As irmandades leigas demonstram outro tipo de panorama sobre a sociedade colonial.
Quando falamos na presença da Igreja no espaço colonial, muitas vezes restringimos essa presença ao conjunto de ações tomadas pelos órgãos de representação oficial. Não raro, a questão religiosa fica presa ao interesse dos jesuítas em promover a catequização dos índios e a participação da Igreja na construção dos valores morais da sociedade colonial. Exceto essas duas situações, vemos outras referências dos clérigos atuando como agentes que auxiliaram frequentemente na organização administrativa da colônia.
Sob essa perspectiva, temos a impressão de que a vivência religiosa colonial não ultrapassava a subordinação aos mandos da Igreja e ao cumprimento dos rituais litúrgicos oficiais. Era como se a população colonial somente tivesse a Igreja como exercício de sua religiosidade, e que a mesma não fosse espaço para criações, disputas, releituras e apropriações. Teríamos de tal modo, um cotidiano religioso desprovido de qualquer manifestação inteligente.
Contrariando a essa perspectiva, vemos que no Brasil Colônia as chamadas irmandades leigas tiveram um importante lugar no desenvolvimento e na história da religião brasileira. Na maioria das vilas, arraiais e cidades observavam-se a formação de irmandades consolidadas com os mais diversos objetivos. Mais que um lugar para a organização de festividades e eventos católicos, essas instituições serviam para a realização de caridade e a construção de importantes laços de sociabilidade.
Em muitos casos, o pertencimento a uma irmandade era pressuposto para que a pessoa tivesse um status social mais elevado. Congregar com seus irmãos e ser reconhecidos pelos mesmos como tal, sugeria a adoção de certos princípios morais e a obtenção da solidariedade de certos membros da sociedade. Costumeiramente, os membros das irmandades eram divididos entre os membros “de devoção”, que somente exprimiam seu respeito ao grupo e os “de obrigação”, que seguiam as normas da irmandade.
Não se desligando das habituais formas de distinção da sociedade colonial, observamos a presença de irmandades somente compostas pela elite econômica de uma localidade. Contudo, isso não quer dizer que as irmandades eram espaços de reprodução da exclusão social do período. Assim como a elite tinha seu espaço para formação das irmandades, os escravos e mestiços formavam suas próprias irmandades onde a formação de relações de solidariedade era bastante recorrente.
De modo geral, a irmandades atuavam como espaço de consolidação da fé católica, ao mesmo tempo em que também serviam de alternativa para a resolução e discussão de problemas e questões que não eram diretamente controladas pelas instituições políticas oficiais. Com isso, vemos que muitas irmandades operavam nesse tempo como locais marcados pelas discussões de tema social e político. Certamente, elas expõem um relativo grau de autonomia experimentado pela sociedade de tal época.
Por Rainer Sousa
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