9.10.10

O século do ouro

Os Setecentos

A descoberta das lavras de ouro nas Minas Gerais, nos finais do século XVII e início do século XVIII, seguidas dos achados em Jacobina e no Rio das Contas na Bahia, nos de Forquilha e Sutil no Mato Grosso, e o que se extraiu no sertão de Guaiás em Goiás, foi o acontecimento mais espetacular da história econômica do Brasil colônia enquanto provocou enorme repercussão, tanto para a própria metrópole como para boa parte do mundo. Desde os primórdios da colonização, acreditava-se que o Brasil tinha ouro e outros metais e pedras preciosas. Só que, passados já dois séculos de ocupação, não haviam sido encontrados em volume significativo.

Lentamente, como vimos, a economia colonial abandonou sua predominância extrativista e coletora dos primeiros tempos, do tráfico com pau-brasil e das drogas do sertão, para uma exploração mais racional e estável, graças à implantação dos engenhos de açúcar e das lavouras de tabaco que se espalharam por todo o litoral do Nordeste.

População: nossa população, ao redor do final do século XVII, era estimada em uns 300 mil povoadores (calcula-se que havia ainda 1.500.000 de índios), grande parte deles concentrados no Nordeste. Outro pequeno núcleo populacional encontrava-se no Planalto de Piratininga, na atual São Paulo, formado pelos bandeirantes. Tipos mamelucos que se dedicavam a prear índios pelo sertão afora, indo inclusive atacar as missões guaranis, organizadas pelos jesuítas desde os séculos 16 e 17, no Paraguai e no atual Estado do Rio Grande do Sul.

Foi nesse quadro, de limitado progresso econômico (os portugueses começavam a enfrentar a concorrência da produção colonial dos holandeses, franceses e ingleses, que implantaram engenhos açucareiros nas Antilhas ), que a Coroa determinou a pressionar seus funcionários e demais habitantes no sentido de estimula-los, particularmente os paulistas, a que desbravassem o sertão em busca do precioso ouro.

A descoberta do ouro

“Nos sertões americanos anda um povo desgrenhado
gritam pássaros em fuga sobre fugitivos riachos (...)
Súbito, brilha um chão de ouro
corre-se - é luz sobre um charco.”
Cecília Meirelles - Romanceiro da Inconfidência

O Padre Antonil, no “Cultura e Opulência do Brasil”, aponta para um mulato que teria acompanhado uma bandeira paulista, como o que por primeiro teria encontrado ouro no Cerro Tripuí nas Minas Gerais. Eram “granitos cor de aço” que ele vendeu em Taubaté a um preço irrisório, sem saber o que havia encontrado. Mandaram umas amostras para o governador do Rio de Janeiro, Arthur de Sá, e verificou-se que “era ouro puríssimo”. Outros indicam o nome de Antônio Rodrigues Arzão, que, por volta de 1693, teria garimpado substancial lavra na Casa da Casca, da qual também não chegou a tirar proveito. Seu concunhado, porém, um tal de Bartolomeu Bueno Siqueira, consegui tal intento, só que nas barrancas de Itaverava.

Uma data importante foi a emissão da Carta Régia de 27 de janeiro de 1697, que enviava uma ajuda de custos de 600.000 R$/ano ao governador Sá para auxiliar nas buscas. Dar-se-iam aos paulistas beneméritos “as mesmas honras, e mercês de hábitos, e foros de fidalgos da Casa”, desde que encontrassem e explorassem as lavras auríferas. Finalmente em 1º de março de 1697 o agitado governador do Rio de Janeiro, Castro Caldas remetia ao rei o resultado das últimas façanhas dos paulistas que haviam encontrado nos sertões de Taubaté “de dezoito a vinte ribeiro de ouro da melhor qualidade”

A corrida do Ouro

“Selvas, montanhas e rios estão transidos de pasmo,
É que avançam , terra adentro, os homens alucinados (...)
Que a sede de ouro é sem cura, e, por ela subjugados,
os homens matam-se e morrem, ficam mortos, mas não fartos”
Cecília Meirelles - Romanceiro da Inconfidência

A notícia da descoberta do metal precioso no interior do Brasil, o maior manancial até então encontrado em toda história ocidental, provocou a primeira corrida do ouro da história moderna (achados só superados depois pelo da Califórnia em 1848 e o do Yukon em 1890). Antonil observou que a “cada ano vêm nas frotas quantidades de portugueses e de estrangeiros, para passarem às minas. Das cidades, vilas, recôncavos e sertões do Brasil, vão brancos, pardos e pretos, muitos índios de que os paulistas se servem.” Foi tamanho o fluxo que o rei D.João V, resolveu, por lei de 1720, controlar a saída dos seus súditos com medo do despovoamento das aldeias e dos campos portugueses. Não evitou porém que, ao longo do século 18, 800 mil deles viessem parar nos garimpos. Os navios “da Repartição do Sul” dirigidos ao porto do Rio de Janeiro, passaram a ser vigiados e vistoriados, terminando por adotar-se as licenças especiais e o passaporte em 1709 como uma maneira de refrear o fluxo dos aventureiros.

Mesmo na colônia a disparada em massa dos moradores em direção às minas provocou alarme das autoridades. Gente vinha de Taubaté, de Guaratinguetá, de Santos, do sertão da Bahia, e de mais de longe ainda. Em 1702, o governador-geral do Brasil, D.Rodrigo Costa comunica ao rei D.Pedro II que a situação tornava-se calamitosa, constatando que as capitanias achavam-se quase desertas porque seus moradores “esquecendo-se totalmente da conservação das próprias vidas e segurança dos seus mesmos domínios”, rumavam para os garimpos. Chegavam lá pessoas de todas as condições, homens e mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus, clérigos e religiosos de várias instituições (os padres foram convidados a se retirarem das Minas em 1738). Iniciava-se a ocupação do interior do Brasil. A população naquele século decuplicou, atingindo a mais de 3 milhões de habitantes, sendo que 650 mil concentravam-se na área das minas.

Evolução demográfica da colônia

Ano

Estimativa de população

1690

184.000 a 300 mil

1780

2.523.000

1798

3.250.000(*)



(*) subdivididos em: brancos 1.010.000( 31%); índios 250.000(7,7%); libertos 406.000 (12,5%); pardos (escravos) 221.000(6,8%); negros (escravos) 1.361.000(42%).

Fonte: Contreras Rodrigues (in R. Simonsen - História econômica do Brasil, p. 271)

Os caminhos das minas: dois caminhos para chegar às minas logo foram estabelecidos, o Caminho Geral do Sertão, que acompanhava o vale do Paraíba através da Serra da Mantiqueira e um outro, chamado de Caminho Novo, por Pindamonhangaba, de onde se levava uns 20 dias para chegar às lavras. Para melhor administrar e fiscalizar os achados, a Coroa indicou como seu representante um Procurador da Coroa e um Guarda-mor. Também estabeleceu uma Casa de Quintar, para arrecadar o quinto, o imposto real. Essa Casa, também conhecida como das Contas, tinha um administrador, um escrivão, e um fundidor que transformava o ouro em barras, afixando-lhe o cunho real.

Emboabas: inevitavelmente, atritos deram-se entre os paulistas , os primeiros chegados às lavras, e os emboabas, os reinóis ou adventícios, recém vindos de fora. Diga-se que desde o início os paulistas tentaram se precaver fazendo com que a “Gente de Algo” da Paulistânia enviasse, como apoio da Câmara local, em 16 de abril de 1700, uma solicitação ao governador da praça do Rio de Janeiro, na intenção de resguardar para eles as minas recém encontradas, “expondo os direitos planaltinos acerca das terras minerais e pleiteando para os mesmos o monopólio delas”.

Mas com a chegada interminável, quase a galope, de forasteiros, o monopólio deles tornou-se insustentável. Numa população estimada, ao redor de 1710, de 70 mil, os paulistas não perfaziam mais de mil. Em pouco tempo a região virou o “País da Desordem”. Um dos governadores-gerais da época, D.João de Lencastre estimou, em carta ao reino, ser perigoso para os interesses de segurança de el-Rei a enorme concentração de riqueza e opulência em mãos dos paulistas, pois “são capazes de apetecer sujeitar-se a qualquer Nação estrangeira que.... os conserve na liberdade e na insolência com que vivem” Deu-se então, como resultado das crescentes desavenças e rivalidades, a chamada Guerra dos Emboabas (1709-10), quando a Coroa apoiou sua gente contra os paulistas, aproveitando-se para exercer um controle mais firme, semi-policial sobre a região.

A diáspora paulista: derrotados, muitos dos paulistas resolveram emigrar para outras áreas, em busca de outros campos, como os de Goiás e do Mato Grosso, onde novas jazidas foram descobertas, ou ainda dedicar-se à pecuária e ao tropeio do gado, vindo se estabelecer nas partes mais meridionais da colônia, nos campos de Curitiba e, bem mais ao sul, no atual Estado do Rio Grande do Sul. Vezes sem conta entraram no Uruguai a dentro e mesmo nos atuais estados argentinos de Corrientes e Missiones, para chegarem-se às bestas. Aproveitaram-se ali da existência de imensas manadas de gado chimarrão, isto é, animal selvagem, xucro, que crescia vegetativamente nas várias vacarias conhecidas: a das missões, as dos pinhais e as do mar. Assentaram-se eles como estancieros, criadores, tropeiros e comboieros de gado, que vendiam nas feiras de Sorocaba. Outros ainda irão se fixar em regiões mais próximas às minas, tanto no interior de São Paulo dedicados às “drogas da terra”, como na atual área do triângulo mineiro, também caracterizada pela sua terra apropriada à criação.

Vila Rica de Ouro Preto

“Do Carmo a Vila, e a Vila do Ouro Preto
Formarão das conquistas o projeto: Junto ao Rio,
a que as Velhas deram nome”
Cláudio Manuel da Costa - Vila Rica (Canto IX)

A política da Coroa foi procurar fixar a população em aldeamentos; para tanto, o Governador Antônio Albuquerque tratou de fundar vilas, tais como a do Ribeirão do Carmo, chamada Mariana (em abril de 1711), a Vila Rica de Ouro Preto (em julho de 1711), a Vila Real de Sabará (também em julho de 1711) e, entre 1713-18, as vilas de Nova Rainha, de Pitanguí, a de São João del Rei, de São José e a Vila do Príncipe.

De certa forma esse trabalho foi facilitado pela mudança na extração do ouro. Numa primeira fase, de 1693-1720, os faiscadores formavam uma população ambulante, cigana, que se deslocava atrás do ouro aluvial, indo de lavra em lavra, de barranca em barranca. Posteriormente, após 1720, com o esgotamento desse processo, socorreram-se do ouro da montanha que exigia outros recursos técnicos de mineração, escavação e estocagem, obrigando os garimpeiros a construir suas casas próximas das datas de minas a que tinha direito explorar.

Os arcadianos: situada na Serra de Ouro Preto, esporão da Serra do Espinhaço, a 1.061 m. de altitude, Vila Rica de Ouro Preto converteu-se rapidamente no maior garimpo da lavra do ouro da região. A partir de 1711, tornou-se a capital da Província, situação que manteve até 1897. Nela construíram-se as mais belas igrejas das Minas Gerais, tornando-se um centro cultural e civilizador. Acolheu as liras musicais, os escultores, pintores, artesãos e os arquitetos. Foi também a sede do primeiro movimento literário expressivo do Brasil, a chamada Escola Mineira, ou Movimento Arcadiano, que teve em Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto, seus representantes mais retumbantes e consagrados, tornando-se o núcleo da consciência nacional, quando um grupo de intelectuais, funcionários, padres e militares, imaginaram a possibilidade de livrar as Minas do colonialismo português, no malsucedido episódio da Inconfidência Mineira de 1789.

A inconfidência: a revolta anti-colonialista, antecedida pela rebelião malograda de Felipe dos Santos de 1720, também na Vila Rica, deveria eclodir no dia do lançamento do odiado imposto da derrama - uma taxação suplementar criada pelas autoridades portuguesas para completar a cota tributária da região. Traídos os conspiradores por Joaquim Silvério dos Reis, que os denunciou em carta às autoridades, foi Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes, um alferes, o único dos prováveis insurgentes a ser executado. Foi enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro em 21 de abril de 1792, sendo seus restos expostos na estrada que ligava o Rio de Janeiro às minas. Os demais patriotas foram condenados ao degredo em Angola e Moçambique.

Mestres do barroco: Ouro Preto também foi onde dois grandes mestres da arte barroca atuaram: Mestre Aleijadinho (considerado o único gênio artístico do Brasil colonial), cujas obras-primas podem-se apreciar na Igreja de S.Francisco de Assis e na fachada da Igreja da N.S.a. do Carmo, e Mestre Ataíde, pintor das abóbadas das Igrejas. Na musica, destacaram-se José Joaquim Emérico e o Pe. José Maurício (considerado o primeiro da tríade de grandes compositores brasileiros, juntamente com Carlos Gomes e Villa Lobos).

As leis e as lavras

“Ai, que rios caudalosos, e que montanhas tão altas!
Ai, que perdizes nos campos, e que rubras madrugadas!
Ai, que rebanhos de negros, e que formosas mulatas!
Ai, que chicotes tão duros, e que capelas douradas!
Ai, que modos tão altivos, e que decisões tão falsas...
Ai, que sonhos tão felizes...que vidas tão desgraçadas!
Cecília Meirelles - Romanceiro da Inconfidência

A legislação que tratava da exploração das minas derivava das Ordenações Filipinas (Titulo XXXIV, livro 2) e determinava que o descobridor de veeiros ou minas de prata, de ouro, ou qualquer outro metal - considerados propriedade da Coroa - necessitava da autorização especial do provedor de metais para sua exploração. Cabia a este demarcar ao concessionário um quadrilátero de 60 x 8 varas. Os regimentos posteriores, de 1603 e 1618, aumentaram a extensão do quadrilátero até que, com o 3º regimento, o de 1702 , fixou-o entre 178 x 88 m, introduzindo também as chamadas datas-inteiras. O descobridor do veio era obrigado a ceder uma data para el’Rei e outra para o Guarda-mor; além disso era constrangido a pagar o quinto de tudo aquilo que garimpasse. Devido a tais excessos tributários foi fatal que a sonegação imperasse. O sábio Alexander von Humbold, conjeturou que de 20 a 35% do ouro foi contrabandeado do Brasil.

O volume do ouro: quanto ao teor do ouro brasileiro ele alcançava a média de 21 a 22,5 quilates , sendo ele de cor variável. Havia, em abundância, o mais chamativo deles, o brilhante ouro amarelo; um cor de latão; outro chamado de ouro preto e finalmente um avermelhado ou cor de bronze. Existindo até um que apelidavam de ouro podre, pela inexistência de brilho.

Quanto às avaliações do seu valor e do seu peso extraído são muito diversas: o Barão von Eschwege estimou em 130.000.000 de libras esterlinas , num total de 951.255t., entre 1600-1800; Pandiá Calógeras atingiu mais ou menos essa aproximação: 135.000.000 de libras esterlinas e 983 t., entre 1700-1801; já o Barão von Humbold aumentou-o para 194.000.000 de libras esterlinas, cobrindo um período maior, de 1500 a 1803. Seja como for, para Roberto C. Simonsen, na História Econômica do Brasil, entre 1700-1770, a produção do ouro brasileiro alcançou cerca de 50% do que o resto do mundo extraiu entre os séculos XVI e XVIII.

Quantidades de ouro extraídas

Vintênio

total em kg.

1691 - 1700

15.000

1701 - 1720

55.000

1721 - 1740

177.000

1741 - 1760

292.000

1761 - 1780

207.000

1781 - 1800

109.000



Fonte: Roberto Simonsen - História Econômica do Brasil, p. 237