Em 1911, britânicos e noruegueses se lançaram em uma acirrada disputa pela conquista do último ponto inexplorado do globo. Foi uma catástrofe para os ingleses: ultrapassados na reta final, eles morreram no caminho de volta
Herbert G. Ponting/Coleção Particular
Membro da expedição de Robert Scott diante do glaciar Barne, em dezembro de 1911
por Pierre Vernay
Os polos Norte e Sul eram completamente desconhecidos no início do século XX. Até que Clements Markham, presidente da Sociedade Geográfica Real do Reino Unido e explorador, cujo sonho era que a Antártida fosse conquistada por seu país, iniciou a primeira expedição britânica ao continente. O comando da missão foi confiado ao tenente Robert Falcon Scott, que havia viajado à África e às Antilhas, mas jamais posto os pés em regiões polares – o que não o impediu de aceitar o desafio com incansável entusiasmo. O Discovery, navio da expedição, partiu da Inglaterra em 31 de julho de 1901 e chegou à baía McMurdo, na Antártida, no dia 8 de fevereiro de 1902.
Scott foi acompanhado pelo dr. Edward Adrian Wilson e por Ernest Shackleton e levou esquis e cães de trenó (considerados indispensáveis pelos exploradores escandinavos Fridtjof Nansen, Otto Sverdrup e Roald Amundsen). O tenente estava convencido de que uma ou duas semanas bastariam para aprender a conduzir os cães, processo que na realidade demanda de um a dois anos. Durante a expedição, os animais muitas vezes se recusavam a avançar, o que gerou graves tensões entre Scott e Shackleton, atenuadas por Wilson. Em pouco tempo, os homens foram obrigados a puxar eles mesmos o trenó com os víveres, porque os cães, indisciplinados demais, tiveram de ser presos atrás do carro. Um após outro, os animais debilitados foram sacrificados para abreviar seu sofrimento. Quanto aos esquis, Scott renunciou definitivamente a utilizá-los e optou por deslocar-se a pé.
Em 30 de dezembro de 1902, a latitude 82° 17' foi atingida. O ser humano jamais havia chegado tão perto do ponto geográfico 90° sul, o polo, que fica a uma distância de aproximadamente 900 km dali. Mas naquele momento o doutor Wilson detectou um escorbuto avançado em Shackleton, o que os obrigou a voltar com urgência à base. Exausto e debilitado, Shackleton não pôde mais realizar os trabalhos pesados da equipe e avançava sozinho, de esqui; quando se esgotavam suas energias, subia no trenó e era puxado por seus colegas. Felizmente, o tempo estava ameno, e o trio conseguiu voltar ao Discovery no dia 3 de fevereiro de 1903, depois de 93 dias de expedição e 1.540 km percorridos.
A aventura foi um fracasso em relação à meta estabelecida, mas para Scott foi um êxito, na medida em que os homens resistiram até o limite de suas forças. No fim das contas, pouco importou o escorbuto, os cães sacrificados, a inutilidade dos esquis ou a falta de víveres, pois a Union Jack, bandeira do Império Britânico, havia sido hasteada em um ponto mais próximo ao Polo Sul.
Biblioteca do Congresso, Washington D.C.
No fim da jornada, os britânicos contaram apenas com tração humana para transportar seus mantimentos
O obstinado Markham, não satisfeito, decidiu organizar uma segunda expedição em 1910. O comando foi novamente confiado a Scott, que poderia utilizar tudo o que havia aprendido na experiência anterior. Os cães não se comportaram bem? Um especialista em conduta animal, Cecil Meares, foi incorporado à equipe. Os ingleses não eram bons esquiadores? O norueguês Tryggye Gran foi chamado. Shackleton obtivera bons resultados com pôneis durante a expedição Nimrod, de 1907-1909? Então pôneis também foram integrados à expedição. Além disso, seduzido pelas inovações técnicas da época, Scott decidiu investir em três trenós motorizados, encomendados a Bernard Day. No total, mais de 70 pessoas – sendo metade a tripulação do barco – foram recrutadas para a aventura polar: cerca de 50 militares, seis antigos membros da expedição Discovery e cinco participantes da expedição Nimrod.
O navio Discovery havia sido vendido, e foi o baleeiro Terra Nova, de 700 toneladas e motores a carvão, que partiu de Cardiff, no País de Gales, em 15 de julho de 1910. A primeira ducha de água fria surpreendeu Scott na escala em Melbourne, Austrália, no começo de novembro. Aí recebeu um lacônico telegrama assinado pelo norueguês Roald Amundsen: “Permita-me informar-lhe que o Fram (seu barco) está a caminho da Antártida”. Pode-se imaginar a surpresa de Scott, pois Amundsen, o experiente explorador escandinavo (que já havia estado durante quatro anos em uma expedição no Polo Norte e havia acabado de transpor com sucesso a mítica passagem do Noroeste, entre o Atlântico e o Pacífico), agora estava na mesma rota, apesar de haver dito que partiria de volta ao Polo Norte. Mesmo assim, a expedição inglesa não desistiu de sua missão.
Na Nova Zelândia, o Terra Nova foi carregado com 19 pôneis da Manchúria e uma matilha de 34 cães de trenó, que foram muito mal instalados em meio aos tonéis de combustível e de materiais. A travessia foi complicada, pois o navio enfrentou uma tempestade com ventos de 50 nós, que pôs em risco a vida dos homens e dos animais. O resultado foi a morte de dois cavalos e dois cachorros, além de 10 toneladas de carvão e 65 galões de petróleo lançados ao mar para evitar o naufrágio.
Scott não conseguiu chegar à base de McMurdo por causa do gelo, mas desembarcou no cabo Evans, localizado no mesmo setor, nos primeiros dias de janeiro de 1911. Desembarcaram os animais, 30 toneladas de víveres, os motores dos trenós e uma cabana pré-fabricada. Já Amundsen ancorou na baía das Baleias, um grau mais próxima do polo, o que representou uma boa centena de quilômetros a menos para percorrer.
Os primeiros meses foram destinados aos preparativos: instalaram depósitos de provisões (como Safety Camp, Hut Point, Corner Camp etc.) na barreira de Ross e na latitude 79° 30' sul, batizada de One Ton Depot (Armazém Uma Tonelada). Durante esse período, Roald Amundsen posicionou seu depósito na latitude 82° sul, quase 300 km mais perto do polo.
O Terra Nova deixou o cabo Evans no fim de janeiro daquele ano para explorar as terras do rei Eduardo VII e, no âmbito dos trabalhos científicos da expedição, realizar levantamentos geológicos. Ao longo da missão, os ingleses descobriram com espanto que o Fram, o barco de Amundsen, estava ancorado na baía das Baleias. Eles já sabiam da presença do norueguês na Antártida, mas imaginavam que tivesse armado sua base na terra de Graham ou no mar de Weddell, no lado oposto do continente, e não a algumas centenas de quilômetros de seu próprio acampamento. Por cortesia, os noruegueses convidaram os ingleses a subir a bordo, e os visitantes ficaram impressionados com a matilha de cães (Amundsen havia levado 97) e com a habilidade dos nórdicos para controlá-los. Amundsen, por sua vez, demonstrou interesse pelos trenós motorizados de Scott e disse que se eles funcionassem corretamente poderiam ser um trunfo na corrida ao polo.
Biblioteca Nacional da Noruega, Oslo
A equipe de Roard Amundsen a bordo do Fram em 1911
Os cães dos nórdicos faziam maravilhas, enquanto Scott apostava em seus pôneis, cuja calma e resistência apreciava muito, mas que, por serem mais pesados, perfuravam o gelo ou afundavam profundamente na neve. Um dos trenós motorizados já havia afundado no campo de gelo e os outros dois estavam longe de ter um rendimento satisfatório, pois as peças se quebravam com o frio polar. Na realidade, Scott pôde contar apenas com a tração humana para puxar os 13 trenós.
Em 13 de setembro de 1911, Scott finalmente expôs seu plano para atingir o polo, esclarecendo que a “ofensiva final” seria levada a cabo por quatro homens: ele mesmo, o doutor Wilson, Oates e Evans. Eles seriam apoiados a princípio por 12 homens divididos em três equipes, das quais uma avançaria com os cães. Os expedicionários perceberam que de fato os pôneis não eram adaptados aos rigores climáticos e os abateram uns após os outros para fornecer carne aos homens e aos cachorros. Scott continuava também muito dividido quanto ao uso dos esquis, que às vezes lhe pareciam indispensáveis na neve muito profunda (sobretudo depois da tempestade que ocorreu entre os dias 5 e 8 de dezembro), mas que frequentemente davam a impressão de mais atrapalhar que ajudar.
Em 4 de janeiro de 1912, a 270 km do destino, Scott destacou um homem da última equipe de apoio, Henry Robertson Bowers, para acompanhá-lo na última etapa. A decisão teve consequências importantes, pois, se Bowers tinha o perfil para esse último esforço, era também uma boca a mais para alimentar, o que não estava previsto. Dia 9 de janeiro, Scott e seus quatro colegas ultrapassaram o ponto 88° 23' sul, atingido por Shackleton três anos antes, o que em si já constituiu uma primeira vitória pessoal. Mas cada etapa era muito penosa, com um frio que se tornava mais terrível conforme eles avançavam; a equipe percorria em média cerca de 20 km por dia.
Em 16 de janeiro, Bowers percebeu uma mancha negra sobre a imensidão branca, a cerca de 30 km de onde estava a equipe. A angústia tomou conta de Scott e seus companheiros: seria Amundsen? No dia seguinte, tiveram a confirmação: os noruegueses tinham ultrapassado a equipe britânica. Ao alcançar os 90° de latitude sul, encontraram uma barraca, instrumentos de medição, palavras de reconforto a Scott e ainda uma carta ao rei da Noruega, caso lhes ocorresse alguma infelicidade no caminho de volta. Os noruegueses haviam atingido o Polo Sul em 14 de dezembro de 1911, às 15 horas. Aos britânicos não restava outra alternativa senão dar meia-volta.
Biblioteca Nacional da Noruega, Oslo
Equipe de Robert Scott no navio Terra Nova fotografada em 1911
A retirada foi psicologicamente muito complicada. Tinham mais de 1.400 km a percorrer e deveriam apressar-se, mas Scott perdeu dois dias (8 e 9 de fevereiro) coletando uma dezena de quilos de amostras geológicas, antes de começar a descida da geleira Beardmore. Com isso, não apenas “desperdiçou” víveres e combustíveis, como também tornou os trenós mais pesados. Os efeitos combinados do escorbuto, do frio (cerca de -30°C), do cansaço e da falta de carne fresca se faziam sentir cada vez mais duramente. Edgard Evans, embora robusto, foi o primeiro a sofrer as consequências: apesar dos cuidados do doutor Wilson, morreu de esgotamento em 17 de fevereiro de 1912, na saída do glaciar.
Graças aos depósitos de víveres previamente instalados, os homens poderiam se salvar se percorressem em média 16 km por dia. Mas será que conseguiriam, levando em conta o estado de extrema fatiga em que se encontravam? Scott não havia deixado instruções precisas a respeito do resgate de sua equipe pelo resto da expedição. Em tese, ele deveria alcançar por seus próprios meios o One Ton Depot, no campo de gelo de Ross, mas também havia dado a entender que uma equipe de cães enviada ao seu encontro seria bem-vinda.
Dia 25 de fevereiro, dois homens (o russo Dimitri Gerov e o oficial Apsley Cherry-Garrard) partiram em direção ao One Ton Depot, para encontrar Scott, acompanhados por cachorros. Apesar de não ter nenhuma experiência com cães nem com o uso do sextante para determinar suas posições, os dois conseguiram chegar ao armazém em 4 de março. Bloqueados pelo mau tempo, eles esperaram, mas Cherry-Garrard não tinha ordens precisas de prosseguir. Além disso, não havia mais ração suplementar para os cães que os possibilitassem seguir no caminho ao encontro de Scott. Cherry-Garrard e Gerov decidiram esperar, mas logo, dispondo eles mesmos de poucos víveres, resolveram voltar ao acampamento base, em 10 de março.
Durante esse período, a equipe de Scott penava. Os pés do capitão Oates foram atingidos pela gangrena: cada passo era um calvário, e ele já não podia mais puxar o trenó. Em 16 de março, o comboio foi imobilizado por uma nevasca muito violenta; eles armaram a barraca, mas não tinham muito o que comer e faltava combustível. Aquele mau tempo não podia continuar. No dia seguinte, seu aniversário, Oates tomou a decisão de terminar com aquele sofrimento e declarou a seus companheiros: “Sairei e ficarei lá fora um tempo...”. Oates tinha acabado de completar 32 anos.
Herbert G. Ponting/Biblioteca do Congresso, Washington D.C.
Chegando ao polo sul, os britânicos encontraram a bandeira norueguesa, fincada por seus rivais mais de um mês antes
Os três últimos homens partiram de volta, mas foram novamente interrompidos pelo mau tempo em 21 de março. Estavam a apenas 18 km do armazém, mas o mau tempo persistiu no dia 22, e já não havia mais combustível. Scott escrevia cartas, uma mais dramática e angustiante que a outra, que permitem ver, apesar de seu fracasso, a franqueza de um homem que honestamente pensava estar tomando as decisões corretas.
Os corpos de Scott, Wilson e Bowers foram encontrados oito meses depois, por uma expedição que partiu a sua procura. Supõe-se que o doutor Wilson, a fim de diminuir os sofrimentos de seus companheiros, tenha distribuído os tabletes de ópio de que dispunha.
Não há dúvidas de que o sucesso de Roald Amundsen foi um golpe terrível para o moral da equipe britânica. Mas será que as coisas poderiam ter acontecido de outro modo? O norueguês havia escolhido levar consigo três excelentes esquiadores e 52 cães de trenó. Conforme a expedição avançava, os animais eram sacrificados e servidos como alimento para seus congêneres. Esse cruel procedimento foi incrivelmente eficaz e foi o que permitiu aos nórdicos alcançar seu objetivo. Para eles a corrida ao Polo Sul foi uma gigantesca competição de esquis, e eles retornaram à base com 11 cachorros em perfeito estado de saúde.
A opinião pública recebeu com tristeza as notícias da morte de Scott e sua equipe, e a imprensa britânica foi bastante torpe ao acusar em parte a Amundsen, sem examinar objetivamente as razões do fracasso e avaliar se Scott havia tomado as decisões corretas.
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