26.7.11

As Concepções Pedagógicas na História da Educação Brasileira

De Saviani

AS CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA1

Dermeval Saviani

1. Introdução: teorias da educação e concepções pedagógicas Para atender à proposta do “projeto 20 anos do HISTEDBR”, que me incumbiu de abordar o tema relativo às concepções pedagógicas na história da educação brasileira, elegi como eixo ordenador de minha exposição a oposição entre teoria e prática já que, como assinala Schmied-Kowarzik (1983, p. 10), “a relação entre teoria e prática é a mais fundamental da pedagogia”.

Com efeito, entendida a pedagogia como “teoria da educação”, evidencia-se que se trata de uma teoria da prática: a teoria da prática educativa. Não podemos perder de vista, porém, que se toda pedagogia é teoria da educação, nem toda teoria da educação é pedagogia. Na verdade o conceito de pedagogia se reporta a uma teoria que se estrutura a partir e em função da prática educativa. A pedagogia, como teoria da educação, busca equacionar, de alguma maneira, o problema da relação educador-educando, de modo geral, ou, no caso específico da escola, a relação professor-aluno, orientando o processo de ensino e aprendizagem. Assim, não se constituem como pedagogia aquelas teorias que analisam a educação pelo aspecto de sua relação com a sociedade não tendo como objetivo formular diretrizes que orientem a atividade educativa, como é o caso das teorias que chamei de “crítico-reprodutivistas”.

Feita essa observação preliminar, podemos considerar que, do ponto de vista da pedagogia, as diferentes concepções de educação podem ser agrupadas em duas grandes tendências: a primeira seria composta pelas concepções pedagógicas que dariam prioridade à teoria sobre a prática, subordinando esta àquela sendo que, no limite, dissolveriam a prática na teoria. A segunda tendência, inversamente, compõe-se das concepções que subordinam a teoria à prática e, no limite, dissolvem a teoria na prática.

No primeiro grupo estariam as diversas modalidades de pedagogia tradicional, sejam elas situadas na vertente religiosa ou na leiga. No segundo grupo se situariam as diferentes modalidades da pedagogia nova. Dizendo de outro modo, poderíamos considerar que, no primeiro caso, a preocupação se centra nas “teorias do ensino”, enquanto que, no segundo caso, a ênfase é posta nas “teorias da aprendizagem”.

lema “aprender a aprender”

Na primeira tendência o problema fundamental se traduzia pela pergunta “como ensinar”, cuja resposta consistia na tentativa de se formular métodos de ensino. Já na segunda tendência o problema fundamental se traduz pela pergunta “como aprender”, o que levou à generalização do

1 Texto elaborado no âmbito do projeto de pesquisa “O espaço acadêmico da pedagogia no Brasil”, financiado pelo CNPq, para o “projeto 20 anos do Histedbr”. Campinas, 25 de agosto de 2005.

Em termos históricos, a primeira tendência foi dominante até o final do século XIX. A característica própria do século X é exatamente o deslocamento para a segunda tendência que veio a se tornar predominante o que, entretanto, não exclui a concepção tradicional que se contrapõe às novas correntes, disputando com elas a influência sobre a atividade educativa no interior das escolas.

As concepções tradicionais, desde a pedagogia de Platão e a pedagogia cristã, passando pelas pedagogias dos humanistas e pela pedagogia da natureza, na qual se inclui Comênio (SUCHODOLSKI, 1978, p. 18-38), assim como a pedagogia idealista de Kant, Fichte e Hegel (Idem, p. 42-46), o humanismo racionalista, que se difundiu especialmente em conseqüência da Revolução Francesa, a teoria da evolução e a sistematização de Herbart-Ziller (Idem, p. 54-67), desembocavam sempre numa teoria do ensino. Pautando-se pela centralidade da instrução (formação intelectual) pensavam a escola como uma agência centrada no professor, cuja tarefa é transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade segundo uma gradação lógica, cabendo aos alunos assimilar os conteúdos que lhes são transmitidos. Nesse contexto a prática era determinada pela teoria que a moldava fornecendo-lhe tanto o conteúdo como a forma de transmissão pelo professor, com a conseqüente assimilação pelo aluno. Essa tendência atinge seu ponto mais avançado na segunda metade do século XIX com o método de ensino intuitivo centrado nas lições de coisas.

Por sua vez, as correntes renovadoras, desde seus precursores como Rousseau e, de alguma forma, também Pestalozzi e Froebel (SUCHODOLSKI, 1978, P. 39-41), passando por Kierkegaard, Stirner, Nietzsche e Bergson (Idem, p. 47-53 e 68-69) e chegando ao movimento da Escola Nova, às pedagogias não diretivas (SNYDERS, 1978), à pedagogia institucional (Lobrot, Oury) e ao construtivismo desembocam sempre na questão de como aprender, isto é, em teorias da aprendizagem, em sentido geral. Pautando-se na centralidade do educando, concebem a escola como um espaço aberto à iniciativa dos alunos que, interagindo entre si e com o professor, realizam a própria aprendizagem, construindo seus conhecimentos. Ao professor cabe o papel de acompanhar os alunos auxiliando-os em seu próprio processo de aprendizagem. O eixo do trabalho pedagógico desloca-se, portanto, da compreensão intelectual para a atividade prática, do aspecto lógico para o psicológico, dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos de aprendizagem, do professor para o aluno, do esforço para o interesse, da disciplina para a espontaneidade, da quantidade para a qualidade. Tais pedagogias configuram-se como uma teoria da educação que estabelece o primado da prática sobre a teoria. A prática determina a teoria. Esta deve se subordinar àquela, renunciando a qualquer tentativa de orientá-la, isto é, de prescrever regras e diretrizes a serem seguidas pela prática e resumindo-se aos enunciados que vierem a emergir da própria atividade prática desenvolvida pelos alunos com o acompanhamento do professor. Essa tendência ganha força no início do século X, torna-se hegemônica sob a forma do movimento da Escola Nova até o início da segunda metade desse século e, diante das 2 contestações críticas que enfrenta, assegura seu predomínio assumindo novas versões, entre as quais o construtivismo é, provavelmente, a mais difundida na atualidade.

Se nos séculos XVII, XVIII e XIX a ênfase das proposições educacionais se dirigia aos métodos de ensino formulados a partir de fundamentos filosóficos e didáticos, no século X a ênfase se desloca para os métodos de aprendizagem, estabelecendo o primado dos fundamentos psicológicos da educação. Nesse contexto “o conteúdo a ser ensinado e os valores formativos podem ser elucidados a partir do processo de aprendizagem do aluno, deslocamento que gera uma redução do processo educativo, produzindo uma cultura escolar mais simplificada” (VALDEMARIN, 2004b). Para Vera Valdemarin, a matriz desse “novo sistema doutrinário sobre a educação” do qual deriva um “novo modelo para a profissão docente” pode ser localizada em Dewey. Após citar a passagem em que Dewey afirma que, na atividade educativa, “o professor é um aluno e o aluno é, sem saber, um professor - e, tudo bem considerado, melhor será que, tanto o que dá como o que recebe a instrução, tenham o menos consciência possível de seu papel” (DEWEY, 1979, p. 176), Vera comenta:

Explicita-se nesse fragmento a inflexão na profissão docente que vínhamos afirmando ter ocorrido ao longo do século X: na medida em que o conhecimento tem como ponto de partida a experiência já existente ou a ser realizada pelo próprio aluno, o docente participa das atividades em condições de igualdade com ele e não mais como aquele que detém o conhecimento e o método de gerar a aprendizagem dirigindo o processo (VALDEMARIN, 2004b).

O comentário acima transcrito, embora referido diretamente a Dewey, vale também para

Piaget e o construtivismo, ainda que a matriz filosófica de Dewey, que se reporta a Hegel, seja diferente daquela de Piaget, cuja base é Kant; e a pedagogia progressiva, como denominou Anísio Teixeira (1968) a concepção de Dewey, tenha uma conformação também distinta do construtivismo. Quando Piaget (1983, p. 39) considera que “uma epistemologia, em conformidade com os dados da psicogênese”, não é empírica, isto é, resultante de observações, nem fundada em formas a priori ou inatas, “mas não pode deixar de ser um construtivismo, com a elaboração contínua de operações e de novas estruturas”. Quando assim procede ele está, embora por outro caminho, centrando a questão do conhecimento no indivíduo respaldando, do ponto de vista pedagógico, a idéia de que “o conhecimento tem como ponto de partida a experiência já existente ou a ser realizada pelo próprio aluno”. José Sérgio Carvalho, comentando a citada passagem de Piaget, observa que nessa concepção o conhecimento é considerado “como resultante das atividades ou das experiências de um sujeito individual que constrói interna ou privadamente seus conceitos e suas representações sobre a realidade”, o que tem sido objeto de duras críticas, por diferentes motivos, entre os quais destaca: centrando-se

“nos aspectos internos ou psicológicos da representação mental do sujeito”, a referida concepção “despreza o fato primordial e decisivo de que o conhecimento é necessariamente formulado em uma linguagem pública e compartilhável” (CARVALHO, 2001, p. 108, grifos do autor).

Tendo presente o quadro teórico acima traçado que contrapõe as duas grandes tendências pedagógicas, abordemos a trajetória da pedagogia no Brasil procurando compor um esboço do desenvolvimento das concepções pedagógicas na história da educação brasileira.

2. A concepção pedagógica tradicional religiosa (1549-1759) Chegando à colônia brasileira, em 1549, os jesuítas implantaram os primeiros colégios contando com incentivo e subsídio da coroa portuguesa. Essa situação se consolidou com o estatuto da “redízima” instituída em 1564 (Cf. MATTOS, 1958, p.275) mediante a qual um décimo da receita obtida pela coroa portuguesa na colônia era destinado à manutenção dos colégios jesuítas. Nessas condições bastante favoráveis, a pedagogia católica se instalou no país, primeiro na versão do Plano de Nóbrega, que eu chamaria de “pedagogia brasílica”, pois procurava se adequar às condições específicas da colônia, e depois, na versão do “Ratio Studiorum”, cujos cânones foram adotados pelos colégios jesuítas no mundo inteiro. Assim, ao longo dos dois primeiros séculos, de 1549 até 1759, data da expulsão dos jesuítas, a pedagogia cristã, de orientação católica, gozou de uma hegemonia incontrastável no ensino brasileiro.

A primeira fase do período jesuítico foi marcada pelo plano de instrução elaborado por

Nóbrega. Espírito empreendedor, Nóbrega buscava implantar seu plano de instrução sobre “uma extensa cadeia de colégios nas povoações litorâneas, cujos elos seriam o colégio da Bahia ao norte e o de São Vicente ao sul” (MATTOS, 1958, p.83).

A principal estratégia utilizada para a organização do ensino, tendo em vista o objetivo de atrair os “gentios”, foi agir sobre as crianças. Para esse fim, mandaram-se vir de Lisboa meninos órfãos, a partir dos quais foi fundado o Colégio dos Meninos de Jesus da Bahia e, depois, o Colégio dos Meninos de Jesus de São Vicente.

O realismo de Nóbrega o levou a estar atento à necessidade de prover as condições materiais dos colégios jesuítas envolvendo: a posse de terra para a construção dos colégios; a sua manutenção, o que implicava prover os víveres que envolviam a criação de gado e o cultivo de alimentos como a mandioca, o milho, o arroz, a produção de açúcar, de panos; e, para realizar regularmente essas tarefas, a aquisição e manutenção de escravos. Sua filosofia educacional era a concepção que em nossa sistematização classificamos como tradicional religiosa na versão católica da contra-reforma.

Em Anchieta as idéias educacionais se encarnavam como idéias pedagógicas engendrando os métodos e procedimentos considerados adequados para se atingir aquelas mesmas finalidades inerentes à filosofia educacional consubstanciada na doutrina da contra- 4 reforma e expressas no plano educacional que estava sendo posto em prática. Como hábil conhecedor de línguas, Anchieta logo veio a dominar a “língua geral” falada pelos índios do Brasil cuja gramática organizou para dela se servir no trabalho pedagógico realizado na nova terra. Fez-se, assim, em plenitude um agente da “Civilização pela palavra”, marca distintiva da Contra-Reforma, como bem esclarece João Hansen (2000, p. 19-41) ao traçar o quadro em que a Igreja se associou à Monarquia para, através da palavra, implantar na nova terra a civilização dos que dela se apossavam. Em oposição à Reforma protestante materializada na “tese luterana da sola scriptura”(p.20) para a qual a doutrina derivava dos textos originais hebraicos e gregos, “a Igreja católica conciliar e pós-tridentina fez a defesa intransigentemente tradicionalista da transmissão oral das duas fontes da Revelação, a tradição e as Escrituras”(p.21).

Para realizar seu trabalho pedagógico Anchieta se utilizou largamente do idioma tupi tanto para se dirigir aos nativos como aos colonos que já entendiam a língua geral falada ao longo da costa brasileira. Para tanto produziu uma poesia e um teatro “cujo correlato imaginário é um mundo maniqueísta cindido entre forças em perpétua luta: Tupã-Deus, com sua constelação familiar de anjos e santos, e Anhangá-Demônio, com a sua coorte de espíritos malévolos que se fazem presentes nas cerimônias tupis”(BOSI, 1992, p.67-68). Assim, um dualismo ontológico inteiramente estranho à visão de mundo indígena é o que irá presidir a construção de uma concepção totalizante da vida dos índios produzida pelos colonizadores representados pelos seus intelectuais materializados na figura dos jesuítas.

O referido dualismo atravessa recorrentemente o teatro de Anchieta manifestando-se nitidamente nos autos por ele redigidos. Num momento em que a liturgia cristã, na Europa, assumia nova característica na vertente moderna do protestantismo, marcada “pelo tom ascético de um calvinismo avesso a figuras e a gestos; e, no limite, refratário a qualquer simbologia que não fosse o verbo descarnado das Escrituras” (IBIDEM, p.72), no âmbito da Contra-Reforma, cujo reduto principal era a península ibérica, fazia-se o movimento contrário: multiplicava-se o recurso às imagens, isto é, o apelo aos símbolos tangíveis enquanto mediações sensíveis para efetuar a relação entre os homens e Deus. “De 1564 até sua morte, Anchieta escreveu aproximadamente vinte autos, o que corresponde à quase totalidade das peças jesuíticas do período” (BITTAR e FERREIRA JR, 2004, p.186). Os autos de Anchieta (Na Festa de São Lourenço, Auto da Pregação Universal, Na Vila de Vitória) constituem alegorias do bem contra o mal em que se condenam os gestos e ritmos. Ou seja, é a liturgia tupi enquanto ação coletiva e sacral, vista pelo colonizador como resultado dos poderes dos espíritos maus tentando os membros da tribo: “nos autos de Anchieta o Mal vem de fora da criatura e pode habitá-la e possuí-la fazendo-a praticar atos-coisas perversos, angaipaba” (BOSI, 1992, p.73).

Assim, se Marx (1985, p.115 e 1968, p.90-91, nota 3) pôde dizer que, para os teólogos, a sua própria religião é considerada obra de Deus ao passo que a religião dos outros é obra dos homens, para os jesuítas a religião católica era considerada obra de Deus, enquanto que as 5 religiões dos índios e dos negros vindos da África eram obra do demônio. Eis como se cumpriu, pela catequese e pela instrução, o processo de aculturação da população colonial nas tradições e costumes do colonizador. As idéias pedagógicas postas em prática por Nóbrega e Anchieta secundados por Leonardo Nunes, Antonio Pires, Azpilcueta Navarro, Diogo Jácome, Vicente Rijo Rodrigues, Manuel de Paiva, Afonso Braz, Francisco Pires, Salvador Rodrigues, Lourenço Braz, Ambrósio Pires, Gregório Serrão, Antonio Blasques, João Gonçalves e Pero Correia configuraram uma verdadeira pedagogia brasílica, isto é, uma pedagogia formulada e praticada sob medida para as condições encontradas pelos jesuítas nas ocidentais terras descobertas pelos portugueses.

Mas essa “pedagogia brasílica” não deixou de encontrar oposição no interior da própria

Ordem jesuítica, sendo finalmente suplantada pelo plano geral de estudos organizado pela Companhia de Jesus e consubstanciado no Ratio Studiorum, cuja elaboração se iniciou formalmente em 1584 e cuja redação definitiva foi publicada em 1599. O Plano é constituído por um conjunto de regras cobrindo todas as atividades dos agentes diretamente ligados ao ensino, indo desde as regras do Provincial, passando pelas do Reitor, do Prefeito de Estudos, dos professores de modo geral e de cada matéria de ensino, abrangendo as regras da prova escrita, da distribuição de prêmios, do bedel, chegando às regras dos alunos e concluindo com as regras das diversas Academias.

As idéias pedagógicas expressas no Ratio correspondem ao que passou a ser conhecido na modernidade como Pedagogia Tradicional. Essa concepção pedagógica se caracteriza por uma visão essencialista de homem, isto é, o homem é concebido como constituído por uma essência universal e imutável. À educação cumpre moldar a existência particular e real de cada educando à essência universal e ideal que o define enquanto ser humano. Para a vertente religiosa, tendo sido o homem feito por Deus à sua imagem e semelhança, a essência humana é considerada, pois, criação divina. Em conseqüência, o homem deve se empenhar em atingir a perfeição humana na vida natural para fazer por merecer a dádiva da vida sobrenatural.

A expressão mais acabada dessa vertente é dada pela corrente do tomismo, que consiste numa articulação entre a filosofia de Aristóteles e a tradição cristã; tal trabalho de sistematização foi levado a cabo pelo filósofo e teólogo medieval Tomás de Aquino de cujo nome deriva a designação da referida corrente.

E é justamente o tomismo que está na base do Ratio Studiorum que estipulara na regra de número 2 do professor de filosofia que, “em questões de alguma importância não se afaste de Aristóteles”(FRANCA, 1952, p.159). E a regra de número 6 recomendava falar sempre com respeito de Santo Tomás, “seguindo-o de boa vontade todas as vezes que possível”(Ibidem, p.159). Por sua vez, a regra de número 30 do Prefeito dos Estudos recomenda que se coloque nas mãos dos estudantes a Summa Theologica de Santo Tomás, para os teólogos, e Aristóteles, para os filósofos (Ibidem, p. 143). 6

Mas se os jesuítas se reportavam fortemente a Santo Tomás de Aquino e a Aristóteles, não parece procedente a visão que se difundiu segundo a qual, por se situar na vanguarda da Contra-Reforma, os jesuítas voltaram as costas para a modernidade, buscando fazer prevalecer as idéias características da Idade Média. De fato, eles pretendiam, sim, defender a hegemonia católica contra os ataques da reforma protestante. Mas, para isso, eles procuraram compatibilizar a liderança católica com as exigências dos novos tempos apoiando-se firmemente na “herança clássico-medieval” (MENEZES, 1999). Ao mesmo tempo, reformulavam a escolástica absorvendo elementos próprios da época que respirava o clima da renascença, em especial a questão do livre-arbítrio, uma das idéias centrais da doutrina elaborada por Francisco Suárez, o principal teólogo jesuíta (CESCA, 1996, p.130-131). E o “Ratio Studiorum” foi, talvez, a expressão mais clara desse esforço que se traduziu na prática pedagógica dos colégios jesuítas, como reconheceu Durkheim (1995, p.235) para quem, ao mesmo tempo em que os jesuítas podiam lançar mão dos clássicos da Antigüidade para promover a instrução cristã, em lugar da literatura que lhe era contemporânea, já que esta se encontrava impregnada de anticatolicismo, a “pedagogia ativa” por eles propugnada constituía uma verdadeira revolução (Ibidem, p.242) situando-os na linha de superação das práticas educativas medievais em direção à pedagogia moderna. Com efeito, é própria dos tempos modernos a emergência do indivíduo associado à idéia do livre-arbítrio, o que conduz ao entendimento de que o homem em geral e, por conseqüência, também o homem cristão deve ser ativo, isto é: necessita traduzir em ações a fé que professa não lhe bastando meditar e orar. Daí o fervor missionário, de caráter militante e combatente que moveu os inacianos levando-os a considerar a cruz e a espada como faces de uma mesma moeda. Para isso, certamente contribuiu a experiência prévia e a mentalidade militar do fundador da Companhia de Jesus, Inácio de Loyola.

3. Coexistência entre as concepções pedagógicas tradicionais religiosa e leiga (1759- 1932)

A partir de 1759 começam a ser implantadas as “reformas pombalinas da instrução pública” que se contrapõem ao predomínio das idéias religiosas e, com base nas idéias laicas inspiradas no Iluminismo, instituem o privilégio do Estado em matéria de instrução. Temos, então, a influência da pedagogia do humanismo racionalista, embora se deva reconhecer que o Estado português era, ainda, regido pelo estatuto do padroado, vinculando-se estreitamente à Igreja Católica. Nessas circunstâncias, a substituição da orientação jesuítica se deu não exatamente por idéias laicas formuladas por pensadores formados fora do clima religioso, mas mediante uma nova orientação, igualmente católica, formulada por padres de outras ordens religiosas, com destaque para os oratorianos. A sistemática pedagógica introduzida pelas reformas pombalinas foi a das “aulas régias”, isto é, disciplinas avulsas ministradas por um professor nomeado e pago pela coroa portuguesa com recursos do “subsídio literário” instituído em 1772.

Após 1808 deu-se início à divulgação do método de ensino mútuo que se tornou oficial com a aprovação da lei das escolas de primeiras letras, de 15 de outubro de 1827, ensaiando-se a sua generalização para todo o país. Proposto e difundido pelos ingleses Andrew Bell, pastor da Igreja Anglicana e Joseph Lancaster, da seita dos Quakers, o método mútuo, também chamado de monitorial ou lancasteriano (NEVES, 2003), se baseava no aproveitamento dos alunos mais adiantados como auxiliares do professor no ensino de classes numerosas. Conforme assinalou Martim Francisco na Memória apresentada à Assembléia Constituinte de 1823, “a totalidade da lição será dada pelo professor, suprido ou atenuado por discípulos da última classe em adiantamento” (Apud BASTOS, 1999, p. 112). Assim, embora os alunos mais adiantados tivessem papel central na efetivação desse método pedagógico, o foco não era posto na atividade do aluno. Na verdade, os alunos guindados à posição de monitores eram investidos de função docente. O método supunha regras pré-determinadas, rigorosa disciplina e a distribuição hierarquizada dos alunos sentados em bancos dispostos num salão único e bem amplo: “o mestre, da extremidade da sala, sentado numa cadeira alta, supervisionava toda a escola, especificamente os monitores” (VILELA, 1999, p. 147). Em suma, o método implicava “um sistema contínuo de avaliação do aproveitamento e do comportamento do aluno” (Idem, p. 148), erigindo a competição em princípio ativo do funcionamento da escola. “Os antigos procedimentos didáticos com sua seqüência de silabar e soletrar” (MANACORDA, 1989, p. 259), permanecem intocados. “Com exceção da ‘voz baixinha’, nada mudou. Igualmente mecânico é o ensino da aritmética e, naturalmente, toda a orientação para o comportamento das crianças” (Idem, p. 260).

Na segunda metade do século XIX o método de ensino mútuo foi sendo progressivamente abandonado em favor de novos procedimentos que iriam adquirir sua forma própria com o método intuitivo (SCHELBAUER, 2003 e 2005).

Esse procedimento conhecido como lições de coisas foi concebido com o intuito de resolver o problema da ineficiência do ensino, diante de sua inadequação às exigências sociais decorrentes da revolução industrial que se processara entre o final do século XVIII e meados do século XIX, ao mesmo tempo em que essa mesma revolução industrial viabilizou a produção de novos materiais didáticos como suporte físico do novo método de ensino. Esses materiais, difundidos nas exposições universais, realizadas na segunda metade do século XIX com a participação de diversos países, entre eles o Brasil, compreendiam peças do mobiliário escolar; quadros negros parietais; caixas para ensino de cores e formas; quadros do reino vegetal, gravuras, objetos de madeira, cartas de cores para instrução primária; aros, mapas, linhas, diagramas, caixas com “pedras e metais; madeira, louças e vidros; iluminação e aquecimento” (KUHLMANN JR., 2001, P.215); alimentação e vestuário etc. Abílio César Borges, o Barão de

Macahubas, criador do famoso Ginásio Baiano em Salvador e, depois, do Colégio Abílio da Corte, no Rio de Janeiro, integrou esse movimento. Ele introduziu nas escolas aparelhos escolares como os globos de horas relativas de Juvet, o globo de Perce, o Telúrio de Mac-Vicar, além de outros por ele mesmo inventados, como foi o caso do Aritmômetro Fracionário. Mas o uso desse material dependia de diretrizes metodológicas claras: “a chave para desencadear a pretendida renovação é a adoção de um novo método de ensino: concreto, racional e ativo, denominado ensino pelo aspecto, lições de coisas ou ensino intuitivo” (VALDEMARIN, 2004a, p.104). O que estava em questão era, portanto, o método de ensino entendido como uma orientação segura para a condução dos alunos, por parte do professor, nas salas de aula. Para tanto foram elaborados manuais segundo uma diretriz que modificava o papel pedagógico do livro que, em lugar de ser um material didático destinado à utilização dos alunos, se converte no “material essencial para o professor, expondo um modelo de procedimentos para a elaboração de atividades que representem a orientação metodológica geral prescrita” (Idem, p. 105). O mais famoso desses manuais foi o do americano Norman Allison Calkins, denominado Primeiras lições de coisas, cuja primeira edição data de 1861, sendo reformulado e ampliado em 1870. Foi traduzido por Rui Barbosa em 1881 e publicado no Brasil em 1886.

O Barão de Macahubas (Abílio César Borges), no opúsculo A nova lei do ensino infantil, editado em 1884, afirma: “é nas lições sobre os objectos que se offerecem a cada passo a um mestre intelligente e capaz occasiões de fazer com que os meninos se instruam a si mesmos, e adquiram o feliz habito de reflectir e de expor suas idéas com phrases apropriadas e correctas” (p.26, itálicos do autor). E, na seqüência, enfatiza: “Não há cousa mais commum hoje de que ouvir fallar em lições de cousas; mas entrai na primeira escola que encontrardes, e indagai, si se dá, e de que modo se dá tal ensino; e experementareis a mais desagradável decepção” (Ibidem, itálicos do autor). Conclui, então, que, “à parte raríssimas excepções, tal ensino ainda não entrou nas nossas escolas”, arrematando: “o que é em verdade triste, - tristíssimo” (Ibidem).

Segundo o método intuitivo, “o ensino deve partir de uma percepção sensível. O princípio da intuição exige o oferecimento de dados sensíveis à observação e à percepção do aluno. Desenvolvem-se, então, todos os processos de ilustração com objetos, animais ou suas figuras” (REIS FILHO, 1995, p. 68). Entusiasta desse método, Caetano de Campos o tomou como base da organização das Escolas-Modelos e dos Grupos Escolares na reforma da instrução pública paulista empreendida na última década do século XIX.

A pedagogia do método intuitivo manteve-se como referência durante a Primeira

República sendo que, na década de 1920 ganha corpo o movimento da Escola Nova que já irá influenciar várias das reformas da instrução pública efetivadas no final dessa década. Entretanto, a difusão da Escola Nova irá encontrar resistência na tendência tradicional representada, na década de 1930, hegemonicamente pela Igreja Católica.

4. Emergência e predominância da concepção pedagógica renovadora (1932-1969) O movimento dos renovadores ganha corpo com a fundação da Associação Brasileira de

Educação (ABE), em 1924, se expande com a realização das Conferências Nacionais de Educação a partir de 1927, e atinge plena visibilidade com o lançamento do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” em 1932 (XAVIER, 2002).

Em 1930 foi lançado o livro de Lourenço Filho “Introdução ao Estudo da Escola Nova”

(LOURENÇO FILHO, 1967) e em 19332 Anísio Teixeira publica o livro “Educação progressiva: uma introdução à filosofia da educação” (TEIXEIRA, 1968), declaradamente filiado ao pensamento pedagógico de John Dewey.

Anísio Teixeira organizou o livro em seis capítulos. O trabalho se inicia com a contraposição entre as visões reacionária e renovadora da escola (Cap. I). O objeto do segundo capítulo é “a transformação da escola”, onde se faz a pergunta “escola nova ou escola progressiva?”, dando-se preferência para a segunda denominação e examinam-se os fundamentos sociais e os fundamentos psicológicos da transformação escolar. O capítulo I trata das “diretrizes da educação e elementos de sua técnica”, abordando três temas: a criança como centro da escola; a reconstrução dos programas escolares; e a organização psicológica das “matérias” escolares. Na seqüência, os capítulos IV, V e VI versam, respectivamente, sobre “a educação e a sociedade”, “a conduta humana e a educação” e “filosofia e educação”.

Considerando que “a escola é o retrato da sociedade a que serve” (p. 37), parte-se das transformações sociais para postular a exigência da transformação escolar. Dado que a natureza da civilização moderna se define pelo conhecimento lastreado na experimentação tendo, pois, a ciência como base do progresso, sua primeira grande tendência é a mentalidade de mudança contínua que se expressa numa “atitude de segurança, de otimismo e de coragem diante da vida” (p. 31); a segunda grande diretriz é dada pelo industrialismo, culminando com a “terceira grande tendência do mundo contemporâneo”: a democracia (p. 35). Essas tendências atuam sobre a escola, determinando: o abandono do autoritarismo, em favor da liberdade; a afirmação da autoridade interna sobre a externa; a afirmação de uma nova finalidade da escola, traduzida no objetivo de preparar o indivíduo para se dirigir a si mesmo numa sociedade mutável. Daí decorre a necessidade da transformação da escola tradicional, preparatória e suplementar, em “escola progressiva de educação integral” (p.36). Na seqüência, faz-se a crítica dos pressupostos da escola tradicional, postulando-se uma nova concepção das funções da escola (p. 37-41).

2 Há alguns registros dando conta de que a primeira edição é de 1932, tendo ocorrido, em 1934, a segunda edição. Por sua vez, o próprio Anísio, numa “Nota do Autor” à quinta edição, redigida em maio de 1967, afirma que o livro foi “publicado pela primeira vez em 1934” que seria, portanto, a data da primeira edição. No entanto, consultando a professora Diana Vidal ela, gentilmente, me passou às mãos um exemplar da primeira edição adquirido num sebo do Rio de Janeiro. Nele está registrado o ano do lançamento: 1933.

Entendendo que “a escola deve ser uma réplica da sociedade a que ela serve, urge reformar a escola para que ela possa acompanhar o avanço ‘material’ de nossa civilização e preparar uma mentalidade que moral e espiritualmente se ajuste com a presente ordem de coisas” (p.42). E essa reforma da escola terá que se apoiar em uma nova psicologia, construída a partir da evolução do conceito de aprender, que passa a ser entendido com o significado de “ganhar um modo de agir” (p. 42). A aprendizagem vem a ser compreendida como assimilação biológica de novas formas de reagir ao meio-ambiente.

O desenvolvimento da psicologia da aprendizagem permitiu, pois, “fixar certas interpretações gerais do ato de aprender, que se podem chamar de leis. As duas mais importantes são a de prática e efeito e a de inclinação” (p.43). Pela primeira, concluímos que só se aprende aquilo que dá prazer; e que as atitudes só são aprendidas pela experiência vivida. Pela segunda, observamos que só se aprende aquilo que se quer aprender; e que nunca se aprende uma só coisa: ao lado daquilo que se quer deliberadamente aprender, muitas outras coisas são aprendidas.

Ao longo dos anos 30 do século X o movimento renovador foi irradiando sua influência por meio da ocupação dos principais postos da burocracia educacional e pela criação de órgãos de divulgação, buscando deliberadamente hegemonizar o campo educacional.

Mas os renovadores tiveram que disputar o controle do espaço pedagógico, palmo a palmo, com os educadores católicos.

No campo específico da pedagogia os católicos travaram um combate sem tréguas às novas idéias abraçadas pelo movimento dos renovadores da educação. Nessa tarefa se destacaram os líderes que compunham a elite intelectual leiga, vinculados, de modo geral, ao Centro Dom Vital, sendo figura destacada Alceu de Amoroso Lima. No prefácio que redigiu para o livro Debates pedagógicos que reuniu artigos escritos em 1931, Alceu de Amoroso Lima expõe o essencial da visão católica de educação com a conseqüente crítica ao movimento renovador. Aí aponta um dos perigos que ameaçam a pedagogia: o modernismo agnóstico. Considera que há “um grande sopro de renovação” a percorrer “toda a pedagogia universal”, o que tem levado a se confundir o moderno com o verdadeiro:

De modo que de um duplo perigo devemos procurar defender-nos: da apologia do moderno, por aqueles que partem do postulado evolucionista do século passado, e da repulsa ao moderno, por aqueles que não distinguiram ainda, bem claramente, o que devemos defender como eterno no passado e o que devemos eliminar como efêmero (LIMA, 1931, p.VII).

Entende ele que o problema pedagógico deve ser considerado sob três aspectos: a) o ideal pedagógico; b) a realidade pedagógica; c) o método pedagógico.

O primeiro aspecto diz respeito aos princípios que devem orientar todo o trabalho educativo. O segundo se refere ao próprio objeto da educação, ou seja, a criança. O terceiro aspecto envolve a busca dos meios pelos quais poderemos aplicar o primeiro ao segundo (o ideal à realidade). Para Alceu de Amoroso Lima, sendo a pedagogia a formação do homem, quer dizer, preparação para a vida e considerando que para se preparar é preciso saber para quê, é necessário, na pedagogia, que haja previamente uma finalidade, um objetivo, um ideal a atingir. Daí que, para ele, o problema da pedagogia no Brasil é a ausência completa de um ideal educativo.

De acordo com o líder católico, o caráter último da pedagogia que se deve opor “ao naturalismo pedagógico, em suas inúmeras modalidades modernas, é caber simultaneamente à Família, à Igreja e ao Estado” (Ibidem, p.XII) a organização do ensino e da educação nacional. Frisa, porém, que se deve preservar o direito de precedência para a família e a igreja, consideradas respectivamente instituições natural e sobrenatural, sobre o Estado. E conclui:

A mesma oposição, portanto, que encontramos entre sociologia determinista e sociologia integral, encontramos também, hoje em dia, entre pedagogia pragmatista (que é a concepção que Dewey sistematizou e cuja base moral não podemos aceitar) e pedagogia integral (Ibidem, p.XIII).

A pedagogia integral, no entender de Amoroso Lima, abrange dois planos, o cronológico e o ontológico. O primeiro compreende três momentos formativos: a educação, que vai do nascimento à morte; a instrução, que vai da puberdade à morte; e a cultura, que vai da maturidade à morte. Esses momentos cronológicos se distribuem, por sua vez, em três planos ontológicos: o físico (ordem da natureza), o intelectual (ordem das idéias) e o plano moral e religioso (ordem dos deveres). Ao plano ontológico correspondem três modalidades pedagógicas com finalidades distintas: a educação tem por finalidade infundir hábitos, a instrução ministrar conhecimentos e a cultura, elevar a personalidade individual e social. Essas modalidades de pedagogia, por sua vez, compreendem os três momentos do progresso pedagógico: o aspecto físico prepara o poder; o intelectual, o conhecer; e o moral, o dever (Ibidem, p.XIII-XV).

Com base nessa “pedagogia integral” os católicos operaram a crítica à Escola Nova. Esta, colocando a criança no centro da escola, o que está correto, pois é para ela que existe a educação, acabava, no entanto, confundindo a realidade com o ideal e, assim, tomando a criança como o ideal da pedagogia. Mas, diz Amoroso Lima, não se deve confundir centro com ideal. “Este é o objetivo a atingir, o fim para onde se quer levar a criança por meio da pedagogia” (Ibidem, p.XVI). Algo semelhante ocorre com o método quando, na falta de uma hierarquia de finalidades, se confunde método com ideal pedagógico. É este “o erro de muitos arautos da escola do trabalho” que transformam o método em ideal, convertendo a atividade em um fim em si mesmo, em lugar de considerá-la “um meio para se alcançar melhor o fim último da formação pedagógica” (Ibidem, p.XVIII). Ora, a atividade pode ser dirigida tanto para o bem como para o mal, o que põe a necessidade de se fixar um ideal. Mas os ativistas puros, não possuindo um critério de distinção entre o bem e o mal, ficam com o útil caindo, assim, no “pragmatismo pedagógico que na prática se transforma em simples agitacionismo, no louvor da atividade pela atividade” (Ibidem, p.XIX).

Essa referência à pedagogia católica se faz necessária porque, apesar da influência da

Escola Nova, boa parte das escolas normais e dos cursos de pedagogia permaneceu sob o controle da Igreja; e, mesmo nas instituições públicas, o pensamento católico, por meio de seus representantes e dos manuais por eles elaborados, se manteve presente. É importante, pois, não perder de vista que a sucessão de diferentes fases com o predomínio, também sucessivo, de diferentes concepções, não significa que a fase anterior esteja, de fato, superada. De outro modo não se compreenderia como, por exemplo, o manual de Ruy de Ayres Bello, Filosofia da Educação, de orientação tomista, tenha conseguido, em 1967, atingir um número maior de edições do que a Pequena Introdução à Filosofia da Educação: a escola progressiva ou a transformação da escola, de Anísio Teixeira. Este livro, cuja primeira edição, denominada Educação progressiva: uma introdução à filosofia da educação, data de 1934, atingiu, em 1968, a 5ª edição. Em contrapartida, o manual de Ruy de Ayres Bello, cuja 1ª edição saiu em 1946 com o título Filosofia Pedagógica, foi reeditado, de forma modificada e aumentada, em 1955, atingiu em 1965 a 5ª edição, quando teve seu título modificado para Filosofia da Educação, chegando à 6ª edição em 1967. Também a Pequena historia da educação, do mesmo autor, cuja 1ª edição, de 1945, tinha por título Esboço de história da educação, atingiu, em 1967, a 6ª edição. Além desse autor, que era professor catedrático da Universidade do Recife, da Universidade Católica de Pernambuco e do Instituto de Educação de Pernambuco, outros manuais de orientação católica marcaram presença nas escolas normais, institutos de educação e cursos de pedagogia, como Noções de história da educação, de Theobaldo Miranda Santos, e História da educação: evolução do pensamento educacional, de José Antônio Tobias.

Mas a pedagogia católica não significou simplesmente um puro e exclusivo confronto, inteiramente irredutível, com a pedagogia nova. Mesmo os mais acerbos críticos da Escola Nova não deixaram de reconhecer pontos de convergência. O próprio Alceu de Amoroso Lima, no mesmo prefácio já comentado, reconhecera a validade do postulado da Escola Nova que coloca a criança no centro do processo educativo. Reconheceu igualmente que não existe “nada de mais racional” do que o entendimento da atividade, da iniciativa como o “elemento capital da educação”. Do mesmo modo reconheceu o valor dos métodos novos afirmando textualmente:

O caminho da pedagogia católica, a meu ver, deve ser justamente o estudo acurado de todos os métodos novos, introduzidos pela pedagogia moderna, de todos os fatos revelados pela psicologia experimental ou pelas experiências seculares do tema, - à luz de uma filosofia verdadeiramente católica da vida (Ibidem, p.XIX).

Leonardo Van Acker, outro expoente católico da polêmica com a Escola Nova, reconhece a validade dos princípios da escola ativa, embora afirmando que tais princípios já estavam presentes na concepção pedagógica de Santo Tomás de Aquino (VAN ACKER, 1931).

Além desse reconhecimento, sem dúvida secundário, por parte daqueles que se colocavam em posição antagônica com relação à Escola Nova, encontramos também educadores católicos que se assumiam como integrantes do movimento de renovação pedagógica (SGARBI, 1997). Provavelmente o exemplo mais conspícuo desse grupo é Everardo Backheuser que desenvolveu uma extensa gama de atividades como a fundação da Associação Brasileira de Educação, da Academia Brasileira de Ciências, de várias Associações de Professores Católicos e da Confederação Católica Brasileira de Educação, além de um grande número de publicações. Entre estas se destaca o livro Técnicas da pedagogia moderna (1934) que, a partir da terceira edição, em 1942, passou a se chamar Manual de pedagogia moderna, onde apresenta os temas pedagógicos centrais da teoria e da prática da Escola Nova.

Progressivamente, na medida em que o movimento renovador ia ganhando força e conquistando certa hegemonia, constata-se uma tendência, também progressiva, de renovação da pedagogia católica.

A aprovação da Constituição de 1934 revelou um equilíbrio de forças entre os católicos e os pioneiros no âmbito educacional (CURI, 1984). A resistência dos católicos não chegou a impedir o avanço dos pioneiros que já a partir do início da década de 1930 começaram a ocupar os principais postos da burocracia educacional. Em 1938 foi fundado o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) – atualmente Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – que se converteu no principal centro aglutinador e estimulador de experiências de renovação pedagógica. Conseqüentemente, se o período situado entre 1930 e 1945 pode ser considerado como marcado pelo equilíbrio entre as influências das concepções humanista tradicional (representada pelos católicos) e humanista moderna (representada pelos pioneiros da educação nova), a partir de 1945 já se delineia como nitidamente predominante a concepção humanista moderna.

A predominância da pedagogia nova já pode ser detectada na comissão constituída em 1947 para elaborar o projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A fim de dar cumprimento ao disposto na Constituição de 1946 que atribuiu à União a tarefa de fixar as diretrizes e bases da educação nacional, o então Ministro da Educação, Clemente Mariani, constituíra a referida comissão convidando para integrá-la os principais educadores da época. Entre eles estavam o Pe. Leonel Franca e Alceu Amoroso Lima, representantes do grupo católico, mas também Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Fernando de Azevedo, Almeida Júnior, Faria Góis, todos representantes da pedagogia nova. Igualmente a orientação que prevaleceu no texto do projeto elaborado por essa comissão revela a predominância dos renovadores. 14

A tramitação desse projeto da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional conduz, no final da década de 1950, ao conflito escola particular-escola pública quando os católicos retomam, na defesa da escola particular, os mesmos argumentos do início da década de 30, guardando o mesmo caráter monolítico de então (BUFFA, 1979).

Nessa mesma década de 1950, a par da ação do INEP, a concepção pedagógica renovadora avança por meio da fundação da CAPES (Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), em 1951, e do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, em 1955, articulando os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais (XAVIER, 1999). Além disso, um significativo indicador da influência da concepção humanista moderna de filosofia da educação é encontrado no empenho das próprias escolas católicas em se inserir no movimento renovador das idéias e métodos pedagógicos. Essa renovação educacional católica (AVELAR, 1988) se manifesta especialmente por meio da organização, pela Associação de Educadores Católicos (AEC), das “Semanas Pedagógicas” realizadas em 1955 e 1956 e das classes experimentais nos anos seguintes. Por meio de palestras e cursos intensivos divulgam-se nos meios católicos as novas idéias pedagógicas, principalmente as de Montessori e Lubienska. Surge, assim, na esteira do predomínio da concepção humanista moderna de educação, uma espécie de “escola nova católica”.

Atendendo a convite da A.E.C., o padre Pierre Faure, que havia fundado o Centro de

Estudos Pedagógicos de Paris em 1937 e dirigia a Revista “Pedagogie Parents et Maitres”, ministrou a “Semana Pedagógica” de 1955 no Colégio Sacré Coeur do Rio de Janeiro e a de 1956 no Colégio Sion de São Paulo (AVELAR, 1978, p.75). O mesmo Pierre Faure retornará ao país diversas vezes a partir de dezembro de 1958 para preparar grupos de professores para atuar nas classes experimentais instaladas nos colégios Santa Cruz, Sion e Madre Alix, em São Paulo. Paralelamente ao desenvolvimento das classes experimentais foram realizadas Semanas Pedagógicas com programação anual ininterrupta até o ano de 1965. A orientação psicopedagógica das classes experimentais se baseou naquilo que foi chamado de método de Pierre Faure, “que se apresentava como uma síntese de várias teorias pedagógicas: Dalton (americana), Montessori (italiana) e Lubienska (francesa)” (AVELAR, 1978, p.84).

Por iniciativa de Celma Pinho, cujo nome religioso era Maria Ana de Sion, foi criado, em 1960, um Curso de Especialização para professores que recebeu o nome de Especialização Montessori-Lubienska, passando a funcionar regularmente todos os anos. A orientação se baseava na influência francesa já que Celma Pinho havia sido discípula de Lubienska e Pierre Faure. Na seqüência desse movimento foi fundada, em 1969, a Sociedade Civil “Instituto Pedagógico Montessori-Lubienska” que passou a realizar Semanas Pedagógicas em várias cidades em todo o Brasil. A partir de 1975 alterou-se a denominação para “Instituto Pedagógico Maria Montessori”, vinculando-se à “Associação Montessori Internacional”, com sede na

Holanda. Ao final da década de 1970 existiam no Brasil 144 escolas montessorianas sendo 94 no Estado de São Paulo e 50 espalhadas por outros dez Estados e no Distrito Federal.

Vê-se, assim, que o predomínio das idéias novas força, de certo modo, a renovação das escolas católicas. A questão que estava em pauta era, pois, renovar a escola confessional sem abrir mão de seus objetivos religiosos. Para os colégios católicos, cujo alunado integrava as elites econômica e cultural, era, mesmo, uma questão de sobrevivência. Com efeito, com o predomínio do ideário renovador, as famílias de classe média tendiam a usar como um dos critérios de escolha da escola para seus filhos, a sintonia metodológica com as novas idéias pedagógicas. A Igreja necessitava se renovar pedagogicamente, sob o risco de perder a clientela. O caminho que a Igreja Católica encontrou para responder a essa exigência foi assimilar a renovação metodológica sem abrir mão da doutrina. A sinalização para essa direção já estava dada naquele enunciado de Alceu Amoroso Lima mencionado anteriormente:

O caminho da pedagogia católica deve ser justamente o estudo acurado de todos os métodos novos, introduzidos pela pedagogia moderna, de todos os fatos revelados pela psicologia experimental ou pelas experiências seculares do tema, - à luz de uma filosofia verdadeiramente católica da vida. E o sentido que damos aí ao termo – católico – é tanto de substantivo como de adjetivo, isto é, tanto de doutrina da verdadeira posição do homem na vida histórica, como de universalidade, integralidade de sua expansão (LIMA, 1931, p.XIX; grifos meus).

É, com certeza, a diretriz acima apontada que explica a preferência por Lubienska, que mantinha preocupações explicitamente religiosas e, ao mesmo tempo, se inseria no movimento europeu da Escola Nova. De fato, diante das pressões que a realidade brasileira estava impondo no sentido da renovação do ensino, a A.E.C. incentivou seus associados a buscar um novo método pedagógico que atendesse igualmente as exigências postas pelos objetivos da educação católica e pela renovação pedagógica. E a escolha principal recaiu sobre Lubienska que, embora associada a Montessori e ofuscada pela maior divulgação desta, a ela se sobrepõe quanto à influência exercida sobre o pensamento pedagógico brasileiro.

Lubienska desenvolveu seu método pedagógico em estreita relação com a bíblia e a liturgia católica aproximando-se, também, do pensamento oriental do qual extraiu aquilo que era compatível com o espírito bíblico-litúrgico e com a tradição da Igreja Católica. Para realizar esse movimento tornou-se profunda conhecedora dos ritos orientais e da Liturgia em sentido geral, assim como da história da Igreja e das Sagradas Escrituras. Em suma:

Pode-se afirmar, voltando-se para a educação brasileira, que o modelo educacional italiano de Maria Montessori sofreu a influência francesa em sua implantação no Brasil. Esta afirmativa é baseada nos escritos do Pe. Faure especialmente no livro: “Au siècle de l’enfant”, em sua atuação no Brasil durante e depois das “Semanas Pedagógicas” da A.E.C. e nas obras de Hélène Lubienska de Lenval, mormente “Educação do homem consciente” e “Silêncio, gesto e palavra” muito difundidas em nosso meio, particularmente no Estado de São Paulo nas escolas confessionais católicas (AVELAR, 1978, p.110).

No final da década de 1950 e início dos anos 60, intensifica-se o processo de mobilização popular, agitando-se, em conseqüência, a questão da cultura e educação populares (FÁVERO, 1983). Em termos de educação popular os movimentos mais significativos são o Movimento de Educação de Base (MEB) e o Movimento Paulo Freire de Educação de Adultos, cujo ideário pedagógico mantém muitos pontos em comum com o ideário da pedagogia nova. Ora, o MEB foi um movimento criado e dirigido pela hierarquia da Igreja Católica e o Movimento Paulo Freire, embora autônomo em relação à hierarquia da Igreja, se guiava predominantemente pela orientação católica, recrutando a maioria de seus quadros na parcela do movimento estudantil vinculada à Juventude Universitária Católica (JUC).

Se o movimento escolanovista se inspira fortemente no pragmatismo, o MEB e o

Movimento Paulo Freire buscam inspiração predominantemente no personalismo cristão e na fenomenologia existencial. Entretanto, pragmatismo e personalismo, assim como existencialismo e fenomenologia, são diferentes correntes filosóficas que expressam diferentes manifestações da concepção humanista moderna, situando-se, pois, em seu interior. É lícito, pois, afirmar que sob a égide da concepção humanista moderna de filosofia da educação acabou por surgir também uma espécie de “escola nova popular”, como um outro aspecto do processo mais amplo de renovação da pedagogia católica que manteve afinidades com a corrente denominada de “teologia da libertação”.

Esse último aspecto levou a uma radicalização político-social (ALVES, 1968) da pedagogia católica brasileira que, instada pela “opção preferencial pelos pobres” definida nas conferências episcopais latino-americanas de Medelín (Colômbia) e de Puebla (México), busca formas de engajamento nos processos de desenvolvimento e libertação da população oprimida. Assim, no mesmo momento em que na passagem da década de 50 para a década de 60 entrava na reta final a tramitação da LDB emergia, impulsionada pelo arejamento propiciado pelo Concílio Vaticano I, realizado entre 1959 e 1965, uma parcela do movimento católico que buscava a formulação de “uma ideologia revolucionária inspirada no Cristianismo”. A expressão mais típica dessa tendência é, com certeza, a criação da Ação Popular em 1963. No Documento Base da AP, redigido pelo Padre Henrique de Lima Vaz, conhecido simplesmente por Padre Vaz, podemos ler:

A Ação Popular é a expressão de uma geração que manifesta, na ação revolucionária, as opções fundamentais que assumiu como resposta ao desafio de nossa realidade e como conseqüência da análise realista do processo social brasileiro na hora histórica em que vivemos (Documento de Base da AP, apud LIMA, 1978, p.117).

Essa perspectiva se fez presente em grupos católicos derivados de organismos integrantes da Ação Católica, com destaque para a JUC e JEC que se lançaram em programas de educação popular, em especial a alfabetização de adultos. Mas chegou a afetar também certos colégios tradicionais, particularmente os de congregações religiosas femininas, dos quais algumas freiras dirigentes se sentiram compelidas à coerência com a “opção preferencial pelos pobres”, o que as levou a deixar o conforto de suas congregações e de seus prósperos colégios para viverem em comunidades de trabalhadores no campo ou nas periferias urbanas onde desenvolveriam trabalho educativo e de evangelização tendo em vista o objetivo de somar esforços para libertar o povo da opressão a que estava submetido na sociedade capitalista. A AP, por sua vez, radicalizou sua oposição á ditadura militar transformando-se em APML (Ação Popular Marxista Leninista), optou pela luta armada e foi dizimada pela repressão.

Paralelamente a essas transformações no campo da pedagogia católica, a década de 1960 foi uma época de intensa experimentação educativa, deixando clara a predominância da concepção pedagógica renovadora. Além dos colégios de aplicação que se consolidaram nesse período (WARDE, 1989), surgiram os ginásios vocacionais (RIBEIRO, 1989 e JACOBUCCI, 2002), deu-se grande impulso à renovação do ensino de matemática (MONTEJUNAS, 1989) e de ciências (KRASILCHIK, 1989), colocando em ebulição o campo pedagógico. Data, ainda, de 1968 a mobilização dos universitários, que culminou com a tomada, pelos alunos, de várias escolas superiores, na esteira do movimento de maio que teve a França como epicentro. Como assinalei em outro trabalho (SAVIANI, 1984, p. 278), as reivindicações de reforma universitária feitas pelo movimento estudantil se pautavam, fundamentalmente, pela concepção humanista moderna. Nas escolas ocupadas foram instaladas comissões paritárias compostas por professores e alunos. Foram organizados cursos pilotos que valorizavam os interesses, a iniciativa e as atividades dos alunos; desenvolviam o método de projetos, o ensino centrado em núcleos temáticos extraídos das preocupações político-existenciais dos estudantes, o método de solução de problemas, a valorização das atividades grupais (trabalho em equipe) a cooperação etc. Ora, todas essas características são constitutivas da concepção pedagógica renovadora de matriz escolanovista.

A década de 1960, contudo, não deixou também de assinalar o esgotamento do modelo renovador, o que se evidencia pelo fato de que as experiências mencionadas se encerraram no final dos anos 60 quando também são fechados o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e os Centros Regionais a ele ligados. No interior dessa crise articula-se a tendência tecnicista, de base produtivista, que se tornará dominante na década seguinte, assumida como orientação oficial do grupo de militares e tecnocratas que passou a constituir o núcleo do poder a partir do golpe de 1964. As linhas básicas da nova orientação já se manifestaram no Fórum denominado “A educação que nos convém”, realizado em 1968 no Rio de Janeiro com a colaboração da PUCRio e organização do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), verdadeiro partido ideológico dos empresários (IPES, 1969 e SOUZA, 1981).

5. Emergência e predominância da concepção pedagógica produtivista (1969-2001) No âmbito da educação escolar procedeu-se ao ajuste do sistema de ensino à nova situação decorrente do golpe militar de 1964. Isto foi feito por meio da lei 5.540/68 e do decreto 464/69 no que se refere à reforma do ensino superior e pela lei 5.692/71 no tocante aos ensinos primário e médio que passaram a ser denominados de 1º e 2º graus. Em termos teóricos buscouse imprimir uma nova orientação pedagógica inspirada na “teoria do capital humano”.

Em termos gerais, entendo que a tendência educacional atualmente dominante no Brasil, desde o final de década de 1960 é aquela que nós poderíamos chamar de concepção produtivista de educação.

Essa concepção começou a se manifestar no Brasil na passagem dos anos de 1950 para 1960, estando presente nos debates que se travaram na tramitação da nossa primeira LDB: Santiago Dantas, na sessão da Câmara dos Deputados realizada no dia 4 de junho de 1959, preconizou a organização do sistema de ensino em estreita vinculação com o desenvolvimento econômico do país. Nas duas leis subseqüentes (5.540/68 e 5.692/71), essa concepção já se manifestou com plena clareza, erigindo, como base de toda a reforma educacional, os princípios de racionalidade e produtividade tendo como corolários a não duplicação de meios para fins idênticos e a busca do máximo de resultados com o mínimo de dispêndio.

Na década de 1960 a “teoria do capital humano” (SCHULTZ, 1973) foi desenvolvida e divulgada positivamente, sendo saudada como a cabal demonstração do “valor econômico da educação” (SCHULTZ, 1967). Em conseqüência, a educação passou a ser entendida como algo não meramente ornamental, um mero bem de consumo, mas como algo decisivo do ponto de vista do desenvolvimento econômico, um bem de produção, portanto.

Em seguida, na década dos 70, sob a influência da tendência crítico-reprodutivista, surge a tentativa de empreender a crítica da “teoria do capital humano”. Buscou-se, então, evidenciar que a subordinação da educação ao desenvolvimento econômico significava torná-la funcional ao sistema capitalista, isto é, colocá-la a serviço dos interesses da classe dominante: ao qualificar a força de trabalho, o processo educativo concorria para o incremento da produção da mais-valia, reforçando, em conseqüência, as relações de exploração.

Num terceiro momento (década de 80), busca-se superar os limites da crítica acima apontada. Um primeiro esforço sistemático nesse sentido ganha forma no livro de Cláudio Salm, “Escola e trabalho” (SALM, 1980). Aí ele se empenha em fazer a crítica das “críticas” pondo em evidência a improcedência da tese que liga diretamente a educação com o processo de 19 desenvolvimento capitalista. Entretanto, no afã de demonstrar a autonomia do desenvolvimento capitalista em relação à educação (o capital, afirma ele, não precisa recorrer à escola para a qualificação da força de trabalho; ele é auto-suficiente; dispõe de meios próprios), Salm acaba por absolutizar a separação entre escola (educação) e trabalho (processo produtivo). Assim sendo, a escola não teria a ver com a produção. Como, então, explicar e justificar sua existência? Salm, ao concluir seu livro, limita-se a mencionar uma possível justificativa para a existência da escola: a formação da cidadania.

Finalmente, Gaudêncio Frigotto (1984), após reconstituir a lógica interna e a gênese histórica da teoria do capital humano, mostra que a escola não é produtiva a serviço dos indivíduos indistintamente, no seio de uma sociedade sem antagonismos, como supunham os adeptos da teoria do capital humano. Também não é ela produtiva a serviço exclusivo do capital como pretendiam os críticos (reprodutivistas) da referida teoria. E nem mesmo é ela simplesmente improdutiva como pretendeu a crítica da crítica à teoria do capital humano. Se a teoria do capital humano estabeleceu um vínculo positivo entre educação e processo produtivo e seus críticos reprodutivistas mantiveram esse mesmo vínculo, porém com sinal negativo, a crítica aos críticos expressa no livro de Salm, desvincula a educação do processo produtivo. Ora, nas três situações postulava-se um vínculo direto, afirmado nos dois primeiros casos e negado no terceiro. O que Gaudêncio Frigotto procura fazer é captar a existência do vínculo entre escola e trabalho, mas percebendo, ao mesmo tempo, que não se trata de um vínculo direto e imediato, mas indireto e mediato. A expressão “produtividade da escola improdutiva”, que dá título ao livro de Frigotto, quer sintetizar essa tese. Com efeito, se para a “teoria do capital humano” bem como para seus críticos a escola é simplesmente produtiva e para Cláudio Salm ela é simplesmente improdutiva, para Gaudêncio a escola (imediatamente) improdutiva é (mediatamente) produtiva.

A partir da reforma instituída pela lei n. 5.692, de 1 de agosto de 1971, essa concepção produtivista pretendeu moldar todo o ensino brasileiro por meio da pedagogia tecnicista (KUENZER E MACHADO, 1984) que, convertida em pedagogia oficial, foi encampada pelo aparelho de Estado que procurou difundi-la e implementá-la em todas as escolas do país. Na medida em que se processava a abertura “lenta, gradual e segura” que desembocou na Nova República, as orientações pedagógicas das escolas foram sendo flexibilizadas mantendo-se, porém, como diretriz básica da política educacional, a tendência produtivista.

Conseqüentemente, a concepção produtivista de educação resistiu a todos os embates de que foi alvo por parte das tendências críticas ao longo da década de 1980; e recobrou um novo vigor no contexto do denominado neoliberalismo, quando veio a ser acionada como um instrumento de ajuste da educação às demandas do mercado numa economia globalizada centrada na tão decantada sociedade do conhecimento (DUARTE, 2003). É essa visão que, suplantando a ênfase na qualidade social da educação que marcou os projetos de LDB na Câmara 20

Federal, constituiu-se na referência para o Projeto Darcy Ribeiro que surgiu no Senado e, patrocinado pelo MEC, se transformou na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. É ainda essa mesma visão que orientou o processo de regulamentação dos dispositivos da LDB que culminou na aprovação do novo Plano Nacional de Educação em janeiro de 2001.

É preciso, contudo, observar que, se a concepção produtivista vem se mantendo como dominante ao longo das últimas quatro décadas, não se deve considerar que a versão da teoria do capital humano elaborada por Schultz tenha ficado intacta. Na verdade, essa teoria surgiu no período dominado pela economia keynesiana e pela política do Estado do Bem-Estar que, na chamada era de ouro do capitalismo, preconizavam o pleno emprego. Assim, a versão originária da teoria do capital humano entendia a educação como tendo por função preparar as pessoas para atuar num mercado em expansão que exigia força de trabalho educada. À escola cabia formar a mão de obra que progressivamente seria incorporada pelo mercado: “o processo de escolaridade era interpretado como um elemento fundamental na formação do capital humano necessário para garantir a capacidade competitiva das economias e, conseqüentemente, o incremento progressivo da riqueza social e da renda individual” (GENTILI, 2002, p. 50).

Após a crise da década de 1970, que encerrou a “era de ouro” do desenvolvimento capitalista no século X, mantém-se a crença na contribuição da educação para o processo econômico-produtivo, mas seu significado foi substantivamente alterado. A teoria do capital humano assume, pois, um novo sentido:

Passou-se de uma lógica da integração em função de necessidades e demandas de caráter coletivo (a economia nacional, a competitividade das empresas, a riqueza social etc.) para uma lógica econômica estritamente privada e guiada pela ênfase nas capacidades e competências que cada pessoa deve adquirir no mercado educacional para atingir uma melhor posição no mercado de trabalho (GENTILI, Op. Cit., p.51).

Nesse novo contexto não se trata mais da iniciativa do Estado e das instâncias de planejamento visando assegurar, nas escolas, a preparação da mão de obra para ocupar postos de trabalho definidos num mercado que se expandia em direção ao pleno emprego. Agora é o indivíduo que terá que exercer sua capacidade de escolha visando adquirir os meios que lhe permitam ser competitivo no mercado de trabalho. E o que ele pode esperar das oportunidades escolares já não é o acesso ao emprego, mas apenas a conquista do status de empregabilidade. A educação passa a ser entendida como um investimento em capital humano individual que habilita as pessoas para a competição pelos empregos disponíveis. O acesso a diferentes graus de escolaridade amplia as condições de empregabilidade do indivíduo o que, entretanto, não lhe garante emprego, pelo simples fato de que, na forma atual do desenvolvimento capitalista, não há emprego para todos: a economia pode crescer convivendo com altas taxas de desemprego e com grandes contingentes populacionais excluídos do processo. É o crescimento excludente, em lugar do desenvolvimento inclusivo que se buscava atingir no período keynesiano.

Nessa nova situação a teoria do capital humano foi refuncionalizada e é nessa condição que ela alimenta a busca de produtividade na educação, de modo geral. A própria pós-graduação, apesar de sua posição privilegiada na pirâmide educacional, nem por isso deixou de ser atingida pela metamorfose que se processou na base da sociedade. Ela também não garante emprego; apenas capacita para a empregabilidade; haja vista os casos recentes e, ao que parece, em número crescente, de doutores desempregados.

A referida refuncionalização se faz presente nos prefixos “neo” e “pós”, dando origem a expressões como neoconstrutuvismo, pós-estruturalismo, neo-escolanovismo, neotecnicismo, pós-construtivismo (DUARTE, 2000). Aparecem, também, novas expressões do tipo “pedagogia da qualidade total”, “teoria do professor reflexivo” (FACCI, 2004), “pedagogia das competências” (RAMOS, 2001 e 2003).

6. Concepções pedagógicas contra-hegemônicas A distribuição das concepções pedagógicas ao longo da história da educação brasileira feita nos tópicos anteriores se baseou na noção de predominância ou hegemonia. Ou seja, a cada período corresponde a predominância de determinada concepção pedagógica, sendo isso o que diferencia os períodos entre si. Obviamente, essa forma de periodizar não deve excluir as idéias não predominantes, mesmo aquelas que jamais puderam sequer aspirar a alguma hegemonia. A história das concepções pedagógicas precisa, pois, incorporá-las em algum grau. É o caso, por exemplo, das concepções libertárias que tiveram um papel importante na pedagogia do movimento operário especialmente nas duas primeiras décadas do século X.

Do mesmo modo, o fato de que as pedagogias críticas tenham logrado certa hegemonia na mobilização dos educadores ao longo dos anos 80 não constitui motivo suficiente para dar origem a um período diferenciado. Isso porque o que se verificou, aí, foi uma hegemonia conjuntural e circunscrita ao processo de mobilização não chegando, em nenhum momento, a se impor, isto é, a se encarnar na prática educativa. Na verdade, as concepções pedagógicas críticas operaram como contraponto às idéias sistematizadas na teoria do capital humano que, formuladas nos anos 50 e 60 se impuseram a partir dos 70 mantendo sua hegemonia mesmo nos anos 80 quando a avalanche das idéias críticas suscitou a expectativa de sua superação. Tal conclusão fica evidente à luz dos acontecimentos da década de 90 quando se manifesta com toda força a idéia da educação como o instrumento mais poderoso de crescimento econômico e, por conseqüência, de regeneração pessoal e de justiça social.

No que se refere ao movimento operário, cabe observar o seu desenvolvimento no decorrer da primeira república sob a égide das idéias socialistas, na década de 1890, anarquistas (libertárias) nas duas primeiras décadas do século X, e comunistas, na década de 1920.

As idéias socialistas já vinham circulando no país desde a segunda metade do século

XIX, portanto, ainda sob o regime monárquico e escravocrata, tendo surgido jornais como O socialista da Província do Rio de Janeiro, lançado em 1845, e livros como O socialista, de autoria do general José Abreu e Lima, publicado em Recife em 1855 (GHIRALDELLI JR, 1987, p.53-54). Essas idéias eram provenientes do movimento operário europeu, tendo por matriz teórica autores como Saint Simon, Fouriet, Owen e Proudhon. Após a queda da Comuna de Paris, para escapar da perseguição na Europa, muitos communards tiveram que emigrar e vários deles vieram para a América Latina. Com o regime republicano, abolido o trabalho escravo começa a se configurar uma classe proletária, esboçando-se um clima mais favorável para o surgimento de organizações operárias de diferentes tipos. E a abertura para a participação popular na Assembléia Constituinte de 1891 enseja a criação de “partidos operários” em 1890, desembocando na fundação do Partido Socialista Brasileiro em 1902. Os vários partidos operários, partidos socialistas, centros socialistas assumiram a defesa do ensino popular gratuito, laico e técnico-profissional. Reivindicando o ensino público, criticavam a inoperância governamental no que se refere à instrução popular e fomentaram o surgimento de escolas operárias e de bibliotecas populares. Mas não chegaram a explicitar mais claramente a concepção pedagógica que deveria orientar os procedimentos de ensino.

As idéias anarquistas no Brasil também remontam ao século XIX, havendo o registro de publicações como Anarquista Fluminense, de 1835, e Grito Anarquial, de 1849. Surgiram, também, no ocaso do Império e início da República colônias anarquistas, entre as quais a mais famosa foi a Colônia Cecília que funcionou entre 1889 e 1894 por iniciativa de imigrantes italianos, experiência descrita de forma poética em 1942 por Afonso Schmidt (1980). Os ideais libertários se difundiram no Brasil na forma das correntes anarquista e anarco-sindicalista. Aquela mais afeita aos meios literários e esta diretamente ligada ao movimento operário. Seus quadros provinham basicamente do fluxo imigratório e se expressavam por meio da criação de um número crescente de jornais, revistas, sindicatos livres e ligas operárias. A educação ocupava posição central no ideário libertário e se expressava num duplo e concomitante movimento: a crítica à educação burguesa e a formulação da própria concepção pedagógica que se materializava na criação de escolas autônomas e autogeridas. No aspecto crítico denunciavam o uso da escola como instrumento de sujeição dos trabalhadores por parte do Estado, da Igreja e dos partidos. No aspecto propositivo os anarquistas no Brasil estudavam os autores libertários extraindo deles os principais conceitos educacionais como o de “educação integral”, oriundo da concepção de Robin, e “ensino racionalista”, proveniente de Ferrer (GALLO e MORAES, 2005, p. 89-91) e os traduzia e divulgava na imprensa operária. Mas não ficavam apenas no estudo das 23 idéias. Buscavam praticá-las por meio da criação de universidade popular, centros de estudos sociais e escolas, como a Escola Libertária Germinal, criada em 1904, a Escola Social da Liga Operária de Campinas, em 1907, a Escola Livre 1º de Maio, em 1911, e as Escolas Modernas. Estas proliferaram de modo especial após a morte de Francisco Ferrer, inspirador do método racionalista, executado em 1909 pelo governo espanhol, pelo crime de professar idéias libertárias. Também no Brasil as escolas modernas foram alvo de perseguição, sendo fechadas pela polícia. A última delas teve suas portas fechadas em 1919.

A partir dos anos 20, com o desenvolvimento da experiência soviética, a hegemonia do movimento operário foi se transferindo dos libertários para os comunistas, haja vista que em 1922 é fundado o Partido Comunista com a participação de um grupo de anarco-sindicalistas. Aliás, os próprios anarquistas já vinham divulgando, por meio de seus órgãos de imprensa, as realizações da sociedade soviética no campo educativo. O Partido Comunista, embora posto na ilegalidade no mesmo ano de sua fundação, deu seqüência à divulgação da experiência soviética e procurou criar mecanismos de atuação para contornar a situação de clandestinidade. Constituiu o bloco operário, que logo se ampliou para incorporar também o campesinato, do que resultou o Bloco Operário-Camponês, convertido numa espécie de braço legal do Partido Comunista. Foi, com efeito, pela via do BOC que o partido pôde lançar candidatos para disputar postos eletivos. No que se refere à educação, o PCB se posicionou em relação à política educacional, defendendo quatro pontos básicos: ajuda econômica às crianças pobres, fornecendo-lhes os meios (material didático, roupa, alimentação e transporte) para viabilizar a freqüência às escolas; abertura de escolas profissionais em continuidade às escolas primárias; melhoria da situação do magistério primário; subvenção às bibliotecas populares. Também se dedicou à educação política e formação de quadros. Mas não chegou, propriamente, a explicitar sua concepção pedagógica. Provavelmente isso se deva às novas condições políticas vividas na década de 1920. Com efeito, a Revolução Soviética havia sido feita sob o pressuposto de que se tratava de um primeiro elo de uma revolução proletária de caráter mundial, conforme o entendimento de Lênin. Isto significava que, na seqüência da revolução russa, outros países do ocidente também enveredariam pela revolução proletária. E os olhos se voltavam especialmente para a Alemanha, onde o movimento operário era bastante forte. No entanto, após o fracasso das tentativas de revolução no Ocidente (em 1922, na Itália e em 1923, na Alemanha) veio abaixo aquela expectativa. Lênin percebeu que o capitalismo se revitalizava e as condições da revolução no Ocidente mudavam de rumo. Essa situação provocou a mudança da estratégia do movimento revolucionário, surgindo a tese do “socialismo num só país”. A orientação da I Internacional afastou, então, a possibilidade de uma revolução proletária internacionalmente conduzida. Cada país deveria conduzir o seu processo revolucionário segundo as peculiaridades próprias. A revolução adquiria, assim, um caráter nacional. Essa orientação foi assumida pelo Partido Comunista Brasileiro na forma da participação na revolução democrático-burguesa como condição prévia para se colocar, no 24 momento seguinte, a questão da revolução socialista. É nesse contexto que o PCB se integra, por meio do BOC, no processo que desembocou na Revolução de 1930, tendo liderado, em 1935, a Aliança Nacional Libertadora (ANL). Essa organização foi concebida como uma frente ampla de operários, camponeses, estudantes e camadas intelectuais progressistas, visando realizar a revolução democrático-burguesa como condição preliminar para se caminhar na direção da revolução socialista (GHIRALDELLI JR, 1991, p.124-127). Está aí, talvez, uma possível explicação do por que não se chegou a uma formulação mais clara de uma concepção pedagógica de esquerda por parte dos comunistas. Com efeito, se o que estava na ordem do dia era a realização da revolução democrático-burguesa, a concepção pedagógica mais avançada e adequada a esse processo de transformação da sociedade brasileira, estava dada pelo movimento escolanovista. Essa é uma hipótese a ser mais bem investigada. Cabe verificar em que grau a perspectiva de uma revolução democrático-burguesa assumida pelas forças de esquerda, sob a liderança do Partido Comunista, as levou a estar sintonizadas com o ideário escolanovista, enquanto uma concepção pedagógica que traduzia, do ponto de vista educacional, os objetivos dessa modalidade de revolução social.

Abortada a mobilização da Aliança Nacional Libertadora, em 1935, o advento do Estado

Novo não permitiu que vicejassem propostas pedagógicas de esquerda não se configurando, de modo geral, algum espaço para concepções pedagógicas alternativas. Com a redemocratização, o campo educacional foi dominado pelas disputas em torno da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, polarizando-se entre liberais e a posição católica; nesse conflito as forças progressistas se alinharam em torno da posição liberal, não restando clima para a defesa de concepções pedagógicas mais avançadas, como fica claro neste depoimento de Florestan Fernandes, emitido em 1960: “A nossa posição pessoal pesa-nos como incômoda. Apesar de socialista, somos forçados a fazer a apologia de medidas que nada têm a ver com o socialismo e que são, sob certos aspectos, retrógradas. Coisa análoga ocorre com outros companheiros, por diferentes motivos” (FERNANDES, 1960, p.220).

A década de 1960 será marcada pelas últimas experiências de renovação pedagógica, sob a égide da concepção humanista moderna, expressas nos ginásios vocacionais e em escolas experimentais. Em termos alternativos surge, nessa década, a concepção pedagógica libertadora (SCOCUGLIA, 1999) formulada por Paulo Freire (1971 e 1976). Essa proposta suscita um método pedagógico que tem como ponto de partida a vivência da situação popular (1º passo), de modo a identificar seus principais problemas e operar a escolha dos “temas geradores” (2º passo), cuja problematização (3º passo) levaria à conscientização (4º passo) que, por sua vez, redundaria na ação social e política (5º passo).

Na década de 1970 a visão crítica se empenhou em desmontar os argumentos da concepção pedagógica produtivista, evidenciando a função da escola como aparelho reprodutor das relações sociais de produção. 25

Na década de 1980 emerge como proposta contra-hegemônica a concepção pedagógica histórico-crítica (SAVIANI, 2003 e 2005). Nessa formulação a educação é entendida como mediação no seio da prática social global. A prática social se põe, portanto, como o ponto de partida e o ponto de chegada da prática educativa. Daí decorre um método pedagógico que parte da prática social onde professor e aluno se encontram igualmente inseridos ocupando, porém, posições distintas, condição para que travem uma relação fecunda na compreensão e encaminhamento da solução dos problemas postos pela prática social, cabendo aos momentos intermediários do método identificar as questões suscitadas pela prática social (problematização), dispor os instrumentos teóricos e práticos para a sua compreensão e solução (instrumentação) e viabilizar sua incorporação como elementos integrantes da própria vida dos alunos (catarse).

7. Conclusão Diferentemente da programação do “projeto 20 anos do HISTEDBR” para o primeiro semestre de 2005, que versou sobre o estado da arte da produção do grupo relativamente aos diferentes períodos da história da educação brasileira, a programação deste segundo semestre tem por objeto diferentes temáticas abordadas quanto à sua incidência no desenrolar da história da educação brasileira. Por isto este texto se ateve ao tema “concepções pedagógicas” registrando as referências às fontes compulsadas na medida de sua pertinência às análises efetuadas, sem preocupação em levantar o estado da arte sobre a questão. No entanto, pelas próprias referências, é possível perceber o lugar ocupado pelas concepções pedagógicas nas investigações levadas a efeito pelos pesquisadores do HISTEDBR. Vê-se que estão referidos trabalhos sobre as pedagogias jesuítica, pombalina, lancasteriana, do ensino intuitivo, libertária, libertadora. A impressão que fica, a ser corrigida por um levantamento específico e sistemático a ser ainda realizado, é que são poucos os trabalhos de caráter historiográfico levados a efeito no âmbito do HISTEDBR sobre concepções pedagógicas. Observo, por fim, que a abordagem adotada concentrou-se na perspectiva histórica. Por isso não foram contempladas as contribuições de autores como Selma Garrido Pimenta, José Carlos Libânio, Lílian Anna Wachowicz, João Luiz Gasparin, Suze Scalcon, que têm se dedicado ao estudo de questões didático-pedagógicas.

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Concepção pedagógica A expressão “concepções pedagógicas” é correlata de “idéias pedagógicas”. A palavra pedagogia e, mais particularmente, o adjetivo pedagógico têm marcadamente ressonância metodológica denotando o modo de operar, de realizar o ato educativo. Assim, as idéias pedagógicas são as idéias educacionais entendidas, porém, não em si mesmas, mas na forma como se encarnam no movimento real da educação orientando e, mais do que isso, constituindo a própria substância da prática educativa. As concepções educacionais, de modo geral, envolvem três níveis: o nível da filosofia da educação que, sobre a base de uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto sobre a problemática educativa, busca explicitar as finalidades, os valores que expressam uma visão geral de homem, mundo e sociedade, com vistas a orientar a compreensão do fenômeno educativo; o nível da teoria da educação, que procura sistematizar os conhecimentos disponíveis sobre os vários aspectos envolvidos na questão educacional que permitam compreender o lugar e o papel da educação na sociedade. Quando a teoria da educação é identificada com a pedagogia, além de compreender o lugar e o papel da educação na sociedade, a teoria da educação se empenha em sistematizar, também, os métodos, processos e procedimentos, visando a dar intencionalidade ao ato educativo de modo a garantir sua eficácia; finalmente, o terceiro nível é o da prática pedagógica, isto é, o modo como é organizado e realizado o ato educativo. Portanto, em termos concisos, podemos entender a expressão “concepções pedagógicas” como as diferentes maneiras pelas quais a educação é compreendida, teorizada e praticada. Na história da educação, de modo geral, e na história da educação brasileira, em particular, produziram-se diferentes concepções pedagógicas, cujas características são apresentadas nos verbetes seguintes.

Concepção pedagógica tradicional A denominação “concepção pedagógica tradicional” ou “pedagogia tradicional” foi introduzida no final do século XIX com o advento do movimento renovador que, para marcar a novidade das propostas que começaram a ser veiculadas, classificaram como “tradicional” a concepção até então dominante. Assim, a expressão “concepção tradicional” subsume correntes pedagógicas que se formularam desde a Antigüidade, tendo em comum uma visão filosófica essencialista de homem e uma visão pedagógica centrada no educador (professor), no adulto, no intelecto, nos conteúdos cognitivos transmitidos pelo professor aos alunos, na disciplina, na memorização. Distinguem-se, no interior dessa concepção, duas vertentes: a religiosa e a leiga.

Concepção pedagógica tradicional religiosa A vertente religiosa da pedagogia tradicional afunda raízes na Idade Média tendo como manifestação filosófica característica as correntes do tomismo e do neotomismo, referência 31 fundamental para a educação católica. A pedagogia desenvolvida pelas escolas de confissão protestante também se insere nessa concepção, ainda que, como um movimento de reforma da Igreja Católica, o protestantismo participa do movimento de laicização, de crítica à hierarquia, de defesa do livre arbítrio que marcou a constituição da ordem burguesa.

metodológicas e avanços sociais a uma “filosofia verdadeiramente católica da vida”

Pedagogia católica A pedagogia católica constitui a manifestação mais vigorosa da concepção pedagógica tradicional no Brasil. Defendendo o primado da família e da igreja sobre o Estado em matéria de educação, advoga o subsídio público às escolas católicas. Os católicos entendem que apenas a Igreja tem condições de educar em sentido próprio. Por isso denominam sua concepção de “pedagogia integral”, uma vez que alia ao âmbito natural o âmbito sobrenatural, integrando três planos ontológicos: o físico (ordem da natureza), o intelectual (ordem das idéias), ambos subordinados ao plano moral e religioso (ordem dos deveres). Mesmo quando se renova incorporando as inovações trazidas pelos avanços da teoria e da prática pedagógicas, a pedagogia católica jamais abre mão da doutrina subordinando todas as novas conquistas, inovações

Pedagogia jesuítica

Versão da pedagogia católica elaborada pelos jesuítas e sistematizada no “Ratio

Studiorum”, o Plano de Estudos cuja versão definitiva foi aprovada em 1599 e adotada por todos os colégios jesuítas em todo o mundo. Esse Plano é constituído por um conjunto de 467 regras cobrindo todas as atividades dos agentes diretamente ligados ao ensino indo desde as regras do Provincial, passando pelas do Reitor, do Prefeito de Estudos, dos professores de modo geral e de cada matéria de ensino, abrangendo as regras da prova escrita, da distribuição de prêmios, do bedel, chegando às regras dos alunos e concluindo com as regras das diversas Academias.

Pedagogia brasílica

Pedagogia brasílica é a denominação dada à orientação que os jesuítas procuraram implantar ao chegar ao Brasil, em 1549, sob a chefia do Pe. Manuel da Nóbrega. Para tanto, Nóbrega elaborou um plano de estudos que se iniciava com o aprendizado do português (para os indígenas); prosseguia com a doutrina cristã, a escola de ler e escrever e, opcionalmente, canto orfeônico e música instrumental; e culminava, de um lado, com o aprendizado profissional e agrícola e, de outro lado, com a gramática latina para aqueles que se destinavam à realização de estudos superiores na Europa (Universidade de Coimbra). Esse plano não deixava de conter uma preocupação realista, procurando levar em conta as condições específicas da Colônia. Daí, a denominação de “pedagogia brasílica”. Contudo, sua aplicação encontrou oposição no interior da própria Ordem jesuítica e acabou sendo suplantada pelo plano geral de estudos organizado pela

Companhia de Jesus e consubstanciado no Ratio Studiorum, que se tornou obrigatório em todos os colégios da Ordem a partir de 1599.

Concepção pedagógica tradicional leiga A vertente leiga da pedagogia tradicional centra-se na idéia de “natureza humana”. Diferentemente, portanto, da vertente religiosa que considerava a essência humana como criação divina, aqui a essência humana se identifica com a natureza humana. Essa concepção foi elaborada pelos pensadores modernos já como expressão da ascensão da burguesia e instrumento de consolidação de sua hegemonia. A escola surge, aí, como o grande instrumento de realização dos ideais liberais, dado o seu papel na difusão das luzes, tal como formulado pelo racionalismo iluminista que advogava a implantação da escola pública, universal, gratuita, leiga e obrigatória.

Pedagogia pombalina

Corresponde à orientação que se imprimiu ao ensino em Portugal e no Brasil com a promulgação, em 1759, das “reformas pombalinas da instrução pública”, assim denominadas por terem sido baixadas pelo Marquês de Pombal, então primeiro ministro do Rei de Portugal, D. José I. Essas reformas se contrapunham ao predomínio das idéias religiosas e, com base nas idéias laicas inspiradas no Iluminismo, instituíram o privilégio do Estado em matéria de instrução. Tivemos, então, a influência da pedagogia tradicional leiga, embora se deva reconhecer que o Estado português era, ainda, regido pelo estatuto do padroado, vinculando-se estreitamente à Igreja Católica. Nessas circunstâncias, a substituição da orientação jesuítica se deu não exatamente por idéias formuladas por pensadores formados fora do clima religioso, mas mediante uma nova orientação, igualmente católica, formulada por padres de outras ordens religiosas, com destaque para os oratorianos. A sistemática pedagógica introduzida pelas reformas pombalinas foi a das “aulas régias”, isto é, disciplinas avulsas ministradas por um professor nomeado e pago pela coroa portuguesa com recursos do “subsídio literário” instituído em 1772. As “aulas régias” perduraram no Brasil até 1834.

Concepção pedagógica nova ou moderna Contrapondo-se à concepção tradicional, a concepção pedagógica renovadora se ancora numa visão filosófica baseada na existência, na vida, na atividade. Não se trata mais de encarar a existência humana como mera atualização das potencialidades contidas na essência. A natureza humana é considerada mutável, determinada pela existência. Na visão tradicional o privilégio era do adulto, considerado o homem acabado, completo, por oposição à criança, ser imaturo, incompleto. Na visão moderna, sendo o homem considerado completo desde o nascimento e inacabado até morrer, o adulto não pode se constituir como modelo, razão pela qual a educação passa a centrar-se na criança. Do ponto de vista pedagógico o eixo se deslocou do intelecto para 3 as vivências; do lógico para o psicológico; dos conteúdos para os métodos; do professor para o aluno; do esforço para o interesse; da disciplina para a espontaneidade; da direção do professor para a iniciativa do aluno; da quantidade para a qualidade; de uma pedagogia de inspiração filosófica centrada na ciência da lógica para uma pedagogia de inspiração experimental baseada na biologia e na psicologia. Se bem que a concepção pedagógica renovada tenha se originado de diferentes correntes filosóficas como o vitalismo, historicismo, existencialismo, fenomenologia, pragmatismo e assumido características variadas, sua manifestação mais difundida é conhecida sob o nome de escolanovismo.

Concepção pedagógica produtivista A concepção pedagógica produtivista postula que a educação é um bem de produção e não apenas um bem de consumo. Tem, pois, importância decisiva no processo de desenvolvimento econômico. As análises que serviram de base a essa concepção foram sistematizadas principalmente na “teoria do capital humano”, cuja base filosófica se expressa pelo positivismo na versão estrutural-funcionalista. A referida concepção se desenvolveu a partir das décadas de 1950 e 1960, tornando-se orientação oficial no Brasil sob a forma da pedagogia tecnicista. E, mesmo com o refluxo do tecnicismo a partir do final dos anos 80, permaneceu como hegemônica assumindo novas nuances, inclusive quando, na década de 1990, a organização do ensino tendeu a se pautar dominantemente pelo cognitivismo construtivista. O caráter produtivista dessa concepção pedagógica tem uma dupla face: a externa, que destaca a importância da educação no processo de produção econômica e a interna, que visa dotar a escola do máximo de produtividade maximizando os investimentos nela realizados pela adoção do princípio da busca constante do máximo de resultados com o mínimo de dispêndio.

Pedagogia tecnicista A partir do pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, a pedagogia tecnicista advogou a reordenação do processo educativo de maneira a torná-lo objetivo e operacional. De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril, pretendeu-se a objetivação do trabalho pedagógico. Buscou-se, então, com base em justificativas teóricas derivadas da corrente filosófico-psicológica do behaviorismo, planejar a educação de modo a dotá-la de uma organização racional capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem pôr em risco sua eficiência. Se na pedagogia tradicional a iniciativa cabia ao professor e se na pedagogia nova a iniciativa deslocou-se para o aluno, na pedagogia tecnicista o elemento principal passou a ser a organização racional dos meios, ocupando o professor e o aluno posição secundária. A organização do processo converteu-se na garantia da eficiência, compensando e corrigindo as deficiências do professor e maximizando os efeitos de sua intervenção. 34

Concepções pedagógicas contra-hegemônicas Denominam-se pedagogias contra-hegemônicas aquelas orientações que não apenas não conseguiram se tornar dominantes, mas que buscam intencional e sistematicamente colocar a educação a serviço das forças que lutam para transformar a ordem vigente visando a instaurar uma nova forma de sociedade. Situam-se nesse âmbito as pedagogias socialista, libertária, comunista, libertadora, histórico-crítica.

Pedagogia socialista As idéias socialistas vicejaram no movimento operário europeu ao longo do século XIX. Também chamadas de “socialismo utópico” essas idéias propunham a transformação da ordem capitalista burguesa pela via da educação. De acordo com essa concepção a sociedade poderia ser organizada de forma justa, sem crimes nem pobreza, com todos participando da produção e fruição dos bens segundo suas capacidades e necessidades. Para tanto, era mister erradicar a ignorância, o grande obstáculo para a construção dessa nova sociedade. A educação desempenharia, pois, um papel decisivo nesse processo. Seguindo essa orientação, no Brasil os vários partidos operários, partidos socialistas, centros socialistas assumiram a defesa do ensino popular gratuito, laico e técnico-profissional. Reivindicando o ensino público, criticavam a inoperância governamental no que se refere à instrução popular e fomentaram o surgimento de escolas operárias e de bibliotecas populares. Mas não chegaram a explicitar mais claramente a concepção pedagógica que deveria orientar os procedimentos de ensino.

Pedagogia libertária A educação ocupa posição central no ideário libertário e se expressa num duplo e concomitante movimento: a crítica à educação burguesa e a formulação da própria concepção pedagógica que se materializa na criação de escolas autônomas e autogeridas. No aspecto crítico denuncia-se o uso da escola como instrumento de sujeição dos trabalhadores por parte do Estado, da Igreja e dos partidos. No aspecto propositivo estudam-se os autores libertários extraindo deles os principais conceitos educacionais como o de “educação integral” e “ensino racionalista”. Mas os libertários não ficam apenas no estudo das idéias. Buscam praticá-las por meio da criação de universidade popular, centros de estudos sociais e escolas. Em especial as denominadas “Escolas Modernas” proliferaram após a morte de Francisco Ferrer, inspirador do método racionalista, executado em 1909 pelo governo espanhol, pelo crime de professar idéias libertárias.

Pedagogia comunista A pedagogia comunista se inspira no marxismo-leninismo. Tendo em vista que essa corrente considera que o desenvolvimento das sociedades se dá pela ação dos homens na história, as novas formas sociais superam as anteriores incorporando os elementos antes desenvolvidos os quais se integram no acervo cultural da humanidade. Assim sendo, o desenvolvimento da nova sociedade e da nova cultura exige a apropriação, por parte das novas gerações, do patrimônio construído pelas gerações anteriores. Em outros termos, entende-se que uma cultura comunista, a cultura proletária, não surge do nada. Ela será o desenvolvimento e transformação dos conhecimentos produzidos pela humanidade sob o jugo das formas anteriores de sociedade, entre as quais sobreleva a sociedade capitalista no seio da qual se desenvolve, por contradição, a nova forma social de tipo comunista. O papel fundamental da educação será, pois, possibilitar a apropriação do acervo cultural da humanidade como base para realizar as ações necessárias à construção da nova sociedade e da nova cultura.

Pedagogia libertadora Convencionou-se denominar de “pedagogia libertadora” a concepção pedagógica cuja matriz remete às idéias de Paulo Freire. Sua inspiração filosófica se encontra no Personalismo cristão e na fenomenologia existencial. Como se trata de correntes que, como o pragmatismo, se inserem na Concepção humanista moderna de filosofia de educação, a pedagogia libertadora mantém vários pontos de contato com a pedagogia renovadora. Também ela valoriza o interesse e iniciativa dos educandos, dando prioridade aos temas e problemas mais próximos das vivências dos educandos sobre os conhecimentos sistematizados. Mas, diferentemente do movimento escolanovista, a pedagogia libertadora põe no centro do trabalho educativo temas e problemas políticos e sociais, entendendo que o papel da educação é, fundamentalmente, abrir caminho para a libertação dos oprimidos.

Pedagogia histórico-crítica Essa pedagogia é tributária da concepção dialética, especificamente na versão do materialismo histórico, tendo fortes afinidades, no que ser refere às suas bases psicológicas, com a psicologia histórico-cultural desenvolvida pela “Escola de Vigotski”. A educação é entendida como o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Em outros termos, isso significa que a educação é entendida como mediação no seio da prática social global. A prática social se põe, portanto, como o ponto de partida e o ponto de chegada da prática educativa. Daí decorre um método pedagógico que parte da prática social onde professor e aluno se encontram igualmente inseridos ocupando, porém, posições distintas, condição para que travem uma relação fecunda na compreensão e encaminhamento da solução dos problemas postos pela prática social, cabendo 36 aos momentos intermediários do método identificar as questões suscitadas pela prática social (problematização), dispor os instrumentos teóricos e práticos para a sua compreensão e solução (instrumentação) e viabilizar sua incorporação como elementos integrantes da própria vida dos alunos (catarse).

Método monitorial-mútuo Proposto e difundido pelos ingleses Andrew Bell, pastor da Igreja Anglicana e Joseph Lancaster, da seita dos Quakers, o método mútuo, também chamado de monitorial ou lancasteriano, se baseava no aproveitamento dos alunos mais adiantados como auxiliares do professor no ensino de classes numerosas. Embora esses alunos tivessem papel central na efetivação desse método pedagógico, o foco não era posto na atividade do aluno. Na verdade, os alunos guindados à posição de monitores eram investidos de função docente. O método supunha regras prédeterminadas, rigorosa disciplina e a distribuição hierarquizada dos alunos sentados em bancos dispostos num salão único e bem amplo. De uma das extremidades do salão, o mestre, sentado numa cadeira alta, supervisionava toda a escola, em especial os monitores. Avaliando continuamente o aproveitamento e o comportamento dos alunos, esse método erigia a competição em princípio ativo do funcionamento da escola. Os procedimentos didáticos tradicionais permanecem intocados. Busca-se, pois, no ensino mútuo proposto por Lancaster o equacionamento do método de ensino e de disciplinamento, correlacionados um ao outro.

Método intuitivo O método intuitivo, conhecido como lições de coisas, foi concebido com o intuito de resolver o problema da ineficiência do ensino diante de sua inadequação às exigências sociais decorrentes da revolução industrial que se processara entre o final do século XVIII e meados do século XIX. Ao mesmo tempo, essa mesma revolução industrial viabilizou a produção de novos materiais didáticos como suporte físico do novo método de ensino. Esses materiais, difundidos nas exposições universais, realizadas na segunda metade do século XIX com a participação de diversos países, entre eles o Brasil, compreendiam peças do mobiliário escolar; quadros negros parietais; caixas para ensino de cores e formas; quadros do reino vegetal, gravuras, cartas de cores para instrução primária; aros, mapas, linhas, diagramas, caixas com diferentes tipos de objetos como pedras, metais, madeira, louças, cerâmica, vidros; equipamentos de iluminação e aquecimento; alimentação e vestuário etc. Mas o uso de todo esse variado material dependia de diretrizes metodológicas claras, implicando a adoção de um novo método de ensino entendido como concreto, racional e ativo. O que se buscava, portanto, era uma orientação segura para a condução dos alunos, por parte do professor, nas salas de aula. Para tanto foram elaborados manuais segundo uma diretriz que modificava o papel pedagógico do livro. Este, em lugar de ser 37 um material didático destinado à utilização dos alunos, se converte num recurso decisivo para uso do professor, contendo um modelo de procedimentos para a elaboração de atividades, cujo ponto de partida era a percepção sensível. O mais famoso desses manuais foi o do americano Norman Allison Calkins, denominado Primeiras lições de coisas, cuja primeira edição data de 1861, sendo reformulado e ampliado em 1870. Foi traduzido por Rui Barbosa em 1881 e publicado no Brasil em 1886.

Fonte:

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