É PRECISO SABER MORRER
O treinamento incluía pão com cinzas na dieta e técnicas para encarar a morte em combate.
Escolhidos entre escravos, soldados fugitivos e prisioneiros de guerra, os gladiadores romanos dormiam em celas apertadas, mas comiam muito bem e tinham acesso a médico e massagista. Esses guerreiros são mais antigos que Roma.
Os etruscos, que viviam na atual região da Itália antes que a cidade fosse fundada, promoviam torneios entre escravos até a morte durante rituais funerários de pessoas importantes. Foi com os romanos, porém, que esse tipo de combate se transformou em um grande espetáculo público. Começando em 264 a.C., continuaram até o século 5, mas o auge das batalhas aconteceu entre os séculos 1 a.C. e 2 d.C. – nessa época, o império tinha mais de 100 escolas de esportistas, espalhadas desde a Espanha até o Oriente Médio. “Eram centros de treinamento para prisioneiros que sabiam que iriam morrer”, afirma Mike Loades, historiador britânico especialista em batalhas da Antiguidade. “O treinamento consistia em formar homens capazes de se movimentar com agilidade na arena e aplicar golpes precisos, que limitassem a capacidade de ataque do adversário”, completa Loades.
CARAS DE PAU
O treinamento começava com uma corrida em círculos – quem usava armamentos mais leves dava mais voltas. Os golpes eram treinados com réplicas das armas, só que mais pesadas e feitas de madeira. Os lutadores acertavam sacos de areia pendurados em postes giratórios (“palus”). Combates simulados fechavam o dia.
TREINAMENTO EM EVOLUÇÃO
Os atletas eram divididos em três níveis de acordo com a experiência em combate
NOVICIUS
Após a avaliação médica e a aprovação do“lanista” (o dono dos gladiadores),o novato treinava com muita corrida, para adquirir condicionamento, e poucos combates.
VETERANI
Quem vencia a primeira luta ganhava o respeito dos colegas, já que era comum morrer na estreia. Até que ele superasse outros adversários, porém, o treino mudava pouco.
PRIMUS PALUS
Nível de quem sobreviveu a várias lutas (de três a cinco por ano). Tinha privilégios, como um quarto maior e o direito de usar armas reais, pouco afiadas, em alguns treinos.
Escolinha moderna
Nos arredores do Coliseu, em Roma, é possível ser gladiador por um dia. Adultos e crianças participam de treinamentos (de mentirinha, claro!) por cerca de 150 reais. Os lutadores eram agrupados nos quartos de acordo com seu estilo de luta.
Prisioneiros de guerra fortes eram vendidos para as escolas de luta. Como muitos não falavam latim, os treinadores recorriam à mímica.
CADEIA NELES
Após a revolta de escravos lideradapor Spartacus no século 1 a.C., os centros de treinamento viraram presídios. Além das acomodações dos treinadores, havia quartos minúsculos e sem camas para os lutadores. Geralmente, havia um cemitério ao lado para quem morresse treinando ou espancado pelos professores.
DIETA PESADA
O cardápio incluia muita carne (vermelha ou de peixe, dependendo da região), grãos, pães, ovos e cereais – tudo temperado com cinzas de madeira, que conferiria força extra. Para beber, só água. As refeições diárias eram três: uma logo ao nascer do sol, outra ao meio-dia e a terceira ao fim da tarde.
PEÇAS E ACESSÓRIOS
O corpo também fazia partedo arsenal dos guerreiros
PROTEÇÃO EXTRA
O guerreiro lutava com capacetes, cintos, luvas de couro e cobertura de metal para as pernas e os ombros. Os escudos, feitos de metal polido, eram ornamentados com desenhos.
MARCAS DA GUERRA
Tatuagens, conhecidas como “stigma”, marcavam os lutadores no rosto, nas pernas ou nas mãos. Os desenhos identificavam a origem do guerreiro e quem era seu proprietário. Fugitivos recapturados tinham tatuagens na testa. Já os prisioneiros de guerra eram marcados nas mãos.
ESCUDO NATURAL
Esqueça os filmes: os gladiadores eram fortes, mas tinham barrigas bem salientes. Isso funcionava como uma estratégia de defesa, dificultando a perfuração de órgãos vitais.
TIME DE APOIO
Os treinadores, ou “doctores”, eram guerreiros aposentados, na casa dos 30 anos, especialistas em algum estilo. Os mestres dos lutadores de “retiarius” (aqueles que usavam rede e tridente), por exemplo, eram os “doctores retiarii”. Médicos e massagistas atendiam os que saíam estourados no fim dos treinos.
O IMPORTANTE É COMPETIR
Na arena, o combate durava até um dos envolvidos morrer ou ficar gravemente ferido. Nesse caso, o público decidia se ele deveria viver (a massa geralmente escolhia sua morte). O código de conduta exigia que o perdedor pedisse para ser morto, apresentando-se de peito aberto ao vencedor – ritual praticado nos treinos.
Este é o primeirocapítulo da série sobre treinamento de guerreiros. Na próxima edição: ninjas!
FONTES: Gladiator: The Roman Fighter’s (Unofficial) Manual,de Philip Matyszak, e Life as a Gladiator, de Michael Burgan