25.8.12

Ás dos ases 1ª GUERRA | Lenda da aviação



Piloto de combate bem-sucedido, líder militar e um ás do voo que venceu 80 combates aéreos durante a Primeira Guerra Mundial, Richthofen foi um piloto alemão extraordinário, batizado pelos ingleses com a alcunha que atravessou o tempo: o Barão Vermelho

Por Vinícius Liebe



Abertura: Fabiana Neves


Você conhece a figura da imagem ao lado? É provável que a sua resposta seja “não!”. Mas as lendas e histórias que cercam este aviador, entretanto, estão entre as mais conhecidas da 1ª Guerra Mundial.

Nascido em 2 de maio de 1892, em Homburg, na Prússia (atual Samotwor, Polônia), e filho do barão Albrecht von Richthofen e de sua esposa, Kunigunde, Manfred von Richthofen marcaria os céus da Europa em seu avião triplano vermelho. A silhueta de sua aeronave acabaria marcando o imaginário ocidental, tornando-se uma referência da própria Guerra Mundial e servindo de inspiração para pilotos futuros, artistas plásticos e romancistas. A habilidade de Manfred Albrecht Freiherr von Richthofen em pilotar os caças veio do contato com Oswald Boelcke, maior ás alemão do início do conflito. A pontaria que acabaria abatendo 80 aviões inimigos fora adquirida na grande propriedade de seu pai, onde o jovem Manfred costumava cavalgar e caçar.

Seu caminho nos campos de batalhas, entretanto, não teve início com as máquinas voadoras, novidades que haviam sido recém incorporadas às Forças Armadas dos países europeus. Antes da guerra, quando os sentimentos nacionalistas afloravam nos jovens europeus e a Alemanha recém-unificada buscava a supremacia no continente, Richthofen alistou-se na cavalaria (1º Regimento de Cavalaria Uhlan). Mas o século 20 já não permitia a sobrevivência desse tipo de regimento, como ficou comprovado após o início da 1ª Guerra Mundial, quando os cavaleiros se mostraram um alvo fácil para as metralhadoras inimigas e foram relegados a setores burocráticos e ações muito específicas, longe, portanto, do front.

Diante dessa realidade, e aproveitando-se da condição de nobreza que sua família possuía, o barão pede transferência para a Força Aérea Imperial em 1915. Enviado inicialmente para o setor de observação do front oriental, a fim de ter os primeiros contatos com a nova arma, logo foi remetido para os esquadrões de caça, onde construiria sua brilhante e curta carreira. Já em 1916 foi recrutado por Boelcke para voar no Jasta 2, grupo de caças por ele comandado.

Ali teve contato com a Dicta Boelcke, grupo de regras formulado pelo comandante que visava o sucesso nos combates aéreos. Richthofen assimilou essas regras e as colocou em prática como nenhum outro piloto. Quando da morte de Boelcke, em outubro de 1916, em uma colisão aérea, o barão já era um dos principais pilotos alemães e, em janeiro do ano seguinte, foi indicado para assumir o Jasta 11. Foi quando decidiu pintar seu avião de vermelho, a cor do regimento de cavalaria de Uhlan no qual Richthofen havia servido. Deriva daí seu codinome, cunhado pelos pilotos ingleses: o Barão Vermelho. No mesmo mês de janeiro de 1917 é contemplado com a principal condecoração alemã: a Ordem Pour le Mérite.

O ano de 1917 ainda reservava outras surpresas para Richthofen. Em abril, é promovido a Rittmeister (capitão). Em junho, o comando da Força Aérea Alemã decide criar um esquadrão de elite: o JG 1, e o barão é designado para seu comando. O esquadrão seria conhecido como “Circo Voador”, pois viajava constantemente pelo front, de acordo com as necessidades táticas dos alemães, como um verdadeiro circo itinerante. Em agosto, a fábrica aeronáutica Fokker disponibiliza o triplano Fokker DrI, o avião com o qual Manfred von Richthofen seria imortalizado. Sua primeira vitória no novo avião foi a 60a. de sua carreira, ainda em setembro de 1917.

1. Manfred von Richthofen com roupa de marinheiro, em 1899 / 2. O cadete Manfred von Richthofen em 1912: pediu para lutar na Força Aérea / 3. Oswald Boelcke, ás alemão do início do conflito: inspiração para Manfred








O lendário barão
A figura de Richthofen é ainda hoje cercada de mitos e lendas. Uma delas reza que, ainda quando piloto de reconhecimento, o barão teria sido atacado por um piloto inimigo. Acuado, sacou sua pistola do casaco e atirou. A bala teria acertado em cheio o oponente, que colidiu contra o solo. Seria essa a primeira vitória não confirmada de Richthofen, que teria, ao fim da vida, trinta triunfos em situação semelhante.

Outra lenda que segue a figura do barão remete ao período de cerca de seis meses que vão de sua morte até o fim do conflito. Nesse intervalo, pilotos aliados e inimigos teriam relatado que viram, durante seus voos, o triplano vermelho de Richthofen.


REPUTAÇÃO PERIGOSA
Porém, a fama do barão passou a ser motivo de preocupação para o alto comando alemão. Sua figura era aclamada como um verdadeiro herói nacional em seu país, e foi eleita o principal alvo dos inimigos. O abatimento de Richthofen se tornou uma fixação para os aviadores da Entente.

Ainda em julho de 1917 sofrera um grave ferimento na cabeça, o que alertou os principais líderes para a real possibilidade da perda de seu maior aviador. O uso da imagem dos principais pilotos para fins de propaganda era comum dos dois lados do conflito, e Richthofen era o principal garoto-propaganda alemão. Na Alemanha, a impressão de cartões-postais e panfletos com uma breve biografia sua era uma forma de tentar elevar a moral da população, que projetava suas esperanças nesse novo herói nacional.

1. Richthofen prestando homenagem ao Kaiser William II – o último imperador alemão, em 20 de agosto de 1917 / 2. Manfred von Richthofen e seu Fokker, o modelo de avião com o qual seria imortalizado


Esse culto aos heróis nacionais (que além dos pilotos incluía generais, membros do Alto Comando e o próprio Kaiser) adentrava o cotidiano da população pela leitura de seus feitos nos jornais, pela visualização de pôsteres propagandísticos com suas imagens espalhados pelas cidades e pela grande profusão de postais com suas fotografias. A aura romântica que envolvia os pilotos de caça fazia com que eles fossem tomados por cavaleiros modernos, e o culto dessas personalidades era repleto de mitos e envolto a um certo frenesi.

Escrever uma mensagem para um amigo ou parente em um cartão-postal com uma fotografia de um piloto não era apenas uma moda, alimentada pelo grande apetite da sociedade europeia do fim do século 19 e início do século 20 por registros, documentos e confidências escritos de próprio punho; tratava-se de uma demonstração de patriotismo e de apoio aos combatentes.

A chance de ter um autógrafo de seu piloto preferido era aguardada ansiosamente por jovens de ambos os sexos, e ela vinha em festas, reuniões e eventos anunciados com antecedência pelo governo imperial ou local. A possibilidade de perder Richthofen em combate era, por isso, catastrófica. Gradativamente tentaram afastá-lo das batalhas aéreas, mas, mesmo sob as proibições do Estado-Maior, Richthofen continuou a voar.


O conjunto de oito regras de combate aéreo que ainda hoje são consideradas importantes para os pilotos de caça:
1 Tente assegurar uma vantagem antes de atacar: seja mantendo o sol atrás do piloto, pela velocidade ou pela surpresa.
2 Nunca aborte um ataque que você iniciou.
3 Atire apenas quando seu oponente estiver a uma curta distância e focalizado na mira.
4 Mantenha seus olhos no inimigo e não se deixe enganar por artimanhas.
5 Sempre procure atacar seu inimigo por trás.
6 Se seu oponente atacá-lo em mergulho, não mergulhe para fugir, mas voe em direção a ele.
7 Quando estiver voando sobre territórios inimigos, nunca perca de vista o caminho de volta.
8 Sempre ataque em grupos e assegure- se de que muitos não ataquem apenas um oponente.


ABATE INEVITÁVEL
O fim chegou para o barão em 21 de abril de 1918. Neste dia, em um Fokker Dr1, ele decola para uma missão de reconhecimento. No trajeto, avista um esquadrão inimigo e, junto de seus comandados, parte para o ataque. Após conseguir sua 80a vitória, Richthofen percebe um avião inglês seriamente avariado e parte para mais uma vitória fácil para seu currículo. Porém, Roy Brown, um tenente-aviador canadense, percebeu a manobra e pôs-se a proteger o colega atirando no barão. Voando a uma altura baixa e sendo cercado por Brown, não demorou para que Richthofen fosse abatido, morto por uma bala que atravessou seu corpo.




O avião do barão
Apesar de sempre ser lembrado pilotando um Fokker Dr1 triplano, o Barão von Richthofen alcançou a maior parte de suas vitórias em outro tipo de aeronave. Trata-se do modelo Albatros D III, a principal arma dos pilotos nos meses de março e abril de 1917, quando Richthofen conseguiu 31 de suas 80 vitórias. Tal desempenho só foi comparável ao do mês de março de 1918, quando Richthofen atingiu a marca de 11 abatimentos.


Fokker Dr1



Albatros D III







1. Cartão postal com autógrafo grafado / 2. Oficiais britânicos e canadenses inspecionam os destroços do Fokker Dr1 / 3. O fim chegou para o barão em 21 de abril de 1918, quando pilotava o Fokker Dr1. Restou uma coleção de medalhas e honrarias dedicadas a uma lendária carreira


A vitória foi creditada a Roy Brown, que acabou entrando para a história como o piloto que abateu o Barão Vermelho. Pesquisas recentes, entretanto, colocam em dúvida essa versão dos fatos. Elas apontam para o solo como origem do tiro fatal. Desse modo, a artilharia australiana, presente no momento do combate aéreo, seria a responsável pelo abatimento de Richthofen. Apesar das convincentes pesquisas forenses que sustentam essa versão, a autoria do disparo que matou o barão continua em disputa entre os estudiosos da 1ª Guerra Mundial.

Seu avião caiu no lado inglês do front. Seu destino natural seria uma cova rasa e o esquecimento. Porém, em reconhecimento ao brilhantismo e valentia do inimigo, os ingleses e australianos organizaram um funeral com pompas de herói nacional, coberto de honrarias.

Não sobreviveria para ver seu país perder a guerra, muito menos para acompanhar a eclosão de outra, na qual seu sucessor no comando do JG 1, Hermann Göring, teria papel fundamental. Entretanto, ele próprio já esperava por isso, e frequentemente declarava : “Se eu sobreviver a esta guerra, terei tido mais sorte que cérebro”.

“Se eu sobreviver a esta guerra, terei tido mais sorte que cérebro”.

Manfred Albrecht Freiherr von Richthofen



“Alles Kaputt”
A morte de Richthofen é um tema que produz debates ainda hoje. Oficialmente, sua morte é creditada a Roy Brown, mas existem estudiosos que sustentam a tese de que um artilheiro australiano seria o autor do disparo fatal. Para estes, dois nomes são apontados como possíveis carrascos do barão: o Sargento Popkins e o atirador Digger Evans. Recentes pesquisas forenses apontaram para Evans como o mais provável autor da façanha, mas nada ainda é confirmado e as discussões continuam.

De concreto sobre a morte de Richthofen, apenas a última frase por ele proferida, instantes antes de morrer. Relatórios australianos contam que, ao ver os soldados inimigos o rodearem no avião em pedaços, o barão suspirou e disse: “Alles kaputt” (tudo arruinado).

VINÍCIUS LIEBEL

Fonte:  portal Ciência & Vida