Fonte:
20.7.11
AFRICANOS VISTOS POR EUROPEUS
Africanos vistos por europeus A história do mundo começa na África O interesse atual do público e dos acadêmicos quanto à história da África, dos africanos e de seus descendentes é um acontecimento promissor na cultura e no pensamento social brasileiro. Em relação à história da África, em particular, tal interesse tem ensejado novas possibilidades de ensino, pesquisa e extensão nos âmbitos acadêmico e pedagógico. Uma primeira observação necessária a esta história é a compreensão de sua amplitude. Falar em história da África é falar sobre a história humana. Afinal, foi lá que surgiu o Homo sapiens, cerca de 160 mil anos atrás. Os verdadeiros “Adão” e “Eva” eram, pois, homens e mulheres africanos, de faces negroides. Os mesmos formaram os primeiros núcleos urbanos na Europa mediterrânica, América, Ásia (Oriente Próximo, Médio, Ásia Central e do Sul) e Oceania — inclusive, portanto, no Brasil, como comprova a descoberta revolucionária do crânio de “Luzia”, em Minas Gerais, em 1975. Esse achado mostra que as primeiras populações humanas no continente americano eram negroides, provavelmente oriundas dos arquipélagos do Pacífico. Quando se pensa em civilização também a África foi pioneira. A importância do continente no mundo antigo é hoje inegável. BARBOSA, Muryatan Santana. A história do mundo começa na África. Biblioteca Entre livros. Nº 6 – Vozes da África. Edição Especial São Paulo. Editorial Duetto. (Fragmento Data de muitos séculos o imaginário criado pelos europeus em relação às sociedades africanas, principalmente as da região subsaariana (região ao sul do Saara). Esse imaginário foi construído por interpretações e descrições dominadas pelo preconceito. Configurou-se um imaginário repleto de situações desqualificantes que negava aos africanos a possibilidade de civilização. Segundo uma noção ainda bastante prevalecente, a civilização se divide em duas categorias: ocidental e oriental. Já que se considera a África como um continente sem civilização, a terra dos negros simplesmente não faz parte desse esquema. Entretanto, várias das primeiras civilizações do mundo, como a egípcia e a núbia, pertenceram à África. Como, então, eliminá-la do quadro das civilizações humanas? A solução foi simples: “retirar” as civilizações clássicas africanas do continente e tratá-las como civilizações orientais. Assim o Egito antigo pertenceria não à África, mas ao Oriente Médio. [...] A região do norte africano seria identificada como oriental ou asiática, enquanto a região subsaariana seria reconhecida como a verdadeira África, negra e destituída de civilização. NASCIMENTO, Elisa Larkin (org.) A matriz africano no Mundo. São Paulo: Selo Negro, Coleção Sankofa I 2008 p. 46-47(fragmento) Diante desses fatos, foi desenvolvida a imagem de uma África negra e selvagem ao sul e uma África branca e civilizada ao norte. No entanto, é evidente, reportando-se à história dos egípcios, a prova da existência de preconceitos em relação à constante negação de civilizações desenvolvidas por etnias negroides. Os europeus tinham os africanos como descendentes do personagem bíblico Cam, um dos filhos de Noé, que havia zombado do Pai, fato que fez recair sobre ele o estigma da escravidão. (Gênesis, 9:23-27). A cartografia européia apresentava a África abaixo do espaço europeu, ou seja, numa posição inferior e dominada por um calor escaldante, que seria impróprio à vida civilizada. Para os europeus, o Paraíso estava localizado ao norte do hemisfério e, ao sul, a África, que continuou sendo vista como um continente negro e monstruoso. O quadro construído pelo imaginário social europeu sobre a África, de muito tempo, era desanimador: Faraó Ramés III (XIX dinastia); ao lado, um indivíduo da etnia tutsi do Estado de Ruanda, na África. Fonte: NASCIMENTO, Elisa Larkin (org.) A matriz africano no Mundo. São Paulo: Selo Negro, 2008 Coleção Sankofa I. pág. 67- (fragmento) Durante muito tempo, o interior do continente só foi conhecido através do relato dos indígenas, que povoaram as regiões distantes de gigantes e pigmeus, de homens-macacos, ogros canibais e mulheres-pássaros. Também durante muito tempo figuraram nos mapas da África nomes de povos como os sem língua e os sem nariz, os opistodáctilos (de dedos revirados) e os pigmeus, que disputam alimento aos grous. África Portentosa, a África mãe de monstro. SERRANO, Carlos & WALDMAN Maurício. Memória d’África. São Paulo. Editora Cortez. p. 27 Várias outras descrições fictícias identificavam o continente africano como sendo dominado pelo barbarismo. Relatos podem ser encontrados, ainda no século XIX, identificando os povos africanos como bárbaros: [...] a situação dos escravos e prisioneiros de guerra em África é muito mais desgraçada desde a abolição da escravidão, porque não tendo o valor necessário para se efetuar uma troca com mercadorias européias, servem tão-somente aos reis e chefes indígenas para abrilhantarem as suas festas selvagens, degolando-os; sendo de dizer-se aqui que a maior parte das vezes esses folguedos públicos não passam de pretexto para os senhores se desembaraçarem de muitas bocas inúteis. Ouvi dizer na Europa que a abolição da escravatura tirava aos reis africanos o desejo de fazer guerras, pois nada ganhavam em procurar escravos para vender! Os que asseveram semelhante disparate não sabem do que vai à África, e ignoram que eles, os reis, fazem guerra por diferentes motivos [...] (Fala de um funcionário colonial francês do século XIX) SERRANO, Carlos & WALDMAN Maurício. Memória d’África. São Paulo. Editora Cortez, p. 31 O continente africano, para os europeus, não passava de um mundo em estado bruto de formas, de doenças endêmicas e, particularmente para a visão mercantilista, um mundo atrasado economicamente. Imaginário medieval relativo aos habitantes da África. PRIORE, Mary del & VENÂNCIO, Renato Pinto. Ancestrais: uma introdução à história da África Atlântica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 61