angela@klepsidra.net, erikhorner@klepsidra.net, glaucia@klepsidra.net
A obscuridade com a qual o tema foi tratado até então despertou a nossa curiosidade para com a revolta da Balaiada. Dentre as rebeliões regenciais - Cabanagem, Sabinada, Farroupilha e Balaiada -, esta última foi tratada de forma secundária ao longo da historiografia nacional. |
No decorrer do presente estudo, constatamos o desencontro de fontes e datas, bem como a inexpressiva disponibilidade documental. Apesar das dificuldades bibliográficas, o estudo desse movimento mostrou-se surpreendente, intrigante e enriquecedor, na medida em que preencheu as lacunas do nosso conhecimento sobre o período.
O trabalho nos revelou agradáveis surpresas, pois a revolta foi um movimento ímpar devido as suas peculiaridades, como a heterogeneidade de interesses, responsáveis pela fragilidade ideológica do mesmo. Daí o porquê de nos referirmos à revolta como "Balaiadas", pois esta é uma forma de expressar a pluralidade do movimento, ou seja, uma rebelião constituída em seu interior por levantes distintos.
Algumas das diversas rebeliões regenciais, que eclodiram quase que simultaneamente
CONTEXTO NACIONAL – ECONOMIA, POLÍTICA, PODER
Permaneciam o comércio grosso e o comércio a retalho controlados por portugueses, enquanto seus novos rivais, os ingleses, detinham os negócios de exportação e importação agrilhoando a economia nacional. A expansão do capitalismo no Brasil ia afastando os portugueses das sólidas posições que haviam ocupado desde então. Reinava o descontentamento tanto entre os lusitanos, que passavam a segundo plano no mundo dos negócios, como entre os agricultores brasileiros, esmagados pelos juros impostos por seus novos credores, pela desvalorização dos produtos tradicionais no mercado internacional e pelo encarecimento do escravo impulsionado pela determinação inglesa de extinguir o tráfico negreiro.
Com o avanço do capitalismo, a formação do mercado de trabalho imporia a alienação dos poucos direitos que o sertanejo considerava assegurados. Nesse contexto, muitas famílias obrigadas a abandonar fazendas onde eram "moradoras" erravam pelas caatingas ou se dirigiam aos centros urbanos, iniciando, desse modo, um processo migratório em busca da sobrevivência.
Não obstante, agravaram-se também as condições de vida do trabalhador escravo. Devido às pressões econômicas da Inglaterra com relação a extinção do tráfico negreiro, sobrecarregava-se mais ainda o trabalhador de encargos para recuperar rapidamente o capital nele investido. Os antigos costumes dos engenhos que permitiam aos africanos reunirem-se para cultivar seus deuses, realizarem suas danças rituais e cultivarem pequenas roças foram desaparecendo. As fugas multiplicavam-se e os quilombos cresciam ameaçadoramente. Além dos desocupados e de negros aquilombados, o sertão ainda abrigava outros marginalizados: índios, fugitivos da justiça e vencidos de lutas políticas, bem como os bandos armados, formados por homens que haviam participado de disputas políticas que se travaram entre membros das juntas governativas, no período anterior à Independência e que se prolongaram pelo Primeiro Reinado. |
O Primeiro Reinado transcorreu sob forte tensão política entre D. Pedro I e a maioria da Câmara de Deputados. Não podiam ser facilmente esquecidas a dissolução da Assembléia Constituinte e a outorga da Carta de 1824. Além disso reprimida com violência a Confederação do Equador, desvaneceram-se as ilusões que os novos políticos brasileiros, ligados aos proprietários de terras e escravos, nutriam de compartilhar o poder com o trono. Foi justamente por ocasião da Confederação do Equador que se organizou concretamente uma oposição ao governo de D. Pedro I, bem como manifestou-se com vigor as tendências republicanas e federativas. Apesar de derrotado, tal movimento deixou profundas marcas nos círculos políticos de âmbito nacional. A Câmara dos Deputados, eleita em 1824 e só convocada em 1826, comportava dois grupos de parlamentares: os exaltados e os moderados. Todavia, essas denominações ainda não eram expressavam de acordos firmados ou plataformas rígidas. Baseavam-se mais na veemência dos debates que exigiam modificações na distribuição do poder. Liberais todos se intitulavam, desde republicanos a tradicionais monarquistas. Os exaltados diziam-se dispostos a revolucionar o país, enquanto os moderados presumiam poder criar brechas no sistema de poder, para transformá-lo a partir do seu interior. De toda forma, em abril de 1831, estavam juntos moderados e exaltados – eleitos na Assembléia Legislativa de 1830 – pressionando o governo para que o ministério, deposto no dia 5, fosse reempossado. |
Pressionado pelos grupos políticos e por forças militares heterogêneas (constituídas por mercenários estrangeiros e nacionais; cidadãos e escravos) ambos de caráter anti-lusitano, o imperador abdica no dia 7 de Abril sob "a presença ameaçadora de batalhões e do povo". É justamente aí que surgem novos componentes, atuando como instrumento de pressão junto à classe dominante: o povo e as tropas. Chegara, finalmente, o momento dos grupos dominantes brasileiros gerirem o Estado. No entanto, não seria fácil harmonizar a disparidade ideológica das tendências vencedoras. O maior perigo nesse momento vinha das fileiras militares onde grassava a insubordinação, ou seja, conter o exército era imperativo para o estabelecimento da ordem civil. |
Compartilhando do mesmo temor, moderados e lideranças do grupo exaltado uniram-se no comando do processo político. Em Julho de 1831 era promulgada a lei que limitava as atribuições nas Regências, privando-as de vários dispositivos legais próprios do poder Moderador. Dessa forma, o enfraquecimento do Poder Executivo era exigência natural de um movimento que nascera na Câmara, em oposição ao autoritarismo real. Eleita a Regência Trina Permanente, os moderados eram a maioria deliberante do país. Longe da paz almejada, agora "desenvolver-se-iam com vigor os embates da história da formação das classes dominantes no Brasil". Em outras palavras, os primórdios do processo que permitiu a definição social e política dos vários segmentos que irão compor a burguesia nacional.
A luta política que se travou no Rio de Janeiro pela direção do governo Central foi intensa por todo o período regencial. Não chegou a haver conflito armado, expressando-se, contudo, a disposição belicosa em golpes e contragolpes políticos. Não havia ainda clareza quanto à ideologia dos grupos políticos que se abriram sob a denominação de moderados ou liberais. Pareciam apenas excluídos do "congraçamento liberal" aqueles que esposavam o republicanismo. Contra o governo da Regência, articulava-se uma frente oposicionista insólita, integrada por restauradores (caramurus), exaltados (republicanos federalistas) e oficiais portugueses do Exército. Sucediam-se manifestações de rua favoráveis à volta de D. Pedro I, com a participação de militares ao lado de populares.
Para enfrentar o perigo, a cúpula dos moderados- incompatibilizada com o Senado pelo bloqueio que fazia à aprovação dos projetos enviados pela Câmara, da qual fazia parte o ministro da Justiça, Feijó tenta em 1832 um golpe de Estado no interior do próprio governo. Pretendiam os golpistas uma nova Constituição que abolisse o Senado, o Conselho de Estado e o poder Moderador, bem como concedesse maiores poderes às províncias. Contudo, o golpe falhou. A partir do golpe frustrado, tornou-se mais complexo ainda o quadro político. Com o intuito de solucionar ou amenizar os problemas de cunho político, cuja maior expressão era personificada pelas rebeliões ou movimentos provinciais, em 12 de Agosto de 1834 é aprovado pela Câmara o Ato Adicional (medida descentralizadora do poder). Entre suas principais disposições estavam: transformação da Regência Trina em Una; transformação das Assembléias Provinciais em Assembléias Legislativas; concentração administrativa na dependência das Assembléias Legislativas Provinciais (esvaziamento do poder municipal). Essa última disposição traria vários elementos complicadores para a política local, pois o poder se concentraria em mãos dos mandões locais, provocando, dessa forma, indefinições e rivalidades na esfera do poder tanto no âmbito local quanto no âmbito nacional. A reforma da Constituição de 1824 suscitou controvérsias, em virtude de ser considerada excessivamente liberal. Assim é que, em 1835, os moderados, tomando como referencial o Ato Adicional, cindiram-se em duas correntes: Progressistas e Regressistas. Os primeiros eram favoráveis à reforma, enquanto que os Regressistas eram contrários às mesmas. Do rompimento definitivo dos liberais moderados, surgirão, a partir das duas tendências, o partido Liberal e Conservador.
O Ato Adicional não abrandou o vagão da revolução mas, pelo contrário, acidulou as divergências entre o Poder Central e as Províncias. Ironicamente, é após a sua promulgação que eclode a quadra tradicional dos principais movimentos armados da época: Cabanagem, Farroupilha, Sabinada e Balaiada.
De Outubro de 1835 a setembro de 1837, o Padre Diogo Antônio Feijó encabeçou a Regência Una, enfrentando ferrenha oposição da maioria parlamentar. Uma das figuras mais representativas da oposição a Feijó foi Bernardo Pereira de Vasconcelos, líder dissidente do partido moderador, defensor da estabilidade política buscada pelo fortalecimento da autoridade do Estado Monárquico e da repressão aos movimentos revolucionários. A oposição parlamentar baseava-se em 3 questões para enfraquecer a autoridade de Feijó: a polêmica com a Santa Fé (contra o celibato clerical); a inexpressividade e instabilidade de seus ministérios e a disposição de aceitar a secessão das províncias do Norte (oposição dos grandes proprietários do Norte). A pressão parlamentar e a questão Farrapa foram responsáveis pela renúncia do regente. Esses acontecimentos foram indicativos do declínio liberal e do conseqüente fortalecimento regressista. |
O regressismo, dentro do período Regencial, significou a pressão da classe dominante unida, visando a sua consolidação no poder, impedindo as rebeliões, na busca da ordem e no exercício tranqüilo do mando político. Vitoriosos, os conservadores assumiam o poder no governo do substituto legal, o Ministro do Império Araújo Lima, que escolheria dentre eles quase todos os ministros. O novo regente, representante da aristocracia rural do Nordeste, escolheu como ministro da Justiça Pereira de Vasconcelos. Este, na liderança do ministério, tomou medidas centralizadoras e anticonstitucionais como a Lei de Interpretação do Ato Adicional de 12 de Maio de 1840. Inegavelmente, a Lei de Interpretação mutilava o Ato Adicional, ao atingir um dos seus principais pontos – restringia a autonomia provincial. Segundo afirmou Tavares Bastos, um político do séc. XIX, "(...)A lei chamada de interpretação, o ato mais enérgico da reação conservadora, limitou a autoridade das Assembléias Provinciais, permitindo a criação da Política uniforme em todo o Império e a militarização da Guarda Nacional" (JANOTTI, 1987, 34.) Fazendo uso de tal lei, os conservadores reprimiram violentamente os exaltados, mergulhando diversas regiões do país em um mar de perseguições arbitrárias. |
A eclosão de um discurso de forte conteúdo social nas camadas sociais marginalizadas evidenciou as conseqüências do longo período em que "os dominadores vinham armando os dominados, para empregá-los como instrumento de suas aspirações, esquecendo-se contudo, de que homens não são instrumentos passivos". Nesse clima de manobras do poder surge a Balaiada, em 1838.
CONTEXTO REGIONAL – LEVANTE E REPRESSÃO
A administração portuguesa criou em 1621, separado do Estado do Brasil, o Estado do Maranhão e Grão-Pará, que teria seu nome alterado em 1751 para Grão-Pará e Maranhão. Anos mais tarde, dividir-se-ia em dois Estados: o do Maranhão e Piauí, com sede em São Luís, e o do Grão-Pará e Rio Negro, com sede em Belém. Com a vinda da Côrte portuguesa, foi realizada em 1811 nova divisão administrativa pela qual o Maranhão e o Piauí se constituíram em unidades autônomas. Essa instabilidade administrativa, até meados do séc. XVIII, era acompanhada por obstáculos econômicos que dificultavam a vida dos colonos.
Durante o governo do marquês de Pombal, interessado em promover a integração da região no comércio colonial português, foi criada a Cia Geral do Grão-Pará e Maranhão, que detinha o monopólio do comércio em todo o Estado. Até então, a agricultura não passava dos níveis necessários à sobrevivência, e a pequena exportação que se realizava provinha das missões jesuíticas e da extração de produtos nativos. A vinda da Companhia de Comércio modificaria esse quadro desalentador, ao investir com sucesso no desenvolvimento das plantações de algodão. Motivações externas, como a necessidade inglesa de matérias-primas como o algodão, no momento em que nascia a indústria contemporânea, bem como a Guerra de Independência dos Estados Unidos beneficiaram diretamente a economia maranhense. Desse modo, a vida social e econômica do Maranhão alterou-se substancialmente: aumentou-se o volume da produção de arroz e algodão; estendeu-se a área cultivada; formaram-se fortunas locais nos setores comercial e agrícola; cresceu a população escrava. | foi figura importantíssima à sua época |
Esse impulso econômico transformou o Maranhão em uma das capitanias mais ricas da Colônia. Caxias, pequena cidade da região, tornou-se importante centro comercial, catalisando inclusive o comércio de escravos e couros. Conseqüentemente, intensa rivalidade política e social iria germinar entre os prósperos comerciantes de Caxias e os tradicionais latifundiários de Alcântara.
Além da agricultura, a criação de gado era uma atividade importante no sertão maranhense e, diferentemente do recente impulso agrícola, vinha há muito se desenvolvendo como atividade subsidiária da região açucareira. Com a criação da indústria da carne seca nas margens do Rio Parnaíba, alteraram-se também as relações de produção nesse setor econômico. As relações entre os criadores de gado e seus vaqueiros, predominantemente homens livres, eram bem menos estratificadas que as estabelecidas na agricultura. No entanto, nem por isso deixavam de ser relações de dominação.
O setor pecuarista também beneficiou-se da expansão algodoeira, acumulando e descentralizando seu mercado de consumo. Em decorrência dessas circunstâncias, novas fortunas se consolidam nas diversas atividades ligadas à pecuária, embora menos significativas do que na agricultura. Todas essas camadas sociais, recentemente enriquecidas, teriam importante papel nas agitações políticas, pois desentendiam-se na luta pela conquista do poder hegemônico.
A penetração direta do comércio inglês no Maranhão, facilitada pelos tratados firmados por D. João VI, traria consideráveis conseqüências para a exportação e cultura algodoeiras. Respaldados em concessões que lhes garantiam taxas alfandegárias inferiores às de Portugal, os ingleses organizaram o primeiro cartel que o comércio maranhense conheceu. Monopolizaram tanto a exportação quanto a importação de tecidos, louças e ferragens. Controlavam os preços da venda do algodão sempre em benefício da balança comercial britânica. Já o cultivo do arroz representou o monopólio dos grandes comerciantes portugueses. Sufocados de um lado pelos portugueses e de outro pelos ingleses, os proprietários maranhenses, com forte tom nacionalista, apelaram para o socorro da Coroa sem, contudo, serem ouvidos, considerando inclusive como mostra de descaso da Corte o fato do imposto cobrado na Alfândega maranhense (tributo por escravo vindo da África) de 1812 a 1821 ser gasto com a iluminação e a polícia do Rio de Janeiro. Nesse contexto, os anos que antecederam a Balaiada foram de grandes dificuldades econômicas para o Maranhão, agravadas pelo derrame de moedas falsas e pela retração econômica. Apesar de representar o quinto orçamento do Império em 1834, a região não recebia do Governo Central recursos para atender às suas necessidades. |
A 13 de Dezembro de 1838, a Vila de Manga, no Maranhão foi invadida por um pequeno grupo de homens, que visavam assaltar a cadeia local. Tal grupo era constituído por empregados do Padre Inácio Mendes de Morais e Silva, pessoa influente e temida no sertão do Brejo, tido como membro da oposição ao governo. O mestiço Raimundo Gomes Vieira, capataz do grupo, chefiou o assalto a prisão, e depois de libertar os detidos e conseguir a adesão do destacamento local da Guarda Nacional, assenhoreou-se do lugarejo, dando início a um movimento que polarizaria, durante dois anos e meio, os acontecimentos históricos do norte do país. Começava a Balaiada.
A província do Maranhão estava conturbada por acerbar disputas políticas entre bem-te-vis e cabanos, desde a abdicação de D. Pedro I. Durante o governo de Feijó, os liberais, popularmente chamados de bentevis, exerceram completa autoridade sobre a província, relegando seus antagonistas, os cabanos, ao ostracismo político. Estes haviam-se originado do partido português, que pretendia a volta de D. Pedro I ao Brasil, e em 1838 identificavam-se com a política centralista de Pereira de Vasconcelos. Com a regência de Araújo Lima, a situação no Maranhão inverteu-se, tendo os cabanos ascendido aos postos anteriormente ocupados por seus rivais. Repetindo os mesmos processos que os liberais haviam utilizado, agora os cabanos dirigiam as eleições à sua maneira, através da fraude e violência.
A luta política no Maranhão era a mesma que se dava em nível nacional, resultante das divergências, dentro do grupo dominante, acerca da melhor forma de governar o país. Confundiam as demais camadas sociais, procurando afastá-las dos reais motivos de suas dissidências, com argumentos ideológicos de fundo nacionalista.
Os cabanos imediatamente acataram as medidas centralizadoras que emanavam da Corte, o que ocasionou a reação dos liberais, que consideravam tais medidas inconstitucionais, qualificando a Assembléia do Maranhão como usurpadora. Senhores absolutos do poder, os cabanos procuravam por todos os meios disponíveis punir os membros da oposição. Para tanto, usaram o recrutamento indiscriminado de boiadeiros, agregados e escravos das fazendas dos bem-te-vis do interior para integrarem a Guarda Nacional. Nesse clima de incompatibilidades, surgiu o Manifesto de Raimundo Gomes, cuja responsabilidade os cabanos atribuíam aos liberais.
também lutaram na Balaiada | Enquanto os setores políticos enfrentavam-se acirradamente, Raimundo Gomes iniciava sua marcha pelo interior do Maranhão, arregimentando em torno de si elementos marginalizados: desertores da Guarda Nacional; escravos fugidos, pequenos artesãos sem residência fixa, vaqueiros sem trabalho, assaltantes de estradas, agricultores espoliados de suas terras e sertanejos retirantes do Ceará. Em Janeiro de 1839, Manuel dos Anjos Ferreiro, o balaio, se alistou no movimento. Todas as expedições oficiais de repressão tinham sido, até então, completamente ineficazes. A Balaiada espalhou-se pelo Piauí, encontrando reforço e apoio em muitas vilas, onde era forte a oposição ao governo. Durante todo o período inicial da Balaiada, os bem-te-vis não cansaram de responsabilizar os cabanos pelo crescimento da revolta, pela ineficiência administrativa, corrupção da Guarda Nacional. A cúpula do partido bentevi pretendeu manipular os revoltosos, transformando-os em instrumento de suas ambições. Esqueciam, porém, que fazendeiros do sertão, pertencentes ao seu próprio partido, integravam as forças balaias. Estes seriam submetidos, no final do movimento, pelos proprietários que conseguiram ter acesso aos aparelhos do Estado, concentrados na capital da província. Com a tomada de Caxias, em Julho de 1839, significativas mudanças operavam-se tanto no comportamento político dos grupos dominantes como no desenvolvimento da ação revolucionária. Em São Luís, o terror de uma marcha "Rebelde" sobre a Capital generalizou-se. Os liberais procuravam uma saída para sua situação incômoda, no entanto demonstravam toda a sua fraqueza ideológica e, claramente, revelavam a exploração que vinham fazendo da luta balaia em proveito próprio. |
Os bentevis adotavam uma posição oscilatória em relação ao movimento. Os da capital procuravam através dele conseguir sucesso nas eleições e novamente controlar o governo. No interior, alguns participavam francamente, enquanto a maioria se beneficiava com os acontecimentos.
Crescia cada vez mais o número de contingentes balaios, formados por grupos heterogêneos, no qual há uma distinção primordial entre balaios e bem-te-vis. Essa distinção entre balaios e bem-te-vis tem como principal fundamento tanto os motivos que levaram os indivíduos a se engajar na luta quanto sua origem social. Os balaios, homens do sertão e marginalizados, alinhavam-se em torno de Raimundo Gomes, D. Cosme, entre outros. Os balaios foram vistos como pertencentes às "classes inferiores", sem princípios, ladrões e viciados. Não obstante, eram designados como "homens de cor", negros, índios e mestiços. Tal designação demonstra o preconceito sócio - econômico e racial que havia na sociedade maranhense, ou seja, preconceitos de "casta", com os quais a aristocracia se protegia do contato com os pobres. Já os bentevis oriundos, em sua maior parte, da população das vilas e povoados, incluíam oficiais e soldados desertores da Guarda Nacional, políticos do Ceará e Piauí, membros do partido liberal, juizes de paz e estavam sob a liderança de Lívio Lopes Castelo Branco e Silva.
Quanto às barbaridades cometidas durante a revolução, é importante notar que foram atribuídas exclusivamente aos balaios, e nunca aos bentevis, ou seja, aos liberais. Dessa forma, há duas histórias da Balaiada: uma dos sertanejos, outra das lutas entre cabanos e bentevis. Depois de haver incrementado a agitação revolucionária, o Partido Liberal, assustado com o desenrolar da luta e ameaçado de perder suas propriedades e a situação que gozava, retirou todo o apoio ao movimento. Não obstante, os objetivos da cúpula política do Partido Liberal foram em parte conseguidos no governo de Manuel Felizardo. Pressionado pelo fragor da luta, prometeu-lhe a revogação da lei dos prefeitos e das Guardas Nacionais. Era o primeiro sucesso dos liberais da província depois da queda de Feijó. Essa vitória lhes bastava pois, era a que pretendiam. Era o momento de se desvencilharem dos balaios. O preço para que os liberais readquirissem alguns cargos públicos foi altíssimo: a vida dos balaios.
Em 1839, organizaram-se listas de contribuições com a finalidade de subornar alguns líderes e provocar a dissensão. Lançava-se mão da corrupção para enfraquecer a luta popular. Nesse contexto, um dos primeiros balaios a trair o movimento foi Coque, manipulado pelos Cabanos.
Decidiu-se, no Rio de Janeiro, que para pôr fim à luta do Maranhão dever-se-ia nomear um outro presidente que enfeixasse em suas mãos tanto o poder civil quanto o militar. A Carta Imperial de 1839 nomeava o Coronel Luís Alves de Lima para o posto de presidente e comandante das Armas do Maranhão. A província estava econômica e financeiramente arruinada. Comerciantes e fazendeiros uniam-se em listas de cidadãos que hipotecavam solidariedade ao governo. A população branca temia que a Balaiada desse origem a uma "revolução haitiana", em virtude do elevado número de negros em armas. A situação das tropas oficiais era calamitosa: encontravam-se sem víveres, roupas e armamentos, bem como não recebiam o soldo que o governo lhes devia. Por essas razões, atacavam a população. Luís Alves de Lima começou por tomar medidas a esse respeito. Autorizou o pagamento dos soldos atrasados, coibiu os excessos contra a propriedade e a população civil e exigiu rigorosa prestação de contas das despesas com víveres. Essas e outras medidas vieram organizar as forças oficiais quando os revolucionários já se encontravam nos limites finais de sua resistência. Abandonados pelos bem-te-vis, enfraquecidos por deserções, os chefes começaram a se desentender. Batidos alguns grupos de Lívio Castelo Branco, este abandonou a luta.
Luís Alves de Lima dividiu a sua tropa de 8 mil homens em três colunas. A primeira operou na região entre Caxias e Pastos Bons, a segunda entre Vargem Grande e Brejo, e a terceira na zona de Icatú e Miritiba. Dever-se-ia fechar o cerco sobre Brejo, que era o reduto dos balaios. Do Piauí também vieram contingentes militares. Raimundo Gomes ainda conseguiu arregimentar mil homens e voltou ao Maranhão, mas foi sempre vencido e as forças debandadas caíram nas emboscadas dos grupos militares. O final da luta foi extremamente doloroso, acompanhado pela fome e pela doença. Raimundo Gomes pediu condições para a capitulação, mas estas lhe foram negadas. Refugiou-se junto aos negros de D. Cosme, mas foi feito prisioneiro por eles. Os demais chefes da Balaiada estavam mortos ou prisioneiros, tendo D. Cosme ficado como o principal comandante do movimento. |
Os últimos bandos se internaram pelo sertão ou depuseram armas como Pio, Tempestade e Coco. Raimundo Gomes libertara-se de Cosme e ainda tentaria apoderar-se do Rosário e Miritiba, mas não obteve sucesso, e foi preso. D. Cosme e suas tropas lutavam sem nenhuma esperança, eram escravos, não queriam voltar ao jugo de seus senhores, pois tinham sido homens livres e temidos. Lutaram até a morte... D. Cosme foi enforcado. Acabava a Balaiada.
Com o fim da revolta, a população marginalizada que havia lutado durante anos enfrentaria enormes dificuldades para ser reabsorvida em atividades produtivas: venderia sua força de trabalho a preço vil ou continuaria como nômade a percorrer o sertão em busca de sobrevivência. Muitos grupos que se mantiveram armados preferiram internar-se no sertão vendendo proteção aos mandões locais, formando os primeiros bandos de cangaceiros. Ou seja, a situação havia permanecido estática ou piorado para essa classe, vítima da dominação e desmandos da elite política.
"AS BALAIADAS"
Sendo Raimundo Gomes Vieira o homem de confiança de Padre Inácio, incumbido de levar às feiras e vender os bois do rico pecuarista, teve certa vez de passar na Vila de Manga do Iguará, onde o prefeito, no encargo também de comandante da força policial, mandou prender alguns dos vaqueiros de Raimundo Gomes, com o intuito de prejudicar o padre, seu inimigo político.
Impossibilitado de prosseguir a marcha e sofrendo prejuízos resultantes de fuga e morte do gado, o capataz invadiu, junto com nove companheiros, a cadeia municipal guardada por 23 soldados, soltou os presos (entre eles o seu irmão) e apoderou-se do armamento, deixando livres os soldados desarmados. Estaria iniciada a Revolta.
Após esta audaciosa surpresa, Raimundo Gomes afixou na Vila da Manga um manifesto contendo suas reivindicações:
Raimundo Gomes Vieira – Comde da Forca armada.
Fora feitores e escravos."(JANOTTI, 1987, 44 e 45.)
Os juizes de paz, responsáveis pelas eleições municipais, pela ordem e pelo comando da Guarda Nacional, eram tradicionalmente eleitos pelas Câmaras Municipais, ou seja, constituíam representantes dos interesses das famílias mais poderosas da região.
Relativo ao manifesto, apenas o 4º artigo expressa os interesses populares, descontentes com a presença (até certo ponto privilegiada) dos portugueses no Maranhão, o que veio a se tornar característica marcante da Balaiada: o anti-lusitanismo. Outra reivindicação de cunho popular que aparece no documento é o pedido "Fora feitores e escravos" que, no entanto, não aparece em nenhum outro manifesto pesquisado por este presente estudo.
Curiosamente, a data do documento afixado por Raimundo Gomes não coincide com a data oficial da invasão da cadeia de Manga. Tanto Maria de Lourdes Janotti quanto Astolfo Serra afirmam ter sido iniciada a Revolta no dia 13 de dezembro de 1838, mas o documento apresenta as datas 14 e 15 do mesmo mês e ano. Supõe-se, então, que a confecção do manifesto foi realizada depois da invasão, dando tempo suficiente para uma articulação política bentevi.
Com o engrossamento do grupo rebelde pelos soldados da Vila de Manga, temerosos de represálias, o vaqueiro Raimundo Gomes vaga pelo interior do Maranhão ganhando novos adeptos.
O governo da província não relevou muita importância ao movimento, considerando até mesmo extinta a rebelião. Porém, um mês depois, no dia 22 de janeiro de 1839 o vaqueiro surge na Vila de Tutóia à frente de uma centena de homens, rumo ao rio Parnaíba, acontecendo então o primeiro confronto armado da Balaiada, na Barra do Longá, entre rebeldes e a tropa do Prefeito de Parnaíba, no Piauí.
Os rebeldes, com 3 mortos, dois feridos e 18 prisioneiros, foram vencidos pelas tropas legalistas que tiveram, segundo consta, apenas uma baixa: um soldado morto involuntariamente pelo seu próprio camarada.
Este embate vitorioso foi suficiente para o Presidente do Maranhão, Sr. Vicente Pires Camargo, declarar a Revolta terminada e a paz restaurada, o que não ocorreu. Durante mais de dois meses o mestiço Raimundo Gomes circulou livremente pela Província, já dominando Mucambo, Queimada da Soledade, Espigão, Miritiba, Belas Águas, Chapadinha, Miriquitas e Caissara. Diante deste triste panorama a presidência provincial foi entregue a Manoel Felisardo de Souza Melo, "capitão graduado do imperial corpo de engenharia".
Novos chefes se apresentam com seus seguidores, firmando como característica do movimento a existência de caudilhos rebeldes, dividindo a Revolta, e que por isso só constituíam uma legião: Relâmpago, Trovão, Corisco, Canino, Sete Estrelas, Tetéu, Andorinha, Tigre, João Cardoso, Gitirana, os irmãos Ruivos, Cocque, Mulunguêta, Matruá, Francisco Ranelinho e José Gomes, entre outros.
Nesta altura dos acontecimentos aderem também duas importantes lideranças: Manoel Francisco Ferreira dos Anjos, denominado Balaio, e D. Cosme, líder dos aquilombados.
Manoel Francisco Ferreira dos Anjos era, assim como o vaqueiro Raimundo Gomes, representante da classe mais pobre do Maranhão; no entanto, Ferreira dos Anjos não vivia agregado e tão pouco era empregado de algum poderoso. Sustentava esposa e duas filhas graças à confecção de balaio, originando sua alcunha, e à pequena oficina de costura mantida pelas mulheres da casa.
Conta-se que Balaio aderiu à Revolta após as tropas legalistas terem passado pelo vilarejo onde residia, nas proximidades de Coroatá. Aproveitando-se da estadia na vila, um oficial de nome Guimarães violentou as duas filhas de Ferreira dos Anjos. Ferido em sua honra, o artífice publicou o incidente e incitou a fúria de amigos e conhecidos a combater os legais, "vendidos aos portugueses"(SERRA, 1946, 214.). Com esses argumentos, Balaio arregimentou um grupo de seguidores e partiu para a luta com grande ferocidade e dando o seu nome à Revolta, mesmo aderindo depois do seu início e morrendo antes do término da mesma.
Também engrossando as fileiras rebeldes surge Cosme, na liderança de 3.000 negros aquilombados. Este líder não se enquadra necessariamente entre os Balaios, e poderíamos inclusive considerá-lo chefe de uma Revolta Negra Maranhense, apesar de ter se articulado fracamente com a Balaiada. A participação negra é contestada quanto ao engajamento sincero, tanto no início como no final da Revolta quando D. Cosme prende Raimundo Gomes e o teria matado se este não tivesse fugido.
Dom Cosme Bento das Chagas, tutor e Imperados das liberdades bentevís, como se auto-denominava, após fugir da prisão de São Luís, na qual estava sob a acusação de exercer a feitiçaria, apresentou-se frente à grande população negra fugida, unindo-os sob a sua bandeira e estabelecendo um quartel - general na Fazenda Lagoa Amarela, na Comarca do Brejo, onde instituiu uma hierarquia interna e fundou uma escola de primeiras letras.
Vários confrontos são registrados no mês de abril de 1839 entre rebeldes e legalistas com decisivas vitórias balaias, iniciando o período de apogeu da revolta. No dia 15 do dito mês o pardo Manoel Rodrigues Cocque, ex-cabo do extinto corpo de polícia da província, combateu com os seus homens os soldados do major Feliciano Antônio Falcão, em um lugar denominado Mutuns. As perdas foram enormes para ambas as partes.
Mas sem sombra de dúvida o golpe mais violento infligido ao exército governista até então ocorreu em Angicos, próximo a Brejo, em 18 de abril. Os revoltosos chefiados por Antônio José do Couto Pinheiro, o Mulunguêta, massacraram os homens do Capitão Pedro Alexandrino, que, após render-se, foi assassinado a tiros junto com o tenente-coronel João José Alves. O sangrento episódio repercutiu em toda a província resultando no entrincheiramento da capital São Luís e o aumento do prestígio balaio entre as massas anônimas.
Caíram então nas mãos dos rebeldes a cidade de Brejo, sem resistência alguma em vista da debandada do prefeito e os 200 soldados que lá se encontravam, seguida de Tutóia, Miritiba e Coroatá, sob o comando de Cocque.
Astolfo Serra nos apresenta ainda dois documentos que exemplificam a participação bentevi e o anti-lusitanismo popular. No entanto, há um desencontro de datas acerca destes, que nós não conseguimos elucidar neste presente estudo, em virtude da impossibilidade de acesso aos originais teremos que confiar na compilação feita por Serra.
Artigos, a fim de V. Excia. os fazer efetivos por achar-se de presente reunida a Assembléia Provincial não fazendo menção do artigo 4.º por já se achar remediado pela resolução do Govêrno Supremo. – Deus Guarde a V. Excia. – Vila do Brejo, 5 de maio de 1839. – Ilmo. e Exmo. Snr. Manoel Felisardo de Souza e Melo Presidente da Província. – O alferes Comandante da Fôrça Armada Pedro José Gitirama.
REQUISIÇÔES
- "Os habitantes dêste Município vem em marcha reunida representar a Ilustre Câmara da Assembléia Geral.
Art. 2.º Que seja sustentada a Constituição do Brasil garantia dos direitos do cidadão Brasileiro que lhe conseguem a sua liberdade.
Art. 3.º Que sejam despedidos os Prefeitos e Sub-Prefeitos e Comissários de Polícia, pois têm aquebrantado tôdas as Leis do Brasil, e têm sofrido todo o despotismo a respeito desta Lei; ficando somente em vigor as Leis Gerais e Provínciais que não forem de encontro à Constituição do Império.
Art. 4.º Que seja já demitido o Presidente da Província, e entregue o Govêrno ao Vice-Presidente.
Que sejam expulsos, os portuguêses dos empregos políticos, e despejarem a Província dentro em quinze dias, com a exceção dos que juraram a independência e os que casaram com famílias brasileiras e os velhos de 60 anos para cima; e protestamos não largarmos as armas das mãos sem primeiro vermos tomadas estas medidas acima exprimidas ao Govêrno, certificamos que seguramos as vidas dos cidadãos sem ser debaixo do fogo, e seguramos todos os seus cabedais na tranquilidade do País. – Maranhão, 1.º de Novembro de 1839."(SERRA, 1946, 230 e 231.)
"Ilmo. e Exmo. Snr.
Achando-me na qualidades de Comandante em Chefe de tôdas as tropas presentemente reunidas, e estacionadas nesta vila, e nos diferentes pontos de tôda província, tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Excia. que achando-nos com as armas na mão protestamos não largarmos enquanto não forem derrogadas as Leis Provinciais números 61, de 8 de Junho, e 79, de 29 de Julho do ano passado de 1838, sendo aquela da criação dos Oficiais das Guardas Nacionais e esta dos Prefeitos, ficando a primeira em vigor sòmente pelas Leis Gerais, e a Segunda de nenhum efeito combinando-se em tudo com os artigos datados em o 1.º de Novembro do mesmo ano de 1838, remetidos a V. Excia. pelo comandante Pedro José Gitirama, e porque se ache a assembléia provincial reunida, levar ao conhecimento dela a fim da mesma Decretar sôbre os objetos expendidos. – Deus Guarde a V. Excia. – Quartel do Comando da fôrça Armada na vila de São Bernardo, 7 de Maio de 1839 – ilmo. e Exmo. Sr. Manoel Felisardo de Souza e Melo Presidente do Mrn. – Pedro Alex. Dos Stos., Comte." (SERRA, 1946, 229 e 230.)
No dia 7 de maio de 1839 os Balaios se puseram em marcha com destino a Caxias, a segunda cidade da província, localizada a 276 Km da capital na fronteira com o Piauí, onde chegaram no dia 24 do dito mês. No mesmo dia cercaram a cidade, que se encontrava totalmente desguarnecida de trincheiras. Participaram do cerco os chefes Balaio, Gitirana, o Ruivo, S.J. Teixeira, Mulunguêta e Silveira.
Mesmo sem apoio do Governo, os soldados de Caxias resistiram, chegando a vencer Gitirana e o desalojando de seu ponto; mas a posição foi reconquistada pelos rebeldes no dia seguinte. Chegaram no dia 27 os reforços rebeldes liderados por Violete e Cocque, Lívio Castelo Branco, do Piauí, com 600 homens e Milhome (ou Milone) com 300 ou 400 rebeldes de Pastos-Bons.
Finalmente Caxias cai rendida no dia 1º de julho do mesmo ano, assistindo à entrada triunfal dos rebeldes, que estabeleceram na rica cidade uma Junta Provisória, órgão civil administrativo composto por cidadãos respeitáveis de Caxias, um Conselho Militar, órgão de comando formado por todos os chefes rebeldes e logo em seguida uma deputação (diplomática) composta por um sacerdote e vários cidadãos para as negociações de paz.
Além dêste ofício do conselho militar, vejamos o seguinte discurso da deputação cujo original temos ante os olhos.
"Ilmo. e Exmo. – O partido denominado Benteví, que parecia fraco, nas que tem adquirido fôrças e muito elementos de resistência a outro qualquer que o pretenda suplantar, havendo à custa de esforços e trabalhos conseguido apoderar-se de tornar sua tôda a província maranhense, respeitando sempre as leis e o trono augusto de S. M. o Imperador, nos manda em deputação perante V. Excia., a representar a V. Excia. o estado de engrandecimento em que se acha, e as medidas em que se julga convenientes ao bem da província, a fim de que V Excia., tomando-as na devida consideração, as adote para salvar a província das imensidades de males que a ameaçam, si elas não foram aprovadas. Não há dúvida, Exmo. Snr., que alguns excessos praticou êste partido no seu comêço; hoje, porém, que êle acaba de tomar Caxias, onde se municia de oitenta mil cartuchos embalados, mil armas, peças de artilharia, e mais de trezentos barris de pólvora, apoiados em mais de seis mil homens apresenta uma barreira irresistível, e manifesta a vontade da província. Assim, Snr., o partido Benteví, querendo sustentar os objetos mais caros aos bons Brasileiros, nos manda perante V. Excia., como muito interessado no sossêgo da província, haja de lhe dar uma resposta satisfatória, ou as condições que julgar convenientes, porque a deputação está autorizada a recebê-las ou modificá-las."
Vejamos as instruções do conselho militar à deputação.
Art. 1.º - O Conselho Militar e tropa reconhece e respeita o govêrno de S. M. o Imperador, as leis e a constituição do Império.
Art. 2.º - O Conselho Militar declara que o povo e a tropa, que se acha reunido e se conserva com as armas nas mãos, não tem outras vistas mais que impedir ao Exmo. Snr. presidente da província abrogação das leis provinciais que criaram as prefeituras, e ofenderam a lei geral sobre a organização de uma guarda nacional, além dos artigos seguintes.
Art. 3.º - Que o Exmo. Snr. Presidente da Província, reunindo extraordinariamente a assembléia provincial conceda uma anistia àquelas pessoas que de qualquer modo se acham comprometidas na presente luta, por quanto ela só tem por fim lançar por terra aquelas leis, que ameaçam as liberdades pátrias.
Art. 4.º - Pede ao Exmo. Snr. Presidente da Província oitenta contos de réis em dinheiro, para indenização da tropa, por quanto a indenização imposta aos habitantes desta cidade (Caxias) que lhe fizeram a mais decidida oposição, não é suficiente para cobrir os deficits dos respectivos presos.
Art. 5.º - Que os presos do Estado que se achavam em custódia, sendo processados legalmente, respeitando-se o fôro de cada indivíduo, conforme a constituição do Império e leis existentes, sejam obrigados a cumprir suas sentenças, havendo recursos delas na forma do código do processo.
Art. 6.º - Que saiam da província os portuguêses, propriamente falando, ficando sòmente os adotivos, a quem não será permitido os empregos públicos, a venda de armas de qualquer natureza, munições ou quaisquer outros gêneros combustíveis, sob pena de serem tomados pela fazenda pública, com denúncia ou sem ela, e por inabilitados de pegar em armas em qualquer ocasião.
Art. 7.º - Que dentre as fôrças Bentevís sejam considerados em seus respectivos postos aquêles oficiais de melhor conduta, e que mereçam a opinião assim do govêrno como do público, para serem empregados nos corpos da província.
Art. 8.º - Que o conselho militar obriga-se a fazer depor as armas, logo que estas requisições sejam adotadas pelo Exmo. Snr. Presidente da Província e Assembléia Provincial, podendo admitir-se aquelas modificações que a deputação entender fazer, em cumprimento dos interesses e dignidades do partido Benteví." (SERRA, 1946, 225 a 228.)
O partido coloca-se como porta voz do povo e da tropa no que se refere às suas reivindicações. Percebe-se o uso deste como "massa de manobra": esta foi a forma encontrada pelo partido Bentevi de legalizar o movimento, denotando-lhe um caráter popular embora as reivindicações do povo nunca tenham sido atendidas. A principal delas é a abolição das leis provinciais que criaram as prefeituras, bem como "ofenderam a lei geral sobre a organização de uma Guarda Nacional".
Tais leis provinciais, números 61 de 08 de junho e 79 de 29 de julho de 1838, esvaziaram o poder municipal, pois concentraram o poder administrativo nas dependências das Assembléias Legislativas Provinciais, acarretando indefinições e rivalidades na esfera do poder local. Não obstante, o partido Bentevi denuncia a ilegalidade de tais leis, pois "ameaçavam as liberdades pátrias e traduziam a ineficiência administrativa e a corrupção da guarda nacional sob liderança do partido cabano.
Um dos traços mais importantes é a forte tendência xenófoba em relação a comunidade lusa que exercia cargos públicos e monopolizava o comércio maranhense. Essa xenofobia possui traços sócio – políticos: social quando referente ao comércio luso que impedia o acesso da camada média brasileira à economia local. Política quando referentes às pretensões Bentevis de assumir o mando político provincial, que estava em mãos do partido Cabano oriundo do partido Restaurador e suas tendências lusitanas. Daí a reivindicação de cargos públicos para os melhores oficiais do partido Bentevi.
Parte dos objetivos políticos buscados pelo partido Liberal foram conseguidos no governo Manoel Felisardo. Pressionado pelo fragor da luta, prometeu-lhe a revogação da "lei do prefeitos" e dos "guardas nacionais". Tal vitória política foi suficiente para que os liberais se desvencilhassem dos balaios.
Percebe-se o fraco teor ideológico do movimento liberal no interior do movimento balaio, que se mostrou heterogêneo em suas origens ideológicas. Consequentemente, essa fragilidade de ausência ideológica corroborou para o insucesso do movimento.
Faz-se necessário aqui abrirmos um parêntesis para esclarecermos o surgimento de Lívio Lopes Castelo Branco e Silva. Este, sem dúvida, é um dos poucos representantes autenticamente bentevi engajado ativamente na luta. Natural de Campo Maior, no Piauí, era filho de uma das famílias mais ilustres do norte, foi vereador da câmara, promotor e juiz de paz na sua cidade natal.
Além de suas posses e cargos desempenhados, Lívio possuía ainda um motivo "todo especial" para entrar na Revolta: era inimigo político, dos mais ferrenhos, do Presidente da Província do Piauí, Visconde de Parnaíba. A Balaiada mostrava-se assim, uma oportunidade única para o líder piauiense. Conta-se também que Lívio Castelo Branco teria aderido por estar com a cabeça a prêmio em sua província, pelo preço de um conto de réis. No entanto, não se sabe de onde surgiu a acusação.
O piauiense se engajou de livre e espontânea vontade, assim como abandonou o movimento. Após conceder uma face política ao mesmo, se refugiou no interior do Ceará e Pernambuco, foi anistiado (como poucos) e chegou a ganhar cargos políticos, atingindo assim seus objetivos.
Com a tomada de Caxias, o Maranhão e a Corte parecem acordar de seu torpor, começando a organizar os reforços: tropas do Pará são enviadas, a marinha de guerra comandada pelo futuro almirante Marquês de Tamandaré aporta em São Luís com uma charrua, uma corveta e um vapor, e o Piauí envia seus homens.
O Visconde de Parnaíba organiza grandes reforços para conter a Balaiada, que nesta altura já avançava sobre o Piauí. Suas tropas cruzam o rio Parnaíba para o Maranhão, excursionando pela província vizinha e atacando finalmente Caxias, a base rebelde, que é libertada para em seguida ser tomada novamente pelos balaios.
Nesta segunda tomada de Caxias, o Balaio acaba morto pelas mãos de um francês residente na cidade chamado Isidoro que, após se negar a entregar dinheiro e fazendas, dispara contra o líder rebelde. Ferido, Ferreira dos Anjos ordena a morte do francês e dos seus, resultando em uma carnificina: um homem (Isidoro), duas mulheres e oito crianças, além do confisco de todas as duas posses. Balaio morreu saindo de Caxias.
No aniversário de um ano da invasão da Vila de Manga, o presidente do Maranhão, Manoel Felisardo, é exonerado do cargo. Assume em seu lugar, como presidente e comandante das Forças na província, o Coronel Luiz Alves de Lima e Silva (futuro Duque de Caxias, como o chamaremos a partir de agora, afim de facilitar a narrativa).
Começa em 1840 o declínio da Balaiada, que deixa de ter a união inicial em consequência da luta interna pelo poder. Todos os líderes rebeldes se consideravam aptos a o cargo supremo em vista de suas façanhas pessoais.
Duque de Caxias, se aproveitando desta desunião, empreendeu um plano de guerra eficiente. Após examinar a situação, computou 11 mil rebeldes ou 5% da população maranhense, que segundo Astolfo Serra era composta de 217.000 "almas". A partir destes dados, reuniu uma força legalista de 8.000 soldados divididos em três colunas, estabeleceu hospitais em todos os acampamentos, com médicos, cirurgiões e capelães, melhorou o Hospital Central na capital e agilizou a compra e fornecimento de mantimentos.
Com as três colunas expedicionárias foram impedidas articulações entre líderes e, principalmente, entre os balaios e os negros do temido D. Cosme. Logo se fez notar os efeitos da ofensiva legalista com a reconquista das comarcas do Brejo e Tutóia, a saída de Lívio Lopes Castelo Branco, e posteriormente, a tomada da cidade de Caxias, onde foi firmado o quartel- general das tropas do governo.
No entanto deve-se o sucesso do novo presidente da província ao seu comportamento apartidário, que primeiramente estabeleceu a ordem política para depois restabelecer a paz geral no Maranhão, como evidencia o documento seguinte:
Maranhenses!
(…) eu venho partilhar das vossas fadigas, e concorrer, quanto em mim couber, para a inteira e completa pacificação desta bela parte do Império.
Um punhado de facciosos, ávidos de pilhagem, poude encher de consternação, de luto e de sangue, vossas cidades e vilas! O terror que necessariamente deviam infundir-vos esses bandidos, concorreu para que se engrossassem suas hordas; contudo graças à providência e às vitórias até hoje alcançadas pelos nossos bravos, seu número começa a diminuir diante das nossa armas. Mais um esforço e a desejada paz virá curar os males da guerra civil.
Qualquer que seja o estado em que se acham hoje os rebeldes, eu espero com os socorros que o governo geral nos envia, e com a força que me acompanha, fortificar nossas fileiras, e não abandonar-vos enquanto não os houver debelado. Eu passo a fazer que julgo necessário ao nosso exército, e com a maior brevidade possível me colocarei à sua frente. Maranhenses! mais militar que político, eu quero até ignorar os nomes dos partidos que por desgraça entre vós existiam. Deveis conhecer as necessidades e as vantagens da paz, condição da riqueza e da prosperidade dos povos; e confiando na divina providência, que por tantas vezes nos tem salvado, espero achar em vós tudo o que for mister para o triunfo da nossa santa causa.
Palácio da Presidência da cidade de São Luiz do Maranhão, 7 de fevereiro de 1840". (JANOTTI, 1987, 63 e 64.)
A proposta de capitulação de Manoel Lucas de Aguiar, de 12 de março de 1840, é transcrita aqui:
Posto que a fôrça armada de Parnaguá e seu respectivo chefe estivesse na firme disposição de se reunir e fazer causa comum com a gente armada da província do Maranhão, presentemente alterada com o sistema político que admite estrangeiros no govêrno pátrio e nacional, com a notória desonra e afronta dos nacionais do país, êle deve ao brio dos soldados do município, e ao valor a boa conduta de seus habitantes declarar que livremente se rende as proposições de paz, oferecidas pelo major José Martins, menos pelo temor das armas do que pelo acendimento da discórdia civil, por onde se pode perpetuar inimizades entre as diversas famílias desta província; contudo não pode aceitar proposições de paz, que não sejam com as condições seguintes:
Art. 1.º - Que êle major e comissário do Exmo. govêrno da província, que até agora tem a consideração de prefeito dêste município de Parnaguá, renuncie e deponha desde já êste emprêgo, como também qualquer outro, que já nele tenha, podendo, não obstante, continuar na sua morada e residência dêste município, tratando de seu estabelecimento e de sua família, como um simples cidadão, até que para o tempo em diante, convencendo-se o povo de suas virtudes de seu amor para com seus nacionais o possam empregar em qualquer um dos ramos de sua pública administração.
Art. 2.º - Que igualmente outro qualquer homem, que não fôr aqui nascido e que se ache constituído em emprêgo público civil ou militar, o deponha e renuncie, e só o possa reassumir para o tempo adiante por unânime vontade dos povo.
Art. 3.º - Que êste povo seja livre de propôr já ao govêrno quem deve aqui ocupar os cargos, que por tais princípios devem vagar.
Art. 4.º - Que todo e qualquer homem natural, casado, compatriotado neste município, e que de presente se ache debaixo do comando dêste major fazendo a guerra à província do Maranhão, seja entregue a esta fôrça armada, para ser restituído à sua respectiva habitação e ao trato de suas famílias.
Art. 5.º - Que de nenhuma maneira seja chamada ou aperreada pelo govêrno pessoa alguma dêste município para o fim de fazer a guerra à província do Maranhão, e aos que se acham ali Bentevis; porque êste município não é contrário à constituição do Império, à sagrada pessoa do Imperador, antes quer a sua defesa e estabelecimento.
Art. 6.º - Que de agora em diante, nas eleições que se aqui fizerem, para qualquer sorte de empregado, ou deputados da província, e de cortes se admitam mais três homens eleitos na própria ocasião de tais eleições para examinar e conhecer debaixo de juramento religioso, se em tais eleições entram cabalas e chapas, e que por eles sejam logo despedidos, e substituídos os membros em que estas se possam presumir.
Art. 7.º - Que êste povo quer ser inteirado por uma tabela da receita e despesa dêste município todos os anos; porque êle não tem podido sem dor e sentimento ver a ruína total do seu único templo, da cadeia e casa do conselho, e de suas públicas assembléias, e também o pouco caso, que o govêrno tem feito até o presente, de lhe fazer constar o em que se tem absorvido suas contribuições, objeto êste bem solene a todos os povos civilizados como aos governos.
Art. 8.º - Que para êste município se forme em cada um ano um tribunal de três membros aptos, a quem o govêrno envie uma vez todos os anos esta tabela, os quais a examinarão e farão ver ao povo o consumo de suas contribuições.
Art. 9.º - Que os soldados que de presente se acham debaixo de armas pela defesa dêstes seus direitos sejam pagos a 320 rs. por dia, pelo tempo vencido, pelas rendas dêste município, de que o poderá indenizar a assembléia geral legislativa.
Art. 10.º - Que o govêrno da província nenhuma ordem mande aqui as diferentes autoridades civis e policiais, para o processo, prisão ou perseguição de uma só pessoa, sôbre que possa cair a suspeita de assim o fazer, pelo motivo de concorrência para a presente fôrça armada.
Art. 11.º - Que de ora em vante tôda e qualquer ordem do govêrno deve conter em si o convencionamento de razões que devem constituir o nosso dever, de onde deve nascer a nossa obediência, porque sendo êste povo livre, e bem amantes das leis, protesta não faltar ao que convier para sua salvação, única causa do estabelecimento das sociedades humanas.
Art. 12.º - Que o govêrno de nenhum homem particular de aqui soldados da nação para sua guarda, como fez a Raimundo Medeiros de Sá e Albuquerque, que por isso ousou cometer homicídios sem castigo.
12 de Março de 1840." (SERRA, 1946, 239 a 241.)
O art. 11.º é o mais peculiar, pois propõe a formulação de um conjunto de leis ou uma constituição local que atendesse aos direitos e estabelecesse os deveres seguidos pelo povo. Indiretamente há no referido artigo a defesa da autonomia provincial.
Raimundo Gomes ainda tentou nova investida à frente de mil homens, mas foi vencido. Buscou refúgio entre os rebeldes de D. Cosme, sendo preso por estes. O vaqueiro, após a fuga do cativeiro negro, investe, com um novo bando, contra Rosário e Miritiba. Sem sucesso, acaba preso e morto por asfixia enquanto era deportado para São Paulo.
D. Cosme fica como principal líder da Balaiada, lutando até o fim junto aos seus homens que não tinham nada a perder, pois lutavam pela própria liberdade. O Líder negro acabou enforcado. Os demais líderes e respectivos bandos se internaram no sertão, dando origem aos primeiros grupos de cangaceiros e jagunços profissionais.
A Revolta se desfez no mesmo ritmo em que se formou: aos poucos e sem lógica, cada qual com seu interesse, motivação ou convicção, traídos por alguns, abandonados por outros, sendo o restante dizimado pela, agora, corajosa e organizada tropa legalista.
Se calcularmos em mil os seus mortos pela guerra, fome e peste, sendo o número de capturados e apresentados durante o meu governo passante de quatro mil, e para mais de três mil os que reduzidos à fome e cercados foram obrigados a depor as armas depois da publicação do decreto de anistia, temos pelo menos oito mil rebeldes; se a estes adicionarmos três mil negros aquilombados sob a direção do infame Cosme, os quais só de rapina viviam, assolando e despovoando as fazendas, temos onze mil bandidos, que com as nossas tropas lutaram, e dos quais houvemos completa vitória. Este cálculo é para menos e não para mais: todo esta província o sabe.
… A comarca do brejo é a que mais contém em suas matas grandes cópias de ociosos, e com menos de quinhentas praças não se fará a tal polícia…
De tudo que hei dito achará V. Excia. documentos na secretaria do governo, e na memória recente de todos, e termino desejando que V. Excia. neles encontre o mesmo acolhimento que me prodigalizaram… Deus Guarde V. Excia. – S. Luiz do Maranhão, 13 de maio de 1841, Luiz Alves de Lima." (JANOTTI, 1987, 68 e 69.)
O período subsequente ao 7 de abril de 1831 passou para a História do Brasil como um dos mais conturbados que o País conheceu. Quase toda a Nação conheceu rebeliões, arruaças, sedições e agitações contra a ordem estabelecida. Já é sabida a crítica instabilidade política em que o Império mergulhara, instabilidade esta provocada pelos choques dentro da própria classe dominante e desta com os demais componentes da estrutura social vigente. É conhecida, também, a grave crise econômico - financeira que abalava o País, contribuindo ainda mais para o aumento das contradições existentes.
Entretanto, como entender de maneira clara a efervescência revolucionária do Período das Regências? Numa perspectiva mais ampla, é a partir da Independência que entenderemos a crise regencial. As contradições amadureceram no pós - independência e no Período Regencial chegaram às vias de fato.
A Independência do Brasil processou-se de forma pacífica, sendo desde o início empresariada pela classe dos grandes proprietários de terras. Deste modo, a emancipação revestiu-se de um caráter elitista, relegando-se a um segundo plano outros setores da sociedade. Dentro da organização imperial, de feição eminentemente conservadora, a posição de destaque, o mando e as instituições traduziam as aspirações da aristocracia rural. Quanto às demais categorias, a marginalização tornou-se um imperativo, em virtude da continuidade da mesma estrutura socio-econômica do período colonial: de um lado, o mandonismo senhorial e de outro lado, a servidão. Em tal organização social, deve ser afastada qualquer hipótese de uma homogênea oposição dos "debaixo" contra "os de cima".
Ante a ameaça representada pelo próprio Imperador Absolutista, uniu-se a classe senhorial na defesa de seus "interesses comuns". A classe dominante, em choque aberto contra o Imperador, sentiu a necessidade de mobilizar os ditos novos componentes ( o povo e as tropas), atribuindo ao próprio D. Pedro o entravamento de reformas mais democráticas, que supostamente beneficiavam os menos favorecidos. Daí as promessas, que jamais seriam cumpridas.
Nesse contexto, a Balaiada ocorrida no Maranhão não se apresentou como uma manifestação revolucionária única, mas sim, como um movimento fracionado, com tendências e levantes sucessivos e ininterruptos, indicando direções variadas. Assim, é difícil encontrar, na Balaiada, um programa político claramente definido. A Balaiada foi a síntese de vários movimentos de cunho sócio – político, ocasionados pelos seguintes fatores: 1) Divergências político – partidárias entre liberais e conservadores; 2) estratificação de hierarquização sócio – econômica que gerou o preconceito de "casta" na sociedade maranhense. Daí o caráter popular do movimento, pois o mesmo englobava grupos populares diversos. Em tal organização social, deve ser afastada qualquer hipótese de uma homogênea oposição dos "debaixo" contra "os de cima".
A heterogeneidade de componentes, bem como interesses defendidos, faz com que haja, na verdade, duas versões históricas sobre a rebelião Balaia: uma dos sertanejos e outra das lutas entre cabanos e bentevis. Apesar de distintas entre si, tais versões encontram-se interligadas. Tal distinção tem como principal fundamento tanto os motivos que levaram os indivíduos a se engajarem na luta, quanto as suas origens sociais. De um lado, apresentam-se os "balaios", homens do sertão e marginalizados, que personificavam uma classe social que vivia, como bem definiu Caio Prado Júnior, às margens da sociedade (classe inorgânica), e que buscavam melhores condições de sobrevivência. Compunham-se de vaqueiros (Raimundo Gomes), artesãos (Ferreira dos Anjos, o "Balaio") e aquilombados (D. Cosme) que se reuniram no interior e, desta reunião nasceram os movimentos de massa que rapidamente, pela inexistência de um programa político se desmantelaram.
Além das organizações populares, havia também um desacerto político – partidário no quadro da elite dirigente provincial, em que a oposição ao governo do Maranhão organizava-se em torno do grupo radical, denominado Bentevi. Seus membros originavam-se da classe média, na qual incluíam-se militares, políticos e membros do partido. Para este grupo, as agitações populares só tinham aprovação enquanto servissem de anteparo às "odiosas interferências centralizadoras". Logo, confundiam as demais camadas sociais (balaios), procurando afastá-los dos reais motivos de suas dissidências, com argumentos ideologicamente frágeis e de fundo nacionalista. Atendidas as suas reivindicações e temendo a radicalização do movimento (ameaça haitiana), os liberais retiram o "apoio" ao movimento.
A heterogeneidade de interesses tanto entre o grupo balaio quanto o bentevi, e consequentemente a ausência de uma proposta ideológica, frustou o movimento. Enquanto a classe dominante ressurgia no cenário político, a população marginalizada enfrentaria enormes dificuldades para ser reabsorvida em atividades produtivas. As consequências do fracasso da revolta podem ser vislumbradas ainda hoje no quadro social nordestino atual: o sertanejo permanece como nômade em constante processo migratório e o mandonismo local ampara-se política e militarmente por bandos armados. Ou seja, a Balaiada não promoveu uma mutação sócio – econômica e política, pois a classe popular permanece submetida à dominação e desmandos da elite política.
A área assinalada em vermelho, é a área onde ocorreu a Balaiada
BIBLIOGRAFIA
CARVALHO, Carlota – O Sertão - subsídios para a história e geografia do Brasil. 1.ª ed. Rio de Janeiro: Emp. Ed. Obras Scient Literarias, 1924.
_________ - Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. 1.ª ed. 3.º vol. Rio de Janeiro: IBGE, 1959.
_________ - Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. 1.ª ed. 15.º vol. Rio de Janeiro: IBGE, 1959.
HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.) – História Geral da Civilização Brasileira. 2.ª ed. Tomo II, 2.º vol. São Paulo: DIFEL, 1969.
JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco – A Balaiada. 2.ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
PRADO JR, Caio. Evolução Política do Brasil: colônia e império. 21.ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1999.
SERRA, Astolfo – A Balaiada. 1ª ed. Rio de Janeiro. Biblioteca Militar, 1946.
Fonte: