10.7.12
O Modernismo
Rodrigo Gonçalves Beauclair
Doutorando em História Cultural pela UFRJ
“Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.
Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos,
de todos os coletivismos.
De todas as religiões. De todos os tratados de paz.”
Oswald de Andrade
As frases acima compõem o Manifesto Antropófago publicado na Revista de Antropofagia em maio de 1928. Nestas supracitadas frases reverberam a essência de um movimento que no Brasil, iniciado com aSemana de Arte Moderna de 1922, representava uma centelha de expressão do que se chamava de Modernismo, movimento artístico-cultural que mobilizou intelectuais e artistas, tanto na Europa como na América Latina.
O contexto histórico de sua manifestação é marcado pelas transformações tecnológicas e científicas na Europa no correr das primeiras décadas do século XX. Essas mudanças impulsionadas pelo desenvolvimento do capitalismo que entra em crise, dando início à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), encerram a belle époque. No seu lastro eclode a Segunda Guerra (1939-1945), que nos seus anos intermediários desperta o anseio de interpretar e expressar a realidade de forma diferente.
A pujança dessas transformações nas artes visuais era manifestada pelos diversos movimentos que emergiam e constituíam-se na Europa como as vanguardas- o fovismo, o expressionismo, o purismo e oconstrutivismo. Junto a esses surgiram três que são epítetos dessa atmosfera profícua de criatividade e originalidade estética: o futurismo, liderado pelo italiano Marinetti, exaltava a velocidade e a máquina; ocubismo, proveniente da pintura, buscava fracionar a realidade, remontando-a a seguir através de formas geométricas superpostas; o dadaísmo, liderado por Tristan Tzara, negava a lógica, a coerência e a cultura, como meio de oposição à guerra. O termo dada, que não significa nada, era aplicado à arte como afirmação do não reconhecimento de nenhuma teoria e declarava a morte da beleza; o surrealismo, lançado no ano de 1924, por André Breton, com o Manifesto do Surrealismo, pregava o apego à fantasia, ao sonho e à loucura. Utilizava também como meio de expressão, a escrita automática provocada pelo impulso do artista, que registra tudo o que lhe vem à mente, despreocupado com a lógica.
Na América Latina essa onda plural e multicromada representou uma vigorosa corrente de renovação cultural e estética. Os diferentes grupos, formados por intelectuais e artistas, muitos vindos da Europa, expressaram os conceitos e ideais do modernismo, que se constituía no conhecimento e debates das realidades nacionais através de manifestos, revistas, exposições e conferências. Entre as revistas, as mais significativas foram: Klaxon (1922) e a Revista de Antropofagia (1928), em São Paulo; Actual e El Machete(1924), no México; Martín Fierro (1924), em Buenos Aires, e a Amauta (1926), no Peru. Esse caleidoscópio de manifestações produziu um intenso movimento de busca das raízes e representação dos elementos sociais, culturais e históricos constitutivos do material a ser empregado no desenvolvimento das manifestações estéticas de cunho nacionalista.
No Brasil o modernismo atravessou três fases distintas, caracterizadas por peculiaridades históricas e estéticas: a primeira fase (1922-1930), a segunda fase (1930-1945) e a terceira fase (pós 1945), refletindo os movimentos das conjunturas sociais, econômicas e políticas, tanto interna quanto externa.
A primeira manifestação pública dos modernistas brasileiros foi na Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, onde foram realizadas exposições, recitais de poesia, concertos e conferências, que abarcavam temas que evocavam Villa-Lobos, na música, Brecheret na escultura e Di Cavalcanti, Anita Malfatti e outros na pintura. O objetivo manifestado na Semana era o de se opor ao Naturalismo, Parnasianismo e Simbolismo que ainda estavam presente.
Alguns acontecimentos, anteriores a 1922, preparam a trajetória do Modernismo; fatos, especificamente, ligados à estética renovadora, se multiplicam. Em 1912, Oswald de Andrade traz da Europa a novidade futurista; em 1913, o pintor Lasar Segall faz uma exposição negando a pintura acadêmica. Em 1917, a exposição dos quadros de Anita Malfatti, em São Paulo, destacando a pintura expressionista, assimilada na Europa coloca, de um lado, os que apóiam o novo e, de outro, os conservadores.
No ano de realização da Semana de Arte Moderna é fundada a Revista Klaxon, uma revista mensal de arte moderna, de perfil futurista e anunciadora de uma arte de caráter internacional e inspirada na industrialização. Posteriormente, é lançado o Manifesto da Poesia Pau-Brasil, de Oswald de Andrade, que usando a expressão “a selva e a escola”, abordava de maneira nova o Brasil a partir de sua cultura mulata e sua atmosfera tropical. Esses elementos evidenciavam o contraste existente com a indústria moderna. A consideração desses elementos culturais e estéticos representava uma mudança de consciência dos poetas e artistas ricos e bem-educados, itinerantes na atmosfera européia e nos seus modos e padrões. Contudo, essa consciência se alarga em 1928 com o Manifesto Antropófago, também de Oswald de Andrade, que nos convidava a devorar nosso colonizador, guardando em seu cerne as contradições do brasileiro: moderno∕primitivo, indústria∕indolência, centralismo∕regionalismo, etc.. É importante destacar o papel deTarsila de Amaral na pintura neste momento, ilustrando no manifesto supracitado a figura do Abaporu, ícone de sua busca pela expressão das realidades que estavam contidas no que se estavam repensando como Brasil.
Três imagens modernistas: o cartaz da semana de arte de 1922, o Abaporu de Tarsila do Amaral e uma capa da Revista Klaxon.
A segunda fase do movimento modernista no Brasil, estritamente ligado ao desenvolvimento da geração de 1922, apresenta com evidência o regionalismo, expressado fortemente por meio da poesia e da prosa, mas não desconectado com a conturbada conjuntura internacional. São representantes dessa fase: Mário de Andrade, Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, entre outros, na poesia; e José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Jorge Amado e Érico Veríssimo, na prosa.
Nos anos posteriores a 1945, no cenário cultural e artístico do Brasil, começa um contra-movimento aos ideais do modernismo disseminados pela geração de 1922, tanto na poesia quanto na prosa.
Na poesia, o concretismo, a poesia-práxis, o poema-processo, o poema-social, a poesia marginal e os músicos-poeta pregam o fim dos elementos da poesia tradicional, o verso e a rima, buscando a exploração dom espaço em branco com a decomposição e relação das palavras. Destacam-se nesse grupo João Cabral de Melo Neto e Cassiano Ricardo. Na prosa, prioriza-se o realismo fantástico e o romance de reportagem, discutindo os conflitos entre o homem e a modernidade. No grupo, destaca-se Clarice Lispector, Guimarães Rosa, como também Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Rubem Braga, entre outros.
O modernismo, como um movimento de longa duração de discussão, crítica e renovação cultural e artística, delineou e difundiu realidades brasileiras e seus personagens dispostos na imensa área geográfica que se denomina Brasil, não significando somente um projeto modernizador, mas construtor de uma possível identidade nacional brasileira.
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