24.5.10

As viagens pela costa do Brasil

por Laire José Giraud *


No passado, os navios de passageiros de cabotagem eram os verdadeiros veículos de transporte de Norte a Sul na costa brasileira. Isso aconteceu até o final dos anos de 1950, quando as embarcações começaram a perder espaço para ônibus e caminhões. Surgiram novas estradas, isso sem dizer no crescimento das viagens aéreas. Por isso, havia diversas empresas marítimas que conduziam não apenas pessoas, mas cargas também. Vale lembrar que se levava de tudo do estado de São Paulo e do Rio de Janeiro para os outros estados, como alimentos, refrigerantes, manteiga, laticínios e vestimentas, entre outras mercadorias.

Cartão-postal da Cia. Costeira editado nos

anos de 1920/30 com portos e datas de escala

dos "Itas". Acervo- L. J. Giraud.

As três principais armadoras eram a Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro, a Companhia Nacional de Navegação Costeira (CCNN) e a Lloyd Nacional, além de outras menores, mas eficientes, como a Empresa Nacional de Navegação Hoepcke, a Companhia Pereira Carneiro, cujas lembranças serão contadas em outros artigos.

Os navios das três companhias – Lloyd Brasileiro, Costeira e Lloyd Nacional (não confundir com Lloyd Brasileiro) deixaram seus nomes imortalizados na história da navegação mercante do País.

Da memorável frota do Lloyd podem ser destacados os navios Dom Pedro I, Dom Pedro II, Barão de Mauá, Barão de Jaceguai, Almirante Alexandrino, Campos Sales, Raul Soares, Buarque, Mauá, Cantuária. Não esquecendo dos memoráveis cisnes brancos - Anna Nery, Rosa da Fonseca, Princesa Isabel e Princesa Leopoldina, entregues à Cia Costeira na década de 1960. Esses navios eram mais modernos dos que os outros de décadas anteriores. Depois esses navios foram incorporados à frota do Lloyd Brasileiro.

O Rio de Janeiro era semelhante aos navios irmãos São Paulo, Minas Geraes (com "e") e Bahia. Faziam, no início do século 20, a linha

América do Sul-Estados Unidos, mais precisamente em Nova York. Posteriormente, passaram para a navegação de cabotagem.

Acervo L. J. Giraud.

Da Costeira, cujos navios foram mencionados na canção de Dorival Caymi e imortalizados no livro Capitão-de-longo-curso, de autoria de Jorge Amado, podem ser citados os da série Ita, como Itambé, Itaquicé, Itambé, Itassucé, Itahité, Itaquatiá, Itaberá e Itatinga. Com relação às dimensões desses navios, eram classificados em Itas pequenos, Itas médios e Itas grandes, com eram os navios mistos, Itahité, Itaimbé, Itapagé, Itapé, Itaquicé e Itanagé.

Da Sociedade Anônima Lloyd Nacional , os navios mais conhecidos eram os seguintes: Araçatuba, Araraquara, Aratimbó e Araranguá, os eram famosos Aras, construídos entre 1927 e 1928. Durante a Segunda Guerra Mundial, o Araraquara foi torpedeado pelo submarino alemão U-507, no litoral de Sergipe. A perda foi de 131 vidas. Esses navios eram de construção italiana.

Um dos Itas médios da CNNC, a Costeira. Esses navios colaboraram

muito na movimentação de passageiros e cargas, no tempo em que

o Brasil se movimentava de Norte a Sul através do mar.

Acervo: Comandante Carlos Dufriche.

Havia diversas linhas atendidas por essas armadoras, a partir do Rio Grande do Sul - Porto Alegre, Pelotas, Rio Grande, passando pela maioria dos portos da nossa costa, até alcançar os estados do Pará e Amazonas – Belém, Santarém, Óbidos, Parintins e Manaus.

Para que o leitor tenha uma idéia, a viagem entre Santos e Manaus de navio costumava demorar 25 dias (com exceção dos cisnes brancos), devido à morosidade dos navios (muitos já ultrapassados) e o número de portos que passavam. As operações de carga e descarga de mercadorias eram demoradas, por uma série de razões, dentre elas, as cargas iam soltas nos porões, devido não existirem contêineres, naquele tempo.

Os paquetes, como eram chamados os navios de passageiros (e ainda o são, em Portugal) atracavam entre o cais dos armazéns 1 e 5 da Companhia Docas, em Santos.

O Anna, um dos navios da Empresa Nacional de Navegação

Hoepcke, foi incorporado em 1909. Um navio muito famoso

dessa companhia foi o Carl Hoepcke, que fazia a linha de

Florianópolis ao Rio de Janeiro, passando por vários portos,

entre eles Santos, onde encalhou após forte temporal,

em 1971. Pintura de Antonio Giacomelli.

Lembro que a minha primeira viagem de navio foi em 1950, aos 5 anos, na companhia de meus pais e outros familiares, a bordo do Cantuária, do Lloyd Brasileiro, que tinha como destino a então Capital Federal, o Rio de Janeiro.

Aliás, era mais fácil ir à bordo de uma embarcação de Santos ao Rio do que à Cidade de São Paulo para embarcar em trem da Central do Brasil rumo ao Rio.

Lembro que o Cantuária saiu do cais do Armazém 4 no meio de uma tarde de verão (acho que foi num domingo) e chegou ao Rio de Janeiro nas primeiras horas da manhã, onde atracou no cais do Lloyd, perto da Praça XV. Uma curiosidade: os navios do Lloyd Brasileiro, quando atracavam ou desatracavam no porto do Rio de Janeiro não usavam práticos, mas sim pessoas capacitadas do Lloyd para essas funções. Eram conhecidos pelos demais práticos como “Arraes do Lloyd”.

Visita ao Pão de Açúcar, durante escala do

Itanagé da Cia. Costeira, no Rio de Janeiro,

em 1940. Ao centro, meu pai Laire Giraud,

cercado pelos pais, tios e primo.

Acervo L. J . Giraud.

No final dos anos de 1960 eles ainda operavam. Isso era em função do grande número de navios da estatal brasileira. O objetivo era o de economizar com os serviços de praticagem. O Lloyd chegou a ter em Santos um rebocador próprio, o Mestre Sebastião. O objetivo era o de não utilizar rebocadores da firma que operava em Santos, mais precisamente a Wilson,Sons. Quem conta isso é o prático aposentado Gerson da Costa Fonseca, de 90 anos.

O Cantuária foi um dos quatro navios de passageiros de características idênticas adquiridos pelo Lloyd da armadora Moore-McCormack Lines, dos Estados Unidos, na década de 1930.

Um dos navios-irmão era o Buarque, que foi torpedeado e pasto a pique durante a Segunda Guerra Mundial.

Cartão-postal representando os navios Araranguá, Araraquara,

Araçatuba e Aratimbó. Mediam 115 metros de comprimento e

desenvolviam 16,5 nós por hora. Transportavam passageiros e carga.

Acervo - L. J. Giraud.

Da compra fizeram parte mais seis cargueiros, que contribuíram para que a frota da Lloyd não parasse durante a Segunda Guerra, diante de 21 torpedeamentos realizados por submarinos nazistas.

O Cantuária, ex-Scan States, foi construído em 1919 no estaleiro da American Internacional Shipbuilding Corporation, de Hog Island, na Pensilvânia, Estados Unidos.

Ele deslocava 5.613 toneladas, media 129,20 metros de comprimento, desenvolvia velocidade de 13 nós (24 quilômetros horários), dispunha de 90 camarotes para passageiros e espaço para carga. No início dos anos de 1960 foi vendido como sucata. Acrescento que a viagem e o Cantuária tornaram-se inesquecíveis.

O Anna Nery, foi um dos navios de passageiros mais célebres,

empregados na navegação de cabotagem, nos anos de 1960/70.

Na sua época, navegavam outros que ficaram famosos: Rosa da

Fonseca, Princesa Isabel e Princesa Lepoldina, conhecidos como

cisnes brancos. Acervo: L. J. Giraud.

Já o amigo Silvio Roberto Smera, lembra que na adolescência, trabalhava com sua mãe, que era advogada, com escritório no prédio onde o Lloyd Brasileiro tinha agência em Santos nos anos de 1950/60. Ficava no prédio do antigo Santos Hotel, na Praça Barão do Rio Branco.

De uma das janelas, Smera contemplava os navios de passageiros nacionais usados na cabotagem, que ali atracavam. Assim, ele viu a maioria desses navios que contribuíram de forma significativa para a grandeza do Brasil, numa época em que quase não haviam estradas de rodagem.

O cartão-postal do início da década de 1950, clicado do Monte

Serrat, mostra claramente o local do cais santista onde os

navios de cabotagem atracavam. No centro do cartão, vemos a

chaminé de um navio de passageiros do Lloyd Brasileiro.

Próximo à torre da Bolsa de Café e do prédio da Western

Telegraph, este último já demolido. - Acervo: L. J. Giraud.

Fechando com chave de ouro, o cartão-postal da pintura

do Itanagé, pintura de Antonio Giacomelli.



Fonte: http://www.portogente.com.br/