Não foi apenas uma árdua jornada de dez anos por territórios jamais percorridos por gente civilizada. Não foi só uma expedição científica irretocável, na qual astrônomos, etnólogos, botânicos, zoólogos e geólogos ralizaram um trabalho exemplar. Foi, acima de tudo, uma missão humanitária e uma viagem de autodescobrimento.
Durante dez anos, de 1907 a 1917, a Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas construiu 2 mil quilômetros de linhas telegráficas unindo o Mato Grosso ao Acre, percorreu cerca de 10 mil quilômetros e botou no mapa mais 15 rios até então desconhecidos.
Muito mais importante que a obra geográfica e científica, no entanto, foi seu legado humanista. Comandada pelo então tenente Cândido Mariano da Silva Rondon (ilustração acima), a missão contatou e pacificou as mais hostis e temidas tribos do Brasil Central e da Amazônia. Numa época que os índios eam abatidos a tiros ao primeiro encontro, a comissão rondon abriu novas perspectivas para a dramática relação entre os dois povos.
Ao substituir o ódio pela ternura, a suspeita pela confiança e as carabinas por miçangas, Rondon se tornou o maior dos humanistas brasileiros e o mais respeitado defensor dos índios em todo o continente. Méritos que as tragédias que se seguiram não puderam apagar.
Cândido Mariano da Silva Rondon era descendente de índios terenas, e nasceu em Mato Grosso em 1865. Sua carreira indigenista teve início em 1900, quando, formado pela Academia Militar do Rio, voltou a mato Grosso para ajudar na construção da linha telegráfica que ligaria Cuiabá ao Araguaia. Participou então do processo de pacificção dos bororos. Em 1907, foi imcumbido de estender a linha telegráfica até o Acre, cruzando 3 mil quilômetros de selvas e sertões desconhecidos. durante essa jornada épica, Rondon iria cunhar a frase que se tornou o símbolo de sua relação com os índios, a marca de sua vida e obra: "Morrer se preciso for, matar nunca". Em 1910, Rondon fundou o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), primeiro órgão do governo a tratar da questão indígena - criado quatro séculos depois do descobrimento do Brasil.
Irmãos Villas Boas: Orlando, Cláudio e Leonardo, os irmãos Villas boas, foram os continuadores naturais da obra de Rondon, com quem começaram a trabalhar durante a expedição Roncador-Xingu, em 1945, feita sob supervisão do SPI. Quando essa expedição partiu em direção ao centro geográfico do país, os sertões do Brasil Central eram praticamente terra incógnita. Apesar das viagens de reconhecimento feitas por Von Spix e Von Martius (1875), Carl von Steiden (1884) e pelo próprio rondon, em companhia do presidente dos EUA Theodore Roosevelt, a região nunca fora explorada.
Fartos da vida de escriturários que levavam na cidade grande, os irmãos Villas Boas partiram de São Paulo dispostos a se engajar na aventura. Planejada pela Fundação Brasil Central para impedir que as vastas extensões desabitadas do país fossem ocupadas "por potências estrangeiras", a expedição só recrutava mateiros experientes. Como jamais haviam estado na selva, Orlando, Cláudio e Leonardo foram vetados.
De tanto insistir, acabaram sendo aceitos e, no dia 12 de junho de 1945, faziam parte do grupo que cruzava o rio das Mortes, entrando no território ainda intocado dos índios xavantes. Depois de três anos de marcha, Orlando foi nomeado chefe da expedição por determinação do próprio Rondon (que não participou da jornada). Nos dois anos seguintes, construiu 18 campos de pouso e pacificou os xavantes, os jurunas, e os caiabis. Em 1951, terminada a expedição, Orlando iniciou uma campanha pela criação de um parque nacional no Xingu, no qual a vida selvagem - e especialmente as tribos indígenas - pudesse sobreviver. Dez anos mais tarde, quando o parque, enfim, foi criado, Orlando Villas Boas tornou-se seu primeiro diretor. O Xingu se transformaria então no modelo idílico para todas as reservas indígenas do planeta. Apesar das constantes ameaças, o Xingu - fruto da dedicação e do esforço de Orlando, Cláudio e Leonardo - segue sendo um refúgio e um santuário encravado no coração do Brasil.
Curt Nimuendaju: Nimuendaju, em tupi-guarani, quer dizer "aquele que fez seu próprio lar". Era uma definição tão perfeita que, em 1906, Curt Unkel decidiu adotá-la como nome. Fazia apenas três anos, ele desembarcara no porto de Santos, vindo de Jena, Alemanha, onde nasceu em 1883. Ao contrário de seus companheiros de viagem, que seguiram para o sul, decidiu embrenhar-se nas matas do oeste de São Paulo. Lá, encontrou os guaranis-apinacauás, foi adotado pela tribo e trocou de nome. Estava começando a carreira do maior etnólogo brasileiro de todos os tempos. Durante os 40 anos seguintes, Curt Nimuendaju percorreria o Brasil de norte a sul, estudando e vivendo com os caingangues, terenas, xavantes, caiapós, xetas, txucarramães, araras, parintintins, macus e várias outras tribos. Deixou mais de 50 livros - quase nenhum traduzido para o português. Morreu em 1945, às margens do Amazonas, sem jamais ter retornado ao convívio com os brancos. Foi enterrado como o índio que de fato tinha virado.
Leia também:
Brasil Indígena
A População Nativa Brasileira
As Tribos Indígenas Brasileiras
Fonte:
Eduardo Bueno/Zero Hora
http://cledir.hpg.ig.com.br/historia/02d.htm
Imagem: http://www.oguiaverde.com/wp-content/uploads/2008/09/foto-irmaos-villas-boas.jpg