POR LÉO NOGUEIRA
Lênin, aos 4 anos, já mostrava as feições típicas dos mongóis. Na juventude tinha afinidades com literatura e Filosofia, e poucos acreditavam que se tornaria um revolucionário |
Um espectro ronda o legado de Lênin - o fantasma do totalitarismo. O principal líder da Revolução Russa teria sido, antes de tudo, um totalitário? Vladimir Ilitch Ulianov, revolucionariamente conhecido somente como Lênin, criou um modelo de Estado que foi o alicerce do futuro regime stalinista? Essas são algumas das questões suscitadas pelo livro A guerra particular de Lênin, da jornalista inglesa Lesley Chamberlain. A tese central da obra é que o governo de Josef Stálin (1879-1953) não foi uma anomalia, mas o resultado natural do modo como se organizou a então nascente burocracia da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Para sustentar essa idéia, a autora narra um episódio desconhecido da maioria e apontado por ela como paradigmático da arbitrariedade que viria a se tornar comum na Era Stálin: a expulsão de 69 intelectuais da Rússia, entre 1922 e 1923, pelo já doente Lênin. O líder bolchevique, denominação pela qual é conhecida a facção do Partido Operário Social- Democrata Russo, então comandada por ele, morreria meses mais tarde, em 21 de janeiro de 1924.
A lista dos exilados que a escritora compilou foi formulada a partir de pesquisas realizadas em quatro órgãos: o Arquivo Estatal Russo de História Social e Política; o Arquivo do Presidente da Federação Russa; o Centro Russo para Conservação e Estudo de Documentos da História Contemporânea; e o Arquivo Central do Serviço Federal de Segurança da Rússia (que substituiu a antiga KGB, sigla pela qual era conhecida a agência de inteligência da então União Soviética). O número de degredados muda de acordo com a fonte analisada. Entretanto, a autora optou por reunir em sua obra somente os nomes de indivíduos que foram expulsos do país a partir das cidades de Moscou e Petrogrado, entre maio de 1922 e março de 1923. Quando inseridos na conta final os familiares dos banidos, a cifra ultrapassa duas centenas. "Assim, eu sugeriria um número total de cerca de 220 pessoas deportadas da Rússia, homens e mulheres de todas as idades e crianças, todas as quais tiveram suas vidas violentamente abaladas por uma ação governamental sem precedentes", escreve Lesley na página 312 do livro. Para a jornalista inglesa, o "acontecimento foi um escândalo". "Os deportados estavam entre os homens mais conhecidos e altamente qualificados da Rússia", garante. "Embora eles nunca pudessem ter se identificado dessa forma, os banidos de 1922 foram os primeiros dissidentes do totalitarismo soviético", avalia. "O contexto é uma demonstração de como o Estado totalitário Lêninista foi criado e quais as lições que Stálin aprendeu com ele", considera a autora. "Lênin foi pioneiro na divisão entre um mundo ocidental que acreditava na liberdade e uma Rússia que não acreditava. A deportação em massa de uma grande parcela da intelligentsia foi um ato terrível", analisa. Há, porém, um descompasso entre a concepção da escritora britânica, que fala textualmente em "Estado totalitário Lêninista", e o juízo de historiadores brasileiros sobre o mesmo assunto.
Lênin e Stálin em foto de 1922: a aproximação se deu depois que o revolucionário indicou o georgiano para integrar o Comitê Central do Partido Bolchevique em 1912, depois de um longo período de fidelidade aos princípios Lêninistas |
ORDEM OU REPRESSÃO?
Marco Antonio Villa, professor de História da Universidade Federal de São Carlos, discorda do mote do livro de Lesley. "Totalitarismo é o nazismo. Se fosse totalitarismo, a URSS não teria terminado como terminou, ou seja, quase que sem derramamento de sangue. O nazismo terminou depois de um banho de sangue de milhões de mortos", lembra. Osvaldo Luis Angel Coggiolla, professor de História Contemporânea da Universidade de São Paulo (USP), tem uma opinião parecida com a de Villa. Para ele, a maneira como o regime soviético ruiu indica o erro dos historiadores que apregoavam que a URSS "era o totalitarismo que tinha dado certo" e que só "deixaria de existir com uma guerra externa". "Porque se dizia que a União Soviética era o totalitarismo que tinha dado certo. Enquanto o hitleriano nazista e o fascista não deram certo, o da União Soviética tinha funcionado", esclarece. "Só que foi de fato o totalitarismo hitleriano que só foi derrotado por uma guerra externa. Não se viu uma grande tendência da população alemã a derrubar Hitler. E, ao contrário, o chamado totalitarismo soviético não houve necessidade de nenhuma guerra externa, foi minado pelas suas próprias contradições. Desse ponto de vista, a história desmentiu as análises do totalitarismo soviético. Mostrou que ele estava eivado de contradições que motivaram o fim da União Soviética", disse o historiador.
"Totalitarismo é o nazismo. Se fosse totalitarismo, a URSS não teria terminado como terminou..."
De fato, o assunto demonstra muitas nuances conceituais. Tanto que, no segundo capítulo do livro, a autora, digamos, contemporiza a própria análise, embora não abandone a essência da sua tese: "Aquela ainda não era a Rússia de Stálin, em que contar a piada errada poderia enviar um homem para o gulag, mas algo ficou claro desde o fim da União Soviética, quando os arquivos foram liberados; é como o terror pós-revolucionário imediatamente orquestrado por Lênin criou as bases para as piores instituições soviéticas quinze anos depois". Gulag talvez seja um termo estranho para quem não viveu o período da Guerra Fria (1945-1991), mas essa palavra foi um dos símbolos da repressão stalinista. Gulag era o nome dado aos campos de trabalhos forçados da antiga União Soviética. Nesses locais, que funcionaram entre 1923 e 1986 (aproximadamente), foram aprisionados tantos criminosos comuns quanto dissidentes políticos. O período de maior atividade desses campos foi entre o final dos anos 1920 e o começo dos 1950. Coggiolla novamente rejeita a dissertação de Lesley Chamberlain. "Como a revolução produziu muitos fatos, eles são alinhavados de tal modo para fazer demonstrar uma ou outra tese", avalia. Para Coggiolla, é possível que não houvesse, por parte de Lênin (e o docente também cita Leon Trótski), "uma consciência clara de que algumas medidas que eles adotaram em caráter provisório pudessem levar a algum tipo de poder de natureza burocrática ou totalitária". O historiador lembra do processo de dissolução do Exército Vermelho, após o fim da guerra civil russa, que teve no início de 1918 e terminou cerca de três anos mais tarde. Na sua avaliação, Trótski (1879-1940), outro líder importante da Revolução Russa, teve condições de fazer "uma reflexão crítica a respeito de algumas medidas que foram adotadas naquela época". Coggiolla explica que a desmobilização de "muitos milhões" de combatentes levou para a vida civil "hábitos de verticalismo que depois acabaram favorecendo a emergência de um poder totalitário". "E a esse fato Trótski atribuiu uma grande importância", acrescenta.
Adversários políticos e criminosos dividiam o campo de trabalho forçado na ditadura de Stálin, na União Soviética |
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"Lênin era muito mais esperto nas lutas de bastidores do que todos os demais, inclusive Stálin"
Trótsky, Lênin e Kamenev reunidos em uma celebração congressista em 1919. Os principais personagens do socialismo soviético que tornaram real a Revolução Russa |
Lênin e Trótski na região de Petrogrado, vivendo a Revolução de Outubro, quando os bolcheviques ganharam nas eleições municipais e Trótski foi eleito na Seção Trabalhista do Soviete de Petrogrado |
Em a Era dos extremos, o historiador britânico Eric Hobsbawn argumenta que, "como um bom general", Lênin não queria discussões em suas fileiras, mas que o líder da Revolução Russa não podia prever o que se tornaria a União Soviética sob o comando de Stálin. Além disso, segundo o historiador marxista, não haveria indícios de que Lênin teria tolerado um regime dessa natureza. "Não é verdade que um bom general não permita discussão em suas fileiras. Hobsbawn seria incapaz de provar essa frase. Agora, Lênin, como bom discípulo da escola social-democrática européia, era um tipo com evidentes tendências autoritárias", comenta Daniel Aarão Reis Filho, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). "Nas condições russas, marcadas fundamentalmente por tendências autoritárias; nas condições de seu partido, quase sempre na clandestinidade. Não é nada surpreendente que um partido revolucionário fosse dirigido por um líder com tendências autoritárias. O contrário seria muito surpreendente", avalia Reis filho. O autor de Revolução russa: 1917-1921 e Revoluções russas e o socialismo soviético ainda acrescenta: "Agora, concordo com a idéia de que Lênin, por sua sofisticação teórica e política, jamais teria consentido com os horrores cometidos sob Stálin. Por outro lado, ele era muito mais esperto nas lutas de bastidores do que todos os demais, inclusive Stálin. Se tivesse mantido a saúde, é provável que almoçasse Stálin antes que Stálin o jantasse. Mas isto é pura especulação". O professor Coggiolla também diverge da tese exposta por Hobsbawn, sobre como Lênin encarava cisões dentro do partido ou do movimento bolchevique. Entretanto, o historiador reconhece que, em dado momento, Lênin propôs "que o debate das divergências fosse limitado". "Não é correta essa afirmação. Lênin não era hostil às divergências, isso está absolutamente claro. Ele era hostil, isto sim, às divergências que comprometiam a revolução", acredita. "Por isso apoiou a posição de Trótski, de que o oficialato do antigo regime czarista poderia ser aproveitado no novo exército revolucionário", explica o docente. "Lênin tinha uma idéia clara de que centralização e democracia no debate eram conceitos que eram complementares, mas, ao mesmo tempo, também contraditórios e que, em dado momento, devia prevalecer a centralização e, em dado momento, devia prevalecer a democracia. Acho que esse ponto ele tinha claro. Isso para ele estava claro. Lênin não tinha problemas com as divergências", avalia o professor de História Contemporânea da Universidade de São Paulo, instituição fundada em 1934. "Agora, em dado momento, Lênin propôs que o debate das divergências fosse limitado. A proibição das frações, adotada no Congresso de 1921, é uma limitação no debate, sem a menor dúvida, embora não fosse a proibição de qualquer opinião divergente. Ou seja, o partido poderia continuar discutindo, poderia continuar havendo divergências, mas que não se organizassem como frações, porque isso iria inviabilizar a atuação do partido. Agora, está claro que essa proibição foi transformada em permanente posteriormente", ressalta Coggiolla. "E se poderia dizer que os bolcheviques falharam em não deixar claro, no momento da adoção da proibição, o caráter transitório que ela tinha. Deixaram aberta a possibilidade de que alguém a interpretasse, como foi o que aconteceu, como definitiva", lamenta Coggiolla. Quando fala em "alguém", o historiador refere-se, ainda que não explicitamente, ao líder supremo da União Soviética no período posterior ao de Lênin: Josef Stálin. Para Marco Antonio Villa, autor de Jango: um perfil (1945-1964), a teoria do historiador nascido em Alexandria (Egito) durante o domínio britânico é uma interessante conjectura. "Ficamos mais no terreno da adivinhação. Pode ser que Hobsbawn tenha razão, mas não significa que não teria repressão em uma URSS sob liderança de Lênin (como teve entre 1917-1922, basta recordar a repressão aos anarquistas da Ucrânia)", responde o professor de História da Universidade Federal de São Carlos.
Discurso de Lênin à sua tropa, em 1920 (Moscou) De lado, Trótsky, que acreditava que a enfantaria czarista deveria ser reutilizada em prol da Revolução |
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DISSENSÃO DA INTELIGENTSIA
Uma das pinturas representativas do Bolchevismo, de Boris Kustodiev, que representa de forma clara o termo "Maioria", que deu origem ao nome. Abaixo, uma das estátuas de Lênin, no Grutas Park, na região da Lituânia |
Lesley Chamberlain escreve na introdução de A guerra particular de Lênin, sobre o perfil dos intelectuais expulsos por ordens diretas do mais notório líder da Revolução Russa: "Eles escreviam os livros e jornais que a maioria moderada ainda lia em 1922. Lecionavam em universidades, institutos e escolas para os quais tanto os bolcheviques quantos os cadetes ainda enviavam seus filhos. Eram homens de destaque nas profissões acadêmicas e jornalísticas que pouco antes tinham experimentado um renascimento, com a liberalização e profissionalização da última década de czarismo. Muitos eram professores, e meia dúzia de altos administradores de universidades, conhecidos por sua experiência técnica e serviços prestados ao Estado". Aqui cabe uma explicação: kadets (ou cadetes) eram os integrantes do Partido Constitucional Democrata (C.D. em russo, daí o motivo dessa denominação). O nome oficial dessa facção política, no entanto, era Partido da Liberdade do Povo. "Composto de liberais pertencentes às classes abastadas, os cadetes eram o grande partido da reforma política", explica John Reed (1887-1920) no clássico 10 dias que abalaram o mundo. "Ao estourar a Revolução, em março de 1917, foram os cadetes que formaram o primeiro governo provisório", esclarece o célebre jornalista norte-americano. O comando da Rússia pelos cadetes durou somente um mês. O historiador Osvaldo Coggiolla julga que os vitoriosos da Revolução Russa reconheciam os "serviços prestados" pelos intelectuais aos quais Chamberlain se refere. Para o professor de História Contemporânea da USP, Lênin "tentou preservar a intelectualidade". "Tentou porque queria fazer funcionar uma universidade, mas a deserção dos professores foi enorme e na verdade o bolchevismo, uma vez no poder, se viu obrigado a tentar a reconstituir uma universidade que a revolução praticamente desfez", avalia. "O poder bolchevique teve enormes dificuldades para fazer funcionar o aparelho do Estado porque a maioria da burocracia estatal não apoiava o bolchevismo. E para fazer funcionar também a universidade porque a maioria dos professores universitários não apoiou o bolchevismo", entende Coggiolla. "A grande maioria dos intelectuais que ocupavam cargos acadêmicos eram hostis ao bolchevismo", acrescenta o docente. Para o historiador, a "raiz" dessa hostilidade era fruto de uma tentativa, por parte dos intelectuais em questão, de "preservar uma posição privilegiada que tinham na sociedade antiga". "O bolchevismo lidou com esse problema e sem dúvida que, lidando com um problema que era tão complexo e apoiando-se principalmente nas massas mais deserdadas, não teve a menor dúvida de que algum tipo de ato que hoje poderia se considerar como de barbárie ou qualquer coisa do tipo foi cometido", admite Osvaldo Coggiolla.
O poder bolchevique teve enormes dificuldades para fazer funcionar o aparelho do Estado porque a maioria da burocracia estatal não apoiava o bolchevismo
Além de rejeitar o caráter totalitário de Lênin, dois dos três historiadores ouvidos pela reportagem questionaram a própria idéia de totalitarismo, cerne da dissertação de Lesley Chamberlain. "Rejeito o conceito de totalitarismo por considerá-lo empobrecedor e reducionista no estudo dos processos históricos. Estados, partidos e líderes políticos cultivaram propostas totalitárias - tudo dominar, dominar todos os planos da sociedade -, mas elas sempre se mostraram inviáveis, e tanto mais inviáveis quando mais complexas se tornaram as sociedades humanas", escreveu, por e-mail, Daniel Aarão Reis Filho. "Numa outra dimensão, o conceito tem uma lógica que tende a superestimar a eficácia do político, esquecendo que o político, apesar de eficácia própria, é, por sua vez, condicionado à expressão da sociedade como um todo. E não esqueçamos que, politicamente, o totalitarismo foi um conceito nefasto nos tempos da guerra fria, legitimando as propostas mais belicistas", avalia o professor da Universidade Federal Fluminense. Para o historiador da USP, a suposta propensão de Lênin ao totalitarismo "está envolvida em polêmica, é meio antiga e praticamente tudo o que podia ser dito a seu respeito já foi dito". "Que atualmente a idéia predominante seja aquela de que ele se remete a um Estado totalitário, reflete o estado ideológico do mundo, muito mais do que alguma nova descoberta histórica ou qualquer coisa desse tipo", acrescenta. "O próprio conceito de totalitarismo é questionável. Que significa totalitarismo?", indaga o docente. "O termo totalitarismo é utilizado como uma espécie de autoritarismo ao extremo. Já se incorporou à linguagem política e não há o que fazer", lamenta. O termo, continua o historiador, já se tornou "célebre" e "não é incorreto utilizá-lo". "Mas, como uma categoria de natureza teórica, ou seja, um governo sem fissuras e contradições, não resiste à análise", entende Coggiolla.
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Lênin em seu escritório no Kremlin, Rússia, em 1918 |
À esquerda, desfile militar na Praça Vermelha comemorando o Dia da Vitória, pela rendição do comando nazista em Maio de 1945. Acima, a última foto de Lênin, depois de três derrames, devido ao envenenamento progressivo produzido pelo chumbo da bala que não foi retirada em função do atentado de Fanny Kaplan, em 1918 |
Um eficaz, determinado e, quando necessário, pragmático líder revolucionário. Esse é um brevíssimo resumo das análises feitas por historiadores brasileiros sobre a personalidade de Vladimir Ilitch Ulianov, o Lênin. "Foi eficaz como criador e primeiro líder do partido bolchevique", avalia Marco Antonio Villa. Na opinião do professor, Lênin "montou um partido de quadros" e "liderou um processo revolucionário que para muitos estava fadado ao fracasso". "Venceu, tomou o poder e instituiu a ditadura do proletariado", acrescenta. Quando fala do tipo de líder que foi Lênin, Daniel Aarão Filho pensa em "um homem totalmente concentrado na revolução em que acreditava". "E no poder político central que queria ver tomado por seu partido", ressalta. O professor da Universidade Federal Fluminense, localizada no Estado do Rio de Janeiro, entende que o mais notório comandante da Revolução Russa foi de "uma ousadia sem limites". Osvaldo Coggiolla atribui ao líder bolchevique, entre outras, a característica do pragmatismo. "Todo mundo tem de ser pragmático. Pragmático no sentido de prático", avalia. "A nova política econômica foi adotada em 1921, Lênin disse muito tarde, deveríamos tê-la adotada antes. Honra seja feita, Trótski a propôs antes", esclarece Coggiolla. A NEP, sigla inglesa para a chamada Nova Política Econômica, restabeleceu algumas práticas capitalistas vigentes antes da tomada do poder pelos bolcheviques. A medida permitiu, por exemplo, que camponeses vendessem parte da produção agrícola livremente. Anteriormente, toda a produção era destinada ao poder estatal. "Claro, era um pragmático. Pragmático todos somos em alguma medida, certo?", pergunta o professor da USP. "Lênin queria ver o caráter concreto de uma situação concreta. É a famosa frase do Lênin: o marxismo é uma análise concreta de uma situação concreta. Lênin era evidentemente um político, mas um político com objetivos revolucionários e com uma constituição teórica profunda, o que não significa que não pudesse cometer erros. E ele próprio admitia os erros quando cometia", acredita Coggiolla. "Ele disse: foi adotada no verão de 1921, deveria ter sido adotada antes. Porque a economia soviética sofreu com a prolongação desnecessária do sistema de requisições obrigatórias que caracterizou o comunismo de guerra", entende o docente da Universidade de São Paulo.
"Lênin era evidentemente um político, mas um político com objetivos revolucionários..."
Ilustração que reúne três dos maiores nomes do comunismo: Lênin, Engels e Marx, pilares para a criação do marxismo-Lêninismo |
O professor Daniel Filho discorda da opinião de Coggiolla. Para o docente da Universidade Federal Fluminense, Lênin era um indivíduo "nada pragmático, mas aberto ao novo, ao imprevisto". "Ele gostava de citar uma frase de Goethe: "Todas as teorias são cinzentas. Verde e frondosa é a árvore da vida.". A NEP é um excelente exemplo disso, entre tantos outros ao longo de sua vida. Dizer que isto é pragmatismo é dar provas de dogmatismo", escreveu por e-mail. Para Eric Hobsbawn, um dos historiadores mais importantes do século XX, à queda do czar Nicolau II seguiu-se uma compreensível anarquia do povo russo. "O feito extraordinário de Lênin foi transformar essa incontrolável onda anárquica popular em poder bolchevique", defende Hobsbawm no livro a Era dos extremos. Na mesma obra, ele avalia que para vencer a guerra civil, ocorrida após a tomada do poder pelos bolcheviques, Lênin e seus partidários adotaram "as medidas necessárias". "Quem podia dar-se ao luxo de considerar as possíveis conseqüências a longo prazo, para a Revolução, de decisões que tinham de ser tomadas já, do contrário seria o fim da Revolução e não haveria outras conseqüências a considerar?", pergunta o historiador nascido em 1917, ano em que os comunistas russos alcançaram o poder. "Quando a nova República soviética emergiu de sua agonia, descobriu-se que essas medidas a haviam levado para um lado muito distante do que Lênin tinha em mente na Estação Finlândia", escreveu Hobsbawm, ele próprio um marxista.
Fonte:http://www.revistafilosofia.com.br/ESLH/Edicoes/11/imprime98021.asp