Morre no Rio a professora Eulália Maria Lahmeyer Lobo, a primeira mulher a defender uma tese de doutorado em História no Brasil, segundo o verbete com seu nome no “Dicionário mulheres do Brasil”. Nascida em 1924, também no Rio, Eulália era professora emérita tanto na UFRJ, onde havia se graduado em história e geografia na década de 1940, quanto na UFF, onde tinha sido uma das responsáveis pela formulação do curso de pós-graduação em História Urbana.
“Foi uma pioneira na historiografia brasileira, principalmente na História da América, nos anos 1950, publicando textos importantíssimos, como ‘Administração colonial luso espanhola’ que faz uma comparação entre a administração centralizada espanhola e a descentralizada, portuguesa”, contou o historiador Ronaldo Vainfas, que teve a professora Eulália como presidente de banca para se tornar professor titular na UFF.
“O regime do doutorado era o seguinte” - explicou ela em uma longa entrevista para o próprio Vainfas e para Ângela de Castro Gomes, em 1992, em que fala, entre outros assuntos, sobre sua tese, que virou o livro citado acima - “a pessoa escolhia um orientador, que era aprovado pelo departamento, e a partir daí seguia a sua orientação quanto a leituras. Você tinha que manter um diário, registrando o que lia, o que pensava etc., e esse diário era controlado pelo departamento no fim do ano. Meu orientador foi o Sílvio Júlio [de Albuquerque Lima], mesmo porque não havia outra escolha. E foi uma loucura total. Qualquer assunto de que eu falasse, ele entrava pela preocupação fundamental dele, que era falar mal dos portugueses. Não era uma coisa elaborada, era passional. Ele defendia o mundo hispânico, Bolívar era o herói máximo! Era aquela história de heróis, de paradigmas, história exemplar. Mas Sílvio Júlio foi muito útil, porque tinha informações sobre fontes e ele próprio possuía muitas delas. A conversa com ele é que não tinha muita utilidade”.
Segundo Vainfas, ela não restringiu seus estudos sobre as diferentes colonizações da América. Após a anistia, em fins dos anos 1979, organizou o curso de História Urbana, se concentrando no Rio de Janeiro, na virada do século XIX para o XX, retratando a classe operária e os imigrantes.
Eulália foi perseguida durante a ditadura, não por suas posições ideológicas, mas por conta de uma crise interna no departamento da UFRJ. Depois da anistia, voltou primeiro para a UFF, a primeira casa a recebê-la. Depois foi reincorporada na UFRJ, onde já tinha lecionado logo após fazer o doutorado, com a tese “Caminho de Chiquitos às Missões Guaranis”. Em 1967, se tornou professora titular do Ifcs (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais) da UFRJ, com o trabalho “Aspectos da atuação dos consulados de Sevilha, Cádiz e da América Hispânica na evolução econômica do século XVIII”.
“Logo depois de 64, a universidade ficou muito visada, e Eremildo [Viana, chefe do departamento do Ifcs, à época] fez uma série de denúncias”, contou ela na entrevista de 1992, sobre o período. “Quando afinal abriram um inquérito, o general encarregado acabou ficando contra o Eremildo, achando que ele era um intrigante, uma pessoa de caráter no mínimo leviano. Ele denunciou a existência de ce1ulas comunistas, haveria - imaginem que coisa ridícula! - uma Célula Anchieta na FNFi [Faculdade Nacional de Filosofia, antigo centro de humanidades da UFRJ]. Eremildo denunciou como conspiradores comunistas Manuel Maurício de Albuquerque, José Américo Pessanha, Maria Yedda Linhares, Evaristo de Morais Filho, Marina São Paulo Vasconcelos e a mim, entre outros. Nessa época, quem estava como reitor era um indivíduo que teve muito pouca fibra. Também o cortei de tal maneira que esqueço o nome dele.”
A professora chegou a ser aposentada compulsoriamente e até presa, por uma semana, para tentarem intimidá-la, por conta da visita do milionário norte-americano Nelson Rockefeller, em 1969.
A professora foi enterrada nesta quarta-feira, no Cemitério São João Batista, na Zona Sul do Rio. Deixa duas filhas, três netos e uma bisneta.
Na segunda-feira (30), também morreu o professor, escritor e babalorixá José Flávio Pessoa de Barros, pesquisador das religiões afro-brasileiras. Para o jornal “Extra” o membro da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, Ivanir dos Santos, comentou a perda: “Além de ser um brilhante intelectual que pesquisava os temas referentes às religiões, era um sacerdote que mantinha sua casa, seguindo as tradições.”
“Foi uma pioneira na historiografia brasileira, principalmente na História da América, nos anos 1950, publicando textos importantíssimos, como ‘Administração colonial luso espanhola’ que faz uma comparação entre a administração centralizada espanhola e a descentralizada, portuguesa”, contou o historiador Ronaldo Vainfas, que teve a professora Eulália como presidente de banca para se tornar professor titular na UFF.
“O regime do doutorado era o seguinte” - explicou ela em uma longa entrevista para o próprio Vainfas e para Ângela de Castro Gomes, em 1992, em que fala, entre outros assuntos, sobre sua tese, que virou o livro citado acima - “a pessoa escolhia um orientador, que era aprovado pelo departamento, e a partir daí seguia a sua orientação quanto a leituras. Você tinha que manter um diário, registrando o que lia, o que pensava etc., e esse diário era controlado pelo departamento no fim do ano. Meu orientador foi o Sílvio Júlio [de Albuquerque Lima], mesmo porque não havia outra escolha. E foi uma loucura total. Qualquer assunto de que eu falasse, ele entrava pela preocupação fundamental dele, que era falar mal dos portugueses. Não era uma coisa elaborada, era passional. Ele defendia o mundo hispânico, Bolívar era o herói máximo! Era aquela história de heróis, de paradigmas, história exemplar. Mas Sílvio Júlio foi muito útil, porque tinha informações sobre fontes e ele próprio possuía muitas delas. A conversa com ele é que não tinha muita utilidade”.
Segundo Vainfas, ela não restringiu seus estudos sobre as diferentes colonizações da América. Após a anistia, em fins dos anos 1979, organizou o curso de História Urbana, se concentrando no Rio de Janeiro, na virada do século XIX para o XX, retratando a classe operária e os imigrantes.
Eulália foi perseguida durante a ditadura, não por suas posições ideológicas, mas por conta de uma crise interna no departamento da UFRJ. Depois da anistia, voltou primeiro para a UFF, a primeira casa a recebê-la. Depois foi reincorporada na UFRJ, onde já tinha lecionado logo após fazer o doutorado, com a tese “Caminho de Chiquitos às Missões Guaranis”. Em 1967, se tornou professora titular do Ifcs (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais) da UFRJ, com o trabalho “Aspectos da atuação dos consulados de Sevilha, Cádiz e da América Hispânica na evolução econômica do século XVIII”.
“Logo depois de 64, a universidade ficou muito visada, e Eremildo [Viana, chefe do departamento do Ifcs, à época] fez uma série de denúncias”, contou ela na entrevista de 1992, sobre o período. “Quando afinal abriram um inquérito, o general encarregado acabou ficando contra o Eremildo, achando que ele era um intrigante, uma pessoa de caráter no mínimo leviano. Ele denunciou a existência de ce1ulas comunistas, haveria - imaginem que coisa ridícula! - uma Célula Anchieta na FNFi [Faculdade Nacional de Filosofia, antigo centro de humanidades da UFRJ]. Eremildo denunciou como conspiradores comunistas Manuel Maurício de Albuquerque, José Américo Pessanha, Maria Yedda Linhares, Evaristo de Morais Filho, Marina São Paulo Vasconcelos e a mim, entre outros. Nessa época, quem estava como reitor era um indivíduo que teve muito pouca fibra. Também o cortei de tal maneira que esqueço o nome dele.”
A professora chegou a ser aposentada compulsoriamente e até presa, por uma semana, para tentarem intimidá-la, por conta da visita do milionário norte-americano Nelson Rockefeller, em 1969.
A professora foi enterrada nesta quarta-feira, no Cemitério São João Batista, na Zona Sul do Rio. Deixa duas filhas, três netos e uma bisneta.
Na segunda-feira (30), também morreu o professor, escritor e babalorixá José Flávio Pessoa de Barros, pesquisador das religiões afro-brasileiras. Para o jornal “Extra” o membro da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, Ivanir dos Santos, comentou a perda: “Além de ser um brilhante intelectual que pesquisava os temas referentes às religiões, era um sacerdote que mantinha sua casa, seguindo as tradições.”
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