28.10.11

O poder das amantes

Elas foram escolhidas por reis, mas não viraram rainhas. Mesmo sem coroa, algumas se tornaram tão poderosas que mudaram o mundo

por FERNANDA DE CASTRO LIMA | 04/10/2011 19h19

Desde pequena, Jeanne-Antoinette Poisson foi criada para ser a favorita de Luís 15. Bem-educada e perspicaz, conseguiu o que queria. Tornou-se a madame de Pompadour, uma das mulheres mais influentes da França. Como os casamentos reais eram fruto de acordos políticos e econômicos, o rei buscar amor e prazer nos braços de outras era natural. "Pais empurravam as filhas mais atraentes para os braços do rei, torcendo para que elas terminassem em sua cama", diz Robin Briggs, historiador da Universidade de Oxford (Inglaterra). "A amante tinha acesso direto ao rei e era vista como a mais interessada em seu bem-estar, além de ser uma fonte segura de informações sobre a corte", diz Kathleen Wellman, da Southern Methodist University, em Dallas (EUA). Daí vinha seu poder.

Panela velha

Nome: Diane de Poitiers (1499-1566)
Principal amante: rei Henrique 2º, da França
Esquisitice: ensinou posições sexuais para a rainha
Influência política: muito grande

Diane de Poitiers nasceu no último dia de 1499. Filha de nobres, casou muito jovem com Luís de Brézé, conde de Maulévrier, de 56 anos. Aos 18, com duas filhas, segurou no colo Henrique, futuro rei da França. Quando ficou viúva, afastou-se da corte por um longo período. Ao retornar, aos 30 anos, estava deslumbrante. O garoto Henrique encantou-se. Não se sabe, segundo a princesa Michael de Kent, o exato momento em que os dois viraram amantes. Henrique venerava aquela mulher quase 19 anos mais velha, mas se casou com a prima dela, Catarina de Médici. Quando ele tinha 17 anos, seu irmão mais velho e sucessor ao trono morreu. Diane, então, preparou o jovem amante para se tornar rei. Quando enfim virou monarca da França, em 1547, pôde assumi-la publicamente. Diane dava conselhos para assuntos de Estado e redigia as cartas oficiais, assinadas como “Henrique Diane”. Ela o encorajou a nomear ministros e tornou-se membro do Conselho Privado. Era tão devotada a Henrique que chegou a ensinar algumas posições sexuais à rainha, desesperada por não conseguir engravidar. Deve ter funcionado - Catarina teve 10 filhos. Henrique deu a Diane o castelo Chenonceau, joias, o título de duquesa de Valentinois e uma homenagem sem precedentes: uma moeda cunhada com a imagem da amada. Em 1559, durante os casamentos de sua irmã e de sua filha, Henrique organizou um duelo. A brincadeira acabou em tragédia: a lança do adversário entrou no olho do rei. Ele tinha 41 anos. Diana perdeu o amante e o poder político e foi banida da corte pela rainha. Morreu aos 67 anos.


Morriam por ela

Nome: Agustina Carolina Otero, La Belle Otero (1868-1965)
Principal amante: todos os reis e príncipes com quem se envolveu
Esquisitice: ganhou o apelido de “sereia dos suicidas”
Influência política: quase nenhuma


É difícil saber o quanto de sua biografia é verdadeira, já que a espanhola Carolina fantasiava histórias para se promover. Certo é que foi umas das dançarinas e cortesãs mais festejadas da Europa na belle époque. Dizia ser filha de uma cigana andaluz e de um soldado grego. Perdeu o pai ainda criança e passou a infância num internato. Aos 12 anos, aparentando muito mais, fazia shows de dança em salões. Foi para Lisboa e, nos teatros, passou a ser conhecida como La Belle Otero. Virou amante de um rico banqueiro e teve vários outros até se casar com um ator italiano - que abandonou ao pegá-lo na cama
com outra. Passou por Alemanha, Mônaco, Áustria, Rússia e Estados Unidos. Mas foi em Paris que alcançou seu auge com as apresentações na casa de espetáculos Folies-Bergère. Por todos os lugares, colecionou amantes reais. Entre eles, o czar Nicolau 2º, o príncipe Albert 1º de Mônaco, o rei Leopoldo da Bélgica, o príncipe Edward 7º do Reino Unido, Guilherme 2º da Alemanha, Alfonso da Espanha e o príncipe Pirievski, da Rússia - um dos 6 homens que teriam se matado por ela, o que rendeu à dançarina
o apelido de “sereia dos suicidas”. La Belle morreu aos 97 anos, de ataque cardíaco, pobre e sozinha.

De nobres a cocheiros

Nome: Barbara Villiers, condessa de Castlemaine (1641-1709)
Principal amante: rei Charles 2º, da Inglaterra
Esquisitice: era promíscua e tinha boca suja
Influência política: grande

Aos 18 anos, Barbara Villiers casou-se com o inglês Roger Palmer. Mas tornou-se amante de Charles 2º quando ele assumiu o trono, em 1660. Nove meses depois, dava à luz sua primeira filha. Palmer ganhou o título de conde de Castlemaine. No dia em que o rei se casou com a princesa portuguesa Catarina de Bragança, lady Castlemaine, numa afronta à nova rainha, pendurou “as mais finas camisolas e anáguas de linho por galhos e arbustos do jardim real”, conta Leigh Eduardo no livro Amantes. Dava palpites em negociações comerciais e favorecia algumas pessoas para depois cobrar o favor. Num debate com o rei, o premiê Clarendon disse que lady Castlemaine dava palpite demais. Charles o destituiu. Ela se deitava com qualquer um. Falava palavrões e gastava fortunas no jogo. Para pagar uma dívida de 30 mil libras, Charles usou o dinheiro de impostos. O ódio do povo desencadeou uma rebelião que resultou em bordéis queimados e homens condenados à morte. Após 8 anos, Charles a “aposentou”. Deu a ela o palácio de Nonsuch (que ela mandou demolir depois de depená-lo). Barbara morreu pobre aos 68 anos.

A barraqueira da Baviera

Nome: Lola Montez (1818-1861)
Principal amante: rei Ludwig 1º, da Baviera
Esquisitice: chicoteava quem atrapalhasse seu caminho
Influência política: grande – quase causou uma guerra civil


Maria Dolores Eliza Rosanna Gilbert, filha de um militar inglês, fugiu de um casamento arranjado e foi estudar dança na Espanha. Ao voltar para Londres, mudou de identidade: virou Lola Montez. Com direito a sotaque espanhol e cigarrilhas, fez sucesso nos teatros e correu o mundo. Em Berlim, em 1844, teve um romance com o pianista Franz Liszt. Em Paris, ficou amiga de Alexandre Dumas, Chopin, Delacroix e Victor Hugo. Em Munique, não conseguiu se apresentar no teatro local e, irritada, marcou uma audiência com o rei. Cansada de esperar por Ludwig 1º, teve sua blusa rasgada por um guarda ao tentar invadir seus aposentos. Ele a viu com o seio quase de fora - foi o início do relacionamento que chocou a Europa. O governo de Ludwig, até então pautado pela Igreja, balançou com as ideias anticlericais da amante. Ela derrubou o primeiro-ministro, torrava o dinheiro do rei, cuspia e dava chicotadas em quem tivesse ideias contrárias às suas. Ludwig, temendo uma rebelião, pediu que ela deixasse o país. Em 1857, quando a rainha da Baviera morreu, Lola aceitou o pedido de casamento de Ludwig, que abdicara do trono. Mas abandonou o marido ao descobrir que ele tinha sífilis.

Encantos de bruxa

Nome: Françoise Athénaïs, madame de Montespan (1641-1707)
Principal amante: rei Luís 14
Esquisitice: acusada de praticar magia negra
Influência política: pouca

Françoise-Athénaïs era bonita, tinha um belo corpo e postura impecável. Conheceu Luís 14 em 1661, no esplendor de seus 20 anos. O rei estava casado com Maria Teresa de Espanha, mas tinha um apetite sexual famoso no reino. Françoise, casada com o marquês de Montespan, estava insatisfeita com as jogatinas e com a arrogância do marido. O “encaixe” entre a bela e o monarca, entretanto, não foi imediato. Em 1664, Françoise foi escolhida como uma das damas de honra da rainha Maria Teresa. Em 1667, aí sim, virou amante de Luís 14. Inconformado, o marquês de Montespan pôs-se em luto, colocou enormes chifres em sua carruagem e adornou sua própria cabeça. Motivo de chacota, o rei o baniu de Paris. Em 1678, uma vidente embriagada falou de poções de envenenamento. Teve início uma investigação, chamada de “Câmara Ardente”, que revelou uma rede de bruxas e feiticeiras envolvendo nobres e padres. Françoise foi acusada de ter feito magia (com sacrifício de crianças e outras barbaridades) contra o rei e suas novas amantes. Em 1691, ela foi convidada a se retirar de Versalhes. Deixou o castelo insultando o rei, dizendo que fora obrigada a aguentar o cheiro dele por 12 anos - Luís tinha fama de não ser chegado a banhos e de exalar um odor infernal. //

Fonte:

Cruzada naval

3 meses antes da Batalha de Lepanto, em 7 de outubro de 1571, tropas turcas do sultão Selim 2º tomaram a ilha de Chipre à República de Veneza. Os venezianos pediram ajuda ao papa Pio 5º, que convenceu Gênova e Espanha a prepararem a revanche. O rei espanhol enviou seu meio-irmão Juan de Áustria para a briga. O príncipe comandou uma força naval que encerrou a era de conquistas muçulmanas no mediterrâneo depois de uma vitória arrasadora, que dizimou a frota turca.

por ERNANI FAGUNDES / ilustração DIEGO DE ALMEIDA | 04/10/2011 18h35

O sucesso dos cristãos em Lepanto é fruto de uma ironia. Os turcos otomanos foram os primeiros a utilizar canhões - contra os cristãos do Império Bizantino no final da Idade Média. Graças ao poder da pólvora e à fé no islã, deixaram sua terra natal, perto do mar de Aral, e avançaram em direção ao Oriente Médio e à Europa. Os turcos conquistaram sucessivamente a Ásia Menor e depois, com o desenvolvimento das bombardas - canhões fixos e pesados -, capturaram a poderosa fortaleza de Constantinopla, sede da Igreja Bizantina e futura Istambul, em 1453, seguida pela invasão da Sérvia, em 1459, da Albânia, em 1486, e do Peloponeso, na Grécia, em 1499.

Não satisfeito, o sultão Selim 1° derrubou a dinastia safávida na Pérsia em 1514 e empreendeu a conquista do Egito no ano seguinte. Dessa forma, o poder dos canhões havia transformado os turcos nos novos senhores do Mediterrâneo. Em 1570, a invasão de Chipre, que pertencia aos venezianos, era só mais uma etapa de um plano maior, o de invadir Roma e formar um gigantesco império otomano no coração da cristandade. Os turcos não contavam com que, do lado cristão, houvesse um rei poderoso, Felipe 2º da Espanha (1527-1598), da Casa dos Habsburgos. Com a ajuda do papa Pio 5º, ele formou o que ficou conhecido como Liga Católica.

Os católicos corriam o risco de perder o domínio total sobre o rico comércio do Mediterrâneo, sobretudo quando, na mesma época, as guerras religiosas contra os protestantes e a Reforma infestavam o centro do continente europeu. Mas não se tratava só de dinheiro. O Ocidente enfrentava uma questão de sobrevivência.

Entre as novidades tecnológicas para enfrentar os muçulmanos estava a construção de canhões mais leves e eficientes - e foram eles que atiraram primeiro. Algumas fontes indicam que o número de armas de fogo do lado cristão na Batalha de Lepanto era de 1 815, contra cerca de 750 dos turcos. Diante da imprecisão dos documentos, o que se pode afirmar é que os cristãos estavam mais bem armados, mas com menos barcos e soldados que os muçulmanos, fato que definiu a vitória. O cenário da batalha pintado em grandes quadros e relatos indicam que as 5 longas horas de combate intenso espelham uma situação curiosa. Apesar de ser travada no mar, a infantaria foi fundamental no combate. Tantos barcos numa faixa estreita levaram a abordagens e ao combate corpo a corpo, a única tática possível para os turcos por causa da artilharia cristã. Mas os combatentes ocidentais usavam armaduras contra escudos, lanças e roupas leves dos otomanos.

Morreram quase 30 mil homens - cerca de 20 mil turcos e 9 mil cristãos. Acredita-se que 100 mil pessoas se envolveram no combate - e 18 mil escravos cristãos foram libertados das galés apreendidas. Vitorioso, o jovem príncipe Juan de Áustria foi presenteado por seu meio-irmão com o governo dos Países Baixos. Felipe 2º foi aclamado como "salvador da cristandade" pelo papa. //

A batalha

Os muçulmanos tinham mais homens e barcos. Os cristãos, o dobro de canhões. A artilharia definiu Lepanto. Clique para ampliar o infográfico abaixo:

Fonte:

Incesto real

Os casamentos entre parentes de dinastias europeias eram arranjados para favorecer alianças políticas. Mas geraram descendentes com problemas físicos e mentais. Nos Habsburgos, a sequela mais visível era o queixo protuberante

por PEDRO PROCÓPIO | 04/10/2011 19h02

Conta-se que, ao pisar na Espanha pela primeira vez, Carlos 5º, do Sacro Império Romano-Germânico, ouviu o grito de um homem do povo: "Majestade, feche a boca, pois as moscas deste país são muito insolentes". Corria o ano de 1517, e o abusado camponês, se existiu, percebeu de cara um defeito no nobre nascido na cidade de Gante (atual Bélgica) que vinha assumir o trono espanhol. Carlos 5º (e 1º da Espanha), que lá estava como herdeiro de seus avós maternos, Isabel 1ª de Castela e Fernando 2º de Aragão, os chamados Reis Católicos, era dono de um queixo descomunal. Tanto que não conseguia unir os lábios e impedir o acesso de possíveis insetos voadores, ficando com o ar apalermado, que teria motivado o gracejo do petulante plebeu.

Seu feio trineto Carlos 2º da Espanha, além da coroa, levou de brinde a deformação óssea da face conhecida como prognatismo - a mandíbula se projeta em relação ao maxilar e o lábio inferior se torna mais saliente. No caso de Carlos 2º, o queixão acarretava dificuldades de mastigação e de fala. Os Carlos, você deve ter reparado, partilhavam de um defeito genético. Estigma marcante durante séculos nos Habsburgos, a poderosa dinastia originária da Suíça, à qual pertenciam os dois monarcas, o prognatismo ficou tão identificado com a família que é conhecido também como mandíbula ou lábio de Habsburgo ou de Áustria. Os rostos desses e de outros soberanos - Filipe 4º da Espanha, pai de Carlos 2º, por exemplo - estão bem documentados em pinturas. Considerada a hipótese de que os pintores de corte - mesmo um mestre como Diego Velázquez - amenizavam os traços para não irritar seus retratados, é possível imaginar queixadas mais avantajadas ainda.

O culpado de tudo isso - o primeiro Habsburgo prognata - foi possivelmente Ernesto 1º da Áustria (1377-1424). Se a praxe fosse buscar gente de outras origens para os casamentos, o gene queixudo de Ernesto encontraria novos DNA s e provavelmente sumiria em sua descendência. Acontece que os Habsburgos, como outros nobres, apreciavam matrimônios com parentes, a endogamia. Era um jeito de preservar o sangue azul e estabelecer alianças políticas. A falta de "sangue novo" na herança genética, no entanto, perpetuava (e acentuava) características físicas indesejáveis, provocava o surgimento de doenças congênitas e aumentava a mortalidade infantil naquelas famílias.



Geneticistas espanhóis traçaram a árvore genealógica de Carlos 2º e constataram que sua carga genética era equivalente à de um incesto entre irmãos ou entre pais e filhos. "Provavelmente, o gene do prognatismo atuava combinado com outros, o que fazia com que alguns dos Habsburgos apresentassem a má-formação e outros não", afirma Jaime Anger, cirurgião plástico do Hospital Israelita Albert Einstein de São Paulo.

O prognatismo aberrante não era a única desgraça de Carlos 2º, sugestivamente alcunhado de "o Enfeitiçado". Só começou a andar aos 4 anos e tinha desarranjos intestinais e febres, além de certo atraso mental. De todas as mazelas, nada superou, para fins dinásticos, sua incapacidade de gerar um herdeiro em seus dois casamentos - Carlos seria estéril. Quando morreu, aos 38 anos, aparentava uma idade muito mais avançada.

Além do célebre queixo de Habsburgo, discute- se a presença de outros males de origem genética transmitidos pelos repetidos casamentos entre parentes das dinastias europeias. A porfiria, um distúrbio do metabolismo, permaneceu por muito tempo sendo a explicação para a insanidade mental do rei George 3º do Reino Unido (1738-1820). Nos anos 1960, apareceram artigos com títulos como A Insanidade do Rei George 3º: Um Caso Clássico de Porfiria e Porfiria nas Casas Reais de Stuart, Hanôver e Prússia, escritos pelos psiquiatras e historiadores Ida Macalpine e Richard Hunter. Segundo essa visão, Mary Stuart (1542-1587) seria a primeira personalidade documentada a passar a enfermidade adiante em sua árvore genealógica. No entanto, há outras hipóteses para a instabilidade de George - em cujo reinado os Estados Unidos se tornaram independentes dos ingleses. Já na década de 40, falava-se em psicose maníaco-depressiva. Timothy Peters, da Universidade de Birmingham, num estudo do ano passado, prefere considerar a possibilidade de transtorno bipolar. Como a porfiria não tem uma manifestação visual facilmente identificável em pinturas e não se desenterraram os nobres para fazer um diagnóstico retrospectivo, cravar explicações científicas definitivas é mais difícil que no caso do escancarado prognatismo mandibular.

Outra enfermidade que foi tida como praga endogâmica é a hemofilia, que teria se espalhado como verdadeira "doença real" por culpa da rainha Vitória do Reino Unido (1819-1901). Há que se considerar dois fatos. Primeiro, que Vitória provavelmente não herdou o gene hemofílico dos costumeiros matrimônios entre parentes - no caso dela, teria ocorrido uma mutação cromossômica espontânea. Outra é que casamentos entre primos (Vitória se casou com um de primeiro grau, Albert) raramente aumentam as chances de uma possível transmissão desse transtorno da coagulação sanguínea. Isso posto, Vitória, de fato, legou a hemofilia a algumas pessoas de sua farta descendência. Entre elas, figura o bisneto Alexei Nikolaevich Romanov, herdeiro do trono russo assassinado em 1918, aos 13 anos, pelos bolcheviques. Tudo isso era especulação até 2009, quando se publicaram os resultados de exames de DNA feitos em ossos dos Romanovs descobertos dois anos antes. Comprovado: Vitória passou ao menino que não foi czar a hemofilia B, segundo tipo mais comum da doença.



O rei "Paquita"

Características como elevado apetite sexual e loucura foram associadas aos Bourbons ao longo do tempo. O rei Fernando 6º da Espanha (1713-1759) teria transado com a mulher agonizante, Bárbara de Bragança. Seu meio-irmão e sucessor, Carlos 3º, era obsessivo: fazia tudo sempre exatamente nos mesmos horários. A mandíbula de Áustria, em virtude de ancestrais comuns, também se fez presente no rosto dos Bourbons.

Como os Habsburgos, eles também se casaram muito entre si. Uma das histórias mais curiosas está ligada à rainha Isabel 2ª da Espanha (1830-1904) e ao seu marido, o rei consorte Francisco 1º (1822-1902). Ambos eram primos em dose dupla - o pai dele era irmão do pai dela, e a mãe dele era irmã da mãe dela. Acontece que Francisco era gay, e Isabel começou a pular a cerca. Nos salões e nas ruas de Madri, Francisco tinha o apelido de Paquita (Chiquinha). Existe até a possibilidade de os 11 filhos de Isabel (só 5 chegaram à idade adulta) não serem de Francisco. Por essa tese, o rei Afonso 12, bisavô do rei atual, Juan Carlos 1º, seria fruto de um caso de Isabel com o capitão Enrique Puigmoltó. Se assim foi, as traições de Isabel serviram como antídoto contra os males da endogamia bourbônica.

Clã internacional

A instituição do matrimônio consanguíneo levou à formação de um grande clã internacional de monarcas. O inglês e o russo médios tinham (e ainda têm) tipos físicos distintos, mas o mesmo se podia dizer de dois soberanos que reinavam separados por milhares de quilômetros. George 5º do Reino Unido (1865-1936) e o czar Nicolau 2º da Rússia (1868-1918) eram netos do rei Christian 9º da Dinamarca, apelidado de “o sogro da Europa” graças ao sucesso dos casamentos políticos de seus filhos. Os primos George e Nicolau mais pareciam gêmeos (veja foto na pág. ao lado). Em 1893, quando George, então príncipe e duque de York, casou-se, a plebe presente à cerimônia, em Londres, chegou a se confundir ao ver o convidado Nicolau.

Por essa época, a mandíbula de Habsburgo já havia cruzado o oceano e chegado ao Brasil. Produto de casamentos entre parentes e com diferentes sobrenomes dinásticos nas costas – Bragança, Orleans, Habsburgo, Bourbon -, o nosso dom Pedro 2º (1825-1891) também foi prognata. Seu avô, dom João 6º, era filho de um tio com uma sobrinha. Seu pai, dom Pedro 1º, e sua mãe, a imperatriz Leopoldina (filha do imperador do Sacro Império Romano-Germânico e, portanto, Habsburgo de alta linhagem), eram primos em segundo grau. João, Pedro e Leopoldina tinham o queixo deslocado para a frente. Em As Barbas do Imperador, a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz defende que Pedro 2º deixou os pelos crescerem no rosto para parecer mais velho e respeitável. Reza outra lenda que o visual servia mesmo para camuflar o queixão.



A endogamia, no entanto, não se restringiu às monarquias europeias. Exemplos são encontrados no Egito antigo, onde havia casamentos entre irmãos. Cleópatra casou-se com dois, o Ptolomeu 13 e o 14. Em Roma, ocorriam enlaces entre primos, caso de Nero e Claudia Octavia. Há indícios de que os incas na América do Sul também casavam irmãos e irmãs sem drama de consciência Ainda que haja nobres que gostem de se casar entre si, existe uma diversificação bem maior de fontes conjugais. O rei Eduardo 8º, em dezembro de 1936, abdicou do trono britânico para se unir a Wallis Simpson, uma americana duas vezes divorciada. Quem ficou no seu lugar foi George 6º, o gago retratado no filme O Discurso do Rei e pai da rainha Elizabeth. Filipe de Bourbon, filho de Juan Carlos 1º da Espanha e da rainha Sofia, casou-se em 2004 com a plebeia Letizia Ortiz. O príncipe William, filho de Charles e Diana, encontrou nos corredores da faculdade sua carametade, Kate Middleton. A outrora fechada família europeia de monarcas, de uns tempos para cá, é capaz até de aceitar em seu seio um descendente do lendário e irreverente camponês espanhol. Aquele do mosquito na boca do rei.

Fonte:

http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/historia/incesto-real-642361.shtml

América de cabo a rabo

América de cabo a rabo

Em 1928, pilotando um Ford Modelo T e uma caminhonete, 3 homens saíram do Brasil rumo aos EUA. Inspirados pelo sonho do pan-americanismo, queriam provar que era possível unir as Américas nem que fosse por meio de uma rodovia

por Fernanda de Castro Lima / Ilustrações: Índio San | 13/09/2011 18h38

Três homens saíram do Brasil rumo aos EUA pilotando um Ford Modelo T - o popular Ford Bigode, o fusquinha de seu tempo - para cruzar 15 países e percorrer 28 mil km. Seu sonho é unir as três Américas ao rasgar uma estrada entre elas. A missão logo se mostraria muito mais dura, sofrida e perigosa do que eles podiam imaginar.

Ainda em território brasileiro - estavam perdidos havia dias no Pantanal matogrossense -, uma onça atacou 3 cães que caminhavam ao lado daquele estranho objeto sobre rodas. O mecânico Mario Fava, um dos integrantes do trio de aventureiros, atirou no animal. Mesmo ferido, o felino saltou sobre ele e o derrubou. Seu amigo Francisco, com o auxílio de um dos 5 índios que os ajudavam a sair da mata, cravou um facão no crânio do bicho. Atordoada, a onça agora era presa fácil para os cães, que a mataram e comeram.

Essa foi só uma das muitas aventuras da comitiva. A ideia da rodovia surgiu em 1923, na 5ª Conferência Internacional dos Estados Americanos, no Chile. Passados 5 anos da reunião, porém, o projeto ainda era considerado impossível. O tenente do Exército Leônidas Borges de Oliveira decidiu provar que era viável, sim, a construção da Carretera Panamericana, como seria chamada a futura obra. Para ajudá-lo, convidou o oficial da Aeronáutica Francisco Lopes da Cruz, amigo que sabia tudo de engenharia. Quando a dupla passou pela região de Pederneiras (SP), o mecânico Mário Fava, que sonhava conhecer os EUA, ofereceu-se para acompanhá-los. E foi.

A façanha é contada pelo historiador Beto Braga no livro O Brasil Através das Três Américas. Ele soube do episódio em 1998, quando morava na Bolívia e conheceu o filho do comandante Oliveira, que lhe mostrou anotações feitas pelo pai. “Foram 8 anos de pesquisas para o livro”, diz o autor. A expedição teve apoio financeiro do presidente Washington Luís e patrocínio do jornal O Globo, que doou o carro ao grupo.

Batizado de Brasil, o Ford T saiu do Rio de Janeiro no dia 16 de abril, aplaudido por uma multidão. Em São Paulo, os expedicionários ganharam um reforço: a caminhonete Modelo T, presenteada pelo Jornal do Commercio. O automóvel recebeu o apelido de São Paulo. O primeiro contratempo viria em Bauru (SP): dinheiro, fotos, documentos e a ata da viagem foram roubados. No Mato Grosso, deram de cara com a tal onça-pintada. Quase um ano depois da partida, alcançaram a fronteira paraguaia. Dos 2652 km percorridos até lá, mais da metade era de trilhas e picadas.

Hóspedes de honra
O Paraguai vivia um momento de forte tensão com a Bolívia. Havia uma disputa pela região do Chaco que se estendia desde a época colonial. A fronteira entre os dois países passava por ali e não era bem definida. A descoberta de gás e petróleo na Bolívia resultaria, 4 anos depois, na guerra mais sangrenta da América no século 20, a Guerra do Chaco. Mesmo no centro desse furacão, o presidente paraguaio, José Guggiari, encontrou-se com os brasileiros e os declarou hóspedes de honra.

Recepções com pompa e circunstância, aliás, se repetiram em muitos lugares. Eram acolhidos com festa por autoridades e moradores. Muitos ajudavam na tarefa de abrir caminhos - alguns por vontade própria e outros recrutados pelos exércitos locais. No Peru, o trio encarou um obstáculo colossal: a cordilheira dos Andes. Lá, Mário Fava mostrou ser um sujeito de sorte, pois escapou duas vezes da morte. No dia 21 de outubro de 1929, São Paulo caiu num abismo - ele só sobreviveu porque o automóvel, na queda, ficou preso em uma árvore. Oito dias depois, enquanto a Bolsa de Nova York despencava, o carro Brasil também ia precipício abaixo. E o mecânico escapou por pouco outra vez.



Beto Braga considera Fava o grande herói da expedição. Graças a seus conhecimentos, mantinha os carros funcionando mesmo na base do improviso. Na Bolívia, por falta de álcool (combustível do Ford T), o carro foi abastecido com uma bebida indígena feita de milho. Na Colômbia, encheram os pneus desgastados com capim - o que provocou outro acidente que quase esmagou Fava. O “Intrépido Mecânico”, como era chamado pela imprensa, também tinha talento de conquistador - teria se envolvido com inúmeras mulheres durante a jornada.

Enquanto o grupo passava pelo Equador, recebeu a notícia de que Getúlio Vargas assumira o poder, com a Revolução de 1930. No Panamá, os carros foram desmontados para cruzar os rios, os viajantes viram, espantados, índios loiros de olhos azuis (homens albinos da tribo dos cunas), encontraram a delegação olímpica brasileira a caminho de Los Angeles e souberam que, no Brasil, São Paulo tentava derrubar Getúlio e promulgar uma nova Constituição - era a Revolução Constitucionalista de 1932.

Os viajantes e o revolucionário
Na Nicarágua, o grupo se encontrou com o guerrilheiro Augusto Sandino. O líder popular pretendia derrotar a ditadura da família Somoza. Mas havia firmado um acordo com o governo e entregara grande parte de suas armas. Vítima de uma armadilha, foi executado. Os brasileiros tiraram a última foto do revolucionário, dois dias antes de sua morte. Já durante a passagem pelo México, o comandante Oliveira se apaixonou pela médica Maria Buenaventura Gonzáles, que seria sua companheira por toda a vida. Enquanto isso, em 1935, o movimento comunista, liderado por Luís Carlos Prestes, ganhava força no Brasil. Mas não o suficiente para derrubar Getúlio.

A ditadura se instaurava no Brasil à medida que os expedicionários cruzavam os EUA. Lá, o grupo se encontrou com Henry Ford, que quis (mas não conseguiu) comprar os valentes carros Brasil e São Paulo para tê-los no acervo do museu de sua fábrica. Em Cleveland, os brasileiros precisaram de uma autorização especial para dirigir, que foi assinada pelo “intocável” Eliot Ness, o agente que prendeu Al Capone. Em Washington, foram recebidos por Franklin Roosevelt. O presidente americano entregou uma carta de reconhecimento da nação à expedição. Durante os quase dois anos que passaram nos EUA, a intenção do grupo era persuadir governo e empresários a investir 100 milhões de dólares na construção da rodovia. Calculava-se que todo o trajeto da Carretera custaria em torno de 500 milhões de dólares - os governos de cada país bancariam boa parte dos custos.

Dez anos depois da saída do Brasil, os carros e o grupo voltaram de navio para casa. Reuniram-se com Getúlio, que lhes homenageou dando o nome da terra natal de cada integrante a ruas do Rio de Janeiro (Bariri, Descalvado e Florianópolis). Leônidas foi nomeado cônsul privativo do Brasil na Bolívia e ocupou o cargo por mais de 20 anos. Mário Fava, um tempo depois, rumou para o norte, abrindo a estrada Belém-Brasília. O Ford Brasil está hoje no Museu dos Transportes, na capital paulista, e o São Paulo apodrece nos arredores do Museu do Ipiranga. Ainda que com trechos improvisados, já existe uma Carretera ligando o norte ao sul do continente, do Alasca (EUA) à Patagônia, no sul do Chile. O primeiro país a concluir a obra foi o México, em 1950. O trecho da estrada que deveria ser construído no Brasil até hoje não saiu do papel.

"A intenção da expedição em unir as três Américas, como uma só nação, o verdadeiro espírito do pan-americanismo, antecede o Mercosul e outros acordos. A façanha dos expedicionários, mesmo valorizada na época, virando notícia de capa nos jornais, ficou no esquecimento”, diz Braga. Desde 16 de abril deste ano, ele e sua família estão refazendo o trajeto original (e incluindo outros pontos não percorridos pela expedição). "Os resultados vêm me surpreendendo. Grandes historiadores vinculados às principais universidades estão dando seguimento às pesquisas, e autoridades estão assumindo o compromisso de erguer monumentos em homenagem aos brasileiros”, diz ele. Braga mantém um blog como diário de bordo e álbum de fotos da viagem. Até o fim de julho, já havia cruzado a América do Sul e a Central e passava pelos EUA.

Oitenta e três anos depois, ainda há trechos que se mantêm como os descritos pelos expedicionários. Na região do rio Atrato, da selva de Urabá e de El Darién, na divisa entre Colômbia e Panamá, ainda não foi construída a Carretera Panamericana. “A principal diferença entre as nossas viagens é que eles fizeram história, e eu simplesmente tento resgatá-la.”

América do Sul

Siga o mapa e veja por onde passou a viagem:

1- BRASIL
Ao som da Banda Marcial e do burburinho da multidão em frente à sede do jornal O Globo, no Rio de Janeiro, o tenente Oliveira, o engenheiro Lopes da Cruz e o mecânico Mario Fava partem em um Ford T no dia 16 de abril de 1928 para descobrir, percorrer e projetar uma estrada que ligaria as Américas. A Expedição Brasileira de Estudos da Carretera Panamericana é recebida em Petrópolis pelo presidente Washington Luís. Em São Paulo, ganham uma caminhonete modelo T. No dia 2 de fevereiro de 1929, eles chegam ao último ponto do Brasil na rota, em Ponta Porã (PR).

2 - PARAGUAI
Floresta no nordeste: uma tempestade arranca do chão o rancho onde dormiam. Depois de 2 meses viajando dentro da mata, chegam a Villa Rica - cansados, barbudos, com infecção intestinal e febre.

3 - ARGENTINA
As rodovias eram boas e o país vivia uma expansão econômica, o que tornava a ligação entre Buenos Aires e a Carretera conveniente. São recebidos por ministros e têm 3 meses de tranquilidade.

4 - BOLÍVIA
Deslumbram-se com a cordilheira dos Andes e com os animais da região - veem de perto lhamas, vicunhas, alpacas e o gigante condor. Com a ajuda de cães que acompanham a excursão, caçam coelhos para comer.

5 - PERU
Tablachaca: Fava escapa por pouco de um acidente grave. Chegam doentes a Andahuailas. Após uma longa convalescença, seguem rumo à cordilheira. Levam 4 meses para atravessá-la.

6 - EQUADOR
Azuay: no dia 19 de outubro de 1930, desgovernado, o Ford Brasil rola 100 m ribanceira abaixo. Fava fica preso nas ferragens. O cachorro Tudor, que acompanhava o grupo, morre no acidente.

7 - COLÔMBIA
Picadas de insetos formam grandes feridas. Em Cali, o solo dos Andes destrói os pneus, que são enchidos com capim. Na selva de Urabá, os carros cruzam os rios desmontados.

8 - PANAMÁ
Colón: a expedição visita o canal do Panamá. Cidade do Panamá: o presidente, Ricardo Javané, fica impressionado com o fato de o grupo ter conseguido atravessar de carro a selva de Urabá, um feito inédito.

9 - NICARÁGUA
Manágua: o líder guerrilheiro Augusto Sandino recebe a expedição na capital. Ele havia fechado um acordo de paz com o governo, mas foi vítima de uma armação em 21 de fevereiro de 1934. Morreu metralhado.

10 - HONDURAS
Em apenas 8 dias, percorrem o trecho hondurenho (187 km) que faria parte da futura Carretera Panamericana.

11 - GUATEMALA
Cidade da Guatemala: os carros são consertados e ganham pneus novos. O presidente, Jorge Ubico, lhes dá uma grande quantia em dinheiro.

12 - MÉXICO
Huixtla: são obrigados a atravessar rios sem pontes. Em San Jerônimo, Oliveira quase morre por causa de uma infecção intestinal. Na cordilheira do Oaxaca, o trajeto é aberto à custa de força física.

13 - ESTADOS UNIDOS

Austin: apresentam o projeto ao prefeito e ao governador. Detroit: Henry Ford faz questão de conhecer os aventureiros e oferece um bom dinheiro para ter os carros Brasil e São Paulo no museu de sua fábrica. Oliveira, Fava e Cruz recusam e seguem viagem. Washington, DC: Franklin Roosevelt reconhece a expedição em carta.

Fonte:

http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/historia/america-cabo-rabo-639918.shtml

Os mitos por trás do zodíaco

O homem enxergou no céu referências para se orientar no tempo e no espaço. Viu também imagens que reproduziam os deuses e suas façanhas. Esse legado atravessou o tempo e está presente em nosso dia a dia
RICARDO MUNIZ

A trajetória do Sol, as fases da Lua e a rotação do céu noturno foram as primeiras grandes referências que o homem descobriu e usou para se orientar no tempo e no espaço. A necessidade dessas referências cresceu há 10 mil anos, com o desenvolvimento da agricultura. E cresceria ainda mais no início das grandes navegações, nos séculos 15 e 16.
Mas foi há 3 mil anos que as civilizações do Crescente Fértil, a região atravessada pelos rios Nilo, Tigre e Eufrates (no Oriente Médio), esboçaram os primeiros estudos do céu - personificando fenômenos astronômicos na figura de deuses. Os sacerdotes da Mesopotâmia estabeleceram as constelações do zodíaco por volta do século 5 a.C. Elas não serviam para traçar o destino dos indivíduos em função da data de nascimento, como faria depois o horóscopo, mas para dar consultoria ao rei sobre a iminência de tempos difíceis.
A necessidade de referências, combinada à compulsão em dar sentido a tudo - incluindo o aparente caos celestial -, levou o homem a criar no firmamento, ligando estrelas com linhas imaginárias, um conjunto de imagens que simbolizam o enredo de alguns de seus mitos.
O nome das constelações vem da mitologia grega - algumas delas, os helênicos herdaram de povos da Mesopotâmia. E nós herdamos deles. A de Aquário, por exemplo, lembra o sequestro de um jovem e belo troiano, Ganimedes, que foi obrigado a servir de copeiro no Olimpo. A titular da vaga era Hebe, deusa da juventude, filha de Zeus, mas ela largou o batente quando se casou com Hércules (herói que também ganhou uma constelação). Distraído enquanto se divertia com os amigos no monte Ida, Ganimedes foi raptado por Zeus, que estava de olho naquela beleza toda. Entre suas atribuições oficiais estava servir o néctar (a "água" da imortalidade) aos deuses. "Aquário", na Antiguidade, era o escravo responsável pela água - daí a constelação ser representada por um homem derramando líquido de um jarro.

Loteamento
A União Astronômica Internacional, fundada em 1919, na França, não se atreveu a abandonar todo o simbolismo que reina nas alturas quando a Délimitation Scientifique des Constellations loteou o firmamento em 88 grupos, em 1930. "Talvez alguém se incomode que, em pleno século 21, ainda façamos referência à mitologia quando falamos de constelações. Mas tudo é histórico. Tudo é cultural. São ‘causos’ que marcam a cultura ocidental", afirma Walmir Thomazi Cardoso, mestre em História da Ciência, doutor em Educação Matemática e professor do Departamento de Física da PUC-SP. "O arranjo que acabou por se consolidar presta uma homenagem às origens históricas da astronomia", avalia Marcelo Gleiser, professor de Física Teórica e Astronomia do Dartmouth College (EUA).
Os gregos antigos descreveram mais da metade dessas 88 constelações reconhecidas pela União Astronômica. Quarenta e oito delas foram registradas nos volumes 7 e 8 da Composição Matemática, a obra mais importante de Cláudio Ptolomeu (90-168), célebre astrônomo de Alexandria. Os volumes só foram resgatados do esquecimento graças à admiração e ao zelo dos árabes, que traduziram a Composição, batizando-a de Almagesto. O trabalho de Ptolomeu é fortemente influenciado pela obra de Eudóxio de Cnido, de aproximadamente 350 a.C. A essa natural transmissão de legado entre pensadores corresponde uma verdadeira corrida, de cultura para cultura, que marca o conhecimento astronômico que chegou até nós.
Entre os séculos 16 e 18, astrônomos e cartógrafos celestes europeus, por sua vez, adicionaram novas constelações às 48 consolidadas por Ptolomeu. Em sua maioria, eram descobertas feitas pelos primeiros exploradores do Hemisfério Sul. Entre quem fez contribuições particulares para a nova safra estão os astrônomos Johannes Hevelius e Nicolas de Lacaille, os cartógrafos Houtman, Keyser, Mercator e Plancius e o navegador Américo Vespúcio. Lacaille, por exemplo, saiu batizando constelações, 14 ao todo, com as designações de aparelhos das ciências e das artes. Foi assim que ele prestou seus respeitos a itens como o forno químico, usado para destilação, e a máquina pneumática - sim, existe a constelação do Forno e a constelação da Máquina Pneumática.

O céu não é mais aquele
Mas o loteamento celeste que faz mais sucesso é o zodiacal, e aí não importa que a poluição atmosférica e o excesso de luzes urbanas tenham tornado difícil ver alguma coisa quando se olha para o céu noturno. Para chegar à divisão do zodíaco - 12 signos, de 30 graus cada um -, foram necessárias muitas observações precisas e uma aritmética elaborada. Os babilônios empregavam a numeração sexagesimal, mantida até hoje na divisão do círculo em 360 graus e na divisão do dia em 24 horas.
Por causa de um dos mais de 20 movimentos da Terra, chamado precessão, o eixo dos polos não aponta sempre para uma mesma estrela. Hoje o eixo mira Polaris, mas, na época dos egípcios, a estrela “polar” era Thuban - e daqui a 12 mil ou 13 mil anos será Vega. Como a nomenclatura atual das constelações do zodíaco foi codificada há 2 mil anos, o céu já mudou. E o zodíaco de hoje é ligeiramente diferente. Previsivelmente, o pensamento científico repudia a devoção persistente ao horóscopo - o que pouco se reflete no grande público consumidor das previsões para seus signos.
Ainda assim, ai de quem ousar mexer no horóscopo. Parke Kunkle, da Sociedade Planetária de Minnesota, apareceu no início deste ano falando em precessão, que os signos astrológicos não correspondem ao lugar real das coisas na abóbada celeste... E ainda por cima atreveu-se a afirmar que deveria haver um novo signo (ofiúco, ou serpentário). Kunkle foi alvo da ira planetária do numeroso e antiquíssimo fã-clube do horóscopo.

Carneiro (Áries)
Representa o carneiro cujo velocino (a pele recoberta com a lã) é de ouro. Jasão e os argonautas fazem viagem épica para levar o velocino à Grécia

Touro
Representa o disfarce usado por Zeus para levar a princesa Europa da Fenícia para Creta, cruzando o mar Mediterrâneo a nado, com Europa nas costas

Gêmeos
Suas estrelas mais brilhantes são Castor e Pólux, os gêmeos da mitologia grega. Em dezembro, meteoros parecem partir de um ponto perto de Castor

Caranguejo (Câncer)
O Caranguejo atacou Hércules em sua luta contra a Hidra de muitas cabeças. Mas foi esmagado pelo pé do herói

Leão
Uma das poucas constelações que realmente lembram o que representa. Refere-se ao leão de couro impenetrável eliminado por Hércules no primeiro de seus 12 trabalhos

Virgem
Têmis, a deusa da Justiça. De tão desgostosa com o mau comportamento dos homens, refugia-se no céu

Balança (Libra)
Representa a balança da Justiça, segurada por Virgem. Os gregos antigos viam aqui as garras da constelação vizinha, de Escorpião
Escorpião
É quem mata Órion, um caçador e guerreiro que também nomeia uma constelação. No coração da constelação fica a estrela vermelha Antares
Sagitário
Representa Croto, um filho de Pã (o bode com cauda de peixe). Croto inventou o arco e a flecha e tornou-se caçador
Capricórnio
A menor do zodíaco, tem forma de um bode com rabo de peixe. Representa o deus Pã. Para escapar do monstro marinho Tífon, Pã pulou em um rio
Aquário
Um jovem derramando água de uma jarra. Representa Ganimedes, um bonito pastor de ovelhas raptado por Zeus para servir néctar no Olimpo
Peixes
Conta a história de outra fuga do monstro Tífon. Afrodite e seu filho Eros mergulham no rio Eufrates, transformados em peixes, para escapar da besta marinha.
Fonte:
http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/historia/mitos-zodiaco-639109.shtml

A prostituição no Renascimento


Algumas prostitutas da renascença acumulavam riquezas e tinhas amantes na aristocracia.

Por Rainer Sousa

Se no período medieval as prostitutas eram alvo de um dilema entre a fé e a necessidade, percebemos que os tempos da renascença empreenderam um outro conjunto de questões e valores a esse mesmo tipo de atividade. Afinal de contas, o desenvolvimento das cidades estabeleceu um crescimento de tal atividade entre os vários homens que circulavam entre as feiras e casas de comércio daquela época.

Nesses novos tempos, percebemos que a marginalização das prostitutas através do uso de roupas e acessórios especiais começou a perder a sua força. De fato, esses ícones de exclusão social passaram a ser necessariamente empregados somente quando uma mulher sofria uma punição judicial pelos crimes de adultério, licenciosidade ou prostituição. No mais, não é muito difícil perceber que o ofício das prostitutas sofreu uma notável valorização.

As mais famosas cortesãs dessa época não ficavam disponíveis em bordéis. Muitas delas viviam em ambiente recluso e tinham a oportunidade de escolherem deliberadamente a quem desejavam prestar os seus serviços. Aquelas que se envolviam com amantes ricos poderiam formar uma grande fortuna. Entretanto, esse tipo de oportunidade só era possível entre as prostitutas que eram limpas, tinham boa aparência, vestiam-se bem, falavam mais de uma língua, tocavam instrumentos e recitavam poemas.

Ainda que os bordéis populares ainda perdurassem, as prostituas já viviam uma situação diferente por meio dessas exigências e elementos de distinção. Segundo algumas pesquisas, os países católicos se destacavam por dar maior espaço a uma prostituição que servia como entretenimento da aristocracia. Já nos países tomados pelo protestantismo, a perseguição era rígida ao ponto de marcarem o corpo das prostitutas com ferro quente, espancá-las em público ou cortarem seus cabelos.

Em tempos de intensa atividade comercial, algumas cidades mercantis se preocupavam com a adoção de leis e políticas que regulamentassem o exercício da prostituição. Afinal de contas, um núcleo urbano não era afamado somente pelas especiarias que vendia em suas feiras. Em alguns casos, as prefeituras locais organizavam sistemas de aposentadoria às suas prostituas ou organizavam o bordel como um espaço público, no qual parte dos ganhos era tomado como imposto.

O veneno que matou Napoleão Bonaparte


A morte de Napoleão: um mistério que chama a atenção de vários estudiosos.

Por Rainer Sousa

Ao vencerem Napoleão Bonaparte na batalha de Leipzig, as nações monarquistas que lutaram contra o célebre general esperavam enterrar de vez as promessas liberais que fomentaram a chegada deste militar ao poder. Não bastando a derrota, as forças monarquistas tiveram o cuidado de isolar o imperador francês na ilha de Elba. A precaução aparentemente exagerada acabou se justificando quando Napoleão fugiu do lugar e voltou a assumir a França no chamado “Governo de Cem Dias”.

Tentando reassumir o poder, Napoleão Bonaparte acabou sendo novamente derrotado na Batalha de Waterloo. Desta vez, preocupados em não cometer o mesmo equívoco, as forças que o venceram decidiram isolá-lo na afastada ilha de Santa Helena, situada no Atlântico Sul. A grande preocupação da época era anular a figura de Napoleão sem que para isso fosse necessário matá-lo. Isso porque a morte pela espada poderia conferir ao antigo imperador a condição de mártir do ideário liberal.

Passados seis anos do isolamento em Santa Helena, Napoleão Bonaparte acabou falecendo de uma complicação gástrica não muito bem conhecida na época. Com o passar do tempo, muitos chegaram a sugerir que o estadista sofresse de algum tipo de câncer. No entanto, outros ainda debatiam sobre a possibilidade de Napoleão ter morrido por envenenamento, já que a sua morte poderia sepultar qualquer possibilidade de instabilidade ao tradicional poder monárquico europeu.

Chegando à segunda metade do século XX, cientistas se mostraram interessados em descobrir de que modo o legendário francês havia morrido. Na década de 1960, uma junta de cientistas britânicos conseguiu detectar a presença de arsênico no organismo de Napoleão ao analisar os seus fios de cabelo. Sendo um tipo de veneno muito comum na época, diversas pessoas logo concluíram que os inimigos de Napoleão tramaram a sua morte pela ingestão da substância tóxica.

Passado algum tempo, algumas pesquisas colocaram em dúvida que o envenenamento tivesse ocorrido tendo em vista que diversos remédios dessa época levavam o mesmo elemento em sua composição. Em tempos mais recentes, a teoria de que Napoleão tivesse sido acometido por um câncer acabou sendo comprovada pelas roupas do “pequeno cabo”. Com o passar do tempo, o tumor estomacal diminuiu o seu apetite e, consequentemente, provocou seu emagrecimento.

Ainda não satisfeitos com essa explicação, um grupo de estudiosos da Universidade do Texas se debruçou na busca de uma explicação para o câncer que ceifou a vida de Bonaparte. Tendo provavelmente se desenvolvido a partir de uma úlcera, os pesquisadores norte-americanos concluíram que o câncer foi uma consequência da ingestão regular da ração oferecida aos exércitos franceses no período em que o governo napoleônico se debruçava em guerras.

Geralmente, a comida oferecida nos campos de batalha era farta em carne e outros alimentos conservados com bastante sal. Além disso, era rara a presença de algum vegetal ou fruta que viesse a contrabalancear uma dieta tão calórica. Supondo que Napoleão se submeteu a esse tipo de dieta por um longo período, os cientistas concluíram que o modo de vida alimentar foi o grande “veneno” que determinou a morte dessa figura histórica.

Há 50 anos, Berlim era cenário de confronto no Checkpoint Charlie

No dia 27 de outubro de 1961, o mundo inteiro voltou os olhos para Berlim: tanques de guerra norte-americanos e soviéticos posicionaram-se na rua Friedrichstrasse, frente a frente - ambos a postos, prontos para atirar.

Tanques nas ruas: um dos principais atos da Guerra Fria

Tanques nas ruas: um dos principais atos da Guerra Fria


O secretário-geral do Partido Comunista da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, Nikita Krushov, havia negociado meses a fio, sem sucesso, com o então novo presidente norte-americano, John F. Kennedy. Krushov queria que Berlim se tornasse uma "cidade livre", fora da responsabilidade das potências aliadas vencedoras da Segunda Guerra Mundial. Aos poucos – assim era o plano – os setores ocidentais da metrópole dividida deveriam então ser "integrados" à Alemanha Oriental.

Agosto de 1961: construção do Muro

Kennedy rejeitou a ideia, e Krushov deu então às lideranças da RDA (República Democrática Alemã, de regime comunista) o sinal verde para a construção do Muro de Berlim. Na manhã do dia 13 de agosto de 1961, os operários alemães orientais começaram as obras, que deveriam marcar os limites da "capital da RDA", como dizia a cúpula do partido único SED, da parte ocidental da cidade.

Krushov e Kennedy: negociações em 1961
Krushov e Kennedy: negociações em 1961
A Guerra Fria chegava a um novo ápice, e as reações do Ocidente não ficaram apenas na esfera da indignação diplomática. Uma semana mais tarde, o vice-presidente norte-americano Lyndon B. Johnson visitava Berlim e prometia aos alemães ocidentais que os EUA garantiriam sua liberdade. Mas com o Muro eles teriam que conviver, acrescentou ele.

Ao mesmo tempo, os comandantes aliados marcavam as fronteiras da cidade, nas quais os militares ocidentais e diplomatas estrangeiros poderiam passar pelos postos de controle sem serem detidos, a fim de chegar à Alemanha Ocidental ou à parte oriental da cidade. Um destes postos foi colocado no cruzamento das ruas Friedrichstrasse com Zimmerstrasse. Poucos dias mais tarde, os norte-americanos começaram a construir uma pequena casinha de madeira, para controle da fronteira, bem no meio da Friedrichstrasse.

Checkpoint Charlie

Por ali, militares e diplomatas podiam continuar cruzando as fronteiras entres os setores ocidental e soviético da cidade, sem terem que se submeter ao controle militar e do serviço secreto da Alemanha Oriental. O significado desse "Checkpoint Charlie", como o posto de transição ficou conhecido, cresceu depois que o ministro do Interior da RDA impôs aos aliados ocidentais que os diplomatas estrangeiros e os militares só poderiam cruzar a fronteira usando aquele ponto quando quisessem passar do Ocidente para a Alemanha Oriental sem serem controlados.

Posto de controle Checkpoint Charlie nos anos 1980
Posto de controle Checkpoint Charlie nos anos 1980
O próximo passo que levou a uma escalada do conflito aconteceu algumas semanas depois: a liderança da RDA quis que também no Checkpoint Charlie fossem realizados controles de fronteira. Quando um oficial norte-americano quis passar para o outro lado da cidade para ir ao teatro, foi detido por seguranças da Alemanha Oriental. Eles queriam dar o exemplo e, ao mesmo tempo, testar a reação do Ocidente. A resposta veio de imediato: uma escolta armada apareceu na hora e forçou a passagem do oficial norte-americano.
No centro de Berlim: tanques soviéticos avançavam
Tanques de guerra dos dois lados

O assessor pessoal do presidente norte-americano, general Lucius Clay, ordenou que, dado o acirramento da situação, tanques de guerra fossem estacionados na parte ocidental do Checkpoint Charlie. Os sinais para a União Soviética foram claros: até ali e não mais, pois a liberdade de Berlim Ocidental seria garantida.

Diante desta "provocação imperialista" – como Krushov, líder do Kremlin, via a questão – tanques de guerra foram também enviados ao Checkpoint do lado oriental, fazendo com que, naquele momento, mais de 30 tanques cheios de munição ficassem estacionados frente à frente, no meio de Berlim, protagonizando um dos principais atos da Guerra Fria. As tropas estavam a ponto de disparar suas armas, como os soldados envolvidos viriam a declarar mais tarde.

Nem o governo da então Alemanha Ocidental nem os líderes do partido único SED, na Berlim Oriental, participaram das decisões nas horas que se seguiram. Tudo ficou nas mãos das superpotências União Soviética e EUA. O então general soviético Anatoly Gribkov lembrou anos mais tarde, em entrevista a um documentário produzido pela emissora alemã ARD, que a situação do comando superior soviético era considerada de "perigo". A instrução do Kremlin era de não "dar nenhum sinal de provocação", recordou o general.


No centro de Berlim: tanques soviéticos avançavam

Recuo de dez metros

A solução para o conflito veio após um telefonema entre Krushov e Kennedy. Aquela era a primeira prova do chamado "telefone vermelho", ou seja, de uma linha direta entre Moscou e Washington. Embora os dois políticos houvessem ordenado às suas tropas para reagir com violência, em caso de violência, nenhum dos dois tinha interesse em um confronto bélico aberto naquele momento.

Kennedy perguntou ao chefe do Kremlin, que mantinha uma linha de comunicação direta com o comando soviético em Berlim Oriental, se seus tanques de guerra poderiam recuar um pouco. Neste caso, os tanques americanos iriam também recuar. Krushov aceitou e imediatamente depois acontecia no Checkpoint Charlie uma cena fantasmagórica: como se estivessem sendo manipulados pela por uma mão do além, os tanques soviéticos recuaram primeiro e os americanos recuaram dez metros a seguir, onde ficaram estacionados. Embora as metralhadoras dos dois lados ainda estivessem empunhadas, o perigo de que alguém disparasse, de fato, havia sido afastado.

Autor: Matthias von Hellfeld
Fonte:DW