Quando um cartógrafo dos séculos 16 ou 17 fazia um mapa da América, ter criatividade era fundamental. No caso do Brasil, a costa era de longe a parte mais conhecida do território. Mas o que fazer com o misterioso interior? Bem, ele costumava ser preenchido com elementos decorativos como árvores, índios e animais exóticos. Pioneiros na navegação, os portugueses foram mestres na arte de fazer mapas. Mas, para manter em segredo porções de terra descobertas, a monarquia lusitana não permitia que os cartógrafos publicassem seus trabalhos. Assim, a grande maioria das representações do Brasil colonial que chegaram até nós pertence a outras escolas cartográficas, como a alemã, a holandesa e a inglesa. Os mapas mostrados nestas páginas pertencem à coleção particular de Edemar Cid Ferreira, ex-controlador do falido Banco Santos. Ela inclui inúmeras obras de arte e peças de grande valor histórico e arqueológico. Com a falência, a Justiça está decidindo o rumo da coleção – é possível que tudo seja leiloado para pagar credores. Na virada para o século 16, os mapas-múndi tiveram que ser atualizados – afinal, um continente inteiro havia sido encontrado pelos europeus. Esta gravura, impressa em 1522, é uma das primeiras a mostrar a América, que aparece com sua porção sul e duas grandes ilhas do Caribe. O trabalho foi feito por Martin Waldseemüller, um dos mais importantes membros da escola cartográfica alemã. Foi ele quem, em 1507, tomou a iniciativa de batizar o novo continente de “América”, em homenagem ao navegador genovês Américo Vespúcio. Naquela época, os mapas se baseavam no conhecimento geográfico tradicional sobre a Terra, mas os autores tentavam registrar as novas informações trazidas por exploradores. Na Idade Média, os mapas europeus ainda não mostravam a então desconhecida América, por motivos óbvios. Mesmo assim, já era possível procurar neles a palavra “Brasil”. Esse era o nome de uma ilha que costumava ser posicionada a oeste da Irlanda. Sua denominação tem raízes celtas e deriva dos termos breas e ail, que significam “nobre” ou “bem-aventurado”. A lenda dizia que, naquele local, uma “ilha afortunada” surgia a cada sete anos, para depois desaparecer em meio à névoa. Entre os séculos 14 e 17, essa localidade imaginária apareceu em vários mapas (em geral, com cor avermelhada e forma de castanha de caju). A imagem abaixo faz parte de um desenho feito pouco depois de 1600 pelo cartógrafo Joan Oliva, nascido na ilha mediterrânea de Maiorca. A obra é uma carta-portulano, um tipo de pergaminho pintado à mão destinado a orientar navegadores, que começou a ser feito na Europa a partir do século 13. Muitos mapas antigos representavam a América do Sul da forma vista ao lado – em que o Norte aponta para a direita da página. Este impressionante desenho foi feito em 1596, por Arnold Florent van Langren, vindo de uma família de cartógrafos de Antuérpia, na atual Bélgica (além de fazer mapas, van Langren costumava construir globos terrestres para os reis da Espanha). A obra é um belo exemplo do uso da imaginação para compensar o desconhecimento geográfico. Vale notar as cenas de canibalismo no interior do Brasil, as dimensões continentais dadas à Terra do Fogo, o animal bizarro posicionado no centro da imagem e os dois gigantes que representam o povo que, segundo os europeus, vivia na Patagônia. Enquanto publicavam em série seus belos mapas, duas tradicionais famílias de cartógrafos holandeses travavam uma acirrada disputa pela preferência do público. Até a pirataria foi usada, como indicam essas duas imagens. O Novus Brasilia Typus (abaixo, em versão de 1640) é de Willem Janszoon Blaeu, patriarca de uma casa que produzia respeitadas cartas náuticas e instrumentos de navegação. O problema é que há um desenho quase milimetricamente idêntico num atlas assinado por Henricus Hondius, filho do célebre cartógrafo Jodocus Hondius. É Accuratissima Brasiliae Tabula, publicado em meados do século 17 (ao lado, uma cópia de 1663). Mudam as ilustrações, mas ficam quase todos os detalhes geográficos. Até o destaque inserido no mapa por Blaeu, que retrata a baía de Todos os Santos (no litoral baiano), aparece na obra do rival. Ao seu lado, entretanto, Hondius colocou um item original: um detalhe da cidade de Olinda, na capitania de Pernambuco. Neste mapa de 1749, a ornamentação fica restrita ao quadro que emoldura a assinatura do autor – não há mais resquícios de canibais ou seres fantásticos. Thomas Jefferys, um dos mais importantes geógrafos britânicos de sua época, elaborou essa representação da América do Sul tendo como base a produção de outros cartógrafos. Os contornos já se parecem bastante com os dos mapas contemporâneos, mas o território atribuído ao Brasil é muito menor do que o atual. Uma grande parte da região Centro-Oeste está sob os domínios do Paraguai, e a Amazônia aparece como uma área separada dos países sul-americanos. O lago Xaraiés, em destaque no meio do continente, é um dos nomes que recebia o Pantanal mato-grossense. LivrosA imagem do Brasil mudou muito desde oséculo 16. Nos mapas antigos, a geografia dividiao espaço com curiosas improvisações
por Fábio Peixoto
Algo de novo no Oeste
Cartógrafo alemãobatizou a América
Brasil, a ilha
Uma porção de terracercada de invenção
América, morada do desconhecido
Terra de canibais e gigantes
Pirataria à holandesa
Copiar a concorrênciaera parte do jogo
Para inglês ver
No século 18, osenfeites ficaram emsegundo plano
Saiba mais
28.4.10
Cartografia: Cartas do novo mundo
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