Uma breve e curiosa participação feminina na expulsão dos holandeses do Brasil.
Na década de 1640, a relação entre os brasileiros e holandeses estava no auge de uma grave crise. A saída de Maurício de Nassau da administração da WIC determinou a adoção de uma nova política em que os senhores de engenho locais eram cobrados pelas suas dívidas e ameaçados com o confisco de terras. Mediante essa situação, os nativos se organizaram em uma série de investidas contra os holandeses, dando início à chamada Insurreição Pernambucana.
Uma primeira investida dos brasileiros contra os holandeses acabou forçando um grupo de flamencos a se refugiar no Forte Orange, localizado na ilha de Itamaracá. Visando romper com as privações do cerco, os holandeses ali acuados resolveram organizar um saque contra a aldeia de São Lourenço do Tejucopapo, localizada no distrito de Goiana. Na época, vários dos holandeses sitiados em Itamaracá sofriam com doenças ligadas à má alimentação, como o escorbuto.
Em tese, a invasão ao Tejucopapo não traria maiores dificuldades para os holandeses. Afinal de contas, aquela localidade era, em sua maioria, habitada por mulheres maltrapidas que viviam da agricultura de subsistência. Segundo os relatos da época, Maria Quitéria, Maria Clara, Joaquina e Maria Camarão acabaram sendo as grandes líderes daquele confronto que parecia ter destino certo.
Contra as armas holandesas, as guerreiras de Tejucopapo prepararam caldeirões de água fervente com pimenta para atingir os olhos do inimigo. Além dos instrumentos improvisados, contavam com o uso de paus, chuços, roçadeiras e tudo mais que pudesse surpreender o inimigo. Sabendo antecipadamente do avanço holandês, elas também reforçaram as paliçadas que cercavam o povoado, organizaram emboscadas e outras estratégias que lhes dessem algum tipo de vantagem.
Naquela situação de conflito até mesmo a questão religiosa acabou aparecendo como artifício de mobilização dos combatentes e rebaixamento dos inimigos. Entoados como “hereges seguidores de Lutero”, os holandeses protestantes também enfrentaram a coragem de mulheres praticantes do cristianismo católico. No entanto, mesmo que movidas pela fé, as mulheres envolvidas no primeiro foco de resistência foram facilmente batidas pelos soldados e colaboradores holandeses.
A segunda investida parecia ter igual resultado. Entretanto, os ataques com água fervente e pimenta foram mais intensos que o esperado. Mediante a resistência bem sucedida, os holandeses e seus aliados decidiram bater em retirada antes que reforços masculinos pudessem encorpar a brava resistência das mulheres do Tejucopapo. Muitos dos sobreviventes, assustados com a valentia daquele bando de mulheres, regressaram ao litoral deixando para trás os mantimentos saqueados.
Ainda hoje, existe uma divergência sobre quantos holandeses acabaram morrendo nessa situação de conflito contras as agricultoras do Tejucopapo. Alguns dizem que metade dos invasores foram mortos, já outros relatos diminuem esse mesmo valor reduzindo o número das tropas holandesas envolvidas. Mesmo que não se chegue a um valor exato, devemos marcar a batalha do Tejucopapo como a primeira situação de conflito liderada por um coletivo de mulheres brasileiras.
Por Rainer Sousa
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