O culto à Lênin: uma contradição no pensamento dos revolucionários russos?
Dentre as mais consagradas noções feitas contra o pensamento marxista, os críticos e suas teorias o acusavam de negar papel à crença religiosa. Equacionado a prática da religião ao uso de um entorpecente, muitos seguidores do ideário marxista passariam a defender o fim das práticas religiosas no interior da sociedade. Assim, como na França revolucionária, a Rússia de 1917 também se preocupou em redefinir o lugar ocupado pela religião.
Antes da tomada de poder empreendia pelos bolcheviques, a Rússia era um dos principais conglomerados do cristianismo ortodoxo. Valendo-se de suas igrejas, relíquias e influência política, o cristianismo ortodoxo conseguiu constituir-se enquanto uma das maiores religiões entre os povos eslavos. De forma semelhante ao catolicismo ocidental, a líderes da Igreja russa tinham grande preocupação em realizar acordos de cooperação política junto às autoridades e elites da Rússia czarista.
Ao legitimar a ordem das coisas, a Igreja viria a ser considerada inimiga dos revolucionários. Sob o comando de Lênin, Igreja e Estado perderam seus antigos vínculos e a liberdade religiosa foi instituída. Além disso, outras leis incentivavam a ampliação de ações públicas que prmovessem a disseminação do pensamento ateísta. O pensamento materialista ganhou destaque com a criação de locais considerados como grandes “museus do ateísmo”.
Outras exigências governamentais, de ordem mais incisiva, também foram empreendidas nesse período. Nos primeiros anos do governo leninista, diversas igrejas foram depredadas e vários clérigos foram presos ou executados. Algumas imagens foram incendiadas ou vendidas, e datas religiosas começaram a ser simplesmente ignoradas. O governo parecia querer substituir o racionalismo pela crença por meio dos poderes a ele atribuídos. No entanto, a separação entre essas duas formas de pensamento não surtiu o esperado efeito.
Além disso, se o fanatismo religioso fosse um mal a ser expurgado, diversas das ações políticas do governo socialista russo poderiam ser consideradas, no mínimo, contraditórias. Depois da morte de Lênin, seu corpo foi embalsamado e colocado em um verdadeiro altar público, o Kremlin, onde vários bolcheviques organizavam procissões para tocar e observar o corpo daquele que instalou a ditadura proletária russa. Seria no interessante nos questionar como um ideário materialista e racionalista abriu portas para uma demonstração de fé como essas.
Nesse sentido, podemos ver na perseguição religiosa do socialismo russo a crença inabalável em uma concepção que transforma a própria razão socialista em um tipo de fé religiosa. Os quadros vindouros da evolução socialista de Marx ou a suntuosidade dos desfiles das tropas militares russas eram, de certa forma, projeções que sonhavam com a construção de um novo Éden.