10.3.11

República do Café com Leite


P

roclamada a república em 1889, seguiu-se o governo de transição do Marechal Floriano Peixoto. Depois vieram governos em sua maioria civis dirigidos por políticos paulistas e mineiros. Por isso, o período que vai da Proclamação da República à Revolução de 1930 foi chamado de “república café com leite”.

Os principais acontecimentos que marcaram este período foram: a sustentação da economia centrada no café; a reurbanização e o saneamento do Rio de Janeiro; os surtos econômicos regionais da borracha e do cacau; as novas imigrações de europeus, italianos e japoneses; as revoltas sertanejas de Canudos e do Contestado; a revolta da chibata; a construção de estradas de ferro, usinas hidrelétricas e redes telegráficas; a retomada dos contatos com as populações indígenas; o crescimento industrial: a consolidação do modo de vida urbano; as primeiras greves operárias; as revoltas dos tenentes e a coluna Prestes; a Semana de Arte Moderna; a quebra da bolsa de Nova Iorque e o fim do ciclo do café.

O governo do mineiro Afonso Pena se destacou entre todos dessa época por ter sido o mais progressista, incentivando a indústria e a imigração estrangeira. A implantação da rede telegráfica deu ao Brasil seu maior sertanista, o Marechal Rondon, fundador do Serviço de Proteção ao Índio.

A revolta de Canudos descobriu Euclides da Cunha, autor de “Os Sertões”, o mais impressionante relato sobre a vida do sertão, o sertanejo e a Guerra de Canudos. A Revolta da Armada revelou o líder negro João Cândido, que mostrou ao país, 20 anos depois de extinta a escravidão, que ainda se usava castigo físico nos navios da Marinha; uma atrocidade que foi extinta a custa de atrocidades maiores feitas pelo governo aos que se insubordinaram contra ela.

A Semana de Arte Moderna colocou o brasileiro definitivamente voltado para a sua invenção e seu futuro. Com a quebra do café, o poder político se deslocou do campo para as cidades, da agricultura para a indústria e a modernização econômica e social teve início.

Politicamente, a república continuou as práticas centralizadoras do império, através da política dos governadores, que controlavam de um lado o poder local através dos coronéis e de outro davam sustentação aos presidentes. As eleições eram feitas na base do “bico de pena” ou seja , através de listas de votação, que podiam ter as assinaturas e os votos falsificados.

O direito a votar estava condicionado à pessoa ter determinada renda, e saber ler e escrever. Isso significava que pessoas pobres e analfabetas não podiam votar. Como era muito baixo o grau de instrução do povo, só uma minoria do povo podia registrar-se como eleitor.

Depois das votações, cabia às juntas apuradoras fazer a contagem dos votos e emitir os diplomas de eleição. A diplomação acabava sempre dando muita confusão, pois as listas eram na maioria das vezes falsificadas e os resultados manipulados. O reconhecimento final dos eleitos era feito pela Comissão de Verificação dos Poderes da Câmara, que confirmava os eleitos, conforme os interesses da presidência da república.

A política era toda amarrada em torno dos interesses dos governantes e das classes dominantes, era quase impossível aos governistas perderem eleição. Os coronéis eram donos dos chamados “currais eleitorais”, que reuniam eleitores. Eles usavam seus votos em troca de favores. Da mesma forma trocavam seu apoio ao governador por nomeações e verbas. O governador, por sua vez, transacionava seu apoio nas duas direções, dos coronéis e do presidente, cadeia de trocas de favores políticos que ganhou o nome de clientelismo.

A política “café com leite” era de cartas marcadas. A eleição dos representantes do povo e dos governantes era precedida de intensas consultas e negociações que selavam as alianças. O esquema era dominado pelos governadores de Minas e de S. Paulo e, como no império, garantiu por quase quarenta anos a estabilidade e o imobilismo político, que favoreceu o setor agrícola e cafeeiro e boicotou os interesses das indústrias e das cidades.

Desde a década de 20, as greves operárias, as revoltas dos tenentes e os “escândalos” programados pela Semana de 1922 diziam com todas as letras que o país precisava mudar. A revolução de 1930 acabou com a dobradinha do “café com leite”, instituindo o voto secreto, a legislação trabalhista, anistiando os tenentes e fazendo profissão de fé na indústria e na modernização do país. A partir de então, a república “café com leite” passou a ser chamada de “república velha”.


Maria Lúcia Andrade Garcia

Fonte:Cidades Históricas Brasileiras