e sua cultura. Esse conceito, no entanto, não é sistemático ou perfeitamente definido.

O uso do termo "Renascimento" só é corrente a partir do século XIX, quando este passa a significar toda uma cultura desenvolvida entre os séculos XV e XVI e uma nova manifestação do pensamento oposta à da Idade Média , e não como um simples movimento estilístico que conservava apenas distinções nas técnicas artísticas. Pode-se afirmar , que é no século XIX que dá-se a "construção intelectual do Renascimento, como um despertar, um mundo de beleza, de elegância, de luz; uma época de homens plenamente conscientes de si próprios, independentes, destemidos; superiores aos seus ancestrais medievais e até mesmo aos seus modelos antigos. Uma espécie de milagre , surgido do nada, teria da noite para o dia tomado a forma de uma explosão de gênio e talento."( Conf. Teresa Aline Pereira de QUEIROZ, O Renascimento , p. 14 )

A grande inovação na qual baseia-se a produção do século XIX sobre esse período, vem de uma tradição do século XVIII e consiste na explicação do Renascimento a partir da peculiaridade da própria história italiana, e não de acontecimentos externos. Essa abordagem, utilizada por Voltaire e Bayle no XVIII, vai influenciar os dois principais estudiosos do Renascimento no século XIX: o francês Jules Michelet e o suíço Jacob Burckhadt.

Michelet, na sua obra "O Renascimento", vai ser o primeiro a colocar o período como a descoberta do homem e do mundo, e o desenvolvimento de uma cultura que valorizava a vida e a racionalidade. Esse ponto de vista seduz Jacob Burckhardt, que vai ser o grande estudioso do Renascimento italiano. A obra de Burckhardt apresenta a Renascença, pela primeira vez, como um conceito cultural, que consiste não só numa ressurreição da Antigüidade simplesmente pelo seu valor, mas sim pela sua relação com o espírito italiano, servindo de modelo para uma renovação da vida e da consciência humana. O surgimento desse fenômeno primeiramente na Itália explica-se pelas condições políticas do país, que eram instáveis e anárquicas, originando indivíduos com vontade suficiente para criar novas concepções individuais e políticas, determinando um caráter subjetivo e individualista. Acredita-se que essa visão de unidade cultural é proveniente de uma noção hegeliana de períodos culturais reconhecíveis através da política, da religião, da arte e da vida social. À respeito da periodização, Burckhardt identifica o início do Renascimento na Itália do século XIV, ainda que sua expansão pelos países do Norte da Europa tenha ocorrido bem mais tarde.

A historiografia do século XX vai adotar uma visão bastante crítica em relação à problemática e , especialmente, à periodização do Renascimento defendidas no século XIX, alguns historiadores, como por exemplo Johan Huizinga, chegarão até a contestar a real existência do Renascimento. A virada na concepção de Renascença encontra sua raiz na gradual desmistificação da Idade Média como a época das trevas, a partir de 1920, o que possibilitou a leitura da cultura renascentista como uma continuação da cultura gótica, assim defende Arnold Hauser : "O interesse pelo objeto individual, a busca da lei natural e o sentido de fidelidade à natureza, na arte e na literatura, surgem ainda antes da Renascença. O naturalismo do século XV é mera continuação do naturalismo do período gótico, no qual a concepção pessoal de coisas individuais começa já a manifestar-se claramente". ( Conf. Arnold HAUSER, História Social da Literatura e da Arte, p. 357-8 )

Os estudos acerca da cultura gótica levaram à constatação de que "a antigüidade greco-romana nunca se ausentou do imaginário medieval. Essa evidência alertou os historiadores para possíveis desdobramentos no enfoque do Renascimento. Se a presença de elementos da cultura antiga era primordial para que a definisse como um Renascimento, a conclusão a que se chegava era a de que a Europa podia então ter conhecido vários Renascimentos, e não somente um, no século XV". (Cof. Teresa Aline Pereira de QUEIROZ, O Renascimento, p. 16 )

Quem vai desenvolver o estudo dos Renascimentos medievais e a sua distinção em relação ao do século XV é Erwin Panofsky na sua obra "Renascimento e Renascimentos na Arte Ocidental ". Panofsky começa pela análise da Renovatio carolíngea do século IX, e do Renascimento Otoniano do século X, ambos visando uma legitimação da extensão territorial. Seguindo com a análise do Proto- Renascimento do século XII, identifica neste uma criatividade e excelência artística. A diferença entre a arte clássica e as manifestações da arte antiga que aparecem nesses movimentos da Idade Média, segundo Panofsky, é de sentido: "Todas estas ilustraciones dan testimonio de un fenómeno curioso y, en mi opinión, de fundamental importancia, que podríamos describir como <<>> : cada vez que en la Edad Media plena y tardia una obra de arte toma su forma de un modelo clássico, esa forma es casi siempre investida de una significación no clásica, normalmente cristiana; cada vez que en la Edade Media plena y tardía una obra de arte toma su tema de la poesía, la leyenda; la historia o la mitologia clásicas, esse tema es siempre presentado en una forma no clásica, normalmente contemporánea." ( Conf. Erwin PANOFSKY, Renacimiento y Renacimientos en el arte occidental, p. 137 ). Para Panofsky, a diferença fundamental entre o Renascimento do século XV e os Renascimentos medievais está na visão da Antigüidade como um ideal inatingível , mantida pelos homens do século XV, e com a qual os medievais não contavam.

Diante desta variedade de questões, concluímos que o Renascimento constitui-se numa época histórica complexa, de periodização muito difícil, o que não implica na sua inexistência. Muito pelo contrário, comprova a sua importância, dada a sua pluralidade. Como escreveu Nicolau Sevcenko: "Não há um Renascimento, há múltiplos. O mais característico desse fenômeno histórico é, pois, a rica variedade das suas manifestações, assemelhadas algumas práticas e produções entre si, contrastante outras, convergentes ainda algumas e contraditórias inúmeras." (Conf. Nicolau SEVCENKO, O Renascimento, p.73)

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