Dante Alighieri como político
Dante no exílio
Dante, morto em 1321, teve sua vida profundamente alterada em razão das questões políticas que dividiam sua Florença natal entre as duas facções do Partido Guelfo: os Neri (os negros, ou guelfos puros) e os Bianchi (os brancos, ou “gibelinos” escondidos), mais moderados, a qual ele pertencia. Derrotado, foi obrigado a passar os seus últimos vinte anos de vida vagando por outras cidade italianas, provando o amargo pão do exílio, percebendo então quão nociva era para a sua amada e infeliz Itália, o fato da península não ser unida politicamente. Assim, entende-se o seu clamor a favor de um imperador que viesse colocar a casa em ordem, mesmo que fosse um estrangeiro.
Uma carta de Dante
"Não se deve, pois, deixar passar esta ocasião, a fim de que a Itália conheça, depois de tanto tempo, um seu redentor".
MAQUIAVEL
O Príncipe
Mal pondo os pés na Itália, o imperador Henrique VII recebeu uma carta, curta mas bajulatória, datada de 18 de abril de 1311. Nela o autor, um poeta esplêndido, depois de chamá-lo de sucessor de César e de Augusto e, em versos, comentar que "o verdadeiro limite do seu império era o oceano e o limite da sua fama as estrelas", tomava a liberdade de censurar o monarca na sua demora em pôr sítio a Florença. A missiva era de Dante Alighieri que, quase sempre, se assinava como "florentino injustamente desterrado", que se encontrava banido da sua cidade natal desde 1302. Seu partido, o partido branco, havia sido expulso pelo partido rival, dos negros, o partido guelfo, favorável ao poder papel e hostil ao do imperador. Desgostoso com o longo exílio imposto que, como disse no célebre verso do Paraíso: "Tu proverai si come sa di sale lo pane altrui, e come è duro calle lo scendere e I'salir per altrui scale" (XVIII, 58), isto é "onde se prova como é salgado o pão alheio e como é duro o caminho de subir e descer pelas escadas dos outros," Dante apressava o imperador. Que deixasse de lado o cerco às pequenas cidades rebeladas da Lombardia e se lançasse logo sobre aquela que, às ocultas, fomentava insubordinação - "a víbora que morde as entranhas da própria mãe" - "a perversa e ímpia Mirra" - a cidade de Florença.
Dante e os guelfos brancos, “gibelinos” escondidos, como se chamavam os seguidores do poder imperial, eram uns reacionários empedernidos, representavam, segundo Carducci, "il popolo vecchio," ruínas sócio-humanas do velho patriciado dos tempos antigos que ainda sobreviviam espalhados pela Itália como se Roma não tivesse sucumbido. Como conseqüência, não aceitavam a hegemonia do Papa sobre as cidades italianas, afirmando que as intromissões da Cúria no universo da política não passavam de puras usurpações.
Estatocratas versus Teocratas
Dante em meio a balbúrdia política italiana
Para eles, para os Gibelinos, os imperadores bárbaros do Sacro Império Romano-Germano, fundado por Otão I, o Grande, no século X, eram os legítimos herdeiros da Roma Augusta. Povoada por microestados em que condes, duques, tiranos econdottieri infernizavam a vida um do outro em incontáveis guerras e intermináveis conspirações regadas a mortíferos venenos, a Itália suspirava por tranqüilidade.Le antiche famigle apostavam num príncipe vindo de fora para equilibrar ou contrabalançar a aliança do Sumo Pontífice com o povo miúdo e com a independência comunal. Um reforço contra o desaforamento da plebe.
A favor da sua doutrina, da preeminência imperial sobre a sacerdotal. Dante começou a redigir um tratado em latim, Da Monarquia, provavelmente escrito entre 1310-14, onde lembrava os seguidores do poder teocrático que "mesmo Cristo, em frente a Pilatos, renunciou ao dito regime temporal: `Meu reino - afirmou - não é deste mundo ... meu reino não é daqui'." No final conclama a que o César imperial e o Pedro clerical guardem reverência um para com o outro e, ambos, para "Aquele que é o único governador de todas as coisas, espirituais e temporais". Tudo indica que Dante não ficou muito satisfeito com esta solução, pois, enquanto redigia a Comédia, terminou por povoar vários círculos do Inferno com papas, colocando-os em situações terrivelmente constrangedoras.
Mas os apelos do poeta ao Imperador de nada serviram. Henrique VII deslocou-se até às portas de Florença mas desistiu de assediá-la. Pouco tempo depois morria subitamente, em 1313. Dante expirou no exílio, em 1321, e a única represália que tomou contra seus rivais, que ainda dominavam Florença, foi negar que seus despojos fosse sepultados na sua cidade de origem.
Maquiavel na estrada de Dante
Dois séculos depois, outro florentino, também desterrado, havia perdido as esperanças em qualquer príncipe estrangeiro. Para Maquiavel, a Itália estava sendo sistematicamente pilhada por reis franceses e espanhóis, conquistadores transalpinos que haviam submetido a própria Florença ao saque. Tal como nos tempos do ilustre poeta toscano, o país se encontrava dilacerado em suas lutas fratricidas, alimentadas pela rivalidade empresarial e comercial das cidades-estado, que a presença estrangeira acirrava ainda mais. As expectativas de Maquiavel voltavam-se para um tirano italiano, qualquer um que fosse, desde que pusesse fim à anarquia e "ao bárbaro domínio" dos reis transalpinos. No capítulo final de O Príncipe, de 1512, afirma que a Itália merecia "um seu redentor." Mas a península ainda teve que esperar muitos séculos para alcançar sua unidade.
Quando o fez, no século XIX, (a unidade Italiana foi celebrada em 1861) não foi por nenhum imperador gótico, como esperava Dante, ou por um tirano acima da lei, dotado de vontade de poder, como vaticinava Maquiavel, mas sim pelas mãos de um gorducho, insosso mas ardiloso, como Cavour.
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