No século XIX, a ciência foi definitivamente consagrada como fator de aprimoramento da vida humana. Gradativamente, o trabalho científico assumiu seu papel social, integrando-se melhor às outras atividades do homem. O apelo utilitário da indústria, por exemplo, abria à ciência possibilidades revolucionárias, acelerando o desenvolvimento da técnica.
Figura ativa nesse cenário, William Thomson - mais tarde Lorde Kelvin foi um dos cientistas que, vivendo intensamente sua época, superou os limites de um campo de trabalho até então muito estrito e estendeu seu talento à invenção e à tecnologia.
No ano de 1899, a universidade escocesa de Glasgow perdia o mais célebre de seus docentes, ao mesmo tempo que conquistava um novo estudante. Lorde Kelvin, deixando a cátedra que ocupara por 53 anos, pedia para ser admitido como pesquisador.
(Universidade de Glasgow)
William Thomson nascera 75 anos antes (26 de julho de 1824) em Belfast, Irlanda, de uma família de agricultores escoceses. Havia completado oito anos quando seu pai começou a lecionar matemática na Universidade de Glasgow. Dois anos depois, certamente em consideração a seus dotes excepcionais, o rapaz foi admitido na universidade. Sua mente, porém, não se limitava aos estudos curriculares. Em pouco tempo, conquistou um vasto conhecimento sobre os clássicos antigos e orientais, que conseguia ler na língua original.
Deixando Giasgow sem se graduar, em 1841, entrou para o Peterhouse College, em Cambridge. Contava então com dezessete anos. Lá se fez notar pela seriedade no estudo, pela amabilidade de caráter e por uma grande paixão esportiva (era um ótimo remador). Em 1845 diplomou-se e mereceu o Smith's Prize. No mesmo ano viajou para a França.
Na época, havia poucas facilidades na Grã-Bretanha para o estudo das ciências experimentais, ao contrário do que se observava em outros países ocidentais. Apesar da fecundidade da tradição newtoniana - baseada na experimentação, e que estava na origem dos êxitos dos físicos britânicos -, o ensino científico no país sofria um declínio, graças à influência aristocrática e religiosa sobre as universidades e as concepções imediatistas da indústria.
A vitória da Inglaterra sobre Napoleão, ao mesmo tempo que consagra a supremacia industrial britânica, assinala a decadência da filosofia racionalista difundida pela Revolução Francesa e provoca um sentimento hostil ao desenvolvimento acelerado da ciência, possível fonte de ateísmo.
Afastando-se desse ambiente pouco propício, Kelvin foi a Paris, onde estudou sob a orientação de Regnault, então empenhado em suas clássicas pesquisas sobre as propriedades térmicas do vapor. O tratado de Joseph Fourier sobre o calor havia despertado em Kelvin, cinco anos antes, intenso interesse pela termodinâmica.
Em 1846, Kelvin aceitou a cadeira de filosofia natural na Universidade de Glasgow. Um ano depois, conheceu Joule, encontro que influenciou decisivamente a evolução de sua carreira.
As propriedades do calor foram um dos temas preferidos de Kelvin. Analisou com mais profundidade as descobertas de Jacques Charles sobre a variação de volume dos gases em função da variação de temperatura. Charles concluíra, com base em experimentos e cálculos, que à temperatura de -273'C todos os gases teriam volume igual a zero. Kelvin propôs outra conclusão: não era o volume da matéria que se anularia nessa temperatura, mas sim a energia cinética de suas moléculas. Sugeriu então que essa temperatura deveria ser considerada a mais baixa possível e chamou-a de zero absoluto. A partir dela, propôs uma nova escala termométrica (que posteriormente recebeu o nome de escala Kelvin), a qual permitiria maior simplicidade para a expressão matemática das relações entre grandezas termodinâmicas.
Em 1851 apresentou um trabalho sobre a teoria dinâmica do calor. Esta reconciliava os estudos de Sadi Carnot com as conclusões de Rumford, Davy, Mayer e Joule. Neste trabalho foi, pela primeira vez, estabelecido o princípio da dissipação da energia, posteriormente sumarizado no segundo princípio da termodinâmica.
Kelvin, porém, não se limitava a formular teorias sobre os princípios gerais da física, mas as experimentava tenazmente, usando engenhosos aparelhos por ele mesmo inventados.
Na época de sua juventude, o estudo da eletricidade e, em particular, a teoria matemática da eletrostática estavam apenas esboçados e ainda imprecisos. A contribuição de Kelvin nestas áreas foi notável. Encontrou meios de medir tensões e correntes nas condições as mais diversas. Construiu delicados instrumentos capazes de verificar as leis da eletrostática. Em 1853, formulou a teoria dos circuitos oscilantes e conseguiu comprová-la com seu aparelhamento de concepção verdadeiramente moderna. Por fim, sugeriu um processo para a medição da força eletromotriz e da resistência ôhmica (1861) e construiu um eletrômetro, com o qual era possível determinar, com exatidão, a constante que relaciona a unidade eletromagnética e a unidade eletrostática de intensidade de corrente (1867).
(Kelvin e o cabo submarino)
Com sua habilidade em construir instrumentos, era lógico que o cientista viesse a interessar-se pelo telégrafo com fio, assunto que naquele momento fascinava o mundo, mas que apresentava grandes dificuldades técnicas. O problema a ser resolvido era o da ligação, entre a Europa e a América, por meio de cabo submarino. Em fins de 1854, Kelvin começou a apaixonar-se pelo problema, que o interessava não só por ser físico e engenheiro, mas também porque o mar o atraía.
Inicialmente, concluiu que o cabo comporta-se como um condensador e calculou sua capacidade. Depois, serviu-se das fórmulas de Fourier para deduzir as leis da propagação dos impulsos. Finalmente, através de uma série de experiências, demonstrou a influência negativa das impurezas do cobre e melhorou as transmissões. Atingiu este último objetivo colocando um condensador em cada extremidade do cabo.
Unindo a genialidade do inventor ao senso prático do empresário, em 1856 tornou-se diretor da Atlantic Telegraph Co. e lutou para ver suas idéias realizadas. As primeiras tentativas não foram felizes. Um cabo foi perdido em 1857, em decorrência de uma manobra errada. Outro, colocado no ano seguinte entre a Irlanda e a Terra Nova, talvez por sabotagem, inicialmente não funcionou. Depois, quando o galvanômetro de espelho de Kelvin permitiu remover o último obstáculo, o cabo, já estragado, teve que ser definitivamente abandonado.
(Galvanômetro de espelho de Kelvin)
As tentativas só viriam a ser retomadas em 1865. O galvanômetro de espelho, tão útil nas mais delicadas experiências físicas, foi inventado por Kelvin exatamente para revelar os fraquíssimos sinais recebidos através dos cabos telegráficos (atualmente os sinais são amplificados por meio de dispositivos eletrônicos). Além dêste, Kelvin preparou (1867) um galvanômetro que, ao perceber os sinais, gravava-os em uma fita de papel (este instrumento foi chamado Syphon recorder).
Neste ínterim, com o auxílio do barco a vapor Great Eastern, foi instalado um novo cabo de 1 200 milhas de extensão, que funcionou perfeitamente. Em 27 de julho de 1866, os dois continentes estavam ligados por telégrafo.
Juntamente com seus colaboradores, Kelvin foi feito baronete e, em 1869, começou a auferir os primeiros lucros de sua empresa, os quais aplicou em patrocinar uma bolsa de estudos na Universidade de Glasgow.
Durante suas numerosas viagens marítimas, percebeu o quanto eram imprecisas as bússolas, sobretudo em conseqüência da ação magnética exercida pela própria embarcação. Dedicou-se então, a partir de 1873, ao aperfeiçoamento desse instrumento e à invenção de outros. Entre eles destacam-se um aparelho capaz de calcular a amplitude das marés e uma máquina para resolver sistemas lineares algébricos.
A geologia e a cosmogonia foram também objeto de seus estudos, assim como a estrutura da matéria e do "éter". Sob a influência de Hermann von Helmholtz, grande físico alemão e seu amigo, Kelvin aceitou a idéia de que os átomos fossem vértices do "éter". Em seus últimos anos, porém, adotou a hipótese da natureza elétrica da matéria, embora sem muita convicção.
Na época de Kelvin não se conhecia ainda a natureza da energia irradiada pelo Sol. Baseando-se na teoria de que essa energia resultava do resfriamento da matéria primitiva, deduziu as idades mínimas de 500 milhões de anos para a Terra e 100 milhões para o Sol. Estas conclusões, que suscitaram as mais vivas polêmicas, eram consideradas exageradas. O conhecimento moderno revelou que, em verdade, o erro era por falta.
Essa intensa atividade foi acompanhada de honrarias que culminaram, em 1892, com o título de barão Kelvin de Largs, na Inglaterra. No mesmo ano recebeu a Ordem do Mérito. Dois anos antes havia se tornado presidente da Royal Society e dois anos depois foi eleito chancellor da Universidade de Glasgow.
Em nenhum momento, porém, modificou seus hábitos, sempre caracterizados pela modéstia. Proveniente de uma família muito numerosa, Lorde Kelvin havia desposado, em 1852, Margaret Grums. Brilhante e culta, mas de saúde frágil, Margaret faleceu, ainda jovem, em 1870.
Tornando a viajar sem descanso, Lorde Kelvin encontrou e desposou quatro anos depois, na ilha da Madeira, Francis Blandy. Esta união se estendeu, serena, pelo espaço de trinta anos.
Deixando mais de trezentos trabalhos publicados, o infatigável cientista morreu no dia 17 de dezembro de 1907, em Netherall, na mesma Escócia da qual haviam emigrado os seus antepassados. Seu sepultamento deu-se, com todas as honras, na Abadia de Westminster. Com ele, desaparecia o tipo de físico e engenheiro que havia simbolizado o século XIX e que representava o espírito otimista e empreendedor daquela época.
Fonte:
http://br.geocities.com/saladefisica3/biografias/kelvin.htm