16.3.12
Socialismo
O sonho de uma sociedade igualitária, na qual todos tenham franco acesso à distribuição e à produção de riquezas, alimenta os ideais socialistas desde seu nascimento, no século XVIII, na sociedade que brotou da revolução industrial e dos anseios de "liberdade, igualdade e fraternidade" expressos pela revolução francesa.
Socialismo é a denominação genérica de um conjunto de teorias socioeconômicas, ideologias e práticas políticas que postulam a abolição das desigualdades entre as classes sociais. Incluem-se nessa denominação desde o socialismo utópico e a social-democracia até o comunismo e o anarquismo.
As múltiplas variantes de socialismo partilham uma base comum que é a transformação do ordenamento jurídico e econômico, baseado na propriedade privada dos meios de produção, numa nova e diferente ordem social. Para caracterizar uma sociedade socialista, é necessário que estejam presentes os seguintes elementos fundamentais: limitação do direito à propriedade privada, controle dos principais recursos econômicos pelas classes trabalhadoras e a intervenção dos poderes públicos na gestão desses recursos econômicos, com a finalidade de promover a igualdade social, política e jurídica. Para muitos teóricos socialistas contemporâneos, é fundamental também que o socialismo se implante pela vontade livremente expressa de todos os cidadãos, mediante práticas democráticas.
A revolução industrial iniciada na Grã-Bretanha na segunda metade do século XVIII estabeleceu um novo tipo de sociedade dividida em duas classes fundamentais sobre as quais se sustentava o sistema econômico capitalista: a burguesia e o proletariado. A burguesia, formada pelos proprietários dos meios de produção, conquistou o poder político primeiro na França, com a revolução de 1789, e depois em vários países. O poder econômico da burguesia se afirmou com base nos princípios do liberalismo: liberdade econômica, propriedade privada e igualdade perante a lei. A grande massa da população proletária, no entanto, permaneceu inicialmente excluída do cenário político. Logo ficou claro que a igualdade jurídica não era suficiente para equilibrar uma situação de profunda desigualdade econômica e social, na qual uma classe reduzida, a burguesia, possuía os meios de produção enquanto a maioria da população era impedida de conquistar a propriedade.
As diferentes teorias socialistas surgiram como reação contra esse quadro, com a proposta de buscar uma nova harmonia social por meio de drásticas mudanças, como a transferência dos meios de produção de uma única classe para toda a coletividade. Uma conseqüência dessa transformação seria o fim do trabalho assalariado e a substituição da liberdade de ação econômica dos proprietários por uma gestão socializada ou planejada, com o objetivo de adequar a produção econômica às necessidades da população, ao invés de se reger por critérios de lucro. Tais mudanças exigiriam necessariamente uma transformação radical do sistema político. Alguns teóricos postularam a revolução violenta como único meio de alcançar a nova sociedade. Outros, como os social-democratas, consideraram que as transformações políticas deveriam se realizar de forma progressiva, sem ruptura do regime democrático, e dentro do sistema da economia capitalista ou de mercado.
Precursores e socialistas utópicos. Embora o socialismo seja um fenômeno específico da era industrial, distinguem-se precursores da luta pela emancipação social e igualdade em várias doutrinas e movimentos sociais do passado. Assim, as teorias de Platão em A república, as utopias renascentistas, como a de Thomas More, as rebeliões de escravos na Roma antiga, como a que foi liderada por Espártaco, o cristianismo comunitário primitivo e os movimentos camponeses da Idade Média e dos séculos XVI e XVII, como o dos seguidores de Jan Hus, são freqüentemente mencionados como antecedentes da luta pela igualdade social. Esse movimento começou a ser chamado de socialismo apenas no século XIX.
O primeiro precursor autêntico do socialismo moderno foi o revolucionário francês François-Noël Babeuf, que, inspirado nas idéias de Jean-Jacques Rousseau, tentou em 1796 subverter a nova ordem burguesa na França, por meio de um levante popular. Foi preso e condenado à morte na guilhotina.
A crescente degradação das condições de vida da classe operária motivou o surgimento dos diversos teóricos do chamado socialismo utópico, alguns dos quais tentaram, sem sucesso, criar comunidades e unidades econômicas baseadas em princípios socialistas de inspiração humanitária e religiosa.
Claude-Henri de Rouvroy, conde de Saint-Simon, afirmou que a aplicação do conhecimento científico e tecnológico à indústria inauguraria uma nova sociedade semelhante a uma fábrica gigantesca, na qual a exploração do homem pelo homem seria substituída pela administração coletiva. Considerava a propriedade privada incompatível com o novo sistema industrial, mas admitia certa desigualdade entre as classes e defendia uma reforma do cristianismo como forma de atingir a sociedade perfeita.
Outro teórico francês importante foi François-Marie-Charles Fourier, que tentou acabar com a coerção, a exploração e a monotonia do trabalho por meio da criação de falanstérios, pequenas comunidades igualitárias que não chegaram a prosperar. Da mesma forma, fracassaram as comunidades fundadas pelo socialista escocês Robert Owen.
Marxismo e anarquismo. O papel do proletariado como força revolucionária foi reconhecido pela primeira vez por Louis-Auguste Blanqui e Moses Hess. Na metade do século XIX, separaram-se as duas vertentes do movimento socialista que polarizaram as discussões ideológicas: o marxismo e o anarquismo. Ao mesmo tempo, o movimento operário começava a adquirir força no Reino Unido, França e em outros países onde a industrialização progredia.
Contra as formas utópicas, humanitárias ou religiosas do socialismo, Karl Marx e Friedrich Engels propuseram o estabelecimento de bases científicas para a transformação da sociedade: o mundo nunca seria modificado somente por idéias e sentimentos generosos, mas sim por ação da história, movida pela luta de classes. Com base numa síntese entre a filosofia de Hegel, a economia clássica britânica e o socialismo francês, defenderam o uso da violência como único meio de estabelecer a ditadura do proletariado e assim atingir uma sociedade justa, igualitária e solidária. No Manifesto comunista, de 1848, os dois autores apresentaram o materialismo dialético com o qual diagnosticavam a decadência inevitável do sistema capitalista e prognosticavam a inexorável marcha dos acontecimentos rumo à revolução socialista.
As tendências anarquistas surgiram das graves dissensões internas da Associação Internacional dos Trabalhadores, ou I Internacional, fundada por Marx. Grupos pequeno-burgueses liderados por Pierre-Joseph Proudhon e anarquistas seguidores de Mikhail Bakunin não aceitaram a autoridade centralizadora de Marx. Dividida, a I Internacional dissolveu-se em 1872, após o fracasso da Comuna de Paris, primeira tentativa revolucionária de implantação do socialismo.
O anarquismo contou com diversos teóricos de diferentes tendências, mas nunca se converteu num corpo dogmático de idéias, como o de Marx. Proudhon combateu o conceito de propriedade privada e afirmou que os bens adquiridos mediante a exploração da força de trabalho constituíam um roubo. Bakunin negou os próprios fundamentos do estado e da religião e criticou o autoritarismo do pensamento marxista. Piotr Kropotkin via na dissolução das instituições opressoras e na solidariedade o caminho para o que chamou de comunismo libertário.
II Internacional e a social-democracia. Depois da dissolução da I Internacional, os socialistas começaram a buscar vias legais para sua atuação política. Com base no incipiente movimento sindicalista de Berlim e da Saxônia, o pensador alemão Ferdinand Lassalle participou da fundação da União Geral Alemã de Operários, núcleo do que seria o primeiro dos partidos social-democratas que se espalharam depois por toda a Europa. Proibido em 1878, o Partido Social Democrata alemão suportou 12 anos de repressão e só voltou a disputar eleições em 1890. Em 1889, os partidos social-democratas europeus se reuniram para fundar a II Internacional Socialista. No ano seguinte, o 1º de maio foi proclamado dia internacional do trabalho, como parte da campanha pela jornada de oito horas.
Eduard Bernstein foi o principal ideólogo da corrente revisionista, que se opôs aos princípios marxistas do Programa de Erfurt adotado pelo Partido Social Democrata alemão em 1890. Bernstein repudiou os métodos revolucionários e negou a possibilidade da falência iminente do sistema capitalista prevista por Marx. O Partido Social Democrata alemão cresceu extraordinariamente com essa política revisionista, e em 1911 já era a maior força política do país. A ala marxista revolucionária do socialismo alemão, representada por Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, manteve-se minoritária até a divisão em 1918, que deu origem ao Partido Comunista Alemão.
Na França, o socialismo também se desenvolveu entre duas tendências opostas: a marxista revolucionária de Jules Guesde e a idealista radical de Jean Jaurès, que rejeitava o materialismo histórico de Marx. Em 1905 as duas correntes se unificaram na Seção Francesa da Internacional Operária e entraram em conflito com a linha anarco-sindicalista de Georges Sorel e com os líderes parlamentares que defendiam alianças com partidos burgueses.
No Reino Unido, a orientação do movimento socialista foi ditada pela tradição do sindicalismo, mais antiga. Os sindicatos foram reconhecidos em 1875 e cinco anos depois surgiu o primeiro grupo de ideologia socialista, a Sociedade Fabiana. Em 1893, fundou-se o Partido Trabalhista, que logo se converteu em importante força política, em contraposição a conservadores e liberais.
Na Rússia czarista, o Partido Social Democrata foi fundado em 1898, na clandestinidade, mas dividiu-se em 1903 entre o setor marxista revolucionário, dos bolcheviques, e o setor moderado, dos mencheviques. Liderados por Vladimir Lenin, os bolcheviques chegaram ao poder com a revolução de 1917.
Os partidos socialistas e social-democratas europeus foram os maiores responsáveis pela conquista de importantes direitos para a classe dos trabalhadores, como a redução da jornada de trabalho, a melhoria nas condições de vida e de trabalho e o sufrágio universal. A II Internacional, no entanto, não resistiu à divisão promovida pela primeira guerra mundial e foi dissolvida. O Partido Social Democrata alemão, por exemplo, demonstrou dar mais importância ao nacionalismo do que aos interesses internacionalistas ao votar no Parlamento a favor dos créditos pedidos pelo governo para a guerra.
Dois fatores causaram a gradual redução do apoio popular ao socialismo nas décadas de 1920 e 1930: o sucesso da revolução russa, que fortaleceu o movimento comunista e atraiu numerosos trabalhadores em todo o mundo, e a implantação dos regimes fascista, na Itália, e nazista, na Alemanha. Em 1945, depois da segunda guerra mundial, os partidos socialistas e social-democratas restabeleceram a II Internacional e abandonaram progressivamente os princípios do marxismo. Em diversos países europeus, como Bélgica, Países Baixos, Suécia, Noruega, República Federal da Alemanha, Áustria, Reino Unido, França e Espanha, os partidos socialistas chegaram a ter grande força política. Muitos deles passaram a se alternar no poder com partidos conservadores e a pôr em prática reformas sociais moderadas. Essa política tornou-se conhecida como welfare state, o estado de bem-estar, no qual as classes podem coexistir em harmonia e sem graves distorções sociais.
As idéias socialistas tiveram bastante aceitação em diversos países das áreas menos industrializadas do planeta. Na maioria dos casos, porém, o socialismo da periferia capitalista adotou práticas políticas muito afastadas do modelo europeu, com forte conteúdo nacionalista. Em alguns países árabes e africanos, os socialistas chegaram mesmo a se aliar a governos militares ou totalitários que adotavam um discurso nacionalista. Na América Latina, o movimento ganhou dimensão maior com a vitória da revolução de Cuba em 1959, mas o exemplo não se repetiu em outros países. No Chile, um violento golpe militar derrubou o governo socialista democrático de Salvador Allende em 1973.
Fim do "socialismo real". Na última década do século XX chegou ao fim, de forma inesperada, abrupta e inexorável, o modelo socialista criado pela União Soviética. O próprio país, herdeiro do antigo império russo, deixou de existir. Nos anos que se seguiram, cientistas políticos das mais diversas tendências se dedicaram a estudar as causas e conseqüências de um fato histórico e político de tanta relevância. Dentre os fatores explicativos do fim do chamado "socialismo real" da União Soviética destacam-se a incapacidade do país de acompanhar a revolução tecnológica contemporânea, especialmente na área da informática, a ausência de práticas democráticas e a frustração das expectativas de progresso material da população. As explicações sobre o colapso da União Soviética abrangem os demais países do leste europeu que, apesar de suas especificidades, partilharam das mesmas carências.
A crise econômica mundial das duas últimas décadas do século XX, que teve papel preponderante no colapso da União Soviética, afetou também os países europeus de governo socialista ou social-democrata. Na França, Suécia, Itália e Espanha os partidos socialistas e social-democratas foram responsabilizados pelo aumento do desemprego e do custo de vida. Políticos e ideólogos neoliberais conservadores apressaram-se em declarar a morte do socialismo, enquanto os líderes socialistas tentavam redefinir suas linhas de atuação e encontrar caminhos alternativos para a execução das idéias socialistas e a preservação do estado de bem-estar social.
Socialismo no Brasil. Há evidências documentais de difusão de idéias socialistas no Brasil desde a primeira metade do século XIX. Essas posições, porém, se manifestavam sempre a partir de iniciativas individuais, sem agregar grupos capazes de formar associações com militância política.
O primeiro partido socialista brasileiro foi fundado em 1902, em São Paulo, sob a direção do imigrante italiano Alcebíades Bertollotti, que dirigia o jornal Avanti, vinculado ao Partido Socialista Italiano. No mesmo ano, fundou-se no Rio de Janeiro o Partido Socialista Coletivista, dirigido por Vicente de Sousa, professor do Colégio Pedro II, e Gustavo Lacerda, jornalista e fundador da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Em 1906, foi criado o Partido Operário Independente, que chegou a fundar uma universidade popular, com a participação de Rocha Pombo, Manuel Bonfim, Pedro do Couto, Elísio de Carvalho, Domingos Ribeiro Filho, Frota Pessoa e José Veríssimo.
A circulação de idéias socialistas aumentou com a primeira guerra mundial, mas ainda era grande o isolamento dos grupos de esquerda. Em junho de 1916, Francisco Vieira da Silva, Toledo de Loiola, Alonso Costa e Mariano Garcia lançaram o manifesto do Partido Socialista Brasileiro. Em 1º de maio do ano seguinte, lançava-se o manifesto do Partido Socialista do Brasil, assinado por Nestor Peixoto de Oliveira, Isaac Izeckson e Murilo Araújo. Esse grupo defendeu a candidatura de Evaristo de Morais à Câmara dos Deputados e publicou dois jornais, Folha Nova e Tempos Novos, ambos de vida efêmera.
Em dezembro de 1919 surgiu no Rio de Janeiro a Liga Socialista, cujos membros passaram a publicar em 1921 a revista Clarté, com o apoio de Evaristo de Morais, Maurício de Lacerda, Nicanor do Nascimento, Agripino Nazaré, Leônidas de Resende, Pontes de Miranda e outros. O grupo estenderia sua influência a São Paulo, com Nereu Rangel Pestana, e a Recife, com Joaquim Pimenta. Em 1925 foi fundado um novo Partido Socialista do Brasil, também integrado pelo grupo de Evaristo de Morais.
A fundação do Partido Comunista Brasileiro, em 1922, e seu rápido crescimento sufocaram as dezenas de organizações anarquistas que na década anterior chegaram a realizar greves importantes. Pouco antes da revolução de 1930, Maurício de Lacerda organizou a Frente Unida das Esquerdas, de vida curta. Uma de suas finalidades foi a redação de um projeto de constituição socialista para o Brasil.
Proibida a atividade político-partidária durante a ditadura Vargas, o socialismo voltou a se desenvolver em 1945, com a criação da Esquerda Democrática, que em agosto de 1947 foi registrada na justiça eleitoral com o nome de Partido Socialista Brasileiro. Foi presidido por João Mangabeira, que se tornou ministro da Justiça na primeira metade da década de 1960, no governo de João Goulart.
Com o golpe militar de 1964, todos os partidos políticos foram dissolvidos e as organizações socialistas puderam atuar apenas na clandestinidade. A criação do bipartidarismo em 1965 permitiu que os políticos de esquerda moderada se abrigassem na legenda do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição consentida ao regime militar, ao lado de conservadores e liberais.
Na segunda metade da década de 1960 e ao longo da década de 1970, os socialistas, ao lado de outros setores de oposição ao regime militar, sofreram implacável perseguição. Professavam idéias socialistas a imensa maioria dos militantes de organizações armadas que deram combate ao regime militar. O lento processo de redemocratização iniciado pelo general Ernesto Geisel na segunda metade da década de 1970 deu seus primeiros frutos na década seguinte, quando os partidos socialistas puderam mais uma vez se organizar livremente e apresentar seus próprios candidatos a cargos eletivos.
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