Este é um trabalho realizado por um estudante universitário da graduação do curso de História; na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da USP; não pretendendo, portanto, ser completo como seria um estudo realizado por um especialista no assunto.
O objetivo desta obra é dar uma visão abrangente e geral sobre como foi organizado política, social, religiosa, econômica e militarmente aquele que foi um dos mais grandiosos Impérios do mundo: o Tawantinsuyu.
É possível que durante a obra ocorram algumas palavras do idioma Quechua, utilizado pelos Incas, porém estas palavras se encontrarão traduzidas no decorrer deste texto.
Os Precursores dos Incas:
Com o recuo das geleiras e conseqüente desertificação do litoral ocidental da América do Sul, algumas tribos nômades começaram a circular por aquelas regiões. Tal fato ocorreu há cerca de 14 mil anos. Essas tribos erravam por caminhos tortuosos, em busca de frutas, raízes, água doce e caça.
de Tiahuanaco, 700d.C. | Foi nesse contexto que surgiram os primeiros indícios de civilização na América do Sul. Ao que parece, pequenas tribos começaram a avançar tecnologicamente, desenvolvendo a agricultura e criando cidades prósperas e relativamente grandes no final do terceiro milênio antes da era Cristã. Esses povos não tinham muito em comum, apenas um traço muito marcante: a religião. Todos os povos adoravam uma divindade zoomórfica, com a forma de um jaguar ou puma. A adoração dessa divindade foi a responsável pelo maior legado arqueológico dessa época, a construção do centro cerimonial de Chavin (não se sabe ao certo como se chamava na época esse centro, devido à inexistência da linguagem escrita; portanto, ele foi batizado com o nome de um povoado localizado próximo a suas ruínas, Chavin de Huantar), por volta de 1800 a.C.. Esse centro cerimonial não consistia numa cidade propriamente dita, mas em uma espécie de sede oficial da religião daqueles povos (bem como o Vaticano é a sede da Igreja Católica). Não se pode chamar Chavin de cidade, pelo fato de que no local não residia ninguém além de sacerdotes e seus criados. Todos os anos, Chavin era visitado por milhares de pessoas, que segundo consta se ofereciam para sacrifício em honra do Deus Jaguar. Alguns eram sacrificados e a multidão, depois de alguns dias, voltava para suas respectivas cidades. Esse processo desencadeou a expansão da divindade do Jaguar por todos os povos dos arredores da cordilheira dos Andes. As diversas sociedades andinas, por meio de sua unidade religiosa, mantiveram relações ideológicas comuns, sendo orientadas pelos sacerdotes de Chavin. |
Entretanto, por motivos ainda obscuros para a Arqueologia, a cultura Chavin entrou em decadência no início da era Cristã, e desapareceu ainda no século I d.C..
Para ocupar o lugar deixado pela centralização anterior, os diversos povos andinos iniciaram pequenos reinos, dos quais alguns se expandiram para formar verdadeiros Impérios.
Alguns desses reinos têm muita relevância para que se compreenda o quão desenvolvidas foram as civilizações pré-colombianas da América. É o caso de Nazca, que apesar de estar radicada numa região de clima hostil conseguiu realizar construções que só uma civilização muito bem organizada poderia realizar. É o caso dos chamados Puquios, poços em forma de espiral, que se destinavam a fornecer água potável para as diversas regiões da civilização Nazca. Esses Puquios eram ligados uns nos outros por gigantescas galerias subterrâneas, que conduziam a água pelo sistema de vasos comunicantes (nos quais a água sempre desce), ou seja, o princípio da gravidade. Até hoje foram encontrados 13 desses Puquios, os quais ainda não formam um consenso entre os especialistas se teriam mesmo sido construídos pelos Nazquenhos ou se são obra dos espanhóis durante o período colonial. Porém, a coisa que mais nos intriga quando se diz respeito a Nazca são as linhas de Nazca. Tais linhas representam entidades que inexistem na região da cidade, como macacos, aranhas e outros. Consistem em grandes linhas entalhadas no chão que só podem ser observadas por via aérea. Porém, até o presente momento, não se tem conhecimento de nenhum método de vôo inventado por povos da América pré-colombiana.
Outros dois povos de suma importância que existiram nesse período foram os Tiahuanaco e os Wari, respectivamente localizados nas margens do lago Titicaca e no vale médio do Mantaro. Juntos, esses povos conseguiram reconstruir a unidade do fragmentado mundo andino. Tiahuanaco foi pouco estudada pelos arqueólogos até hoje, mas sabe-se que sua expansão dirigiu-se essencialmente para o sul, tendo sido iniciada no século VIII de nossa era. Os legados mais fantásticos dessa civilização são as grandes construções em pedra, como Machu Picchu, e também a chamada Porta do Sol, situada numa ilha do lago Titicaca. Aliás, a respeito do lago Titicaca é interessante dizer que Tiahuanaco era uma cidade que se situava a sua margem. Digo era não porque a cidade está em ruínas, mas sim porque o lago está diminuindo gradativamente ao longo dos anos, e hoje a cidade dista 20 km dele. Titicaca é o lago mais alto do mundo, estando situado a um altitude média de 4000 m acima do nível do mar. Seu nome significa “mar do alto”, pois suas águas são salgadas e sua largura máxima chega a 60 km por 250 km de comprimento.
O Império Wari teve sua expansão no século IX, sendo portanto mais tardia do que a expansão de Tiahuanaco. Sendo assim, a cultura Wari levava em si forte presença cultural de Tiahuanaco, podendo-se dizer que ambos os Impérios difundiram a mesma cultura. O período em que esses dois povos brilharam parece ter sido de grande vigor militar, principalmente no que diz respeito a Wari. As cidades do Império eram construídas geralmente em locais onde fosse possível construir apenas um muro reto, que protegesse a cidade, uma vez que as outras quatro paredes seriam substituídas por uma montanha. Ou seja, as cidades Wari eram construídas em reentrâncias de montanhas.
O território influenciado pelos Impérios Wari e Tiahuanaco, no que diz respeito à sua cultura, não corresponde ao território por eles dominado politicamente, pois sua influência atingia até mesmo regiões livres de sua dominação. Porém, ambas as cidades foram capitais de grandes Impérios andinos, precursoras de fato dos Chimu e dos Incas, alvo deste trabalho.
O Império Chimu:
No século XII, os Impérios Wari e Tiahuanaco entraram em decadência. O motivo disso, também devido a não existência de linguagem escrita, é desconhecido até os dias de hoje.
O fato é que a decadência desses novos centralizadores andinos abriu novamente caminho para o surgimento de pequenos reinos, dos quais três tornar-se-iam grandiosos, tornando-se dois deles, com efeito, Impérios.
Esses três reinos a serem destacados são os Chanka, os Chimu, e os Incas. Como se sabe, os Incas constituíram um império e, como nos diz o título desta parte do trabalho, os Chimu também o fizeram. Portanto, só nos restam os Chanka, que não conseguiram formar um Império. Os Chanka eram um povo guerreiro, muito violento, daqueles que na Europa de sua época seria chamado de bárbaro. Eles tinham algumas características que os assemelhavam aos Dórios (último povo a invadir a Grécia no período pré-homérico), pois também cultuavam a guerra e não costumavam fazer prisioneiros, matando os derrotados em batalhas e com o costume de fazer guerras constantes para obter melhores terras. Não me aprofundarei muito por hora no estudo dos Chanka, pois tornarei a falar neles mais adiante, quando sua história se misturar a dos Incas.
Retomando, os Chimu foram um pequeno reino que surgiu no litoral do atual Peru (aquele mesmo que no início do item 2 foi descrito como muito seco, até desértico). Os Chimu são oriundos da baía de Guayaquil. Em embarcações de bambu, eles alcançaram por via marítima os vales de Chicama, onde fundaram sua primeira cidade. Esta região, na época da cultura Chavin, foi dominada pelo povo Mochica, que devido a várias guerras foi obrigado a abandonar a área. Os Chimu aproveitaram muitas ruínas Mochicas no início de sua ocupação. Eram ruínas de construções, mas principalmente de redes de irrigação. Os novos habitantes reativaram tais redes de irrigação e as ampliaram, começando assim, no século XIII, a desenvolver na região uma nova cultura.
Talvez influenciados pelas estruturas encontradas, os Chimu iniciaram sua expansão, no século XIV, tornando-se um Império que, apesar de conterrâneo e contemporâneo dos Incas, tinham mais semelhanças com as civilizações desenvolvidas na Antigüidade por Egípcios e Mesopotâmicos. É simples: o Império Chimu tinha muitas, senão todas, as características das chamadas civilizações hidráulicas ou ribeirinhas da Antigüidade Oriental. Podemos comparar (para um efeito de compreensão), os Chimu com os antigos Egípcios. Assim como os Egípcios iniciaram seu desenvolvimento nas imediações do Rio Nilo, os Chimu iniciaram o seu próximo aos rios que nascem na cordilheira dos Andes e descem sua encosta ocidental.
Os Egípcios expandiram seus domínios por meio de guerras, e para evitar que os inimigos outrora derrotados retomassem as posições construíam fortificações nas cataratas do Nilo. Os Chimu também realizaram sua expansão pelas guerras, e para impedir a reconquista dos territórios por parte dos inimigos erigiam fortalezas (que acabavam se tornando cidades). Bem como os Egípcios, os Chimu também criaram sistemas de irrigação muito avançados (chegando a irrigar uma área muito maior do que a que é irrigada hoje na mesma região), a partir dos quais expandiram seus respectivos Impérios para regiões naturalmente desérticas ou muito secas.
Porém, havia uma grande diferença entre os Egípcios e os Chimu. Ela consiste no fato de que o Nilo é um dos maiores rios do mundo, e que portanto nunca secaria, enquanto que os riachos dos quais dependia o Império Chimu não ofereciam tamanha segurança.
Os Chimu chegaram a dominar quase todo o litoral daquele que posteriormente foi o Império Inca. Faremos agora uma pausa na descrição do Império Chimu para retornar a ela quando a história deste se cruzar com a dos Incas.
Os Incas:
Esta é de fato a parte inicial do trabalho, constituindo as anteriores apenas um grande prólogo para esta e as próximas. Ela se encontra dividida em sub-itens, pelo fato de ser muito extensa. Esta divisão proporcionará maior clareza na compreensão dos fatos.
Inicialmente é bom que se explique que o nome do Império Inca era Tawantinsuyu, uma palavra Quechua que significa “As quatro Terras”, ou também “Os Quatro cantos do Mundo”. Mas por que esse nome? A resposta é simples, mas será dada aos poucos, à medida que se avança na história desse povo maravilhoso que habitou as regiões hoje ocupadas por Peru, Bolívia, Colômbia, Chile e Equador.
A Colcha de Retalhos Étnica:
Até agora, estudamos vários Impérios que existiram na América do Sul, antes dos Incas. Percebemos que esse Impérios não eram Impérios no sentido clássico da palavra, pois na verdade eram apenas grandes reinos.
Antes de continuarmos, é bom que se esclareçam os conceitos. Reino é uma extensão de terra, contínua ou não, que se encontra sob a autoridade de um monarca. Um bom exemplo de Reino é a Inglaterra, que apesar de todas as suas terras não serem contínuas, elas estão sob a autoridade de seu monarca.
Entretanto, Império é a designação de uma extensão de terras, contínuas ou não, a qual está dividida por vários monarcas que juram vassalagem a um, o Imperador. Um bom exemplo de Império foi o Sacro Império Romano-Germânico, aonde os vários senhores feudais, muitas vezes reis, juravam vassalagem ao Imperador. Baseados nesses critérios, podemos concluir que o Império do Brasil na verdade não foi um Império, mas sim um Reino, pois toda a extensão de terra estava sob as ordens do Imperador.
Pois bem, o Império Inca, como perceberemos, foi talvez o melhor exemplo de Império que já existiu. A etnia Inca, cuja origem é a cidade de Cuzco, realizou sua expansão, dominando outras cidades e povos, sendo estes subjugados e obrigados a jurar lealdade ao Imperador (que no Império Inca, recebia o nome de Inka (na verdade, a grafia poderia ser com “C” também, mas optamos aqui por escrever com “K”, para facilitar a compreensão)).
Entretanto, os antigos governantes dos povos conquistados não eram depostos de seus cargos, uma forma de o Inka demonstrar sua bondade. Os governantes tribais (chamados de caciques entre os índios brasileiros, eram conhecidos como kurakas entre os índios andinos), passavam a ser uma espécie de prefeito da nova cidade conquistada pelos Incas. É claro que com essa política os Incas mantiveram as diversas tribos que compunham seu Império fortes, com a manutenção de seus costumes antigos. Isso também alimentava as esperanças dos kurakas de obter seu antigo domínio de volta, como era antes, e não sob tutela Inca. Por isso, quando os espanhóis chegaram os kurakas se uniram a eles contra os Incas e a anexação do Império tornou-se mais fácil do que seria se a política fosse diferente.
Sol, sempre o Sol:
Em muito povos antigos, o Sol se tornou um dos principais, senão o principal Deus. Foi assim com os indígenas brasileiros, que tinham em Tupã, seu Deus máximo, sendo que este simbolizava o Sol; com os Astecas, que tinham em Uitzilopochtli, o Sol, sua divindade suprema; os Egípcios, que tinham em Ámon-Rá, o Sol, e Áton, o círculo solar, algumas de suas principais divindades.
Não poderia ser diferente com os Incas, que consideravam o Intip (Sol), o Deus supremo de seu panteão. Bem como os faraós Egípcios, os Inka também era uma divindade, sendo portanto o Império uma Teocracia (forma de governo característica da Antigüidade, em que o chefe de governo é considerado uma divindade).
O Inka era o filho do Sol (Intip churin), e como tudo pertencia ao Sol, então tudo pertencia ao Inka. Desde as terras, até a vida das pessoas. Ninguém podia tocar no Inka, nem sequer fitar seus olhos. Quando ele fazia alguma aparição pública, todos, exceto aqueles a quem ele próprio liberasse da obrigação, deviam deitar-se no chão, com a cabeça voltada para este.
Quando os Incas conquistavam novos povos, assim como obrigavam seu governante a jurar lealdade ao Inka também sobrepunham Intip aos deuses locais, criando então uma hierarquização religiosa própria em cada lugar. Assim, a única coisa que todas as diversas organizações religiosas tinham em comum era o Intip como Deus principal.
As demais divindades da etnia Inca eram em sua maioria as montanhas. Cada montanha simbolizava um Deus, como se dentro de cada uma existisse uma divindade. Os Deuses montanhas eram chamados de Apus (a palavra Apu, quer dizer rico. Portanto, além dos Deuses montanhas ela também designava os quatro Reis do Império, cuja função explicaremos mais adiante).
Além do Intip, uma divindade comum a quase todas as culturas andinas da época Inca era Wiraqocha. Ele é o Deus do mar, sendo representado pelas espumas marítimas. É uma divindade muito antiga, provavelmente uma herança da Cultura Chavin. Existia uma crença no Império Inca de que um dia o Deus Wiraqocha viria para trazer a paz e a justiça ao Império; por isso, sempre eram feitas oferendas, inclusive na forma de sacrifícios humanos, para apaziguar o Deus.
O Tawantinsuyu:
Como já referimos em um momento anterior, o nome do Império Inca era Tawantinsuyu. Uma vez que já também já foi mencionada a tradução da palavra, vamos agora desmembrá-la, para explicar a divisão Imperial. Tawantin significa quatro, o número 4, e suyu significa terra, ou terras (nas vezes em que coloco a letra “S” no final de palavras quechuas. Fazemos isso apenas para facilitar a sua leitura, pois o plural nessa língua não era feito dessa forma). Depois que Pachukuti, o nono Inka, iniciou de fato a expansão territorial do Reino de Cuzco, o Tawantinsuyu começou a se formar. Sua divisão é simples. Os Incas consideravam Cuzco, sua capital, como sendo o coração do mundo. Sendo assim, pela cidade passavam duas linhas imaginárias em diagonal: uma que ia de noroeste para sudeste, e outra que ia de nordeste para sudoeste dos seus domínios. Sendo assim, o Império ficava dividido em quatro partes (suyus). O suyu do norte recebia o nome de Chicasuyu; o do sul era chamado Kollasuyu; o do leste, Antisuyu e o do oeste chamava-se Kuntinxuyu. Cada suyu era considerado um Reino independente, sendo governado por um Apu. Existiam portanto quatro
Os suyus eram divididos em províncias, como grandes estados. Cada província era administrada por um governador, chamado Tukriquq. Ele morava na cidade principal da província, que era dividida em diversas regiões. Cada região tinha o governo de um kuraka (antigo chefe da etnia conquistada, a área ocupada anteriormente pela etnia seria a área que o kuraka controlaria; assim, os diversos kurakas se hierarquizavam de acordo com as antigas posses de sua etnia). |
As regiões eram divididas em partes: podiam ser cidades ou aldeias. Geralmente eram aldeias, pois havia poucas cidades, normalmente uma por região, na qual morava o kuraka. Aldeias e cidades eram habitadas por ayllus. Estes formavam a base do Tawantinsuyu, representando a união de familiares e amigos numa espécie de clã que se unia para viver junto e trabalhar com mais eficiência, tanto para viver melhor quanto para servir melhor.
No Tawantinsuyu não havia ninguém que não tivesse terra. Quando alguém nascia, recebia das mãos do kuraka, um topo, quantidade de terra considerada suficiente para sustentar uma pessoa. Sendo assim, se a família fosse composta por três pessoas, teria três topos, e assim por diante. Quando uma pessoa morria, seu topo voltava para as mãos do kuraka, para que ele sempre tivesse terras disponíveis para dar aos recém-nascidos. A riqueza de um família era indicada pela quantidade de pessoas que ela tivesse, ou seja, quanto maior a família, mais topos e mais riqueza.
Os três principais pontos de importância dos ayllus, e consequentemente da sociedade Inca, eram a mita, a minga, e principalmente o ayni. Para este último faremos um sub-item especial.
Primeiramente falemos da menos importante das três: a minga. A minga era um costume popular que até hoje é de certa forma utilizado não só no Peru, mas também em vários países, o Brasil inclusive. Ela consiste num trabalho pago com uma festa. Daremos um exemplo atual. Suponhamos que em um conjunto habitacional brasileiro de classe humilde é realizado um mutirão para a construção da casa de alguém. Quando esta fica pronta, o dono geralmente dá uma festa de inauguração da casa, onde fornece comes e bebes para agradecer aos amigos que o ajudaram a construir a nova moradia. Isso no Tawantinsuyu era chamado de minga, muito usada como forma dos membros de um mesmo ayllu se ajudarem.
Já a mita não era uma instituição tão simples. Sua abrangência poderia chegar a todo o Tawantinsuyu. Poderia ser convocada pelo kuraka, Tukriquq, Apu ou até pelo próprio Inka. Uma mita consistia num grande conglomerado de pessoas reunidas com o intuito de realizar uma grande obra estatal (as mitas Incas se assemelham ao costume que os Egípcios tinham de, em certas épocas do ano, pagar seus tributos oferecendo-se para a construção de grandes obras para o Estado). Quando os espanhóis conquistaram o Tawantinsuyu, eles mantiveram ativa a tradição da mita, pois assim poderiam utilizar os índios ao invés de ter que buscar negros na África para trabalhar em suas minas de ouro e prata.
O Ayni:
O ayni era a principal virtude dos ayllus. Sua descrição pode parecer muito simples, como realmente é, mas nem por isso ele é menos importante. Graças ao ayni, a grande maioria dos kurakas aceitava sem maiores problemas a condição de súdito do Inka.
É simples: ayni significa reciprocidade. Mas não uma reciprocidade do tipo toma lá, dá cá, uma vez que isso constituiria um comércio, e não existia comércio no Tawantinsuyu. Tal reciprocidade funcionava da seguinte maneira: para pagar um favor que lhe foi feito, você tem que fazer o favor em dobro para a outra pessoa. Por isso, os kurakas sempre se mostravam prontos para servirem ao Inka, pois sabiam que receberiam em dobro tudo o que fizessem. Mas o ayni não funcionava apenas entre as autoridades do Tawantinsuyu, mas entre toda a população do Império. | utilizadas durante o Tawantinsuyu |
Controle do máximo de níveis ecológicos:
no atual Perú, direção leste-oeste | O Tawantinsuyu estendeu-se por uma vasta área que ia desde a floresta Amazônica até o oceano Pacífico. Sendo assim, nele existiam vários tipos de climas e solos, bem como uma variedade muito grande de recursos minerais. É claro que não existia em todo o Império uma só região que fosse auto-suficiente, por isso era necessário um grande intercâmbio de gêneros alimentícios. Ou seja, cada região se empenhava em produzir muito daquilo que estava mais habilitada a produzir, havendo assim grande excedente a ser enviado para outras regiões do Tawantinsuyu. |
Mas como esse excedente seria enviado para a região que de fato precisasse dele? É resposta dessa pergunta é o que realmente afirmava o poder do Inka. Todos os anos, todos os kurakas do Tawantinsuyu se dirigiam para Cuzco levando consigo os excedentes de suas regiões. Na capital, eram recebidos pelos Inka, e ficavam hospedados em suas próprias casas na capital (cada kuraka tinha uma casa na capital para ficar nestas viagens e em eventuais outras). Realizava-se então o Intip Raymin (Festa do Sol), principal festa Inca, quando o Inka sacrificava uma lhama para o Sol em troca de mais um ano de fartura e prosperidade (essa festa ainda ocorre todos os anos, no dia 24 de junho, em Cuzco). Depois das festividades, o Inka dividia a comida entre as regiões de forma que todas recebessem tudo o que não produzem. As festividades se encerravam e os kurakas iam-se embora. Alguns aproveitavam para dar presentes ao Inka ou para fazer algum pedido ou reclamação.
Tudo isso só eram possível porque os Incas tinham o ideal de controle do maior número de pisos ecológicos, desde as montanhas mais altas até as praias, passando pela floresta.
Cuzco:
A cidade de Cuzco foi a capital do Tawantinsuyu durante sua época de expansão, deixando de sê-lo na época de seu maior esplendor. Inicialmente a cidade era apenas um caótico vilarejo fortificado e dividido em duas partes compostas por quatro sub-partes. Ela permaneceu nessa condição até que Pachakuti (que já foi citado anteriormente) realizou com perfeição o plano de reurbanização de Cuzco.
A nova cidade projetada por Pachakuti, e que teve sua reforma continuada por seus sucessores, consistia numa miniatura do Tawantinsuyu. Ela era dividida em quatro partes. Cada Apu morava na parte que governava; em cada parte existia uma casa para cada Tukriquq e para cada kuraka do suyu correspondente. Em Cuzco também se localizava o templo máximo da religião Inka, o Coricancha (lugar do ouro). Inicialmente o Coricancha chamava-se Intipcancha (lugar do Sol), mas depois da reforma de Pachakuti o lugar ficou totalmente coberto de ouro, e o Inka achou por bem passar a chamá-lo de Coricancha. O Templo era o centro da cidade, e sobre ele é que se cruzavam as linhas imaginárias que dividiam o Tawantinsuyu; com efeito, o Coricancha era o “umbigo” do Império.
O culto ao Deus Jaguar, de Chavin, parece não ter sido esquecido ao longo do tempo, pois a reforma de Pachakuti fez de Cuzco, uma cidade em forma de jaguar sentado sobre as patas traseiras, olhando para o Antisuyu.
Os altos funcionários:
Além dos já mencionados Tukriquqs, também existiam outros funcionários da maior importância: os Wakas e os Kipukamayoqs. Os primeiros eram os sacerdotes da etnia Inca, e tinham ente si diversos graus de hierarquia, sendo que o Grande Sacerdote era o responsável pela transmissão do poder Imperial ao próximo Inka. Os Kipukamayoqs eram os recensiadores do Tawantinsuyu, responsáveis não apenas por contar a população mas também por contar tudo: a quantidade de ouro extraída de determinado lugar, madeira cortada, comida produzida etc. Eles realizavam tais contas através dos Kipus (forma de contagem Inca. Já que não conheciam a escrita, os Incas desenvolveram uma maneira de contar sem ela: consistia em nós dados em cordas amarradas a uma corda maior, semelhante a um ábaco oriental).
Além desses funcionários, devemos destacar alguns outros de importância menor mas realmente fundamentais. Atuavam como os historiadores, responsáveis apenas por transmitir a cultura, as tradições Incas antigas e a trajetória dos antepassados às próximas gerações. Sua memória tinha que ser impecável, já que não existia a escrita para auxiliá-los em seu trabalho. É graças a esses historiadores Incas que hoje nós conhecemos a história desse povo. Caso contrário teríamos um conhecimento muito inferior de seu glorioso Império, pois este seria fruto apenas da Arqueologia e da tradição oral de pessoas comuns. |
Por fim, devemos ressaltar a importância do sistema de correios do Tawantinsuyu. Era um sistema muito mais eficiente do que qualquer outro que lhe foi anterior ou contemporâneo, em qualquer parte do mundo. Vários homens chamados chaskis se distribuíam ao longo das estradas e cada um cobria uma área de aproximadamente 3 km. Quando era preciso enviar alguma informação, ia-se até o chaski da cidade e dizia-se-lhe o que era e a quem se destinava. O chaski pegava a mensagem, corria até o próximo chaski na estrada e transmitia-lhe a informação, que ia sendo passada de um para o outro até chegar ao seu destino final, como na brincadeira do “telefone sem fio”.
Os Yanas:
Muitos pensam que o Tawantinsuyu foi um grande Império escravista. Isso porque os espanhóis, quando o descobriram, pintaram essa imagem para o mundo, uma vez que cerca de 5% da população imperial Inka era composta por Yanas. Mas o que eram de fato os Yanas?
Os Yanas eram realmente escravos; não tinham direito nem sequer ao topo de terra que todos tinham, eram obrigados a servir até a morte em um região totalmente desconhecida daquela que habitava inicialmente e não podia ter nenhum bem pessoal. Eles não eram escravos particulares, mas sim escravos do Estado.
Mas se eles eram assim, então por que não podemos dizer que o Tawantinsuyu foi um Império escravista?
É porque nos Impérios escravistas a produção da mão-de-obra escrava torna-se indispensável para o andamento do Império.
No entanto, no Tawantinsuyu a condição de Yana era mais um castigo para a pessoa do que uma necessidade produtiva do Império.
Quando e por que uma pessoa se tornava um Yana?
Era condenado à condição de Yana aquele ou aquela que se revoltasse contra o Inka. Vejamos: um kuraka que se negasse a obedecer ordens do Tukriquq, do Apu ou do Inka poderia ser destituído de seu cargo e mandado para uma região bem distante da sua, para servir de Yana por um certo tempo, ou (na maioria das vezes) até a morte. Esse castigo também era usado para todos os líderes militares (que não morressem na batalha) de um povo recém dominado. Somente o kuraka era poupado, e isso se aceitasse o domínio do Inka. A pessoa era enviada para um região distante, pois assim não conheceria o dialeto local (o quechua era o idioma da etnia Inca; a maioria das etnias tinha um idioma próprio, porém o quechua era o idioma universal do Império), tendo dificuldades em se expressar. Além disso, na maioria das vezes a pessoa condenada a ser Yana era um líder em seu povo, e se permanecesse no local a punição poderia não ser cumprida.
A condição de Yana, diferentemente da de escravo, não era hereditária; ou seja, a pessoa transferida para outra região iria ser Yana até a morte, mas seus descendentes estariam livres para recomeçarem vida nova, no novo lugar. Às vezes, quando o Inka percebia a possibilidade de um levante iminente em determinada região, fazia uma transferência dos ayllus quebrando-os e sem transformar seus membros em Yanas. Assim, caso as pessoas quisessem se reencontrar, demorariam meses, e o levante estaria esmagado antes de principiar. O Inka que mais utilizou esta chamada política de deslocamentos foi Wayna Kapaq, o décimo primeiro Inka.
As Panakas:
As Panakas eram as famílias nobres do Tawantinsuyu. Os membros dessas famílias tinham laços de parentesco em maior ou menor grau, mas todas as Panakas eram rivais. Quando um Inka ascendia ao poder, ele se auto-declarava um wakcha (órfão, ou pobre). Isso consistia numa tradição, pois o pai do Inka era o Sol, não um Inka anterior a ele. Sendo assim, sua família passaria a ser composta por ele, seus filhos e suas esposas. Quando de sua morte, um de seus filhos o sucede no poder, (escolhido de maneira que citaremos mais à frente), declarando-se wakcha também. Então, suas mulheres e os filhos que não foram escolhidos como Inka, mumificam seu corpo e passam a morar em seu palácio, com a missão eterna de proteger o corpo. Se este for uma vez for profanado, ou destruído, a família deixará de ser nobre. Em contrapartida, o novo soberano, por ser wakcha, ou seja, pobre também, recebe apenas o trono. Assim, tem que construir um novo palácio, que será o lar de sua Panaka e de seu corpo por toda a eternidade. |
As múmias tinham suas cabeças raspadas, pois seus cabelos eram colocados em estátuas de barro feitas à imagem e semelhança do soberano morto; estátuas estas que ficavam expostas à visitação pública no hall de entrada do Coricancha e eram vestidas com as roupas do Inka morto.
Os Inkas e seus feitos:
Esta é a parte em que contaremos a história da civilização Inca propriamente dita. Para fazê-lo, a melhor maneira que encontramos foi por meio da biografia dos Inkas, pois a história desse povo se confunde, e muito, com a história de seus governantes.
Antes de começar é interessante que se observe o sistema de sucessão do Inka.
Como já foi dito, o novo Inka declara-se wakcha e forma sua própria Panaka. Mas qual dos filhos do antigo soberano é o escolhido para sucedê-lo?
Bem, primeiramente, é bom que se ressalte que o parentesco por parte de mãe é importante na decisão. Como já mencionamos, todas as Panakas têm laços de parentesco entre si. Isso porque um Inka não se casa com uma mulher do povo, mas somente com uma nobre, ou seja, com uma pertencente de Panaka. Como o Inka podia ter várias mulheres (a poligamia só era permitida ao Inka, sendo a monogamia a regra no Tawantinsuyu), cada filho dele poderia ser descendente de uma Panaka diferente. Quando o Inka morria, os seus filhos maiores de dezoito anos reuniam as Panakas das quais eram representantes (sendo que cada Panaka podia ter no máximo um representante) e requeriam apoio militar junto a elas. Estas forneciam tal apoio, e os príncipes iam para a guerra. O Tawantinsuyu chegava a ficar vários anos mergulhado numa anarquia profunda, enquanto os príncipes guerreavam. Nesses períodos, a maioria dos povos conquistados se rebelava, sendo depois reconquistada pelo novo Inka.
Depois que um dos príncipes matava os demais concorrentes, provava que era o escolhido, e recebia a Maskapaicha (símbolo de poder dos Incas, representada por uma franja escarlate que o soberano coloca no cabelo, deixando-a cair sobre a testa. Recebê-la é ser consagrado como o novo Inka) das mãos do Grande Sacerdote. Os príncipes que não haviam participado da disputa, juntamente com as esposas do Inka morto, abandonam suas antigas Panakas e formavam uma nova, com o nome do soberano morto.
Todas essas tradições têm um precedente histórico, e os únicos Inkas que não tiveram que lutar com seus irmãos pelo poder foram Tupa Inka Yupanki e Pachakuti, além de Manko Kapaq, o fundador de Cuzco e primeiro Inka. Como veremos a seguir, são baseadas na história de Manko Kapaq a maior parte das histórias que se tornaram tradições Incas.
Manko Kapaq (Ayar Manko) <1300>:
Segundo as tradições dos povos andinos, cada povo tem um ancestral. Este homem, ou às vezes mulher, teria surgido como num passe de mágica em um determinado lugar, o qual era denominado paqarina (local mágico, onde o antepassado de um povo, e seus familiares, brotava do chão); deste lugar ele e seus familiares (que também teriam surgido no mesmo lugar) teriam saído, e depois de vagar como errantes por um determinado tempo acabariam encontrando um lugar, o qual julgariam ideal para viver. Neste lugar, a pessoa considerada como sendo o ancestral do povo teria fundado uma pequena cidade ou aldeia, tornando-se o chefe local. Esta tradição é uma forma de os povos criarem para si um princípio de história, uma vez que não sabe realmente de onde seus ancestrais provêm. Isso acontecia porque os povos só adquiriam a noção de que desconheciam seu passado depois que este já se tornara um tanto longínquo, e as tentativas de resgatá-lo, baseadas apenas nas tradições orais do povo, acabavam, muitas vezes por formar histórias divergentes e confusas no que diz respeito a um mesmo fato da história de um povo.
Mas o que isso tem haver com os Incas?
A verdade é que, como a maioria dos povos andinos, senão sua totalidade, os Incas também baseavam seu surgimento em um ancestral, Ayar Manko. Ele teria como paqarina a caverna (ou gruta) de Paqariqtampu (situada a cerca de 30 km ao sul de Cuzco).
De acordo com o imaginário popular Inca, além de Ayar Manko teriam surgido em Paqariqtampu outros três ancestrais de três povos. Esses homens seriam todos irmãos de Ayar Manko, e se chamariam Ayar Kachi, Ayar Uchu e Ayar Awka. Os quatro não teriam surgido no mesmo momento, assim como também não teriam surgido já como adultos. Segundo reza a tradição, teriam surgido um de cada vez, ainda bebês, de dentro da rocha da caverna; junto com eles também surgiram algumas irmãs (que acabaram por não ser ancestrais de nenhum povo), e teriam vivido juntos na caverna até que num dado momento resolveram sair de lá e explorar o mundo.
Para os Incas, ao sair de Paqariqtampu os irmãos rumaram para o norte, mas na viagem Ayar Kachi, o mais velho, regressou para a caverna matricial, tornando-se naquele lugar um Waka, ou sacerdote. Os outros irmãos marcharam até chegar ao cume do monte Wanakawri, situado no vale do Huatanay. No topo desse monte, Ayar Uchu teria se petrificado, enquanto que Ayar Manko laçava seu bastão de ouro repetidas vezes do alto do monte para, onde ele se fincasse, fundar seu povoado. O bastão de Ayar Manko se fincou nas terras de Wanaypata, onde o primeiro Inca desceu e tomou posse do território. Ayar Manko adotou o nome de Manko Kapaq e, casando-se com sua irmã Mama Oqllo, iniciou o povoamento da região. O ancestral convenceu populações nômades locais a se fixarem naquela região sob sua autoridade, e assim teve início a etnia Inca. Como líder da etnia, Manko Kapaq recebeu o título de Inka. Porém, a cidade de Cuzco ainda não estava construída.
As tradições Incas acima expostas tornam-se muito confusas quando sobrepostas às tradições dos outros povos que já habitavam a região quando da chegada dos Incas. Eram três povos: ao que parece, um deles considerava como ancestral Ayar Kachi; o outro a Ayar Uchu, e o terceiro a Ayar Awka. Mas como é possível que os irmãos de Manko Kapaq sejam ancestrais de outras etnia, sendo que dois deles abandonaram sua marcha (Ayar Kachi, que retornou a Paqariqtampu, e Ayar Uchu, que se petrificou sobre o monte Wanakawri)?
Segundo essa história (a dos Incas), somente seria possível que Ayar Awka fosse ancestral de um povo. Mas vejamos como era a tradição desses outros três povos, pois assim é mais fácil explicar o que possivelmente ocorreu. O povo que considerava Ayar Kachi como seu ancestral era o que estava há mais tempo no local e chamava-se Sawasiray. Ele eram aliados dos outros dois povos da região: os Allkawisa, que tinham em Ayar Uchu seu ancestral (porém, segundo as tradições desse povo, o ancestral não provinha de Paqariqtampu, mas tinha como paqarina o monte Wanakawri); e os Maras, que acreditavam descender de Ayar Awka.
Na realidade, é possível que, na história inicial dos Incas, Manko Kapaq tivesse realmente feito o que foi descrito acima. Porém, ao encontrarem aqueles povos já radicados na região, os Incas tenham mudado deliberadamente o nome de seus ancestrais (dos outros povos), de modo que sua história se encaixa na deles. Mas, como já foi referido, tudo isso não passa de uma especulação sobre um passado tão longínquo que se torna desconhecido. O que na realidade aconteceu foi o que será descrito agora.
Quando os Incas chegaram à região encontraram os três povos referidos lá radicados. Estavam muito perto um do outro e partilhavam, entre outras coisas, o mesmo idioma: o quechua (como nos referimos anteriormente, o quechua tornou-se posteriormente o idioma oficial do Tawantinsuyu, mas não era o idioma originário dos Incas. Eles o aprenderam com os povos aos quais se aliaram, e apesar de depois terem-no aceitado como idioma oficial conservaram até o final do século XVI o seu idioma originário (que segundo alguns lingüistas espanhóis assemelhava-se muito a um dialeto falado na Amazônia; talvez os Incas sejam provenientes da Amazônia)).
Os Incas, para poderem se radicar na região, tiveram que aliar-se a esses três povos, formando a chamada Confederação Cuzquenha. Manko Kapaq construiu o Intipcancha (que já mencionamos) e fez dele ao mesmo tempo palácio e templo. O povoado Inca se aglomerava ao seu redor. Por serem os mais novos membros da Confederação Cuzquenha, os Incas ocupavam uma posição inferior em relação aos demais três povos. A Confederação dividia-se em duas metades: Hanan e Hurin.
Hanan era a metade de cima, rica, forte e poderosa. Faziam parte delas os povos Sawasiray, Allkawisa e Mara. Já Hurin era a metade de baixo, pobre, fraca e subalterna. Esta metade era composta pelo povo Inca. Ao que parece, Hanan desempenhava as funções político-religiosas de Cuzco (a Confederação Cuzquenha com efeito se tornou a cidade de Cuzco), enquanto que Hurin era responsável pela defesa da Confederação. Sendo assim, os primeiros Inkas utilizaram o título de Sinchi (general), sendo chamados de Inka apenas pela metade de Hurin. Ou seja, Manko Kapaq, apesar de ser o fundador dos Incas, não passou de um Sinchi da Confederação Cuzquenha.
Sinchi Roka <1320>:
Antes de descrever este Inka, é interessante que se faça um observação no que diz respeito às datas colocadas após os nomes dos soberanos. Estas datas só serão precisas de Wayna Kapaq em diante. Nos Inkas anteriores, as datas servem muito para situar o leitor no tempo apenas como noção, não sendo portanto exatas.
Sinchi Roka era filho de Manko Kapaq, e como seu próprio nome nos diz também foi um Sinchi, não tendo assim muito poder dentro da Confederação Cuzquenha. Seu governo foi relativamente longo, mas não realmente importante no que diz respeito à história Inca.
Lloki Yupanki <1335>:
Já havia duas Panakas Inkas, quando Lloki Yupanki recebeu a Maskapaicha.
A exemplo de seus predecessores, que não se sabe se foram seus parentes, também foi um Sinchi de Cuzco. Não fez nada além do que seus dois anteriores fizeram. Como eles, Lloki Yupanki seguiu as ordens de Hanan e garantiu o direito do povo Inka a prestar culto a Intip no Intipcancha.
Mayta Kapaq <1355>:
Não foi um Sinchi muito relevante, assim como nenhum outro antes dele. Ocupou seu posto por cerca de vinte anos. Nesse tempo, apenas deu continuidade ao trabalho dos Sinchis anteriores. Mayta Kapak, assim como os sinchi antriores a ele, fez campanhas militares para saquear os povoados vizinhos em busca do butim oriundo do saque, e também rechaçou ataques que Cuzco sofreu em tempos muito hostis.
Kapaq Yupanki <1375>:
Kapaq Yupanki teve um governo dos mais efêmeros. Não realizou nada em especial, mas também não ficou devendo nada em relação a seus precedentes.
Ele foi o último Inka de Hurin a ser submisso a Hanan. O poder militar adquirido por Hurin, graças a seus cinco Sinchis, colocava a metade outrora fraca e pobre em condições de contestar o domínio dos sacerdotes de Hanan sobre a Confederação Cuzquenha.
Inka Roka <1385>:
Inka Roka é um dos mais importantes Inkas da história Inca. Ele inicialmente foi escolhido como Sinchi de Hurin, porém a força que esta metade adquirira durante as chefias dos Inkas anteriores colocou o Sinchi numa posição muito confortável.
Por volta de 1395, Inka Roka reuniu seus soldados e liderou uma expedição que atacou e dominou as três tribos formadoras de Hanan. Depois, o Inka levou a estátua de Manko Kapaq para a parte de cima da cidade, obrigando os antigos dominadores a prestarem culto a Intip e reverenciarem Manko Kapaq.
O Sinchi acumulou as funções que pertenciam aos chefes das outras três tribos e unificou-as sob seu domínio. Podemos considerar que, a partir daí, a Confederação Cuzquenha acabou para dar lugar a cidade de Cuzco. Aos poucos, os povos de Sawasiray, Allkawisa e Mara foram se fundindo aos Incas de maneira que passaram a constituir uma única etnia.
Inka Roka foi o primeiro Inka a merecer esse título em sua íntegra. Depois de unificar Cuzco sob seu domínio, partiu em campanha para aumentar a extensão territorial de seu poder. Ele chegou a tomar várias aldeias e pequenas cidades próximas a Cuzco, como Muina e Pinawa.
Yawarr Waqaq <1415>:
Sem dúvidas, Yawarr Waqaq foi o mais inexpressivo de todos os soberanos Incas. Além de ter tido o mais efêmero de todos os governos, seu único feito relevante foi a perda de todos os territórios que Inka Roka havia anexado. As atitudes erradas do Inka desencadearam uma crise sem precedentes na cidade, fazendo com que, pouco antes de seu governo completar dois anos, ele fosse assassinado por conspiradores.
Wiraqocha Inka <1418>:
Este pode ser considerado o ponto de partida do Tawantinsuyu. Quando Wiraqocha Inka assumiu o poder em Cuzco teve de combater um verdadeira rebelião na cidade. As etnias internas estavam lutando entre si, e havia a freqüente ameaça de uma invasão externa. Justamente por causa da situação periclitante em que se encontravam seus domínios, ele adotou o nome de um Deus, Wiraqocha (já fizemos menção a este Deus anteriormente), o Deus do Mar.
A adoção do nome fez com que muitos, inclusive os conspiradores que mataram Yawarr Waqaq, acreditassem que se tratava do próprio Deus encarnado. Por isso, as coisas para este Inka tornaram-se mais simples. Ele apaziguou as revoltas internas, deteve as tentativas de invasão e iniciou a expansão de Cuzco anexando diversas regiões próximas, num raio de 40km. Chegou até a dominar o famoso lago Titicaca.
Ao que tudo indica, o período de anarquia que se instaurava após a morte de um Inka teve seu princípio na ascensão de Wiraqocha Inka, pois devido ao tumulto causado pelo assassinato de Yawarr Waqaq a anarquia se instaurou e o novo Inka, para poder chegar ao poder, teve que derrotar os conspiradores. Temeroso de que com sua morte ocorresse um novo período de anarquia, Wiraqocha começou a preparar seu filho mais velho, Urqu, para ser seu sucessor.
Por volta de 1437, chegou a Cuzco a notícia de que uma grande horda de guerreiros estava se aproximando dos domínios do Inka. Eram os Chanka (povo ao qual nos referimos no item sobre o Império Chimu), guerreiros natos que estavam em busca de novas terras para seu reino. Em campanha militar há pelo menos cinco anos, vinham conquistando os povos ao sul do Império Inca com muita facilidade, devido a sua crueldade e obstinação na luta. Wiraqocha, já velho (alguns chegam a dizer que Wiraqocha assumiu o poder em 1400 e não em 1418; portanto, todos os fatos teriam 18 anos, em média, de atraso, se esta corrente estiver correta), decidiu que o melhor a fazer era retirar-se com o maior número de pessoas possível para a fortaleza de Calca. Lá ele pretendia, ainda vivo, entregar a Maskapaicha para Urqu.
Sendo assim, antes que os Chanka chegassem Wiraqocha resolveu partir. Pretendia levar toda a sua família e as Panakas dos Inkas mortos, além do máximo de pessoas que pudesse. Entretanto, seu filho Cusi Yupanki resolveu não abandonar Cuzco. Pediu tropas ao pai e disse que conteria a invasão Chanka a qualquer custo. Cusi Yupanki de fato conseguiu conter a invasão e, como recompensa, Wiraqocha permitiu que ele reinasse ao seu lado, tornando o Império uma diarquia. No entanto, Cusi Yupanki não ficou satisfeito com a situação, baniu Wiraqocha e tomou para si a Maskapaicha que seria dada ao irmão Urqu.
Pachakuti Inka Yupanki (Cusi Yupanki) <1438>:
O princípio da história deste Inka se confunde muito com o final da história do anterior. Cusi Yupanki, conforme já dito, era filho de Wiraqocha Inka, e quando os Chanka começaram a invasão ao Império ele recusou-se a deixar Cuzco com o pai. Com muito custo, conseguiu algumas tropas para poder tentar barrar a invasão Chanka. Mas esses exércitos não eram compostos por muitos homens, Cusi Yupanki precisava de uma estratégia perfeita. Não poderia apenas encarar os invasores num embate frontal. |
Ajudado por dois Sinchi de sua inteira confiança, Cusi esperou os Chanka. Quando estes chegaram, tamanha era sua confiança na vitória, que se assustaram quando viram um grande contingente de homens (grande, porém numericamente muito inferior ao seu) sair de dentro de Cuzco disposto a lutar. O susto inicial fez com que muitos Chankas fossem mortos, expondo a estátua de seu ancestral fundador (os Chanka sacramentavam a conquista de um novo território colocando nele a estátua de seu ancestral fundador). Os Incas, mais do que depressa, apoderaram-se da estátua, e isso fez com que os Chanka fugissem aterrorizados para seu acampamento, onde certamente se reorganizariam e desfechariam novo ataque a Cuzco dentro de dois ou três dias.
Cusi sabia que, se esperasse um novo ataque, não contaria mais com o elemento surpresa. Resolveu então atacar os Chanka. Reuniu todos os homens de Cuzco que não tinham abandonado a cidade, convocou muitos homens das etnias dominadas (que haviam prudentemente se mantido neutros na batalha inicial) e marchou rumo ao acampamento dos Chanka. Estes foram novamente pegos de surpresa, e as tropas Incas destruíram suas forças. Com a destruição da quase totalidade do exército Chanka, o Reino deles ficou vulnerável. Em função disso, Cusi continuou sua marcha ao invés de bater em retirada para Cuzco, e anexou os antigos domínios Chanka aos dos Inkas. Expandiu-se, assim, os domínios de sua etnia em direção ao sul. De volta a Cuzco, Cusi foi carregado em triunfo e mandou buscar seu pai na fortaleza de Calca. Ele quis atribuir todos os méritos da conquista a Wiraqocha, apesar deste ter abandonado a cidade.
Em troca, Wiraqocha ofereceu a Cusi o direito de reinar a seu lado, transformando o Império numa diarquia. Cusi aceitou, e estava para ser consagrado como co-monarca quando soube das reais intenções de seu pai: Wiraqocha pretendia matar Cusi e depois entregar a Maskapaicha para Urqu. Tomado pelo ódio ao pai e ao irmão, então, matou Urqu e afastou Wiraqocha, assumindo a Maskapaicha com o nome de Pachakuti Inka Yupanki, ou apenas Pachakuti (nome em homenagem a um antigo monarca do Império Wari, ou então a um Sinchi de Manko Kapaq).
Depois de ser sagrado Inka, Pachakuti não parou a expansão de seus domínios. Entregou parte de seus exércitos a seu irmão Kapa Yupanki. Este terminou de anexar o território dos Chanka, além de também tomar os territórios dos Anqara, Wanka e Wayla. Enquanto isso, Pachakuti tomava os territórios dos Kolla e dos Lupaka, que viviam às margens do lago Titicaca.
Entretanto, Kapa Yupanki começou a se julgar poderoso demais, e resolveu marchar rumo a Cuzco, para tomar a Maskapaicha de Pachakuti. O Inka descobriu os planos do irmão e realizou uma campanha militar contra ele, da qual saiu vitorioso matando Kapa Yupanki. Com a notícia da batalha entre os dois irmãos, os povos que Kapa Yupanki conquistara aproveitaram para se rebelar. Atacaram inicialmente a cidade de Cajamarca, que se situava a mais de mil quilômetros de Cuzco, no meio dos domínios do povo Wayla.
Pachakuti percebeu que a batalha que estava por travar seria a mais difícil de todas, pois os Wayla estavam sendo atacados por um outro Império que desejava dominar a nascente dos rios que o alimentavam. Tratava-se do Império Chimu (o qual já mencionamos anteriormente). O Inka sabia que iria encontrar muitos problemas caso se engajasse numa guerra contra um Império tão forte. Por isso, decidiu enviar para Cajamarca seu filho Tupa Inka Yupanki. Este era o melhor homem para ser enviado, pois além de gostar das artes bélicas poderia tornar-se uma ameaça futura aos planos de Pachakuti de deixar em seu lugar seu filho mais velho: Amarru Inka Yupanki. Enviar Tupa Yupanki para o campo de batalha era enviá-lo para a morte certa, se não nas mãos dos Wayla nas dos Chimu. Com isso, Pachakuti, no velho ditado popular, “matava dois coelhos com uma cajadada só”.
Enquanto Tupa Yupanki partiu para a guerra, Pachakuti iniciou a reforma de Cuzco, inicialmente um conglomerado habitacional caótico, numa das mais belas obras da arquitetura Inca.
Plano de uma cidade Inca típica
Tupa Inka Yupanki <1470>:
Tupa Inka Yupanki, ou apenas Tupa Yupanki, foi talvez o maior conquistador que existiu em toda a América pré-colombiana. Ele era filho de Pachakuti, e como já explicado no item anterior, foi mandado pelo pai para encontrar a morte na tentativa de defender os limites do Tawantinsuyu. Pachakuti sabia que o Império Chimu não se arriscaria a tomar o Tawantinsuyu. Por isso não fazia muita questão de perder Cajamarca para o inimigo, pois sabia que sua expansão rumo ao Tawantinsuyu pararia por ali.
Mas Tupa Yupanki não sabia o que viria a encontrar pela frente. Não imaginava que se depararia com o Império Chimu, pois pensava que teria apenas de conter os ataques dos Wayla a Cajamarca. No caminho para esta cidade, Tupa Yupanki apaziguou novamente os Anqara, os Chanka e os Wanka, além de recolher entre as populações dominadas mais homens para suas fileiras. Chegando em Cajamarca, encontrou-a cercada pelos Wayla. As poucas tropas Cuzquenhas que lá estavam entrincheiradas resistiam bravamente à tomada da cidade. Ele organizou e juntou os soldados que lá estavam aos seus, desfechando em seguida um ataque que pôs fim às pretensões do povo Wayla. Tupa Yupanki achou a missão um tanto fácil, pois os exércitos de Wayla não eram, em sua opinião, tão numerosos assim. Porém, foi informado de que o inimigo não estava com tantos homens em Cajamarca porque seus domínios estavam sendo atacados pelo Império Chimu.
O jovem príncipe resolveu então aliar-se aos Wayla, propondo defendê-los dos Chimu. Os Wayla aceitaram então reconhecer Pachakuti como Inka, caso Tupa Yupanki os livrassem do Império Chimu. Travou-se uma batalha próxima a Cajamarca entre as forças Incas e Chimu. Os primeiros, com mais forças, venceram. Mas Tupa Yupanki, como bom Sinchi que era, sabia que aquela havia sido apenas uma pequena vitória perto das batalhas que estavam por vir, uma vez que o Império Chimu era muito extenso e poderoso e os prodígios de Minchan Caman, Imperador dos Chimu, eram conhecidos desde Chanchan, capital do Império, até os longínquos pontos dos Andes. Tupa Yupanki tinha conhecimento de que havia provocado a ira do Império Chimu. Por isso precisava agir rápido, tendo de tomar uma atitude que o permitisse vencer todo o Império inimigo.
Como bom estrategista que era, percebeu que o Império Chimu era extremamente dependente dos rios que o alimentavam. A partir disso, o príncipe percebeu que, por estar situado próximo das nascentes de tais rios, poderia mudar seus cursos sem muita dificuldade. E foi o que fez. Depois disso, Tupa Yupanki estabeleceu-se em Cajamarca, à espera de um ataque. Como este não ocorreu num prazo aproximado de dois meses, ele resolveu pegar seus homens e invadir o Império Chimu.
À medida que descia a cordilheira, ia encontrando as cidades do Império num estado de semi-abandono. Ao que parece, as pessoas foram quase todas embora quando os rios secaram, e as poucas que sobraram não ofereceram muita resistência ao domínio Inca.
Quando atingiu Chanchan, Tupa Yupanki esperava uma batalha muito grande, mas a que ocorreu nem se aproximou daquela prevista por ele. Com a tomada da capital Chimu, todo o Império Chimu curvou-se perante a autoridade de Pachakuti.
Depois de tão longa expedição, Tupa Yupanki retornou, em 1470 para Cuzco esperando receber os parabéns do pai. No entanto foi tratado com hostilidade, já que Pachakuti pretendia entregar a Maskapaicha para Amarru. Dentro dessa situação, o príncipe achou que a melhor coisa a fazer era depor o pai e tomar-lhe a Maskapaicha, da mesma forma como este já havia feito com Wiraqocha. Porém, antes de ser humilhado pela deposição, Pachakuti renunciou em favor de Tupa Yupanki, que assumiu o trono.
Como Inka, a sede por conquistas de Tupa Yupanki não cessou. Fez de seu reinado uma sucessão de guerras, por meio das quais ampliou os domínios do Tawantinsuyu. Tomou vários povos, e consequentemente seus territórios. Por exemplo, os vales de Chincha e Cañete, da cidade (extremamente religiosa) de Pachacamac, as regiões de Potosí, Jujuy e Tucuman e o vale de Maule.
O Inka também aventurou-se com seus exércitos numa expedição contra os Anti (expressão pejorativa que designa os seguintes povos amazônicos: Mashiwenka, Nomashiwenka, Kampa e Amuesha. A expressão também deu nome a uma das regiões do Tawantinsuyu, o Antisuyu, ou Terra dos Anti). Não se sabe muito bem o verdadeiro motivo dessa expedição (pode ter ocorrido para impedir os ataques desses povos a Cuzco ou tomar-lhes os terrenos produtores de coca), mas o fato é que o exército de Tupa Yupanki foi dizimado pelas doenças da floresta, ataques sorrateiros dos Anti (com táticas de guerrilha na selva) e por muitos soldados terem perdido-se na mata. Entre estes últimos, o próprio Tupa Yupanki; ele ficou vários meses desaparecido, e as habituais anarquia e luta entre seus filhos se iniciaram. Quando os herdeiros do Inka já se degladiavam para ver quem seria o novo Inka, Tupa Yupanki retornou da mata com os poucos homens que conseguiu salvar.
Devido ao grande fracasso do Inka, na Amazônia, estabeleceram-se muitas lendas a respeito de monstros que impediam o avanço de tropas sobre a floresta. Isso fez com que os domínios do Tawantinsuyu nunca penetrassem na mata amazônica.
Porém, com o início do processo de escolha do novo soberano, o governo de Tupa Yupanki nunca mais foi o mesmo. Ele começou a sofrer muitas pressões para renunciar em favor de um de seus filhos, e como não o fez acabou assassinado por opositores em meados de 1493.
Wayna Kapaq <1495>:
tomados aos Chanka | Wayna Kapaq foi o último Inka antes da chegada dos espanhóis ao Tawantinsuyu. Diferentemente de seus predecessores, não havia nascido em Cuzco. Era natural de Tumipampa, uma cidade recém-construída situada no extremo norte do Império. Cuzco alcançou seu apogeu durante o governo de Tupa Yupanki, mas um dos primeiros atos de governo de Wayna Kapaq foi transferir a capital do Tawantinsuyu de Cuzco para Tumipampa. Mas como e por que Wayna Kapaq transferiu a capital do Império? Esta é um questão muito complexa, e sua resposta resulta na compreensão do quão poderoso foi este Inka.
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Porém, além dessa razão tática existia uma que era muito maior para que o Inka transferisse sua capital para Tumipampa, e como já foi dito era de ordem pessoal. Em Cuzco, as pressões das Panakas sobre o Inka estavam ficando insuportáveis, pois já eram dez as Panakas (uma de cada soberano) desde os tempos de Manko Kapaq. Tais pressões muitas vezes influíam nas decisões do governante, e às vezes tornavam-se tão fortes que as Panakas acabavam executando o Inka. Este foi o caso de Yawarr Waqaq e, mais recentemente, de Tupa Yupanki. Transferindo a capital para Tumipampa, Wayna Kapaq se livrava das pressões dessas Panakas, aumentando, e muito, o seu poder.
Passemos para o outro ponto. Como Wayna Kapaq teve poder para realizar tal feito?
Esta é uma questão complexíssima pois, como acabamos de dizer, transferir a capital aumentou seu poder. Mas o que ele fez para realizar tal ato é o que veremos agora.
A mudança da capital foi um dos primeiros atos do governo de Wayna Kapaq, mas não o primeiro. A primeira realização de seu reinado foi a deposição do Grande Sacerdote Inca. Era esse religioso quem controlava toda a religião do Tawantinsuyu, pois ele era o sumo sacerdote de Intip. Ele transmitia a Maskapaicha para o Inka vencedor da disputa pelo trono pois, segundo a crença, o próprio Intip dava-lhe o dom de saber reconhecer seu filho (filho de Intip, ou seja, o Inka). Com a deposição do Grande Sacerdote, Wayna Kapaq assumiu sua função de líder máximo da religião Inca; com esse poder de falar com Intip, Wayna Kapaq declarou-se o próprio Intip e não seu filho, como todos os Inkas haviam sido até então. Uma vez que Wayna Kapaq era o próprio Sol, podia fazer o que quisesse, já que o Tawantinsuyu pertencia ao Sol.
Falemos agora sobre como este Inka recebeu a Maskapaicha. Ele era apenas uma criança quando seu pai morreu. Filho mais novo de Tupa Yupanki, venceu a disputa com seus irmãos, pois seus tios o ajudaram. Curiosamente, tais tios eram os mesmos que tinham matado seu pai. Eles resolveram ajudar Wayna Kapaq a vencer a disputa justamente por se tratar de uma criança. Poderiam colocá-lo sob sua tutela e governariam em seu lugar. Porém, desde cedo o Inka aprendeu a ser hábil politicamente, conseguindo enganar os tios e assumir o poder de fato. Todos os Incas amavam Wayna Kapaq, e os povos conquistados também nutriam por ele um respeito inconteste, uma vez que representava o próprio Intip.
Como forma de disciplinar os rebeldes, Wayna Kapaq desenvolveu uma forte política de transferências de pessoas de uma parte para outra do Tawantinsuyu, e isso desencorajava as pessoas a se revoltarem. Além disso, Wayna Kapaq costumava transformar kurakas desobedientes em Yanas em lugares bem distantes de sua etnia. Foi também no governo de Wayna Kapaq que os cargos altos do Tawantinsuyu passaram a ser ocupados por pessoas de outras etnias que não apenas a Inca.
Os feitos de Wayna Kapaq visavam, entre outras coisas, transformar o Inka de um simples líder de um etnia privilegiada que oprime as demais no chefe de um Império, onde todos são iguais perante o Imperador. Com efeito, Wayna Kapaq não transferiu a capital do Tawantinsuyu para Tumipampa, mas sim para a figura do Inka, pouco importando a cidade em que ele morasse.
No ano de 1524, Francisco Pizarro começou a realizar missões de reconhecimento nas costas do Tawantinsuyu. Fazia cinco anos que os espanhóis haviam se deparado com os Astecas, e a experiência fez com que fossem mais cautelosos ao tentar novos domínios. Afinal, eles poderiam encontrar outro Império como o asteca. As expedições de reconhecimento do litoral, realizadas por Pizarro, consistiam simplesmente em chegar até uma praia e manter contato com algum nativo encontrado. Esse contato poderia ser por escambo, tentativa de evangelização ou de estabelecimento de conversação, estupro (em se tratando de uma mulher) ou até o seqüestro de algum índio, para com o contato prolongado com o mesmo aprender-se o idioma local.
O fato é que essas expedições, apesar de não passarem do litoral (não servindo para conhecer assim nenhuma cidade do Tawantinsuyu) e de não serem muito agressivas, causavam alarde nas populações, espalhavam boatos por todo o Tawantinsuyu e, o que é pior, traziam doenças desconhecidas dos ameríndios (índios americanos) para a Tawantinsuyu. Doenças como a gripe, a varíola, a rubéola e a sífilis.
O grande problema da inserção dessas novas doenças na vida dos índios foi o fato de que eles não tinham anticorpos naturais para protegê-los delas. Por isso, uma simples gripe podia dizimar toda uma cidade. Foi o que começou a acontecer, e num grau epidêmico tão alto, que em 1528, antes mesmo de iniciar-se a conquista do Tawantinsuyu pelos espanhóis (o que só começou a ocorrer em 1532), já tinham morrido cerca de 200 mil índios do Tawantinsuyu, dentre os quais Wayna Kapaq e seu filho mais velho, que estava sendo preparado por ele para herdar a Maskapaicha.
A morte de Wayna Kapaq foi chorada por toda a população do Tawantinsuyu como um grande catástrofe, pois o Deus deles tinha morrido. A luta pela sucessão só se iniciou em 1529, três meses depois do ocorrido, e junto com essa luta, como era de costume, os povos conquistados na regiões periféricas começaram a se rebelar.
Devido ao filho mais velho de Wayna Kapaq também ter morrido (provavelmente de varíola, a exemplo do pai), o candidato mais forte a Maskapaicha não estava disputando-a. Ela seria disputada pelos irmãos Wascarr e Atawallpa, os filhos mais velhos depois do que morreu.
Atawallpa <1532>:
Depois da morte de Wayna Kapaq, os Inkas conheceram vários governantes efêmeros. O primeiro deles foi Atawallpa, cuja história triste confunde-se com o início da conquista Espanhola. O governo de Atawallpa foi o mais peculiar dentre todos os Inkas simplesmente porque ele não governou.
Depois da morte de Wayna Kapaq, a disputa entre a Maskapaicha tardou em três meses por se iniciar. Quando foi iniciada acabou ficando entre Atawallpa e Wascarr, excluindo-se os demais filhos do Inka morto. Ambos eram nascidos em Cuzco, porém Atawallpa havia sido criado junto do pai em Tumipampa (ele era o terceiro filho). Lá, o jovem príncipe aprendeu desde cedo a viver entre os soldados, dos quais tinha apoio pleno. Já Wascarr, por ser o segundo filho, foi criado pelos tios em Cuzco, e assim que alcançou idade suficiente tonou-se governador da cidade. Ele tinha o apoio dos sacerdotes cuzquenhos, interessados em readquirir o poder que Wayna Kapaq lhes havia tomado. Além disso, era apoiado pela Panaka de Tupa Yupanki, uma das mais poderosas dentre todas.
Quando ambos os pretendentes ao trono já se encontravam prontos para realizar um batalha final, um fato inusitado aconteceu. Em 1532, os espanhóis, liderados por Francisco Pizarro, finalmente aportaram no Tawantinsuyu. Depois de oito anos de missões de reconhecimento esporádicas, agora a missão era mesmo de conquista.
No início dos embates entre Wascarr e Atawallpa, o primeiro começou levando vantagem, conseguiu tomar Tumipampa e isolar o irmão em Quito. Entretanto, Atawallpa reorganizou seus exércitos e partiu retomando os territórios perdidos. À medida que Atawallpa avançava aproximava-se de Cuzco. Wascarr já pressentia a derrota quando da chegada dos Espanhóis.
Apesar de muitos livros passarem a idéia de que os espanhóis tiveram ao seu lado o fator surpresa, esta idéia é errada, uma vez suas expedições de reconhecimento eram do conhecimento de Wayna Kapaq, que muito provavelmente chegou até a enviar mensageiros a eles. Os espanhóis foram considerados pelos aliados de Wascarr como enviados do Deus Wiraqocha, já que os sacerdotes Cuzquenhos haviam pedido ajuda dos deuses para derrotar Atawallpa.
Logo que o desembarque dos europeus tornou-se conhecimento público, Wascarr enviou a eles seus embaixadores. A comunicação foi possível, pois os espanhóis tinham feito de alguns indígenas seqüestrados nas expedições de reconhecimento seus intérpretes. Os embaixadores de Wascarr puseram Pizarro a par dos acontecimentos e ouviram dele palavras de apoio, embora ambíguas. Eles de fato acreditavam que os espanhóis seriam seus aliados, pois estes estavam se preparando para enfrentar Atawallpa.
Os espanhóis chegaram ao Tawantinsuyu em abril de 1532. Assim que chegaram iniciaram saques a templos e a desenvolver a chamada “Política de Alianças de Pizarro”, que consistia em voltar os kurakas contra o poder Imperial, aproveitando-se de sua fragmentação temporária.
De fato, a chegada dos estrangeiros de pele clara e barbas, montados em cavalos e portando armas de fogo não despertava em Atawallpa outro sentimento senão a curiosidade. Não temia os espanhóis, pois todos juntos não passavam de 200 homens, e ele considerava que quando fosse o momento propício poderia facilmente lançar os intrusos ao mar.
Enquanto Atawallpa ocupava-se de destruir os exércitos de Wascarr, os espanhóis, em julho de 1532, fundavam sua primeira cidade na América do Sul: a vila de San Miguel de Piura.
Pizarro e seus homens foram avançando sem sofrer nenhuma resistência por parte dos nativos. Em 15 de novembro de 1532, ele tomou Cajamarca e mandou seu irmão Hernando Pizarro e seu amigo Hernando Soto até Quito para contatarem Atawallpa e o convidarem para uma reunião no dia seguinte pela manhã. Os dois chegaram a Quito montados a cavalo, e isso causou um grande frisson entre os índios, que nunca tinham visto tal animal. Eles foram levados à presença do príncipe e se espantaram com a simplicidade do lugar, pois esperavam um grande trono de ouro, encrustado de jóias (esperavam tanto devido ao luxo que encontraram nos templos saqueados). Não sabiam que Atawallpa não gostava da ostentação; era adepto da vida de soldado, ou seja, da guerra. Os mensageiros espanhóis levaram o recado de Francisco Pizarro, mas só Hernando teve permissão para falar com Atawallpa, pois era irmão do chefe dos espanhóis. Soto, que tinha o mesmo posto de Hernando Pizarro, foi obrigado a permanecer em silêncio, sem sequer fitar o príncipe.
Atawallpa aceitou o convite, e na saída os dois mensageiros tentaram intimidar o príncipe ao fazerem com que seus cavalos relinchassem próximo a seu rosto. Mas, ao contrário dos demais índios, Atawallpa não moveu sequer um músculo, não demonstrou medo do desconhecido. Depois da saída dos espanhóis, Atawallpa reuniu-se com um de seus Sinchi, Rumiñawi e expôs a ele seu plano para derrotar os espanhóis. O plano do soberano consistia em vestir sua roupa sagrada, o que, segundo pensava, espantaria os invasores. Rumiñawi ficaria atocaiado nas montanhas próximas à cidade de Cajamarca; quando os espanhóis fugissem aterrorizados com a vestimenta do príncipe, o Sinchi os capturaria. Porém, Pizarro também estava pretendendo capturar Atawallpa e montou sua estratégia, que funcionou.
Quando o príncipe adentrou em Cajamarca a cidade parecia vazia, a não ser por Pizarro, que aguardava na praça central. Atawallpa estava em sua liteira (cadeira protegida do sol, que é carregada por quatro homens cujos reis andavam por países orientais, como a China, e também no Império Inca), e além de seus carregadores trazia consigo uma comitiva de aproximadamente 300 índios. Depois que todos já estavam dentro da cidade, Pizarro fez um movimento com o qual ordenou que ao mesmo tempo os artilheiros disparassem seus arcabuzes, os cavaleiros atacassem e os cães fossem soltos. O barulho dos tiros junto com a visão dos cães e cavalos assustou tanto aos índios que a grande maioria tentou retirar-se desesperadamente, e com isso muitos morreram pisoteados. Outros foram mortos pelos tiros ou mordidos pelos cachorros. Uma parcela ainda perdeu a vida nas mãos dos cavaleiros.
Os carregadores de Atawallpa colocaram a liteira no chão e cercaram o príncipe com seus corpos, mas o próprio Pizarro foi até Atawallpa e pegou em seu braço, arrastando-o pelo chão (o conquistador fez questão de pegar o príncipe pelo braço para quebrar a mística de que quem encostasse nele seria amaldiçoado; ele já havia se informado dessa crença, fazendo por isso questão de segurar o rapaz e ainda arrastá-lo pelo chão, para humilhá-lo).
Rumiñawi teve medo de atacar Cajamarca, pois pensava que Atawallpa poderia ser morto. Se ele atacasse, toda a história hoje poderia ser diferente, uma vez que jamais seria derrotado, sendo que ele tinha consigo cerca de 200 mil soldados contra menos de 200 espanhóis. Enquanto Atawallpa caía prisioneiro, no dia 16 de novembro de 1532, seus outros dois Sinchis: Kiskis e Chalkuchimaq cercavam ainda mais as tropas de Wascarr. Chalkuchimaq tomou a bacia de Mantaro e Kiskis dirigiu-se para o sul, tomando Angoyaco e Vilcashuaman. Algumas semanas mais tarde, o próprio Kiskis entrava em Cuzco, onde derrotou os resquícios dos exércitos de Wascarr e capturou o próprio. A Panaka de Tupa Yupanki, que apoiava Wascarr, foi destruída com a profanação e queima da múmia do soberano. Era o fim dos opositores de Atawallpa, enfim ele era o novo Inka. Para completar, Kiskis matou Wascarr. No princípio de 1533, o Império estava novamente organizado e o novo Inka era Atawallpa. Entretanto, ele era mantido prisioneiro pelos espanhóis.
Os kurakas aliados dos invasores temiam que o Inka fosse solto e o Tawantinsuyu se recompusesse. Não queriam voltar a ser vassalos da etnia Inca, e por conta disso começaram a fazer pressões sutis no início (e ferozes depois) sobre Pizarro, no sentido de que ele executasse o prisioneiro. Pizarro prometeu a Atawallpa que o libertaria se ele enchesse de ouro o salão principal do palácio de Cajamarca. O Inka então ordenou aos seus Sinchi que fossem buscar o ouro, e dentro de poucas semanas a sala estava cheia, assim como Pizarro ordenara.
Vendo que o Inka tinha cumprido sua parte no acordo, e que portanto Pizarro deveria libertá-lo, os kurakas começaram a pressioná-lo, dizendo que se Atawallpa fosse solto acabaria com os espanhóis, pois estavam em minoria, e que só estavam vivos ainda porque tinham o Inka sob custódia, entre outras coisas. O fato é a pressão sobre Pizarro começou a ser tão forte que ele temeu por ver sua teia de alianças desfazer-se, o que seria, de fato, o fim do espanhóis. Por isso, partindo das acusações de fratricídio (assassinato do irmão) e usurpação, Pizarro julgou e condenou Atawallpa a morte no dia 29 de agosto de 1533. Muitos afirmam que o assassinato de Atawallpa por Pizarro foi um erro político, pois se ele tivesse mantido o Inka aprisionado teria sido mais fácil a instalação do sistema colonial, uma vez que com a morte de Atawallpa o Tawantinsuyu mergulhou novamente numa profunda anarquia, constituindo um grande obstáculo ao estabelecimento do regime colonial espanhol.
Entretanto, o sangue do Inka uniu junto a Pizarro os kurakas e os Yanas revoltados, pois para uns ele representava a chance de reconquistar a independência perdida, e para outros de reconquistar a liberdade perdida.
Manko Inka <1533>:
Com a morte de Atawallpa, a invasão espanhola ganhou a adesão de praticamente todas as etnias andinas, exceto a Inca. Devido à morte do Inka de Quito (apelido dado a Atawallpa), o reduto Imperial dos Incas voltou a ser Cuzco, assim como nos tempos já muito distantes. As Panakas restantes, apesar de já muito desgastadas, acabaram por se unir e escolher, em comum acordo, um novo Inka. O escolhido foi o jovem Manko Inka. A nobreza Cuzquenha lhe deu a Maskapaicha ainda em 1533, logo após a notícia da morte de Atawallpa.
Com os ânimos renovados, os espanhóis adquiriram coragem para saírem de Cajamarca e terminarem a conquista das terras que outrora formaram o tão glorioso Tawantinsuyu. À medida que os europeus avançavam, as etnias dominadas pelos Incas se sublevavam e entregavam de bom grado víveres, carregadores e até guerreiros, para que estes prosseguissem sua marcha de extermínio dos Incas. No dia 15 de novembro de 1533, Pizarro finalmente atingiu Cuzco. Kiskis, o Sinchi de Atawallpa que tomara a cidade, havia abandonado-a há pouco tempo, e a etnia Inca se encontrava sob o governo do jovem Manko Inka, meio-irmão de Atawallpa e Wascarr.
Contrariando as expectativas do comandante espanhol, os Incas não se propuseram a lutar. O novo Inka recebeu os invasores nas portas de Cuzco e, em troca do apoio estrangeiro ao seu governo, ajudou Pizarro a aniquilar as tropas dispersas de Atawallpa. Contudo, esta campanha não foi muito rápida e custou dois longos anos aos súditos de Carlos V (Carlos V era na época o Rei da Espanha; na verdade, na Espanha ele era Carlos I. Mas também controlava o Sacro Império, que lhe dava o domínio sobre os Países Baixos, e uma grande extensão de terras em toda a Europa. Para o Sacro Império ele era o Imperador Carlos V).
Passados dois anos, isto é, em 1535, as tropas de Atawallpa estavam todas exterminadas. Pizarro tinha solidificado o domínio Espanhol sobre o Peru por meio da fundação da cidade de Lima (em 1535), que além de estar destinada a ser a capital do Vice-Reino ainda servia de base para as tropas espanholas recém-chegadas da pátria mãe. Cabe aqui fazer um comentário sobre o nome Peru, nome dado pelos espanhóis ao Vice-Reino que com efeito compunha-se do antigo Tawantinsuyu. A denominação foi criada, segundo consta, num dos primeiros contatos dos espanhóis com povos da América do Sul. Eles se depararam com um nativo da região que hoje compõe o Panamá. O índio estava pescando num rio quando foi trazido para dentro de uma pequena embarcação espanhola. Lá, os europeus deram-lhe alguns presentes e tentaram estabelecer um diálogo (tentativa frustrada, pois eles tentaram o diálogo baseado no idioma do Império Asteca, que era desconhecido do nativo). Como não obtiveram sucesso com as palavras, tentaram fazer perguntas simples ao nativo, na forma de gestos. Ele entendeu apenas duas das perguntas: seu nome e o lugar onde estava. Assim, o indígena começou a repetir várias vezes as palavras Biru (que era seu nome) e Pilu (que significava rio na língua do nativo), ou seja, quis dizer aos espanhóis que seu nome era Biru e que estava pescando no rio. Mas os espanhóis, por não entenderem o que o aborígene queria dizer, devolveram-no ao lugar onde estava, e a partir de uma mistura das palavras ditas pelo autóctone batizaram a região com o nome Peru.
A situação parecia irreversível, pois a empresa colonial espanhola estava dividida entre Francisco Pizarro e Diego de Almagro. Apesar disso, a etnia Inca estava muito insatisfeita com sua situação. O Inka era mantido em cativeiro dentro de seu palácio em Cuzco, e alguns soldados espanhóis gostavam de humilhá-lo perante seus seguidores pessoais, obrigando-o a beber sua urina (a dos soldados) e comer a comida em que haviam cuspido. Não só Manko Inka se sentia humilhado por tais afrontas, mas também a etnia Inca inteira estava revoltada por não ter mais os privilégios de antes.
Mas o jovem Inka era muito esperto, e logo percebeu a rivalidade forte que existia entre Pizarro e Almagro, vendo nisso uma possibilidade de ressurreição para seu povo. Utilizando-se de um discurso retórico muito convincente, Manko Inka começou a falar insistentemente a Almagro sobre as riquezas fabulosas que encontraria numa cidade que se localizava no extremo sul do Império (onde atualmente é o Chile) e que seria repleta de construções edificadas em ouro. Apesar de ser esperto, Almagro começou a acreditar na história do jovem Inka, e em janeiro de 1536 juntou as tropas que lhe cabiam e partiu levando como guia Pawlu, irmão de Manko Inka, em busca da tal cidade de ouro, que batizara por conta própria de Eldorado (surgia assim o mito do Eldorado).
Pawlu foi um excelente aliado de Manko Inka, pois guiou a expedição pelo caminho mais difícil, a Cordilheira dos Andes. Só na viagem de ida, mais da metade das fileiras de Almagro não resistiu. O próprio Almagro, que começava a manifestar os sintomas da sífilis, piorou muito no frio dos Andes. Não é preciso dizer que a cidade era uma invenção do sábio soberano Inca. O que a expedição de Almagro encontrou de fato foi uma tribo de guerreiros chamada Araucaina, tão bárbaros que nem mesmo os Incas se atreveram a tentar dominá-los. Depois da partida de Almagro, as forças espanholas encontravam-se divididas, e portanto muito mais fracas. Manko Inka então secretamente reuniu um exército de aproximadamente 40 mil homens da etnia Inca e de surpresa fugiu de seu cativeiro para liderar seus homens na tomada de Cuzco. Era o início da chamada Guerra de Reconquista Incaica.
Manko Inka foi com certeza o mais importante e valoroso inimigo que os espanhóis encontraram entre todos os índios com os quais se depararam, incluindo Astecas e Maias. Depois de sitiar e tomar Cuzco, o Inka tomou Sacsahuman. Por onde seus homens passavam, cavavam fossos no chão para impedir o avanço das cavalarias espanholas. Hernando Pizarro até conseguiu retomar Cuzco, mas perdeu praticamente todos os seus homens num ataque precipitado a Ollantaytambo, base de Manko Inka. Quando soube dos eventos que estavam ocorrendo, Francisco Pizarro enviou duas expedições de Lima para auxiliar o irmão em Cuzco. No entanto, as duas foram atacadas e destruídas pelos exércitos do Inka antes mesmo de chegarem a seu destino. Pizarro enviou mais duas expedições que tiveram o mesmo fim, e uma quinta que bateu em retirada logo após partir.
Realmente, Manko Inka provou ser um grande estrategista adotando uma tática excelente: matava todos os índios que estivessem ajudando os espanhóis, mas apenas aprisionava estes. Ele então obrigava os europeus a servirem de “professores” para seus homens. Em pouco tempo tinha montado uma cavalaria considerável e pelotões de artilharia de igual porte. O Inka também atacava acampamentos espanhóis para roubar cavalos e armas. Sendo assim, além de tirar as armas dos Espanhóis ele armava seu exército.
Pizarro chegou a pensar que tudo o que havia conquistado seria perdido. A imagem de um indígena montado num cavalo, vestindo uma armadura e portando espada e escudo era simplesmente aterrorizante para os espanhóis.
Encorajado pelas sucessivas vitórias, Manko Inka, ao invés de retomar Cuzco das mão de Hernando Pizarro, já que a cidade encontrava-se desguarnecida, lançou-se sobre Lima para impedir a chegada dos reforços que Pizarro vinha pedindo cada vez mais intensamente. Entretanto, os espanhóis entrincheirados em Lima resistiram bravamente às investidas Incas sobre a cidade, e o plano do Inka de destruí-la mostrou-se mais difícil do que parecia inicialmente. Apesar de todos os acertos estratégicos de Manko Inka, sua posição de considerar traidor e portanto passível de pena de morte todos os indígenas que tinham sido aliados dos espanhóis amarrou aos espanhóis algumas etnias que pensavam em se aliar à causa Inca.
No princípio de 1537, Alonso Alvarado reuniu todos os homens válidos de Lima e comandou uma grande investida contra as tropas Incas que cercavam a cidade. Os espanhóis foram vitoriosos e os indígenas se viram obrigados a bater em retirada rumo à Cordilheira. Alonso os perseguiu afim de tentar impedir que se fixassem no local, mas foi inútil. Próximo à Floresta Amazônica, Manko Inka fundou a cidade de Vitcos, capital daquele que seria o novo Império Inca, batizado de Vilcabamba. Porém, antes da fundação de Vitcos, que ocorreu em 1538, retornou ao Peru a expedição de Diego de Almagro em abril de 1537, mais de um ano depois de sua partida. Diego acreditara em Manko Inka e partira em sua jornada com o objetivo de se mostrar mais valioso do que Pizarro; entretanto, a expedição foi um total fracasso. Depois de perder mais da metade de suas tropas no frio dos Andes, ele alcançou a Araucaina, uma tribo de guerreiros bárbaros, onde encontrou um espanhol feito prisioneiro. O homem contou-lhe que não havia nenhuma cidade de ouro naquela região, e que provavelmente ele havia sido enganado. Pawlu, que a essas alturas já era amigo de Almagro, confirmou a história do espanhol. Sendo assim, Almagro reuniu suas tropas e resolveu voltar para o Peru.
Diego julgou estar sendo esperto quando optou por voltar pela beira-mar. Mas não sabia que, ao invés de enfrentar o frio dos Andes, ele agora teria que enfrentar o calor do deserto do Atacama. Na viagem de volta, morreram muitos dos poucos homens que Almagro havia salvo dos Andes. A doença do comandante se agravou, e seu sentimento de raiva por Pizarro tornou-se um ódio mortal. A chegada de Almagro no Peru, longe de engrossar as fileiras espanholas na guerra contra Manko Inka, serviu para dividi-las mais ainda, pois ele iniciou uma guerra particular contra Pizarro. Entretanto, sua chegada também foi prejudicial para os Incas, pois Almagro nomeou Pawlu como Inka, e esse ato (apesar de não ter nenhum valor político) dividiu as Panakas que até então apoiavam Manko Inka. Muitos Incas passaram para o lado de Pawlu, aliado de Almagro. Pawlu passou a ser o Inka oficial, ou seja, reconhecido pelos espanhóis mas sem poderes, enquanto Manko Inka continuou sendo o Inka de fato, o líder da resistência.
Pawlu foi hábil o suficiente para manter os índios que os seguissem neutros na guerra entre Pizarro e Almagro. Quando Almagro foi derrotado, em 1538, Pawlu soube se fazer reconhecer Inka por Pizarro e depois até pela Coroa Espanhola (falaremos mais sobre as circunstâncias que envolveram a derrota de Almagro e também a morte de Pizarro no item 6).
Enquanto as questões políticas fervilhavam no Peru, Manko Inka construía Vitcos e continuava sua campanha contra os espanhóis. O Inka intentava tomar o vale de Mantaro, região controlada pelos Wanka (principais aliados dos espanhóis) e que se constituía num ponto estratégico para a tomada do norte do Peru. Os Wanka construíram uma grande muralha na região que permitia aos Espanhóis defenderem-se tranqüilamente das investidas Incas.
Ao longo de vários anos, Manko Inka tentou sem sucesso tomar o vale de Mantaro, sendo que essas tentativas destruíram seu exército. Exaurido por nove anos de lutas, Manko Inka concluiu que o melhor a fazer seria tentar um diálogo pacífico com os invasores. Este colóquio estava sendo arquitetado por alguns espanhóis aliados do Inka. Entretanto, em 1545 os próprios partidários de Manko Inka, provavelmente julgando-o traidor, apunhalaram-no pondo fim a sua vida e encerrando precocemente uma guerra insana que perdurou por longos nove anos, matando cerca de 1500 espanhóis e mais de 300 mil índios, entre Incas e aliados dos europeus.
Sayri Tupaq <1545>:
Sayri Tupaq era um filho ainda muito novo de Manko Inka escolhido para ser Inka logo após a morte do pai, muito provavelmente pelos próprios assassinos dele. Os domínios desse Inka resumiam-se a Vilcabamba, que estava se tornando uma cópia (em muitos pontos caricaturada) do Tawantinsuyu. Quando foi escolhido como soberano, ainda era muito novo, não tendo idade para governar.
Os espanhóis haviam percebido que a guerra contra os Incas teria um final incerto, caso eles (os espanhóis) atacassem Vilcabamba. Então, por intermédio de uma tia de Sayri Tupaq, que era casada com um espanhol, iniciaram negociações com o jovem no sentido de persuadi-lo a se render aos invasores europeus. Por conta disso, estes lhe enviaram muitos presentes, e prometeram-lhe diversas posses. O Inka sempre se mostrou tentado a aceitar as propostas espanholas, e quando em 1555 alcançou a idade em que poderia iniciar de fato seu governo, resolveu partir para as terras que lhe haviam sido dadas pelos espanhóis.
A deserção do Inka trouxe uma nova seção na nobreza Inca, enfraquecendo ainda mais o já fictício Estado de Vilcabamba. Sayri Tupaq morreu em 1560, cercado de considerações e honrarias. Foi o primeiro soberano (apesar de já ter deixado de sê-lo quando tal fato ocorreu) a se converter ao Catolicismo.
Titu Cusi Yupanki <1555>:
Com a deserção de Sayri Tupaq, Titu Cusi recebeu a Maskapaicha. A única forma encontrada por esse Inka para manter seus domínios foi a aliança com os Mashiwenka e os Kampa (ambos pertencentes às etnias classificadas pejorativamente por Anti).
Esses povos eram silvícolas da Amazônia e conservavam tradições neolíticas. Os Incas nutriam certa repulsa por tais índios desde a expedição fracassada de Tupa Yupanki para conquistá-los. Apesar disso, os exércitos de Vilcabamba passaram a ser formados basicamente por esses indígenas.
Após muita recusa, Titu Cusi recebeu em Vitcos dois freis Agostinianos, e se deixou batizar. Entretanto, devido às pressões dos sacerdotes do Sol, um deles foi expulso. Mais tarde o Inka contraiu pneumonia e adoeceu gravemente. O frei tentou inutilmente curá-lo, mas ele acabou por falecer em 1571. Devido à incapacidade do frei em curar o Inka, o povo de Vitcos matou-o.
Tupac Amaru <1571>:
Assim como Sayri Tupaq e Titu Cusi Yupanki, Tupac Amaru também era filho de Manko Inka. Seu reinado constitui o mais curto dentre todos os que houveram.
Durante aos meses em que governou, nem mesmo as fronteiras de Vilcabamba eram vigiadas, pois os Anti haviam tido seus contingentes reduzidos pelas doenças.
Em 1569, assumiu o Peru o Vice-Rei Francisco de Toledo, um homem de convicções pessoais fortes e que havia feito a última tentativa de paz com os Incas por meio dos freis Agostinianos. Com o assassinato do frei Diego Ortiz, a paciência de Toledo esgotou-se. Reuniu uma força muito grande e liderou ele próprio a expedição que adentrou em Vilcabamba, tomou Vitcos e capturou Tupac Amaru, que tentava se refugiar na floresta mas fora alcançado. Levando o Inka para Cuzco, ele julgou-o e condenou-o. Apesar das súplicas de sacerdotes cristãos e indígenas de todas as espécies, Toledo executou Tupac Amaru com a decapitação em maio de 1572. A morte de Tupac Amaru colocou um ponto final na linhagem dos unificadores de terras e de povos que haviam dominado os Andes inteiros e cuja fama alcançava a toda a América do Sul, sendo hoje comparados na Europa aos Romanos.
Desfecho:
Após a morte de Tupac Amaru, estabeleceu-se definitivamente o regime colonial no Vice-Reino do Peru. As mitas Incaicas foram utilizadas em larga escala pelos espanhóis como forma de substituição do trabalho de escravos negros. Este modo de produção só entrou em desuso devido ao grande colapso populacional que ocorreu entre as populações indígenas.
Este trecho da obra remete-se apenas a relatar passagens, as quais não foram possíveis de incluir nas biografias dos Inkas.
O que possibilitou a Conquista:
Houve muito fatores que possibilitaram aos espanhóis realizar a conquista do Tawantinsuyu. Muitos costumam ressaltar que o grande responsável foi a disparidade tecnológica existente entre europeus e Incas, sendo que os Incas, apesar de conhecê-la, não utilizavam nem sequer a roda. Mas veremos agora que este fator de fato influiu, mas muito menos do que se imagina.
Para início de conversa, existiam pelo menos 9 milhões de índios no Tawantinsuyu quando da chegada dos espanhóis (existem estimativas que remontam a uma população indígena de cerca de 20 milhões de pessoas no Tawantinsuyu). Por isso, por mais que as armas espanholas fossem melhores, nunca um grupo de cerca de 200 homens poderia conquistar um Império tão extenso e populoso. A menos que os espanhóis possuíssem aviões bombardeiros. Se não foram as armas as responsáveis pela conquista, então talvez tenham sido as doenças introduzidas na América pelos europeus. Sendo assim, os méritos da conquista não seriam dos espanhóis, mas sim dos vírus e bactérias, e na realidade os espanhóis teriam feito sem saber um verdadeira “guerra biológica”. Realmente, as doenças foram um fator diferencial a favor dos espanhóis, mas não impediram que Atawallpa possuísse um exército superior a 800 mil homens e que Manko Inka juntasse em poucos dias cerca de 40 mil homens apenas de sua etnia. Sendo assim, as doenças contribuíram mas não foram o fator decisivo.
Talvez tenham sido determinantes na conquista as crenças dos Inkas, que possibilitaram aos espanhóis em vários momentos vencerem batalhas impossíveis. É claro que isso importou muito, principalmente no que diz respeito à prisão de Atawallpa, pois além de o príncipe achar que assustaria os invasores apenas com suas vestimentas, seus homens fugiram apavorados com os cães, cavalos e disparos. É verdade, mas também é não é mentira que em pouco tempo os Incas se acostumaram com os novos animais que conheceram e deixaram de temê-los. Também é verdade que Manko Inka chegou até a montar uma cavalaria e um pelotão de tiro. Por isso, este fator, apesar de ter sido importante em determinadas ocasiões, não foi o principal.
Pode ser que alguns digam que o que determinou a vitória espanhola foram as táticas de batalha destes. É verdade que os espanhóis levavam larga vantagem nisto, pois para os Incas a guerra consistia num ritual que só podia ser praticado à luz do dia e requeria diversos preparos anteriores, como gritos e cantorias de desafio ao inimigo. Para os espanhóis, a guerra fazia parte de seu cotidiano desde 711, quando Djabal al-Tariq atravessou o estreito de Gibraltar e iniciou a anexação da Espanha à fé Islâmica. Poderia ser, mas na verdade os espanhóis tiveram participação efetiva em muito poucas batalhas. Na grande maioria das vezes eles colocavam as etnias dominadas pelos Incas para combatê-los, e essas tinham os mesmos costumes de batalha seus inimigos.
Estamos chegando quase ao ponto fundamental: como os espanhóis conseguiram colocar as etnias dominadas pelos Incas contra seus dominadores. Eles o rogaram por dois fatores:
O fator mais importante está também ligado às doenças, pois com a morte de Wayna Kapaq iniciou-se o período de anarquia e a disputa pela Maskapaicha por Atawallpa e Wascarr, como já mencionado. Enquanto ocorria a disputa entre os pretendentes ao trono as etnias dominadas se revoltavam, e foi neste contexto que os espanhóis chegaram ao Tawantinsuyu. Além disso, Wascarr foi imprudente e envolveu os invasores nas disputas internas do Império. Devido ao período de anarquia, os kurakas estavam revoltados e se voltaram facilmente contra seus dominadores.
Mas deveria haver alguém que fosse hábil o suficiente para fazer com que os kurakas se insurgissem, e esse alguém foi Francisco Pizarro. Muito mais do que um conquistador, Pizarro foi um grande político.
Francisco Pizarro:
Francisco Pizarro era um espanhol do Reino de Castela que pediu a Carlos V um auxílio para uma empreitada arriscada: começar a conquistar as terras mais ao sul da América, ou seja, a parte de trás do território português.
Para esta campanha, a grande fonte de inspiração de Pizarro foi Hernán Cortez, que em 1519 conquistou o Império Asteca, mostrando para o mundo o primeiro grande Império indígena (fato que decidiu a discussão sobre a humanidade dos índios, que por até então só terem sido encontrados em estágios paleolíticos e neolíticos eram comparados por muitos a macacos).
Depois de conseguir alguma ajuda financeira do monarca, Pizarro iniciou suas expedições, e foi muito hábil ao usar de cautela, pois se em 1524, ano de sua primeira expedição, ele tivesse iniciado uma ofensiva militar, suas tropas teriam sido massacradas pelos exércitos de Wayna Kapaq. Aos poucos, Pizarro foi tomando conhecimento do tamanho do território que iria conquistar; depois, fez contato com nativos locais para tentar saber da situação política. Aprisionou alguns autóctones, os quais levou para a Espanha afim de ensinar-lhes o Castelhano e aprender com eles um pouco do Quechua. Depois, estes mesmos nativos serviram-lhe de intérpretes e de analistas da situação local.
Quando chegou, Pizarro sabia exatamente da disputa que estava ocorrendo pela Maskapaicha. Por isso tratou de entender a situação em toda a sua complexidade para então formular uma política de alianças semelhante à que Cortez utilizara anos antes no México. Por meio de sua teia de alianças, com efeito os espanhóis tiveram que se envolver em raras batalhas, sendo a da captura de Atawallpa uma das primeiras.
Pizarro soube desempenhar bem o papel que os próprios nativos lhe deram, ou seja, para os kurakas ele foi a esperança de reaverem suas chefias; para ao Yanas representava a possibilidade de liberdade; já para os Incas, inicialmente, ele incorporou o papel de juiz da disputa pela Maskapaicha.
Passado certo tempo, ele foi muito esperto em não utilizar Cuzco, uma cidade impregnada da presença Inca e localizada no interior como sua capital. Pizarro edificou Lima, uma capital adequada para uma terra conquistada no além-mar, pois por estar próxima da praia facilitava o recebimento de tropas e materiais vindos das diversas partes do Império Colonial Espanhol ou até mesmo da própria Espanha.
Com a chegada de Diego de Almagro de volta da Araucaina, ele empreendeu corretamente a campanha militar contra ele, aprisionando-o e ao mesmo tempo acolhendo seu filho mestiço (Diego de Almagro filho) e também Pawlu, mantendo assim a nobreza Cuzquenha (ao menos parte dela) ao seu lado. Talvez seu único erro tenha sido de fato a execução de Diego de Almagro, pois Almagro filho suplicou-lhe pela vida do pai. Pizarro não deu ouvidos ao jovem, matando o rival no dia 8 de julho de 1538. Almagro filho jurou vingar a morte do pai, e fugiu de Cuzco. Três anos depois, no dia 26 de julho de 1541, ele adentrou o palácio de Lima pela janela do quarto de Pizarro e, enquanto este dormia, pôs fim a sua vida. A morte de Pizarro, contudo, não interrompeu o processo que ele próprio havia começado, e que seu sucessor Dom Cristóvão Vaca de Castro continuou muito bem.
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