18.2.19

O coração de D. Pedro I (fatos e fotos)



Depois da repercussão da análise dos restos mortais de Dom Pedro I (do Brasil) e de suas duas mulheres (Maria Leopoldina de Áustria e Amélia de Leuchetenberg), o coração do imperador, doado à Igreja da Lapa, na cidade portuguesa do Porto, também deve ser estudado. Os vídeos estão no final da postagem.





Textos retirados do Jornal O Estado de São Paulo (fevereiro de 2013). Autores Edison Veiga e Vitor Hugo Brandalise.


Os exames – realizados em sigilo entre fevereiro e setembro de 2012 pela historiadora e arqueóloga Valdirene do Carmo Ambiel, com o apoio da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) – revelam fatos desconhecidos sobre a família imperial brasileira, agora comprovados pela ciência, e compõem retrato jamais visto dos personagens históricos.


Agora se sabe que o imperador tinha quatro costelas fraturadas do lado esquerdo, o que praticamente inutilizou um de seus pulmões – fato que pode ter agravado a tuberculose que o matou, aos 36 anos, em 1834. Os ferimentos agora constatados foram resultado de dois acidentes a cavalo (queda e quebra de carruagem), ambos no Rio, em 1823 e em 1829. O estudo também desmente a versão histórica – já próxima da categoria de “lenda” – de que Dona Leopoldina teria caído, ou sido derrubada, de uma escada no palácio da Quinta da Boa Vista, então residência da família real. Segundo a versão, corroborada por historiadores como Paulo Setúbal, ela teria fraturado o fêmur. Nas análises no Instituto de Radiologia da USP, porém, não foi constatada nenhuma fratura nos ossos da imperatriz.


Uma vez removidos os tampões de granito de 400 quilos que cobriam os caixões de Dom Pedro I e de Dona Leopoldina, e aberto o nicho de parede de Dona Amélia, os pesquisadores fizeram uma lista minuciosa do que havia dentro de cada urna. Encontraram medalhas e insígnias de ordens de Portugal, jóias de surpreendente baixa qualidade e até cartões de visita deixados por gente que acompanhou os traslados dos corpos até o Ipiranga.





Sabe-se agora que a roupa militar com que Dom Pedro I foi enterrado – túnica provavelmente marrom e calça branca – tinha, ao todo, 54 botões, a maioria de metal, com brasão da coroa portuguesa em alto relevo. Ele usava botas, que se decompuseram quase completamente por causa da umidade: restaram dois saltos de couro e duas esporas de metal. Havia também botões feitos de osso, usados na época principalmente em cuecas.


Trouxe surpresa à arqueóloga o fato de que não havia nenhuma comenda de ordens brasileiras entre as insígnias com que o imperador foi enterrado. “Esperava pelo menos a Ordem da Rosa, criada pelo próprio Dom Pedro I aqui no Brasil, para homenagear Dona Amélia. Foi uma pequena decepção”, diz a historiadora e arqueóloga Valdirene Ambiel, responsável pelas pesquisas na tumba.


Na conclusão do mestrado, a pesquisadora afirma que, “com base no histórico de fraturas e nas comendas encontradas, não há dúvidas” de que os restos mortais são de Dom Pedro I, mesmo antes dos futuros exames de DNA. Entre as comendas “comprobatórias” da identidade está o Tosão de Ouro, ordem de cavalaria fundada no século 15 e concedida apenas a soberanos e seus filhos.


Há também duas comendas da Ordem da Torre e da Espada – em uma delas, consta a reprodução da constituição portuguesa, uma reformulação proposta pelo próprio Dom Pedro I em referência a mudanças que fez na Carta Magna de Portugal em 1832 e que foi concedida a ele pouco antes de morrer. A placa, agora restaurada, estava em seis pedaços. Havia ainda uma comenda criada pela avó de Dom Pedro I, chamada Banda das Três Ordens, e duas reproduções da coroa de Portugal, como parte dos galões de ombro do imperador.


Todo o material encontrado em Dom Pedro I era feito de metal não nobre – ou latão, ou cobre – exceto o par de abotoaduras de punho, forjadas em ouro. Em meio ao material histórico, houve espaço para curiosidades mais recentes: dentro do caixão do imperador foram colocados 24 cartões de visita, de militares, dentistas, diplomatas, farmacêuticos, brasileiros e portugueses. “Foram colocados ali durante o traslado dos restos do imperador para o Brasil, em 1972. É gente que gostaria de ser ‘lembrada’, mas não será: não vamos divulgar os nomes”, diz a pesquisadora.





As vestes de Leopoldina. Outra conclusão interessante do trabalho de arqueologia na cripta é a forma como a imperatriz Leopoldina foi enterrada: com o mesmo vestido com que foi coroada, em 1822, inclusive com a faixa de imperatriz do Brasil. Ao verificar o resultado dos exames de ressonância magnética feitos na imperatriz no HC, os pesquisadores constataram detalhes dos ornamentos em prata envolvendo todos os restos mortais e, ao comparar com um dos retratos da imperatriz (de Simplício de Sá, pintado em 1826), perceberam a semelhança.





“Como era metal, aparecia claramente o bordado com fios de ouro e prata nas vestes de Leopoldina. Ficou interessante, porque o tomógrafo consegue fatiar a imagem de modo que só apareça esse bordado”, conta o médico Carlos Augusto Pasqualucci, diretor do Serviço de Verificação de Óbitos (SVO) da capital e professor da Faculdade de Medicina da USP, que acompanhou a tomografia. “Quando estava saindo, alguém me chamou. Pegaram um livro com um retrato dos imperadores e o traje de gala dela tinha exatamente o mesmo bordado. Era a carteira de identidade da Leopoldina.”





Os brincos de Leopoldina – que tinham um “L” estilizado gravado em cada um dos pares – também representaram uma surpresa para os pesquisadores. Apesar de os aros de metal serem de ouro (provavelmente 18 quilates), as gemas – que, esperava-se, seriam pedras preciosas – eram simples, feitas de resina. Uma “bijuteria”, como classificaram, meio de brincadeira, os pesquisadores. “Não era algo comum, principalmente para a realeza. É que nossa imperatriz jamais será conhecida pela vaidade, a menos que seja pela ausência dela”, justificou Valdirene. “Eu fiquei duvidando na época, mas realmente foi constatado que as supostas gemas eram de resina”, disse o perito e gemólogo Valter Muniz, que realizou a análise e higienização do material.


Leopoldina também vestia o mesmo toucado verde de penas com que foi retratada por Simplício de Sá – apesar da ausência total do penacho, notavam-se os mesmos ornamentos metálicos e a cor verde do toucado. A imperatriz foi enterrada com sapatilha simples e sem saltos.


O inventário do que foi encontrado dentro do caixão de Dona Amélia é o mais enxuto entre os três: a imperatriz mumificada estava coberta por duas mantas de um tecido que lembra seda (colocado na época em que foi trasladada para a cripta, em 1982). Amélia vestia roupas negras e simples e segurava um crucifixo. “É o mesmo com que ela foi retratada, em uma fotografia raríssima que está em meu trabalho. E é negro em sinal de um luto que ela guardou por 42 anos, desde que Dom Pedro I morreu, em 1834, até sua morte, em 1876”, explica Valdirene.


No caso da segunda mulher de Dom Pedro I, Dona Amélia de Leuchtenberg, a descoberta mais surpreendente veio antes ainda de que fosse levada ao hospital: ao abrir o caixão, a arqueóloga descobriu que a imperatriz está mumificada, fato que até hoje era desconhecido em sua biografia. O corpo da imperatriz, embora enegrecido, está preservado, inclusive cabelos, unhas e cílios. Entre as mãos de pele intacta, ela segura um crucifixo de madeira e metal.





As causas exatas da mumificação de d. Amélia ainda estão sendo investigadas – não era comum entre a nobreza de Portugal que mulheres recebessem tratamento para ficarem preservadas. “Pode ter sido um ‘acidente de percurso’. Ela foi tratada para ficar conservada alguns dias, para o funeral, e isso acabou inibindo o processo de decomposição”, diz Valdirene. Os exames no Hospital das Clínicas revelaram uma incisão na jugular da imperatriz. Por ali, foram injetados aromáticos como cânfora e mirra. “No caso de d. Amélia, havia um forte odor de cânfora quando abrimos o caixão. Certamente, ajudou a anular o processo de decomposição.” Também contribuiu para a mumificação, segundo a pesquisadora, a ausência de fatores para a decomposição. “A urna foi tão hermeticamente lacrada que não havia microorganismos para realizar a decomposição. É irônico que tenha acontecido justamente com Amélia, que pediu expressamente um funeral simples, nos quais não se costumava preparar os mortos para preservação”, explica Valdirene, referindo-se ao testamento de Amélia de Leuchtemberg, no qual consta o pedido de um funeral sem ostentações. O documento, porém, só foi lido após o enterro, quando a mumificação já havia sido preparada. Após passar pelo aparelho de tomografia do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas e de receber uma biópsia, a imperatriz foi “remumificada” – ela recebeu novo processo de embalsamamento, semelhante ao qual havia passado 136 anos antes. Valdirene também foi a responsável por preparar e aplicar na múmia uma solução semelhante à usada em Portugal no século 18 (500g de naftalina, 500g de cânfora, 300g de manganato de potássio, 2,5 litros de álcool a 92%, 2 litros de formol e 500g de timol). Com gaze e algodão, passou a mistura em todas as partes visíveis da imperatriz – face, pés, mãos e pescoço. “Também passamos a solução nas laterais do corpo preservado, para que receba o tratamento por absorção. Nas costas ficou do jeito que estava, já que não podíamos levantá-la do caixão”, conta a arqueóloga.





Fonte: https://historiacantada.wordpress.com/2013/07/27/264/