Novo método de ensino estimula o desapego à cronologia, valorizando os temas e a construção do conhecimento em vez de fatos e datas
Andrea Montellato e Conceição Aparecida Cabrini
A preocupação do professor de História em passar aos alunos, em sequência cronológica, todo o caminho da humanidade, das cavernas ao Brasil de hoje, acarreta, necessariamente, reducionismos e esquematizações. A História não só toma um sentido único e irreversível, como também relega o papel do aluno como agente histórico e su-jeito da produção de seu próprio conhecimento. As diversas possibilidades e versões do fazer da história, que são a base da formação do pensamento histórico, são eliminadas.
Apresentar uma proposta para o ensino da História sem discutir e analisar a per-manência de práticas (felizmente, cada vez menos frequentes!) com teor europocêntrico – linear, evolutivo, etapista e finalista – parece-nos quase impossível. Cabe aos profes-sores uma mudança na pergunta que ordinariamente fazemos: em vez de “por que isso ainda é feito?”, perguntaremos “Como isso pode ser feito de outra forma?”
Apesar das discussões ocorridas desde a década de 1980, suscitadas pelas novas propostas curriculares e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, no fim do século XX ainda temos práticas escolares fundamentadas na permanência de alguns estereótipos, mitos e preconceitos. Estes permaneceram desde a consolidação do estado-nação no século XIX, valorizando uma história institucional e política, cujos personagens são os heróis de uma história oficial, apresentados como únicos responsáveis pelo fazer histó-rico da nação.
Trabalhar o ensino de História a partir de eixos temáticos não significa negar o conhecimento produzido historicamente nem tornar inexistente a divisão tradicional da chamada História Geral em Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea, conhecida como quadripartismo. Mas, como ressalta o historiador francês Jean Chesneaux , o qua-dripartismo privilegia o papel do Ocidente na história do mundo, ao mesmo tempo que reduz, quantitativa e qualitativamente, o lugar dos povos não-europeus na evolução uni-versal. Essa organização da história universal é, na verdade, um fato europeu. Em outros países, o passado pode ser organizado de modo diferente, já que são outros os pontos de referência.
No ensino da História Temática, essa temporalidade linear, com sua visão europo-cêntrica colonialista do quadripartismo, deve ser problematizada e analisada como uma construção historicamente determinada.
Para se falar em ética, cidadania, crítica à sociedade de consumo, sustentabilidade, revisão de valores e do conteúdo das ações, o professor deve assumir-se como sujei-to/cidadão, explicitar seus referenciais e ter a clareza de sua não-neutralidade diante do conhecimento. Para tanto, é importante que ele incorpore à sua prática a postura do pro-fessor-pesquisador, que busca construir o conhecimento.
Ensino e pesquisa dessa forma são elementos indissociáveis também no Ensino Fundamental e Médio. Para o professor-pesquisador, programas e conteúdos pré-determinados, exteriores à sua interação com os alunos e ao meio que os cerca, são insu-ficientes. Os conteúdos e a organização dos mesmos em um programa devem ser estabe-lecidos com base em situações-problema construídas na experiência conjunta entre pro-fessor e aluno.
Nessa concepção, professor e aluno são sujeitos que produzem um saber que se concretiza na relação ensino/aprendizagem. O que norteia sua ação é a busca de respos-tas às perguntas surgidas na construção do objeto de estudo. Para eleger os eixos temáti-cos e definir o objeto de estudo, é importante partir-se de questões da “realidade” local que estejam inseridas no mundo contemporâneo. Assim, em vez de simplesmente estu-dar uma localidade, o historiador escolhe como ponto de partida algum elemento da vida que seja, por si só, limitado tanto no tempo como no espaço – um tema que será usado como uma janela para o mundo.
A escolha de temas é o resultado de discussões coletivas que incluem o grupo classe, os professores, orientação e a comunidade escolar. Partir de questões problema-tizadas do presente para recuperar a historicidade do próprio conhecimento histórico requer tempo, ritmo de trabalho diferenciado e uma equipe de educadores comprometi-da com o seu presente, disposta a aprender entre si e com seus alunos.
Os temas problematizados tornam-se o próprio objeto de estudo, permitindo a seleção dos conteúdos, os possíveis recortes temáticos e a formulação de novas pergun-tas que orientem o desenvolvimento da pesquisa. Entretanto, o trabalho escolar não se esgota no senso comum e no levantamento de perguntas.
Trabalhar com a metodologia da História Temática exige que, frente a uma ques-tão-problema, passe-se a investigar o objeto de estudo – leituras de documentos de épo-ca, fichamento de textos, debate e reflexão sobre as noções e conceitos em diferentes temporalidades com novos olhos. A questão principal passa a ser a construção de no-ções e conceitos próprios do pensamento histórico, como permanências e mudanças, diferenças e semelhanças, simultaneidades, dominação e resistência.
O trabalho em sala de aula a partir de eixos temáticos apresenta três momentos. O primeiro momento seria o da problematização. É preciso construir o objeto de estudo sob a forma de um conjunto de questões que precisa ir além dos “quando” e “onde” (embora estes sejam os dados iniciais) e permita levantar os “comos” e “porquês”. Este é o ponto de partida de uma História vista como um entrelaçar constante de tempos e espaços.
No momento seguinte, é feito o desenvolvimento do tema. Os problemas levan-tados são integrados num conjunto mais amplo, encaminhando estudos e reflexões que dêem conta do caráter histórico das experiências humanas. Os temas selecionados e seus possíveis recortes devem propiciar aos alunos situações de aprendizagem que utilizem os instrumentos próprios da História, além de outros que podem se constituir em vestí-gios/fontes da História. Nessa fase do trabalho, começa-se efetivamente a pesquisa, que pode ser feita em bibliotecas e, quando houver possibilidade, na Internet. Simultanea-mente, propõe-se a leitura de textos em diversas linguagens (historiográficos e docu-mentos de época, fontes iconográficas, mapas, tabelas, entre outros). O objetivo é con-textualizar, confrontar versões sobre o mesmo acontecimento, contrapor projetos e am-pliar as informações. É também no desenvolvimento do tema que, a partir das atividades desenvolvidas, são feitas pequenas sistematizações, com a finalidade de se construir sínteses parciais.
O terceiro momento consiste em sistematizar o material estudado. Não se trata simplesmente de recuperar a compreensão de cada material estudado isoladamente, mas de ordená-lo e organizá-lo à luz das questões levantadas na problematização inicial, com a compreensão de que este processo não é linear e que é necessário construir gene-ralizações e sínteses. A sistematização pode ser feita por meio da produção de um texto coletivo, da apresentação de seminários ou, ainda, de atividades que propõem a confec-ção de produtos em outras linguagens (produção de cartazes, de vídeos, páginas na In-ternet e textos jornalísticos).
Os registros dos alunos devem ser o ponto de partida para novas perguntas, pois esses são suas produções e apreciações que revelam seus próprios percursos de aprendi-zagem, constituem-se em conhecimento e os revelam como sujeitos não só da aprendi-zagem, como da história. No campo da aprendizagem, as dificuldades dos alunos repre-sentam também as dificuldades dos professores. Para superá-las, deve-se inseri-las em um contexto mais amplo, abrangendo sujeitos diversos.
A avaliação, nesta perspectiva, não se faz unicamente por meio de uma prova no fim de um bimestre, mas é caracterizada por um acompanhamento diagnóstico e contí-nuo da aprendizagem dos alunos, através dos registros do professor, identificando, ao longo do processo, os avanços e as dificuldades individuais e coletivas. Neste sentido, o professor é um orientador do trabalho de pesquisa e do processo de aprendizagem, sen-do de fundamental importância orientar seus alunos na realização de fichamentos, ma-pas conceituais, além de trabalhar com a elaboração e reelaboração de textos, bem como buscar os fechamentos dos temas e as aberturas para novas discussões.
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