2.3.11

A história do samba

Saiba mais sobre o gênero que se transformou em identidade nacional e sofreu influências de diversos ritmos

GRAZIELA SALOMÃO



O samba, como conhecemos atualmente, tem origem afro-baiana, temperado com misturas cariocas. Nasceu da influência de ritmos africanos, adaptados para a realidade dos escravos brasileiros e, ao longo do tempo, sofreu inúmeras transformações de caráter social, econômico e musical até atingir as características conhecidas hoje.

O gênero, descendente do lundu (canto e dança populares no Brasil do século XVIII), começou como dança de roda originada em Angola e trazida pelos escravos, principalmente para a região da Bahia. Também conhecido por umbigada ou batuque, consistia em um dançarino no centro de uma roda, que dançava ao som de palmas, coro e objetos de percussão e dava uma ''umbigada'' em outro companheiro da roda, convidando-o a entrar no meio do círculo.

Com a transferência, no meio do século XIX, da mão-de-obra escrava da Bahia para o Vale do Paraíba e, logo após, o declínio da produção de café e a abolição da escravatura, os negros deslocaram-se em direção a capital do país, Rio de Janeiro.

Instalados nos bairros cariocas de Gamboa e Saúde, eles dariam início à divulgação dos ritmos africanos na Corte. Eram nas casas das tias baianas, como Amélia, Ciata e Prisciliana, que aconteciam as festas de terreiro, as umbigadas e as marcações de capoeira ao som de batuques e pandeiros. Essas manifestações culturais propiciariam, conseqüentemente, a incorporação de características de outros gêneros cultivados na cidade, como a polca, o maxixe e o xote. O samba carioca urbano ganha a cara e os ritmos conhecidos.

Em 1917 foi gravado em disco o primeiro samba chamado ''Pelo Telefone''. A música, de autoria reivindicada por Donga (Ernesto dos Santos), geraria polêmica uma vez que, naquele tempo, a composição era feita em conjunto. Essa canção, por exemplo, foi criada numa roda de partido alto (pessoas que partilhavam dos antigos conhecimentos do samba e designava música de alta qualidade), do qual também participaram Mauro de Almeida e Sinhô (José Barbosa da Silva), que se auto-intitulou ''o rei do samba''.

Após a primeira gravação, o samba conquistaria o mercado fonográfico e, com a inauguração do rádio em 1922 - único veículo de comunicação em massa até então -, alcançaria as classes médias cariocas. O novo estilo seria, ainda, abraçado e redimensionado por filhos de classe média, como o ex-estudante de Medicina Noel Rosa e o ex-estudante de Direito, Ari Barroso, através de obras memoráveis como ''Tarzan, o filho do alfaite'' e ''Aquarela do Brasil''.

O advento do rádio ainda transformaria nomes como Francisco Alves, Orlando Silva e Carmen Miranda em grandes ídolos do samba.

As escolas de samba do Rio de Janeiro

Entre as décadas de 20 e 30, o gênero ganharia muitas variações tais como o samba-enredo, o samba-choro e o samba-canção. É desse período, também, o surgimento dos sambas criados para os grandes blocos de Carnaval. A primeira escola de samba surgiria em 1929 no Estácio - tradicional bairro de boêmios e da malandragem da cidade. Chamada de 'Deixa Falar', fez sua primeira aparição na Praça Onze como um bloco de corda e inovava no ritmo: a nova batida era capaz de contagiar qualquer folião, diferentemente dos sons anteriores mais monótonos.

No ano seguinte, novas cinco escolas surgiriam para participar do desfile na Praça Onze: a ''Cada Ano Sai Melhor'' (do Morro de São Carlos), a ''Estação Primeira de Mangueira'', a ''Vai como Pode'' (atual Portela), a ''Para o Ano Sai Melhor'' (do Estácio) e a ''Vizinha Faladeira'' (das redondezas da Praça Onze). Com a repercussão do gênero, a cada ano surgiam mais escolas para participar dos desfiles de Carnaval.

As transformações do samba

O gênero que conquistou o título de identidade do Brasil dentro do país e no exterior, também cativou muitos adeptos no cenário artístico. Cada um deles deu sua contribuição ao estilo, surgindo diferente ramificações do tradicional samba.

O baiano Dorival Caymmi emprestou um pouco do seu refinamento às canções enquanto o também conterrâneo Batatinha incorporaria seu sotaque regional a enredos tristes. O paulistano Adoniran Barbosa encheria suas músicas com seu humor sarcástico enquanto o gaúcho Lupicínio Rodrigues, influenciado pelo bolero, trataria de temas sentimentais em suas composições. O samba ganharia, em cada região e com cada intérprete ou compositor, uma característica particular.

A influência cultural americana, logo após a Segunda Grande Guerra, também repercutiria no gênero. Com um modo diferente de dividir o fraseado do samba e inspirados no impressionismo do jazz e do erudito, surgiria através de João Gilberto e Tom Jobim a bossa nova nos anos 50. O novo estilo ganharia repercussão internacional. Dissidências internas desse grupo ainda propiciariam o surgimento dos afro-sambas de Baden Powell e Vinicius de Moraes.

Uma corrente mais popular faria ressurgir o samba tradicional do morro no final da década de 60 nas vozes de Cartola, Nelson Cavaquinho e, mais adiante, Candeia, Chico Buarque de Holanda e Paulinho da Viola. Este mesclou o estilo ao choro e se transformaria em um ícone do samba tradicional para a corrente mais vanguardista até hoje.

Outro grande nome do samba é Martinho da Vila que, além de popularizar o partido-alto, revalorizou os sambas-enredos para o mercado musical. O samba-reggae, com toadas do rhythm & blues americano teria em Jorge Bem seu criador e divulgador.

Nos anos 70, três divas do samba lançariam seus nomes na história do gênero: Alcione, Beth Carvalho e Clara Nunes. Os anos 80 destacariam o movimento do pagode, com um ritmo pontuado pelo banjo e pela percussão do tantan, com nomes como Zeca Pagodinho e o grupo Fundo de Quintal. O samba-pop da década de 90 também se auto-intularia pagode e produziria grupos em grande escala não muito próximos do samba de raiz.

No final da década de 90, o antigo samba seria revalorizado com nomes de grandes artistas do gênero como Nelson Sargento, Wilson das Neves e as Velhas Guardas da Portela e da Mangueira.

RADIOGRAFIA DO SAMBA
Os estilos que influenciaram o gênero,
segundo Mário de Andrade

Samba: Dança de salão ou de roda acompanhada de canto e dançarinos

Lundu: Canto e dança muito populares no Brasil do século XVIII originária dos escravos de Angola

Maxixe: Canto e dança populares no país no final do século XIX e início do XX. É uma mistura da habanera e da polca

Modinha: Canto de salão conhecido tanto no Brasil quanto em Portugal

Choro: Formado por pequenos grupos de instrumentos solistas

Alguns dos principais sambistas de todos os tempos

GRAZIELA SALOMÃO


Fotos: Reprodução

Adoniran Barbosa (1910-1982)
Reverenciado como o único sambista verdadeiro de São Paulo pelos cariocas, Adoniran Barbosa tirava de seu dia-a-dia os personagens e situações de suas músicas. Seu jeito simples com a fala rouca e contador de histórias o fizeram colecionar muitos amigos, entre eles Elis Regina e Clara Nunes, que também interpretaram muitas de suas canções. ''Trem das onze'', de sua autoria, conquistou o concurso de Carnaval do IV Centenário do Rio de Janeiro, em 1965.

Ari Barroso (1903-1964)
Ari Barroso ficou famoso em todo o mundo com ''Aquarela do Brasil''', o primeiro samba de exaltação patriótica. Órfão de pai e mãe, foi criado pela avó materna e por uma tia. Tocava piano aos 12 anos de idade no cinema de sua cidade, Ubá, fazendo fundo musical para filmes mudos. Formou-se em Direito no Rio de Janeiro. Com a marcha ''Dá nela'' venceu o concurso carnavalesco de 1930.

Ataulfo Alves (1909-1969)
''Ai, que saudades da Amélia'', em parceria com Mário Lago, é uma de suas mais célebres músicas. Nascido em Miraí, Minas Gerais, mudou-se para o Rio de Janeiro aos 18 anos. Foi diretor de harmonia do ''Fale Quem Quiser'', bloco organizado no bairro Rio Comprido. Carmen Miranda gravou um de seus sambas chamado ''Tempo perdido''.

Cartola (1908-1980)
Cartola é marcado por sua sensibilidade inata e sua poesia intuitiva, que o tornaram um dos principais artistas populares do Brasil. Aprendeu a tocar cavaquinho com o pai. Morador do morro da Mangueira, foi o responsável por escolher as cores verde e rosa da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, além de compor o samba-enredo ''Chega de demanda'' para o primeiro desfile da escola.

Chiquinha Gonzaga (1847-1935)
A compositora foi responsável por aproximar a música erudita da popular, uma vez que tinha uma sólida formação de pianista e regente. Chiquinha foi, também, uma das primeiras a introduzir o violão nos salões cariocas. Começou a carreira como compositora de polcas e compôs a primeira marcha carnavalesca brasileira ''Abre alas!''.

Lamartine Babo (1904-1963)
O estilo único de Lamartine Babo era sua interpretação que, por meio de inflexões, destaca o humor e o lirismo de suas canções. Sua carreira no rádio foi iniciada em 1929, na Rádio Educadora, onde cantava e contava piadas. Nos anos 30, compôs marchinhas e sambas para o carnaval como ''Teu cabelo não nega'' (1932). Em 1942, criou o programa de rádio Trem da Alegria, no qual lançou os hinos que compôs para todos os times cariocas de futebol.

Noel Rosa (1910-1937)
Suas melodias mostram um verdadeiro retrato da vida carioca, através do lirismo e do sarcasmo. Tentou estudar Medicina, mas optou pela boemia do bairro de Vila Isabel, reduto do samba urbano cultivado pela classe média. Em 1932, iniciou suas atuações na emissora Rádio Philips. Com mais de 200 composições, Noel tem clássicos como ''Com que roupa?'' (1930) e "Até amanhã" (1932).

Pixinguinha (1898-1973)
O apelido Pixinguinha vem da mistura de Pizindim (menino bom) num dialeto africano, e Bexiguinha, apelidos infantis. É o autor do samba-choro ''Carinhoso'', que recebeu letra de João de Barro e fez sucesso na voz de Orlando Silva.



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