3.7.12
O Barroco
Patrícia Souza de Faria
Doutoranda em História Moderna pela Universidade Federal Fluminense
O Barroco como estilo artístico desenvolveu-se especialmente entre o final do século XVI e o século XVII. Surgiu na Itália, difundiu-se por toda Europa e América Latina, sendo que nesta última região o estilo vigorou por mais tempo, até o início do século XIX. Em um mesmo período histórico poderiam coexistir estilos artísticos diferentes, de modo que o barroco conviveu com outros estilos, como o maneirismo e o rococó.
O termo barroco era utilizado por joalheiros para designar uma pérola irregular, imperfeita, sendo aplicado posteriormente para classificar uma arte que foi considerada extravagante e disforme. As antigas visões sobre o Barroco tendiam a esclarecer muito pouco, assim como exprimiam o desprezo por qualquer estilo de arte supostamente distante dos padrões clássicos de representação, isto é, que não reproduziam os padrões artísticos da Antigüidade greco-romana, consolidados no Renascimento artístico dos séculos XV-XVI e retomados no século XVIII pelo movimento chamado neoclássico.
Na pintura barroca européia, sobressai a obra de Caravaggio (1571-1610), Pietro da Cortona (1596-1669)i, Andrea Pozzo (1642-1709), Peter Paul Rubens (1577-1640), Diego Velázquez (1599-1660), Rembrandt van Rijn (1606-1669), Van Dyck (1599-1641), Bartolomé Esteban Murillo(1618-1682), Francisco Zurbarán (1598-1664). Na arquitetura, Gian Lorenzo Bernini (1598-1680) e Francesco Borromini (1599-1667), sendo que o primeiro é também reconhecido por suas esculturas.
Heinrich Wölfflin (1864-1945) analisou a arte a partir da forma dos objetos artísticos, definindo o que seria a arte clássica e a barroca através de características opostas: enquanto a arte clássica seria linear, a barroca seria pictórica; se na primeira encontramos a clareza, a unidade, a forma fechada, no barroco estaria a obscuridade, a pluralidade, a forma aberta. No clássico encontrar-se-ia a noção de “plano”, já no barroco de “profundidade”. Em linhas gerais, as composições clássicas seriam simples e claras, com qualidade estática e fechadas entre fronteiras, já a arte barroca promoveria um mergulho, um sentimento de fluxo, de devir, através de composições dinâmicas.
As formas da arte barroca proporcionariam a impressão de um alçar vôo, de indicar fortes emoções, dores, impressões favorecidas pela adoção de acentuado contraste de luz e sombra (chiaroscuro). Na arte barroca identificaríamos o recurso a complexos geométricos nas abóbadas dos templos produzindo impactos visuais, sugerindo a idéia de uma dimensão infinita como na Igreja de São Lourenço de Turim. A pintura em trompe l’oeil (ilusão de ótica) baseada na perspectiva, com cenas amplas e movimentadas, proporcionam a impressão de sequer existirem as paredes, como na Glorificação de Santo Inácio de Andrea Pozzo, com revoadas de santos e anjos, roupas sacudidas pelo vento e sensação de movimentos rápidos.
Porém, apenas identificar as pretensas características do Barroco e se concentrar nas formas artísticas não conduzem ao esclarecimento acerca do conteúdo e da mensagem expressos nestas formas. Émile Mâle (1862-1954) pretendeu investigar o significado da arte, sem ater-se exclusivamente à análise das formas, em seu livro sobre a arte religiosa produzida após o Concílio de Trento (1545-1563). Mâle não abordou o tema a partir de classificações estilísticas, como arte maneirista ou barroca, mas analisou quais temas passaram a ser mais representados nesse período, relacionando arte e a Contra-Reforma (ou Reforma Católica). A arte católica desse período, incluindo a arte barroca, não economizou na exuberância de detalhes, na profusão de cores, no uso de mármores e de metais preciosos, defendendo visualmente seus dogmas e sacramentos contestados pelos protestantes.
Porém, o Barroco não deve ser tratado simplesmente como a arte da Contra-Reforma ou Reforma Católica, uma vez que significaria negligenciar toda a produção artística barroca elaborada por protestantes, como Rembrandt. Maravall propõe tratar o Barroco em um sentido mais amplo, sem concebê-lo meramente como um estilo artístico: Barroco seria a cultura de uma época, marcando sua relação com o político, a sociedade e a religiosidade do período em que vigorou. Para o autor, o Barroco só existiu em uma época específica (entre o final do século XVI e a metade do século XVII) e em uma região específica (Europa e América). A cultura de uma época barroca desenvolveu-se também nos espaços coloniais outrora controlados por Espanha e Portugal, caso da América Latina, onde repercutiram as condições culturais européias desse tempo.
No Brasil, o Barroco teve seu apogeu no século XVIII, mantendo-se até o século seguinte, sucumbindo em parte devido às novas orientações trazidas pela Missão Artística Francesa. A arte barroca desenvolveu-se especialmente na Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco e Minas Gerais, destacando-se a suntuosidade decorativa do interior das igrejas, a talha dos altares, o revestimento em ouro. Os estudos sobre o barroco no Brasil foram impulsionados nos anos 1920 pelo Modernismo e estiveram associados à valorização e resgate da cultura nacional.
As primeiras construções do Brasil colonial, quinhentistas, revelaram traços maneiristas, caso dos edifícios para o governo de Salvador projetados por Francisco Dias e Luís Dias, sendo que o primeiro elaborou o projeto do colégio jesuítico do Rio de Janeiro, demolido por ocasião do desmonte do Morro do Castelo, em 1922. Já Francisco Frias de Mesquita encarregou-se do Forte dos Reis Magos em Natal e do projeto inicial do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, em 1617. Grande parte das igrejas do Nordeste brasileiro foi destruída durante a guerra contra os holandeses, caso do convento franciscano de Nossa Senhora das Neves de autoria de Frei Francisco dos Santos, que foi reconstruído em 1650.
Nos séculos XVII e XVIII, predominaram as igrejas de aspecto monumental e de talha bastante elaborada no interior, como a Sé de Salvador ou a igreja de Santo Alexandre (Belém), dotada de frontão curvilíneo. Na confecção de esculturas, ressaltam-se os nomes dos beneditinos Frei Agostinho da Piedade, Frei Agostinho de Jesus e Frei Domingos da Conceição da Silva. Cabe destacar, que as irmandades e ordens terceiras alimentaram a produção artística em Minas Gerais, marcada por traços do barroco e do rococó.
Dentre os artistas coloniais mais conhecidos figuram Antônio Francisco Lisboa (o Aleijadinho) e Manoel da Costa Ataíde, além dos pintores Caetano da Costa Coelho (RJ) e José Joaquim da Rocha (BA), do pintor e arquiteto Frei Jesuíno do Monte Carmelo (SP), do pintor João de Deus Sepúlveda (PE) e do escultor, entalhador e arquiteto Mestre Valentim (RJ).
Aleijadinho foi responsável pelo projeto e decoração escultórica de igrejas das Ordens Terceiras do Carmo e São Francisco de Assis nas cidades de Ouro Preto, São João del Rei, Sabará e Congonhas do Campo. Em 1794 foi solicitada autorização ao bispo de Mariana para serem construídas duas séries de capelas, representando os Passos da Paixão e da Ressurreição para o santuário fundado em Congonhas, no ano de 1757, para culto do Bom Jesus de Matosinhos. Apenas a primeira série foi realizada, contratando-se Aleijadinho e seus assistentes, que entregam 66 estátuas entre 1796 a 1799, as quais foram distribuídas em seis capelas dedicadas aos episódios bíblicos da Ceia, do Monte das Oliveiras, da prisão, flagelação e coroação com espinhos, de Cristo carregando a Cruz e a crucificação. Em 1798, Manuel da Costa Ataíde e Francisco Xavier Carneiro foram contratados para aplicar policromia às esculturas. O objetivo da construção era proporcionar ao devoto a visualização dos Passos da Paixão e oferecer uma reconstituição dos lugares sagrados da Terra Santa.
No Rio de Janeiro, o Barroco encontrou expressão no conjunto monástico de São Bento (1617), na Igreja da Glória do Outeiro (1758), na igreja do Convento de Santo Antônio (1720c.), na Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência (1653-1773), na Igreja São Pedro dos Clérigos (demolida para construção da Avenida Presidente Vargas na década de 1940). As igrejas passaram por transformações através de obras realizadas e, às vezes, apresentam estilos diferentes na fachada, na talha e em capelas, convivendo barroco e rococó.
As dificuldades em realizar enquadramentos cronológicos e estilísticos, demonstra que a utilização da expressão “barroco” é adequada apenas enquanto orientadora de pesquisas. Porém, o esforço em estabelecer classificações estilísticas precisas (enquadrando a produção artística brasileira do século XVIII em barroco nacional português, barroco joanino ou rococó, ou considerando este último estilo com caráter próprio e não um simples desdobramento do barroco), não deve obliterar a contemplação da arte em si e o reconhecimento da sua qualidade estética, do seu significado e da sua função. As controvérsias nas classificações estilísticas e mesma na atribuição de autorias (dada a dificuldade de encontrar documentos comprobatórios e a tendência a atribuir autoria aos nomes já conhecidos), contudo, não permitem embotar a notoriedade e o prestígio obtido internacionalmente pela arte conhecida como Barroco Brasileiro.
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