3.6.20

Grandes epidemias da história

Grandes epidemias e pandemias marcaram a história da humanidade, em todos os períodos, e dizimaram diferentes povos. Neste texto, vamos mostrar algumas epidemias e pandemias que atingiram o homem na Antiguidade, no Medievo e na fase contemporânea da história, bem como as suas consequências.


Pandemia x epidemia

Antes de conhecermos as epidemias e pandemias que marcaram a história mundial, é importante nos atentarmos para as diferenças entre os conceitos de epidemia e pandemia. Uma epidemia faz referência a doenças que se disseminaram por uma região geográfica limitada, como uma cidade. Já o termo pandemia é utilizado para se referir a uma doença que se espalhou por um espaço geográfico muito grande, como um continente. 


Grandes epidemias e pandemias da história

A história da humanidade não é marcada apenas pelos grandes impérios, grandes guerras e o avanço material e tecnológico do homem no tempo, mas também pelas grandes doenças que afetaram os mais diversos povos.

As epidemias e pandemias que aconteceram e foram registradas ao longo da história causaram momentos de grande tensão e foram catalisadores de transformações em alguns casos. São acontecimentos que colocaram sociedades inteiras sob ameaça e, por isso, são objetos de estudo dos historiadores. Vamos conhecer algumas delas?





Peste de Atenas (430-427 a.C.)

A partir do verão de 430 a.C., a cidade de Atenas, uma das grandes cidades da civilização grega, foi atingida por um surto epidêmico. A epidemia foi registrada pelo grego Tucídides, historiador que também relatou a Guerra do Peloponeso. A doença teve um grande surto entre 430-429 a.C., enfraqueceu-se durante 428 a.C. e ganhou força novamente a partir de 427 a.C.
Entre 430-427 a.C., a cidade de Atenas sofreu com uma doença desconhecida que, acredita-se, causou a morte de até 35% da população.

Os relatos deixados por Tucídides falam que a doença iniciou-se na zona portuária de Atenas e espalhou-se pelo resto da cidade. Os casos começaram a aparecer bem no início da Guerra do Peloponeso e tiveram um efeito fulminante nas tropas atenienses. O autor J. N. Hays fala que uma tropa de hoplitas formada por 4 mil homens presenciou a morte de 1.050 deles|1|.

Dado o contexto em que essa doença se iniciou em Atenas, os estudiosos do assunto chegaram à teoria de que a grande circulação de pessoas por causa da guerra facilitou a disseminação da enfermidade. Os sintomas foram descritos por Tucídides:


[…] Em geral, o indivíduo no gozo de perfeita saúde via-se subitamente preso dos seguintes sintomas: sentia em primeiro lugar violenta dor de cabeça; os olhos ficavam vermelhos e inflamados; a língua e a faringe assumiam aspecto sanguinolento; a respiração tornava-se irregular e o hálito fétido. Seguiam-se espirros e rouquidão. Pouco depois a dor se localizava no peito, acompanhada de tosse violenta; quando atingia o estômago, provocava náuseas e vômitos com regurgitação de bile. Quase todos os doentes eram acometidos por crises de soluços e convulsões de intensidade variável de um caso a outro. A pele não se mostrava muito quente ao tato nem também lívida, mas avermelhada e cheia de erupções com o formato de pequenas empolas (pústulas) e feridas|2|.

Acredita-se que a doença nunca tinha atingido a cidade de Atenas, haja vista a violência pela qual ela acometeu a população local. Existem alguns estudiosos que afirmam que a enfermidade teve grande impacto nas mulheres grávidas. Os relatos de Tucídides deixam a entender que o desespero da população criou um quadro de desrespeito às leis e, à medida que as preces religiosas não eram atendidas, a religião também começou a ser alvo desse desrespeito.

Apesar de ter sido conhecida como “peste de Atenas” e o nome sugerir que se tratou de um surto de peste bubônica, os estudiosos sugerem que a doença que atingiu a cidade grega não foi essa. Um estudo conduzido no começo do século XXI com base em ossadas de uma vala comum encontrada chegou à conclusão da ocorrência de febre tifoide, mas existem outros estudos que apontam tifo.

Existem ainda teorias que sugerem doenças como varíola e sarampo e que até 35% da população ateniense possa ter morrido|1|. Acredita-se também que a doença possa ter se disseminado para outros locais a partir de Atenas. Outras pestes aconteceram na Antiguidade, como a peste de Siracusa, em 395 a.C., e a peste antonina, que atingiu Roma em 166 d.C.


Peste negra (1347-1353)

As epidemias e pandemias não ficaram reclusas à Antiguidade e estenderam-se por outros períodos também, como a Idade Média. Esse período da história presenciou uma das maiores pandemias da humanidade, a de peste bubônica, que recebeu o nome de peste negra e é tradicionalmente conhecida por ter dizimado, pelo menos, cerca de 1/3 da população europeia.
A peste negra foi uma pandemia de peste bubônica que causou a morte de até 2/3 da população europeia.

A peste negra designa uma doença transmitida para os seres humanos por meio de pulgas de ratos contaminados com a bactéria Yersinia pestis. Acredita-se que a origem dessa doença tenha sido a China ou alguma região da Ásia Central e que a peste negra não foi o primeiro surto de peste bubônica de que se tem conhecimento.

Existem relatos de doenças parecidas com a peste bubônica na Bíblia, como um relato que fala de uma doença causada por ratos que atingiu os filisteus. Já no período medieval, houve peste bubônica no Império Bizantino, atingindo sua capital, Constantinopla, entre 541 e 544. Nesse contexto, ela ficou conhecida como peste justiniana.

A peste bubônica chegou à Europa em 1347 e foi levada para lá por comerciantes genoveses que fugiam de Caffa, uma colônia genovesa na Crimeia que estava sendo atacada por tropas tártaras do Canato da Horda Dourada. A cidade de Caffa estava sitiada quando os tártaros começaram a lançar cadáveres contaminados com a doença para dentro dos muros.

À medida que a peste se espalhou por Caffa, os genoveses fugiram, levando a doença em seus navios. Assim, a peste alcançou Constantinopla, depois, a Sicília, chegou a Marselha, Península Itálica e, daí, espalhou-se por toda a Europa. Esse surto de peste bubônica estendeu-se até 1353 e causou a morte de milhões de pessoas.

Uma vez que um ser humano contrai a peste bubônica, ela pode ser transmitida por via respiratória (chamada de peste pneumônica), o que facilitou a disseminação da doença por todo o continente europeu. Tanto as cidades como os campos foram atingidos, embora as cidades, pela maior aglomeração de pessoas, tenham sofrido mais. A peste bubônica recebeu esse nome por causa dos bubões que apareciam em algumas partes do corpo dos que adoeciam.

Os relatos da época falam que a doença trouxe pânico e fez com que muitos fugissem das grandes cidades como forma de se proteger. Aqueles que tinham dinheiro e propriedades fora das cidades fugiram para essas propriedades e se esconderam por lá. Os relatos também falam que a ordem política, em alguns locais, ruiu, porque as autoridades ou haviam morrido pela doença, ou não tinham mais meios de governar.

Os médicos da época não tinham ideia do que causava a doença, mas perceberam que o isolamento era uma forma de evitar que a peste se propagasse ainda mais. Assim, pessoas começaram a se isolar em suas casas, e os doentes mantinham contato só com os médicos. A quantidade de mortos era tão grande que os ritos funerários começaram a ser abandonados.

A peste bubônica foi uma doença recorrente na Europa por todo o século XIV e existiu até 1720, quando houve um surto da doença em Marselha. Acredita-se que, somente no século XIV, a peste bubônica tenha causado a morte de, pelo menos, 1/3 da população europeia, embora historiadores, como Le Goff, apontem que tenha causado a morte de, pelo menos, metade da população da Europa, chegando até a 2/3 em alguns locais|3|.

Por fim, existem estudos que indicam que a peste bubônica possa ter causado a morte de até 50 milhões de pessoas no continente europeu somente no período entre 1347 a 1353|1|.


Gripe espanhola (1918-1919)
Os primeiros casos de gripe espanhola foram registrados nos Estados Unidos. Acredita-se que essa doença matou, pelo menos, 50 milhões de pessoas.

O começo do século XX também ficou marcado por uma pandemia que atingiu todos os continentes do planeta e causou a morte de, pelo menos, 50 milhões de pessoas. Essa doença ficou conhecida como gripe espanhola, sendo causada por uma mutação do vírus influenza, e afetou, inclusive, o Brasil.

Apesar do nome, a gripe espanhola não surgiu na Espanha. Acredita-se que ela tenha surgido na China ou nos Estados Unidos. De toda forma, os primeiros casos foram registrados em um acampamento militar chamado Fort Riley, que estava instalado no estado do Kansas (EUA). O primeiro paciente de que se tem conhecimento foi o soldado Albert Gitchell.

A doença surgiu no contexto da Primeira Guerra Mundial e aproveitou-se do grande deslocamento de soldados e das aglomerações causadas pela guerra para se disseminar pelo mundo. Houve três ondas de contágio, que se estenderam de 1918 a 1919. A segunda onda ficou conhecida como a de maior capacidade de contaminação e foi a mais mortal.

A gripe espanhola espalhou-se por todos os continentes do planeta. A medicina do começo do século XX não sabia o que a causava, porque a tecnologia da época não permitia que os microscópios enxergassem o vírus responsável pela enfermidade. Usava-se aspirina para combater alguns dos sintomas, mas o exagero no uso dessa medicação mostrou-se nocivo. A doença causava infecções que atingiam órgãos como o pulmão, mas não existiam antibióticos na época para combatê-las.

Os sintomas da gripe espanhola eram os de uma gripe comum, como febre, tosse, coriza, dores de cabeça e dores no corpo. Os casos mais complicados, como mencionado, causavam infecções nos pulmões, levando os pacientes a desenvolverem pneumonia.

Como era causada por um vírus, a doença era transmitida pela via respiratória facilmente. Locais que implantaram medidas de prevenção baseadas no isolamento social conseguiram passar pela gripe espanhola com efeitos reduzidos. Já os que não seguiram as medidas de isolamento acabaram sofrendo duramente com a doença e acumulando mortos todos os dias.

Aqui no Brasil a gripe espanhola chegou em setembro de 1918, por meio dos passageiros de uma embarcação inglesa que atracou em três cidades: Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Grandes cidades, como São Paulo, sofreram bastante com a doença. Acredita-se que ela tenha contaminado, pelo menos, metade da população paulistana.

No Brasil, como em outras partes do mundo, medidas de isolamento foram tomadas com o decreto do fechamento de escolas, repartições públicas e alguns tipos de comércio. Ao todo, 35 mil pessoas morreram de gripe espanhola no Brasil.

Ebola (2013-2016)
Placa no Congo informando as pessoas de que a região estava contaminada pelo vírus ebola.[1]

Em 1976, foram identificados, pela primeira vez, casos de doença pelo vírus ebola, doença causada pelo vírus de mesmo nome (ebola). Esse vírus foi identificado em regiões do Sudão e da República Democrática do Congo, ambos países do continente africano. Acredita-se que uma espécie de morcego seja a transmissora do vírus.

A ebola é uma doença grave e capaz de matar tanto seres humanos quanto primatas. Recentemente, entre 2013 e 2016, causou um surto epidêmico em regiões da África Ocidental. Esse surtou chamou a atenção da Organização Mundial da Saúde e de muitos países – alguns deles, inclusive, chegaram na época a decidir pelo fechamento de suas fronteiras para pessoas vindas daquela região.

A doença manifesta-se com os seguintes sintomas: febre, dor de cabeça, vômitos e diarreia. Os pacientes mais graves podem apresentar graves hemorragias, as quais afetam partes do corpo como intestino e útero. O contágio acontece quando uma pessoa tem contato com restos de animais contaminados pelo vírus.

A partir do momento em que um ser humano contrai ebola, o vírus pode ser transmitido para outras pessoas por meio de secreções, como saliva, sangue, fezes, urina e sêmen. A ebola atuou majoritariamente no continente africano e aproveitou-se da pobreza de muitas das regiões desse continente.

A falta de condições sanitárias ideais acaba tornando muito mais fácil a rápida disseminação do vírus. O último surto epidêmico de ebola atingiu países como Libéria, Serra Leoa e Guiné, infectando 28.454 pessoas, das quais 11.297 faleceram|4|.

Em 2018, um novo surto foi registrado na África, atingindo a República Democrática do Congo. Até o presente momento, esse surto registrou quase 4 mil casos e mais de 2.200 mortes. Em 2014, houve uma suspeita de caso de ebola no Brasil, mas esse caso foi descartado por exames.


Outras epidemias ao longo da história

Os quatro casos mencionados neste texto são apenas alguns exemplos das grandes epidemias que afetaram a humanidade. Obviamente, existe uma infinidade de outras epidemias e pandemias que aconteceram ao longo da história e citaremos algumas delas a seguir:
Pandemia de aids (1980 até a atualidade);
Pandemia de Sars (2002-2004);
Epidemia de varíola no Japão (735-737);
Pandemias de cólera (ao longo do século XIX);
Epidemia de cólera no Haiti (2010 até a atualidade);
Epidemia de febre amarela em Nova Orleans (1853).

Notas

|1| HAYS, J.N. Epidemics and pandemics. Their impacts on Human History. Austin, Texas: Fundação Kahle, 2005.

|2| REZENDE, Joffre Marcondes de. À Sombra do Plátano: crônicas de História da Medicina. São Paulo: Editora Unifesp, 2009, p. 75.

|3| LE GOFF, Jacques. As raízes medievais da Europa. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 228.

|4| SAMPAIO, João Roberto Cavalcante e SCHÜTZ. Gabriel Eduardo. A epidemia de doença pelo vírus de Ebola de 2014: o Regulamento Sanitário Internacional na perspectiva da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Para acessar, clique aqui.

Créditos das imagens:

[1] Sergey Uryadnikov e Shutterstock



Por Daniel Neves Silva