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NZINGA, A RAINHA NEGRA QUE COMBATEU OS TRAFICANTES PORTUGUESES Obrigado por compartilhar. Lembre-se de citar a fonte: http://www.ensinarhistoriajoelza.com.br/nzinga-a-rainha-negra-contra-os-traficantes-portugueses

No século XVII, o lucrativo comércio de escravos praticado pelos portugueses sofreu um duro revés. A oposição mais forte que enfrentaram veio da rainha Nzinga, uma obstinada líder política e militar que, por quarenta anos, impediu que os portugueses penetrassem no continente africano. Conheça a história dessa mulher africana extraordinária. Seu nome é grafado de diferentes maneiras: Nzinga, Ginga, Jinga, Singa, Zhinga e outros nomes da família linguística Banto (ou Bantu). É também conhecida pelos nomes portugueses de Ana de Souza, rainha Dona Ana e pelas formas híbridas como rainha Ana Nzinga. Nzinga Mbandi Ngola Kiluanji, nasceu em 1582, no Ndongo, filha do ngola com uma escrava ambundo. Ainda criança, começou a ser treinada para o combate e o uso de armas. Com oito anos de idade, acompanhou o séquito do pai, em uma batalha, como parte dos exercícios de guerra. Com a morte do pai, em 1617, seu irmão Mbandi tornou-se ngola ascendendo ao trono de Ndongo. Por essa época, os portugueses já estavam estabelecidos na ilha de Luanda onde fundaram a vila de São Paulo de Luanda, construíram igreja, casas e fortificações. Enfrentaram a resistência dos chefes angolanos e as doenças tropicais que impuseram pesadas perdas aos portugueses. Calcula-se que, entre 1575 e 1590, dos 1700 europeus falecidos em Angola, só 400 perderam a vida na guerra; os demais, quase 80%, morreram de maleita e outras febres. No lugar de prata, escravos O interesse inicial dos portugueses, em Angola, não era o tráfico de escravos mas as riquezas do país, suas jazidas de prata, cobre e sal. Além disso, o domínio de Angola abriria caminho para chegar, por terra, até as fabulosas minas de Monomotapa (atual Zimbábue). Acreditando que Angola seria um novo Peru, o rei de Portugal e Espanha (era o início da União Ibérica) enviou soldados, armas e canhões para derrotar os angolanos. Foram 24 anos de combates até os portugueses finalmente atingirem, em 1603, às supostas minas de prata de Cambambe, ao sul de Luanda. Mas o contentamento durou pouco: as amostras colhidas revelaram-se de chumbo. Não havia prata em Cambambe. Decepcionado, o rei Felipe III mandou suspender a conquista e limitar-se ao tráfico de escravos. O porto de Luanda tornou-se o local de embarque de milhares de escravos. Por volta de 1600, a média anual era de 5.600 escravos provindos de diversas partes da África e embarcados para a América. Em Luanda chegavam vinhos portugueses, artigos de ferro e latão, mantas do Alentejo, lãs e linhos de Flandres, contas de vidro de Veneza, algodão e musselina da Índia a ainda produtos brasileiros como a farinha de mandioca. Como moeda usam-se os panos fabricados no Congo que recebiam um carimbo com o emblema real e eram usados para a aquisição de escravos. Conforme relata Costa e Silva, esses tecidos, em geral, não eram usados como roupas; passavam de mão em mão até se desgastarem e puírem, perdendo progressivamente parte de seu valor. O comércio de escravos Os portugueses tinham pouco controle sobre a captura de escravos. A apreensão e o comércio em território de Angola eram fortemente centralizados pelo ngola Mbandi, o rei ambundo, irmão de Nzinga. Ele cobrava dos portugueses tributos e taxas e proibia-lhes o acesso ao interior do reino e a compra direta de escravos. As vendas de escravos eram fiscalizadas e só podiam ser feitas por lote, não permitindo ao traficante escolher as “peças” que lhe interessavam. O ngola mandava incluir, no lote, negros idosos, doentes ou com defeitos físicos de difícil colocação no mercado escravo de Luanda. Os que desrespeitavam as regras e os costumes locais eram punidos com o confisco da mercadoria, prisão, expulsão, açoites e até morte. As restrições ao livre trânsito dos mercadores e as sanções aplicadas pelo ngola aos infratores causaram indignação entre os portugueses de Luanda. Afinal, para eles, aquelas terras eram de Portugal. As tensões levaram a uma nova guerra contra o ngola Mbandi que, como ocorrera outras vezes, ficou inconclusa. Entra em cena a princesa Nzinga Em 1621, chegou a Luanda o novo governador português que se apressou a buscar a paz com o ngola Mbandi. Para negociá-la, o rei ambundo enviou a Luanda uma embaixadora – sua irmã Nzinga, então com 39 anos de idade. Neste encontro, ocorreu um episódio curioso que revela a altivez da princesa ambundu. Como o governador a recebeu sentado e não lhe ofereceu cadeira, Nzinga fez um sinal para uma de suas acompanhantes que se colocou de quatro no chão para a princesa sentar-se sobre ela. Ao sair, deixou a moça na sala, na mesma posição, como se fosse um banco. O governador avisou-a para levar a moça e Nzinga respondeu-lhe que não sentaria novamente naquele banco pois tinha muitos outros e não o queria mais. Nzinga sentou-se sobre sua acompanhante colocando-se em posição de igualdade com o governador português. Manuscrito de Cavazzi, missionário capuchinho, 1687 A princesa, inteligente e decidida, deixou claro que o rei ambundo não era e nem seria vassalo do rei ibérico. Estava ali como representante de um estado soberano e exigia tratamento de igual para igual. Para surpresa de todos, Nzinga falou em português fluente. Possivelmente aprendera a língua com alguns dos mercadores e missionários portugueses que haviam frequentado a corte de seu pai. Nzinga exigiu que os portugueses abandonassem suas instalações no continente, que entregassem os chefes africanos prisioneiros e ainda um lote de armas de fogo. Em sinal de sua intenção de celebrar o acordo de paz, Nzinga aceitou o batismo católico sob o nome português Ana de Souza. A conversão foi um jogo político do qual ela vai se valer em outros momentos para ganhar confiança e confundir os portugueses. A rainha Nzinga Vários meses se passaram desde o encontro em Luanda sem que os portugueses cumprissem sua parte no acordo. Não estavam dispostos a ceder em nada. Nzinga vai cobrar, pelas armas, o que fora prometido mas, dessa vez, como ngola, rainha de Ndongo. A ascensão de Nzinga ao trono, em 1623, é rodeada de mistérios. Alguns estudiosos afirmam que ela envenenou o irmão, outros dizem que o rei se suicidou por decisão dos grandes chefes. Há ainda a versão de que Nzinga, com a morte do irmão tornou-se regente do garoto escolhido como novo ngola, mas a criança pouco depois, morreu afogada no rio Cuanza. Começava a nascer uma “mitologia Nzinga”. Rainha enigmática, cujo nome causava terror entre os portugueses, ela deu origem a lendas e relatos contraditórios a seu respeito. Nzinga e seu séquito. Manuscrito de Cavazzi, missionário capuchinho, 1687. Desconhece-se sua imagem, não existem retratos da rainha elaborados no seu período de vida. Uma imagem de 1769, para a obra Zingha, reine d’Angola, de Jean-Louis Castilhon, mostra a rainha de perfil com um olhar recatado que nada corresponde ao perfil guerreiro dessa líder política africana. Usa coroa, colar, bracelete, broche e manta típicos da cultura europeia. O toque exótico e sensual fica por conta do seio à mostra, como era comum nas representações de africanas pelo traço europeu cristão. A imagem aproxima-se da descrição de Glasgow: Nzinga usando elementos da cultura europeia e africana em uma gravura do século XVIII. Vaidosa quanto às roupas e aparência, trazia na cabeça a coroa real, com joias de prata, pérolas e cobre a lhe adornarem os braços e as pernas. Lindos tecidos e roupas eram sua paixão especial e não perdia nenhuma oportunidade de adquirir novas roupas em estilo europeu dos mercadores portugueses. Às vezes ela trocava de traje várias vezes por dia, variando das modas africanas para as portuguesas e vice-versa, até no estilo do penteado. (…) Quando Nzinga recebia hóspedes estrangeiros, tanto ela quanto sua corte se adornavam com dispendiosos trajes e joias europeias e havia farto uso de baixelas de prata, cadeiras e tapetes. Saudava os hóspedes com o selo real de prata na mão e a coroa na cabeça, ocasionalmente até três vezes por semana. (Glasgow, p. 95-96) Costa e Silva apresenta outra descrição de Nzinga: “Ela recusava o título de rainha e fazia questão de ser chamada rei. Por isso que decidiu tornar-se socialmente homem e ter um harém, com os concubinos vestidos de mulher. Por isso que lutava como um soldado, à frente do exército. Na realidade, Jinga estava a criar a sua tradição, a sua legitimidade, os precedentes que permitiriam a suas netas e bisnetas ascenderem, sem contestação do sexo, ao poder.” (Costa e Silva, p.438) Nzinga com uma fisionomia bantu juvenil, segundo representação feita por Tim O’Brien, em 2000 Em obra recente, Nzingha: warrior queen of Matamba, de Patricia McKissack, publicado em 2000, o conceituado ilustrador Tim O’Brien, criou uma nova imagem da rainha ambundo dando-lhe uma fisionomia bantu juvenil. Ela usa bracelete e colar típicos da realeza bantu, um cordão de zimbos ou búzios, uma concha utilizada como moeda nos reinos do Congo, Ndongo e em sociedades tradicionais de Angola. O vestido colante com grafismos em zig-zag, motivo recorrente na cultura material da África subsaariana, e o arco e flechas compõem o retrato guerreiro e africano de Nzinga. O filme Njinga, rainha de Angola, de 2012 (mostrado no Brasil em 2014) construiu outra imagem da rainha. Para representa-la, foi escolhida Lesliana Pereira, miss Angola 2008. A beleza da atriz reforçada por trajes sensuais em cenas de combate aproxima a rainha à imagem de uma super-heroína africana. Nzinga reinou absoluta durante quarenta anos sobre Ndongo (1623 a 1663) e, a partir de 1630, também sobre Matamba. Para enfrentar os portugueses, aliou-se aos ferozes jagas e desposou um chefe deles. Veja o trailer do filme Njinga, rainha de Angola, direção de Sérgio Graciano, 2012 Continua na parte 2: Nzinga abre guerra contra os portugueses. Vocabulário Ambundo ou Mbundu: maior grupo étnico de Angola, falante do quimbundo, língua que muito contribuiu na formação do léxico do português falado no Brasil. Ndongo ou Dongo: reino ambundo da Angola pré-colonial, limitado ao norte pelo Reino do Congo, a leste por Matamba, a oeste pelo Oceano Atlântico e ao sul pelos Estados ovimbundos. Ngola ou angola: importante título nobiliárquico e guerreiro dos ambundos na Angola pré-colonial, equivalente a rei. O termo acabou batizando o nome atual do país. Fonte COSTA E SILVA, Alberto. A manilha e o libambo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002. GLASGOW, Roy. Nzinga. São Paulo: Perspectiva, 1982. PACAVIRA, Manuel Pedro. Nzinga Mbandi. Cuba: União dos Escritores Angolanos, 1985.

Depois de 24 anos lutando contra grupos africanos hostis e sem encontrar as supostas minas de prata de Angola, os portugueses decidiram se concentrar no tráfico de escravos. Mas eles não imaginavam que enfrentariam um problema ainda maior chamado Nzinga, rainha de Ndongo e Matamba. Em 1623, Nzinga Mbandi tornava-se rainha do Ndongo decidida a combater os portugueses, sediados em Luanda, por não terem cumprido sua parte no acordo firmado. Para enfrentá-los, aliou-se aos ferozes jagas e desposou um chefe deles. Os Jagas A origem dos jagas é obscura. Grupo guerreiro itinerante, os jagas penetraram no Ndongo Ocidental onde se misturaram aos habitantes locais e foram chamados de imbangalas. Usavam a tática de guerrilhas: ataques de surpresa com recuos estratégicos que fustigavam e cansavam as forças coloniais. Assim os descreve Glasgow: “Os Jagas eram imponentemente altos e atacavam seus inimigos com facas, lanças, arcos e flechas, azagaias e escudos. Eram táticos militares cujo artifício operacional era a surpresa. As mulheres Jagas não criavam seus filhos, mas os abandonavam nos bosques, adotando no lugar deles adolescentes capturados na guerra. Estes alcançavam a liberdade e a virilidade, trazendo a cabeça de um inimigo a seu general. (Glasgow, p. 37). Os jagas, ilustração do século XVIII. Organizavam-se em kilombo (ou quilombo), acampamento militar quase sempre montado perto de um precipício. Em formato circulado, o kilombo era cercado por fortes estacas, cada uma delas vigiada por um guerreiro. Internamente, o kilombo dividia-se em blocos separados entre si por grades e cancelas. O chefe e seus guardas residiam no círculo mais interno. Quando criança e jovem, Nzinga viveu em um kilombo participando dos exercícios militares como luta corpo a corpo, treinando a rapidez no ataque e a destreza no arremesso de armas. Aprendeu a usar a mbila, um tipo de faca afiada com a ponta envenenada, e o machado em forma de meia-lua que podia, de um só golpe, abrir o tórax do inimigo. Nzinga adotou para si e seus exércitos as técnicas de combate, de recrutamento e de acampamento militar dos jagas. Para ter o controle de toda região e dos passos de outros chefes locais, espalhou espiões por toda parte. Nada lhe passava despercebido. Manteve o espírito de união e lealdade entre seus guerreiros premiando os atos de bravura e punindo os covardes – igualados a traidores – com a pena de morte. À véspera dos combates, Nzinga participava da cerimônia dos jagas de sacrifício humano e antropofagia. Apesar dos ambundos (grupo étnico de Nzinga) terem aversão a esse costume, a rainha tinha consciência da eficácia desse ritual para forjar a unidade de suas forças. A desorganização do tráfico de escravos Território ocupado pelos portugueses (rosa) e o reino de Nzinga (amarelo). Para fragilizar os portugueses, Nzinga convenceu a população negra de Luanda, escravos e africanos livres, a abandonar a cidade em troca de proteção e asilo. Nzinga apelava: “É melhor para os africanos serem donos de seu solo do que cativos dos portugueses”. De um momento para outro, os portugueses se viram sem boa parte da mão de obra e dos soldados com que contavam. Nzinga mandou fechar os entrepostos comerciais que forneciam escravos aos portugueses e libertou muitos escravos e mulatos que estavam sob o controle europeu oferecendo-lhes terras para se estabelecerem permanentemente. Acampamentos inteiros de escravos começaram a escapar do controle português. A situação ficou insustentável para os portugueses pois interrompia o comércio de escravos cessando seus lucros. Foram enviados embaixadores e padres a Nzinga para negociar a paz e a normalização do comércio. Em um deles, o governador português manifestou seu desejo de amizade com a rainha e que estava disposto a entregar-lhe suas possessões se ela se dispusesse a avassalar-se ao rei de Portugal. Esse último ítem enfureceu Nzinga, pois fora justamente a condição que rejeitara em Luanda, como afrontosa a um príncipe soberano. Além disso, a rainha não abria mão de um ponto: os portugueses tinham que sair da fortaleza de Ambaca (ou Mbaka), construída em terras dos ambundos. Era, ainda, mesma exigência feita no acordo firmado em 1621-1622 e não cumprido pelos portugueses. Nzinga e o tráfico Os relatos desses encontros e as cartas enviadas por Nzinga a autoridades portuguesas revelam a posição ambígua da rainha quanto à escravização dos africanos. Ela estava interessada num tráfico pacífico com os portugueses, desde que esses aceitassem suas condições. O tráfico significava riqueza material, armas e munição importantes para manter seu prestígio e poder. Esclarece a respeito, Glasgow: “A posição da rainha Nzinga perante a escravidão era do ponto de vista político ambivalente, pois às vezes ela participava do tráfico e outras vezes fechava tais mercados. Não se deve esquecer, todavia, que o estabelecimento do tráfico com seus vínculos externos levou ao desenvolvimento de uma posterior superioridade comercial e política (e às vezes militar) dos reinos africanos, sobretudo Matamba, Kasanje e Luanda. Seu desenvolvimento como poderosos Estados comerciais fomentou o crescimento de complexas instituições africanas, que obtiveram o controle e virtual monopólio da aquisição e a distribuição de escravos e de artigos de comércio. Embora muitos chefes aquiescessem com o tráfico, outros tiveram pouca alternativa, visto que, ou concordavam ou eram eliminados.” (Glasgow, p. 57). A partir de 1630, quando Nzinga tomou Matamba e tornou-se sua rainha, ela impôs mudanças nas rotas do tráfico de escravos forçando a livre passagem para chegar até o litoral onde estavam os barcos dos holandeses. À essa época, os holandeses, senhores do Nordeste açucareiro do Brasil, já rondavam Luanda para traficar escravos para Recife. Enquanto negociava com os holandeses, a rainha mandava guerreiros jagas assaltarem os caminhos usados pelos portugueses para conduzir seus escravos. Conforme afirma Costa e Silva: “As tropas da rainha passaram a aterrorizar as caravanas dos pombeiros que percorriam esse trajeto e a prear escravos por toda a redondeza. Em pouco tempo, Jinga concentrou em suas mãos a escravaria que se produzia no amplo espaço que ia desde o norte do Matamba até o alto [do rio] Cuanza e se tornou a mais importante vendedora de escravos da região. E também a maior detentora de escravaria, reforçando com ela os seus exércitos, pois, ao que parece, ela e seus chefes guardavam para eles muito mais cativos do que vendiam. Foi assim que se criou […], com descendentes de gente desenraizada e de escravos, um novo povo, que seria conhecido, no século XVIII, como jingas.” (Costa e Silva, p. 442) A guerra contra os portugueses A guerra teve início em 1624 com o ataque noturno das tropas de Nzinga contra uma fortificação portuguesa que foi incendiada assim como vários barcos, suprimentos e víveres. Tomados de pânico, muitos soldados portugueses se afogaram. Outros foram feitos prisioneiros e levados por Nzinga. A partir de então, seguiu-se um longo período de confrontos armados, com vitórias e derrotas para ambos os lados, de recuos e alianças frágeis com chefes locais. Uma epidemia de varíola fez numerosas vítimas em ambos adversários e forçou interrupção dos combates. Os esforços de Nzinga para subtrair dos portugueses apoio de aliados africanos deram resultado: os lusitanos sequer tinham carregadores disponíveis para o transporte de bagagem. Chefes africanos que forneciam soldados às forças portuguesas eram implacavelmente perseguidos e assassinados. No alto das pedras de Pongo Andongo, Nzinga montou seu acampamento militar. Em fins de 1629, em um ataque vitorioso, os portugueses capturaram as irmãs de Nzinga, mas a rainha, mais uma vez, escapou com seus guerreiros. Montou acampamento à beira de uma profunda e difícil garganta onde Nzinga mandou colocar cordas sobre os declives escarpados para facilitar uma fuga de emergência. A entrada no acampamento fazia-se por uma ponte provisória que permitia a passagem de uma pessoa por vez. As irmãs de Nzinga foram levadas à Luanda e escoltadas até a casa do governador onde foram tratadas com todas as honras de sua posição real. Elas seriam usadas, por muitas vezes, para tentar extorquir concessões de Nzinga. A rainha não se deixou submeter, passou a recrutar mais homens para seu exército ao mesmo tempo que mantinha contatos diplomáticos com os portugueses pedindo a devolução das irmãs. Em 1641, Luanda caiu sob domínio dos holandeses que tomaram a ilha com numerosos homens: 3000 soldados, 900 marinheiros e 300 índios Tapuias do Brasil. Os portugueses, incapazes de deter os invasores, retiraram-se para a fortaleza de Massangano. Nzinga costurou uma aliança entre holandeses, congoleses e ambundos com o compromisso de empreender uma investida conjunta para exterminar os portugueses fortemente entrincheirados em Massangano. A rainha preparou-se para o combate em meio a um ensurdecedor bater de tambores de todas as direções. Foi uma batalha sangrenta onde morreram cerca de 2000 africanos. Apesar de derrotada, Nzinga mais uma vez conseguiu escapar. Suas fugas e aparente invulnerabilidade alimentavam a crença, entre os ambundos, que a rainha era imortal. Ainda rija e ativa aos 65 anos de idade, Nzinga causava terror entre portugueses e grupos africanos. Os jagas e Palmares Os combates terminavam sempre com prisioneiros africanos capturados por ambos os lados. Muitos dos cativos acabavam sendo enviados como escravos para o Brasil, especialmente para as lavouras canavieiras. A respeito disso, Glasgow levanta uma hipótese instigante: “Sabendo que muitos dos Bantos eram embarcados para Pernambuco durante o início do século XVII, parece ser razoável supor que muitos deles pudessem ter sido aliados ou partidários de Nzinga, ou que, esporadicamente tivessem ouvido falar de sua fama. Se tal fosse o caso, isso nos forneceria uma importante explicação para a persistência da imagem de Nzinga no Nordeste do Brasil e, possivelmente, para parte da resistência afro-brasileira em certas regiões.” (Glasgow, p. 141) Pode-se supor que entre os escravizados estavam guerreiros Jagas que tão logo chegavam a Pernambuco fugiam e se organizavam em quilombos reproduzindo seus ataques de guerrilha. Glasgow lembra que Palmares seguia a mesma estrutura dos quilombos Jagas inclusive a construção junto a escarpas e penhascos íngremes. Câmara Cascudo declara que “os escravos angolanos trouxeram consigo a odisseia guerreira da rainha negra de Matamba” (Cascudo, p. 32). Palmares resistiu por décadas às investidas dos portugueses, só sendo destruído em 1694. Nova etapa de negociações Ruínas de Massangano, local de muitos combates entre portugueses e as tropas de Nzinga. Massangano foi uma derrota militar e psicológica para Nzinga. Pouco depois, os holandeses foram expulsos de Angola (1648-1649) e a rainha perdeu aliados e armas de fogo. Mesmo não subjugada e mantendo a luta contra os portugueses, Nzinga tratou de flexibilizar seus métodos. Retornaram os encontros com mensageiros diplomáticos de ambos os lados. Interessava a Nzinga manter a soberania sobre Ndongo e Matamba e recuperar a irmã mais nova (ainda refém, enquanto a mais velha havia sido morta pelos portugueses). Os portugueses precisavam do auxílio da rainha para ter acesso aos mercados internos de escravos. Finalmente, em 1656 foi firmado o acordo de paz. A irmã de Nzinga foi devolvida contra o pagamento de 130 escravos. A rainha voltava à fé cristã e seria rebatizada. Os portugueses retiraram suas forças, inclusive de Ambaca devolvendo à rainha os territórios ocupados no Ndongo. Em troca, teriam o direito de comerciar livremente em seus domínios. E, o mais importante e ponto de honra de Nzinga: ela não pagaria qualquer tributo à Portugal e não seria colocada na condição de vassala. Sua soberania sobre Ndongo e Matamba estava garantida. Ao firmar-se o acordo, a rainha estava com 74 anos de idade. Mais sete e faleceria. Foi enterrada como Dona Ana, conforme os costumes cristãos, mas também como Nzinga, seguindo os ritos ambundos. Até na morte, a rainha negociou com o Deus cristão e os deuses africanos. Lembranças de Nzinga O vai e vem constante dos ataques, as batalhas inconclusas e os acordos feitos e desfeitos por Nzinga acabaram por associar seu nome à ideia de esperteza, agilidade, uma forma de enganar o adversário ou de aproveitar sua hesitação. Não por acaso, originou o termo “ginga” que, na capoeira, denomina o balanço do capoeirista que luta como se fosse uma dança. Ginga é, também, o nome do passe do jogador de futebol, do meneio de corpo do sambista e do rebolado da mulher. A lembrança de Nzinga está viva, também, em festas populares do Brasil, como as congadas. No século XIX, nas festividades da irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, os escravos escolhiam um Rei do Congo e uma Rainha Jinga ou Ginga. Em Angola, ela é heroína nacional e sua memória continua viva e venerada pelos angolanos. Vocabulário Ambundo ou Mbundu: maior grupo étnico de Angola, falante do quimbundo, língua que muito contribuiu na formação do léxico do português falado no Brasil. Jagas ou imbangalas: grupo multiétnico de guerreiros, itinerantes e belicosos, que, durante o século XVII, levaram ao terror o Reino do Congo, Ndongo, Matamba e outros Estados vizinhos com ataques de guerrilha para capturar escravos. Matamba: reino da Angola pré-colonial, século XVII, celebrizado pela resistência da rainha Nzinga e que se constituiu num dos maiores mercados de escravos de toda África. Ndongo ou Dongo: reino ambundo da Angola pré-colonial, limitado ao norte pelo Reino do Congo, a leste por Matamba, a oeste pelo Oceano Atlântico e ao sul pelos Estados ovimbundos. Fonte COSTA E SILVA, Alberto. A manilha e o libambo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002. GLASGOW, Roy. Nzinga. São Paulo: Perspectiva, 1982. PACAVIRA, Manuel Pedro. Nzinga Mbandi. Cuba: União dos Escritores Angolanos, 1985. CASCUDO, Luís da Câmara. Made in Africa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.

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