Reflexos políticos da Segunda Guerra – A partir de 1942, quando a posição do Brasil se definiu claramente a favor das potências liberais, o engajamento no grande conflito não pôde deixar de repercutir na conjuntura política interna. Como resolver a contradição de um Estado inspirado no fascismo italiano que se empenhara na luta antifascista, em defesa dos ideais antiautoritários.
A crise interna – É claro que as repercussões da Segunda Guerra, por si sós, não explicam a transformação política no Brasil. Na verdade, elas se entrelaçaram à crise política interna, formando uma complexa rede de contradições que resultou na criação de conjunturas favoráveis ao desmantelamento do Estado Novo.
Em 1943, esgotou-se o limite que o Estado Novo impusera “para a legitimação, por meio de um plebiscito, da Constituição outorgada em 1937”. Nessa conjuntura surgiu o Manifesto dos Mineiros (outubro de 1943), assinado por Virgílio de Melo Franco, Afonso Arinos, Milton Campos, Magalhães Pinto, Adauto Lúcio Cardoso, Odilon Braga, Pedro Aleixo e Bilac Pinto, futuros líderes da União Democrática Nacional (UDN). O citado documento, reconhecendo "que o Brasil está em fase de progresso material e tem sabido mobilizar muitas das suas riquezas naturais, aproveitando inteligentemente as realizações do passado e as eventualidades favoráveis do presente", criticava a "ilusória tranquilidade e a paz superficial que se obtêm pelo banimento das atividades cívicas, [que] podem parecer propícias aos negócios e ao comércio, ao ganho e à própria prosperidade, mas nunca benéficas ao revigoramento dos povos”. Em síntese, o manifesto exigia a participação política dos agentes do progresso econômico, isto é, um desenvolvimento político correspondente e compatível com a prosperidade material.
A vitória dos Aliados – A crise interna acompanhou o progressivo avanço dos Aliados na Segunda Guerra. E, aliás, a coincidência desse avanço com as etapas de redemocratização no Brasil, como afirma Weffort, “não é simples fruto do acaso”. O próprio Vargas, sentindo o comprometimento de seu poder, assumiu, ambiguamente, uma posição mais flexível. No seu discurso de novembro de 1943 declarou: “Quando terminar a guerra, em ambiente próprio de paz e ordem, com as garantias máximas à liberdade de opinião, reajustaremos a estrutura política da nação, faremos de forma ampla e segura as necessárias consultas ao povo brasileiro”.
Apesar dessa declaração, as forças de oposição que estavam emergindo não acolheram com entusiasmo a promessa de Vargas. Em 1945, quando a guerra chegou ao fim, essas forças se manifestaram, levando o Estado Novo à inelutável desagregação.
As agitações – As agitações pela redemocratização iniciaram-se com o I Congresso Brasileiro de Escritores, em janeiro de 1945, que se manifestou favoravelmente ao restabelecimento da democracia. As declarações de José Américo de Almeida, no jornal Correio da Manhã, tiveram um grande impacto. Francisco Weffort assim vê o momento: "Da parte do governo há o ato adicional prometendo a realização de eleições para o dia 2 de dezembro. Quase ao mesmo tempo rompe-se o dique da censura à imprensa. Logo depois, aparece a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes, articulada pela oposição liberal, que, por sua vez, passa a constituir-se em partido: União Democrática Nacional (UDN). E em março surge a candidatura do general Enrico Dutra, que fora ministro da Guerra do Estado Novo. À sua volta articulavam-se as forças governistas, que logo dariam origem ao Partido Social Democrático (PSD); a segunda agrupação governista deveria surgir depois e para aderir igualmente à candidatura de Dutra" 9.
A descompressão da vida política promoveu a formação de agremiações partidárias que exprimiam os anseios até então represados. Para Lourdes Sola, o "Partido Social Democrático, que tinha Dutra por candidato, era integrado pelas oligarquias rurais, por industriais e banqueiros habituados a negociações com o governo central" 1°. Todavia, esse partido não possuía unidade ideológica, embora controlasse uma poderosa máquina eleitoral.
O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) – mobilizava a burocracia sindical ligada ao trabalhismo, sob a direção de seus criadores, Marcondes Filho, Hugo Borghi, e de seu principal ideólogo, Alberto Pasqualini. O governo procurava organizar assim, agora sob forma partidária, um dos outros polos em que se baseara seu prestígio, as camadas populares urbanas, que passaram a representar um conjunto significativo de votos. A ideologia populista desse partido mantinha e reforçava a tradição inaugurada por Vargas.
A União Democrática Nacional (UDN) – Ainda segundo a autora, fundada em 1944, a UDN reunia os elementos antigetulistas: antigos liberais constitucionais como Armando Sales, Júlio de Mesquita Filho, proprietários de uma cadeia de jornais como Assis Chateaubriand, o dono do Correio da Manhã, Paulo Bittencourt, e a burguesia comercial urbana, ligada aos interesses exportadores e importadores, prejudicados em seus lucros pelo intervencionismo econômico do Estado Novo. Contava também com a adesão das classes médias urbanas, assustadas com a retomada do processo inflacionário, que se acentuara a partir de 1942. A ideologia da UDN, politicamente liberal, no plano econômico se manifestava também liberal, reivindicando a liquidação do protecionismo, identificado como causa principal do aumento dos preços. Isso conquistava a simpatia daquelas camadas médias, cujas perspectivas econômicas se orientavam pelo ponto de vista do consumidor. Uma ala da UDN, a Esquerda Democrática, mais tarde se desdobraria numa nova organização, o Partido Socialista Brasileiro (PSB).
A Anistia – Diante das pressões crescentes da opinião pública, Getúlio decretou anistia aos presos políticos, inclusive ao líder comunista Luís Carlos Prestes, que estava preso desde 1936, com o fracasso da intentona comunista de 1935. Depois de nove anos na prisão do Estado Novo, Prestes voltou a atuar, organizando no dia 23 de maio de 1945 uma gigantesca manifestação popular no Rio de Janeiro. Curiosamente, nessa manifestação, o Partido Comunista, legalizado desde maio, expressou seu apoio ao governo de Getúlio. Apesar de estranha, tal atitude do PCB estava de acordo com sua linha política, baseada no antiiperialismo e na aliança com as forças progressistas nacionais. Além disso, o apoio a Getúlio expressava também a presença da diretriz, fixada pela União Soviética, de formação de uma frente popular nos países que lutaram contra o Eixo.
O queremismo – No segundo semestre de 1945, a tônica das movimentações políticas mudou a ênfase. Até o primeiro semestre do mesmo ano, a campanha eleitoral absorvera as energias políticas. A partir do semestre seguinte, a tônica recaiu sobre a questão da Constituinte, que deveria reunir-se somente depois da eleição presidencial, marcada para 2 de dezembro daquele ano. Foi quando se expandiu a pregação do "queremismo" (" Queremos Getúlio"), orientada pelos trabalhistas e apoiada pelos comunistas. Vargas discretamente alimentou esses movimentos populares urbanos, propondo a "lei malaia" (junho de 1945), como ficou conhecida a lei antitruste, que tinha um caráter nitidamente nacionalista e antiimperialista.
A queda de Vargas
O queremismo representou, portanto, o respaldo - ainda que indefinido - de que Getúlio necessitava para continuar no poder. E isso despertou na UDN uma desconfiança extrema a qualquer ação de Getúlio. A situação se tornou mais clara a partir de agosto de 1945, quando a manobra continuísta se evidenciou com a evolução do queremismo para o grito de "Constituinte com Getúlio”. Isso veio inquietar a oposição udenista, pois a Constituinte antes das eleições presidenciais significaria a preservação do poder nas mãos de Vargas, segundo Weffort, "pelo menos até o momento em que estivesse estabelecida uma nova ordem institucional, assegurando-se a possibilidade de uma influência decisiva sobre a sua elaboração".
No início do mês de outubro, o Partido Comunista estava inteiramente disposto a apoiar Vargas. Mas "é precisamente nesse momento, em que as forças getulistas e seus aliados estão no máximo de sua capacidade de ação, que se desencadeia o Golpe de Estado" 14. Um grande comício pró-getulista, marcado para o dia 27, foi proibido pelo chefe de policia do Distrito Federal. Getúlio reagiu, substituindo-o pelo seu irmão, Benjamim Vargas. Contudo, a derradeira manobra encontrou forte resistência em Góis Monteiro. Dois dias depois, em 29 de outubro de 1945, Getúlio foi obrigado a abandonar o poder, transmitindo-o ao Judiciário. Terminou aí o Estado Novo.
Referências
BERTONHA, João Fábio, O Fascismo e os Imigrantes Italianos no Brasil, Porto Alegre, EdiPUC, RS.
DALMÁZ, Mateus. A Imagem do Terceiro Reich na Revista do Globo (1933-1945), Porto Alegre:, EdiPUC, RS.
GARCIA, Nelson Jahr, Estado Novo - Ideologia e propaganda política, São Paulo, Loyola, 1982.
HENRIQUES, Affonso, Vargas e o Estado Novo, Sp, 1964.
LOBATO, José Bento Monteiro, O escândalo de petróleo, Ed. Brasiliense, 1956.
SILVA, Hélio, 1937 - Todos os Golpes Se Parecem , Editora Civilização Brasileira, 1970.
VARGAS, Getúlio Dorneles, A nova política do Brasil, José Olympio Editora, 1939.