Guilherme Costa
A maturidade do futebol brasileiro.
Com a profissionalização já vigorada, a popularização do esporte em andamento, o principal objetivo da CBD passou a ser ganhar uma Copa do Mundo e conseguir organizar um campeonato nacional de clubes. Com a Europa destruída pelas guerras, o Brasil se ofereceu para organizar o torneio com quatro anos de antecedência, em 1946, e a FIFA rapidamente aceitou a proposta, pois estava com medo do torneio ter sua continuação colocada em cheque.
O futebol virara paixão nacional e uma forma de unir a população, já que todas as camadas sociais assistiam aos jogos decisivos dos campeonatos estaduais que, aquela altura, já eram 17. A Copa de 1950 mobilizou o país, que viu perplexo a construção do estádio do Maracanã, o maior do mundo, em apenas três anos.
Porém, o sonho do primeiro título mundial ruiu na derrota na final para o Uruguai, por 2x1, para mais de 200.000 pessoas no Maracanã. O povo brasileiro teria de esperar mais para finalmente conquistar o título mundial.
Entre 1950 e 1954, o principal campeonato disputado no país foi o campeonato nacional de seleções estaduais, que ocorria a cada dois anos, organizado pela Confederação Brasileira de Desportos. O Rio de Janeiro, que tinha obtido quatro títulos nos anos 1940, perdeu a hegemonia para São Paulo, que foi campeão em 1950 e 1952, para ser a baseda seleção para Copa de 1954, em que o objetivo era esquecer o que aconteceu em 1950.
Até o uniforme foi mudado para a disputa de 1954. A famosa camisa amarela fez a sua estréia em Copas, substituindo a branca, considerada um dos fatores de "azar" na derrota para o Uruguai, em 1950. E o Brasil esqueceu tudo da Copa 1950, inclusive o futebol, partindo para a briga após a derrota para os húngaros por 4 a 2 nas quartas-de-final.
A esta altura, todos os estados do Brasil da época - Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal(na época Rio de Janeiro) Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, Sergipe e São Paulo- tinham seus campeonatos estaduais e, com exceção a Amazonas e Sergipe, todos tinham Federações vinculadas a CBD. Tudo estava desenhado para a formação do primeiro campeonato nacional de clubes, mas faltava um “empurrãozinho”, algo que mudasse de vez o futebol nacional.
E o “empurrãozinho” veio na Copa de 1958, quando o Brasil se sagrou pela primeira vez campeão mundial,o que foi considerado por muitos na época o início de uma época de prosperidade não só no esporte como no Brasil inteiro, na chamada “Época Bossa Nova”. No ano seguinte, a CBD criou a taça Brasil, campeonato que reuniu em sua primeira edição 16 times e teve o Bahia como campeão, vencendo na final o Santos de Pelé.
O torneio foi realizado anualmente até 1968, com o Santos sendo o maior campeão, com cinco conquistas, seguido do Palmeiras, com duas, e Bahia, Botafogo e Cruzeiro com uma. Em 1969 e 1970, o torneio Roberto Gomes Pedrosa foi a principal competição nacional, com o Palmeiras e Fluminense terminando com o título.
João Havelange, presidente da CBD, e Paulo Machado de Carvalho, chefe da delegação brasileira nas Copas de 1958 e 62, se desentenderam em função de uma divergência nos patrocínios que cada um queria levar para o evento. Com isso, Havelange saiu fortalecido, já que sua entidade que organizara a delegação para 1966, e o próprio presidente foi o chefe da delegação, forçando o técnico Vicente Feola, o mesmo de 58, a convocar astros de outras Copas que já não estavam tão bem, como Bellini, Zito, Garrincha e Milton Santos. Puro marketing de Havelange, que queriam ver o maior número de recordistas de títulos possíveis. O resultado foram derrotas e eliminação precoce.
Ditadura pega carona no tri e CBD cria o Campeonato Brasileiro
O Brasil aprendeu a lição de 1966 e se renovou para a Copa de 1970. Paulo Machado de Carvalho, o “Marechal da Vitória”, foi indicado novamente para chefe da delegação. Aimoré Moreira e Osvaldo Brandão dividiram o cargo de treinador e a seleção fez diversos amistosos pelo mundo, com uma equipe baseada nos times do Santos e do Cruzeiro.
Alguns resultados ruins, como a derrota para o México em pleno Maracanã, levaram a um clima de tensão entre Moreira e Brandão, que acabaram substituídos por outra comissão técnica, chefiada pelo jornalista João Saldanha, em 1969. Mas, frases como “o presidente escolhe seus ministros e eu convoco a seleção”, ditas no auge da ditadura militar, o tiraram do cargo antes da Copa, dando lugar a Mário Jorge Lobo Zagallo, bicampeão mundial em 1958 e 1962.
Embalado pela marchinha patriótica , a seleção ganhou a Copa de 1970 com seis vitórias em seis jogos e conquistou por definitivo a Taça Jules Rimet para o Brasil. O Governo aproveitou o momento e transformou a conquista numa festa da ditadura, levantando a Taça no Planalto como se fosse um título do regime militar.Prá frente Brasil
Coincidência ou não, assim como em 1958, um ano após o título mundial, a CBD criou o Campeonato Brasileiro, torneio que reuniria os principais clubes do Brasil e que finalmente uniformizaria o futebol tricampeão. A primeira edição foi conquistada pelo Atlético Mineiro. Em menos de uma década, o campeonato sofreu um inchaço de clubes – 94 disputaram a edição de 1979 –, o que afastou alguns dos principais times, como os paulistas Corinthians, Santos e São Paulo.
Neste período, o Brasil participou de duas Copas do Mundo, mas mesmo com uma geração de excelentes jogadores não conseguiu o título, ficando em quarto lugar em 1974 e terceiro em 1978. Com dois fracassos seguidos em Copas e um possível “boicote” dos principais clubes ao Campeonato Brasileiro, a estrutura da CBD foi reformulada, dando lugar à CBF.
A criação da CBF e a pluralização dos campeões
Com a criação da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), os clubes mais tradicionais exigiram a realização de um campeonato brasileiro de verdade. Nasceu, então, a Taça de Ouro, com a participação de 40 clubes. As equipes excluídas da primeira divisão disputariam a Taça de Prata, uma espécie de segunda divisão da época. Entre 1971 e 1983, apenas clubes de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul conquistaram o campeonato brasileiro. Internacional e Flamengo, por exemplo, foram campeões três vezes.
Neste meio tempo, a seleção brasileira foi para a Copa de 1982 com um dos times mais talentosos da sua história, mas acabou derrotada pela Itália e terminou na quinta posição. Naquela ocasião, apenas jogadores de clubes paulistas, cariocas, gaúchos e mineiros representaram o país. Pela primeira vez um jogador que atuava fora do Brasil, Falcão, foi convocado para uma Copa do Mundo pela seleção. Já na Copa de 1986, com o mesmo Telê Santana como técnico, já eram dois os jogadores que atuavam na Itália, Júnior e Edinho. A seleção novamente não conseguiu o título. Caiu nos pênaltis, diante da França, nas quartas-de-final, e viu uma geração de talentos como Sócrates e Zico se aposentarem sem um título mundial.
Enquanto isso, no campeonato brasileiro, uma série de novos clubes surpreendeu as principais equipes. A final do campeonato de 1985 reuniu Coritiba e Bangu, times de pouca tradição no país. Em 1988, o Bahia tornou-se o primeiro clube baiano a conquistar o campeonato brasileiro. O número de estados campeões quase dobrara, em apenas cinco anos.
Em 1987, a CBF teve sua primeira confusão quanto à definição do campeão brasileiro. O Sport venceu o módulo organizado pela entidade, enquanto o Flamengo foi o melhor do campeonato organizado pelo Clube dos 13, entidade que reunia os principais times do país. O Flamengo recusou-se a fazer uma “final” contra o Sport, que acabou sendo oficializado pela CBF como o campeão do ano.
Novamente, o campeonato da CBF estava diante de um “boicote” das principais equipes do país, que se reuniram em 1987 no Clube dos 13 para organizar um torneio. Após o rompimento com o Clube dos 13, ocorrido no ano anterior, a CBF realizou um campeonato mais enxuto e competitivo em 1988, com apenas 24 clubes. No ano seguinte, a CBF – já sob a presidência de Ricardo Teixeira – criou a Copa do Brasil, torneio que seguia os moldes de competições europeias, com disputas “mata-mata” em todas as fases. A Copa de 1990 foi a última em que o número de jogadores que atuavam no exterior não superou o número de jogadores que atuavam no Brasil. Foram 11 “estrangeiros” e 11 “brasileiros” na equipe que acabou eliminada nas oitavas-de-final pela Argentina.
O neoliberalismo na bola e o pentacampeonato
A abertura econômica que o Brasil viveu no reinício da democracia provocou o êxodo dos principais jogadores do país. Clubes estrangeiros passaram a assediar com salários astronômicos “meninos” que mal tinham completado 20 anos.
Em razão disso, os principais jogadores da conquista do tetra, em 1994, jogavam no exterior. Romário, principal nome da conquista que encerrou o jejum de 24 anos da seleção brasileira, atuava no espanhol Barcelona, rival do La Coruña, no qual jogava Bebeto, seu companheiro de ataque na seleção. Pior, dentre os titulares da equipe na final da Copa, apenas três – o lateral Branco e os meias Zinho e Mazinho – atuavam no Brasil.
O nível dos jogadores dos campeonatos brasileiros decaiu, já que os principais craques eram rapidamente “exportados” para o futebol do Velho Continente. Exemplos como o de Ronaldo, que aos 18 anos foi do Cruzeiro para o PSV, e o de Ronaldinho Gaúcho, que aos 20 anos foi transferido do Grêmio para o Paris Saint Germain, se multiplicaram do norte ao sul do país. Nos últimos anos, a saída de jogadores movimentou mais de 440 milhões de dólares, se tornando um dos principais produtos de exportação do país, ultrapassando até mesmo banana, maçã e uva. Desde que o Banco Central começou a registrar a venda de atletas para o exterior, em 1993, as vendas ao exterior já somam dois bilhões de dólares.
Os grandes esquadrões brasileiros – como o Santos e o Palmeiras dos anos 60, o Internacional dos anos 70, o Flamengo dos anos 80 e o São Paulo do início dos anos 90 – praticamente desapareceram. Devido ao assédio dos times estrangeiros, os clubes brasileiros conseguiam montar uma boa equipe por, no máximo, um ou dois anos – como o Corinthians bicampeão brasileiro em 1998/1999.
A seleção da Copa de 1998 teve apenas sete jogadores que defendiam clubes brasileiros, e apenas um – o veterano Bebeto – foi titular da equipe. Mas não foi esse o motivo da derrota para a França, na final. Uma preparação pífia, em que a seleção trocou amistosos com seleções fortes por jogos rentáveis contra países sem tradição no futebol, culminou na desastrada derrota por 3x0.
Nesse contexto, o Brasil entrou no século 21 formando grande quantidade de bons jogadores que, precocemente, trocam seus clubes no Brasil não só por grandes times europeus, mas também por clubes pouco conhecidos do leste da Europa, da segunda divisão dos principais países do mundo do futebol e até mesmo para o “Mundo Árabe”, munido de “petrodólares”.
A seleção chegou desacreditada à Copa de 2002, realizada no Japão e na Coréia do Sul. Depois de duas trocas de técnico, de conquistar a vaga somente no último jogo das eliminatórias e de muita confusão pela não convocação de Romário pelo técnico Luiz Felipe Scolari, o Brasil venceu seus sete jogos no Mundial e garantiu o pentacampeonato. Foi a redenção de Ronaldo e Rivaldo, vice-campeões em 1998, e a ascensão de Ronaldinho Gaúcho, Lúcio, Kaká e outros craques que mais tarde brilhariam nos principais clubes do mundo.
No ano seguinte à conquista do pentacampeonato, a CBF finalmente implantou o tradicional sistema de pontos corridos no campeonato brasileiro. A fórmula, adotada pela maioria dos países do mundo, demorou para pegar no Brasil, mas hoje, em 2009, é quase unanimidade. Os títulos do Cruzeiro-2003, Santos-2004, Corinthians-2005 e São Paulo-2006, 2007 e 2008 não foram menos merecidos ou emocionantes por conta da nova fórmula, que ajudou a aumentar a média de público, decadente até 2002, além de ter simplificado o regulamento da competição.
A Copa de 2006, para o Brasil, foi um retrato do “salto alto”, do comodismo e principalmente do circo em que se transformou a seleção brasileira. De 2002 a 2006, o Brasil foi campeão das eliminatórias sulamericanas, da Copa América e da Copa das Confederações, se tornando o principal favorito ao título. Mas, como favoritismo não ganha jogo, a seleção foi eliminada pela França por 1x0 nas quartas-de-final.
Hoje (2009), vivemos a “Era Dunga”, com o ex-volante campeão mundial em 1994 no comando da seleção. Neste período – de 2006 a 2009 – o Brasil venceu a Copa América, mas fracassou nas Olimpíadas, única competição internacional importante que o Brasil ainda não venceu, terminando duas vezes com a prata (1984 a 1988) e duas com o bronze (1996 e 2008).
Fonte: