Escrito por Maisa E. Raele Rodrigues
A tensão entre a Coréia do Norte e a Coréia do Sul é um fato recorrente. O ano que acaba de findar-se foi marcado por violentas querelas entre esses dois países, as quais se precipitaram com o afundamento de um navio militar sul coreano, em março de 2010, atribuído a um torpedo da Coréia do Norte, culminando com o ataque norte-coreano contra ilha sul-coreana na região de fronteira do mar Amarelo. Nada obstante à vocação popular para uma aproximação, uma vez que a população civil acalenta o sonho de um país unificado, esses países parecem estar mais próximos de um conflito. É nesse contexto que buscaremos empreender algumas reflexões.
A questão da soberania é uma ideia salientada no Sistema Internacional desde 1648. O termo “soberania” deriva do latim – superanus - que pode ser compreendido como “o grau máximo da hierarquia política”. No conceito de soberania, do ponto de vista interno, incrusta-se a noção de supremacia, que permite a um Estado regular os atos de todos os indivíduos de uma nação, já sob o prisma externo, significa independência. Hodiernamente, a formulação da soberania indivisível vem cedendo espaço cada vez mais para a solidariedade entre os Estados, na qual a soberania aparece limitada pelo conjunto de regras internacionais que dão sustentação à noção de solidariedade (jus cogens). Por outro lado, a Carta da ONU aponta para a possibilidade de quebra da soberania, ainda que os Estados não sejam membros, uma vez constatada a necessidade de manutenção da paz e segurança internacionais.
As últimas ações da Coréia do Norte nada mais são do que modos violentos tendentes a fortalecer sua soberania e robustecer o projeto de sucessão, desprezando qualquer compreensão moderna do conceito de soberania. Sob o comando ditatorial de Kim Jong-Il, a Coréia do Norte mantém-se como um dos países de regime comunista mais fechados e repressivos do mundo.
Para compreendermos a separação da Coréia necessário se faz voltarmo-nos à historicidade, assim é que no início do século passado o território coreano foi ocupado pelos japoneses. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a rendição do Japão após a explosão das bombas atômicas, a Coréia foi dividida entre os Estados Unidos, que ficaram com o sul da península coreana, e a União Soviética que se estabeleceu ao norte, dentro dos limites do paralelo 38, linha imaginária que demarcava a cisão inicial entre os territórios comunista e capitalista.
Embora a Coréia do Sul tenha passado por regimes militares ditatoriais, hoje é um país próspero e democrático que soube modernizar-se com extrema velocidade. O governo sul coreano, ao longo dos anos, vem criando políticas de incentivo à indústria que ajudam a oxigenar as empresas, possibilitando não só o desenvolvimento no mercado interno, mas, igualmente, abrindo espaço no exterior, tome-se como exemplo o mercado de games que movimenta cerca de US$ 6 bilhões[1], sendo o segundo maior mercado de jogos on-line, perdendo apenas para a China. Ressalte-se que a modernização das indústrias sul-coreanas transformaram o país num dos principais exportadores da Ásia.
Já o governo da Coréia do Norte mantém-se fechado e isolado para o mundo exterior, com uma economia desastrosa e em frangalhos após a dissolução da União Soviética. A falta de parceiros comerciais fez o país entrar em profunda recessão. Fome e miséria atingem impiedosamente a população norte-coreana, o que tem gerado uma incipiente abertura, mormente no que se refere às questões de cunho social. As principais ajudas internacionais partem da China e do Japão. Para se ter uma noção da diferença econômica entre a Coréia do Norte e a Coréia do Sul, esta tem uma renda per capita aproximadamente três vezes maior que aquela. Por essas razões, não é difícil vaticinar que a Coréia do Norte não teria condições de sustentar um conflito com a Coréia do Sul. Calha lembrar que as causas econômicas estiveram na base de quase todas as guerras ocorridas nos últimos séculos.
Apesar do quadro acima delineado, ambas as Coréias, desde a divisão, prosseguiram investindo em suas Forças Armadas. Tanques e caças foram fornecidos pelos Estados Unidos à Coréia do Sul, ao passo que a Coréia do Norte adotou o polêmico e temido programa nuclear, o que aumentou as tensões na península e espargiu reflexos pelo mundo, intensificando a aplicação de sanções econômicas da ONU ao país. Não há dúvida de que a Coréia do Norte tenta compensar sua hipossuficiência financeira com o seu poder nuclear, lançando mão da chantagem militar para obter recursos e privilégios.
Posta assim a questão, alguns analistas internacionais têm sustentado que, na hipótese de um conflito entre esses dois países, haveria grande probabilidade da China colocar-se ao lado da Coréia do Norte, enquanto os Estados Unidos apoiariam a Coréia do Sul, provocando uma situação nada recomendável, na qual haveria um confronto entre a primeira e terceira economia do mundo, com consequências globais, além dos efeitos periféricos consubstanciados no envolvimento da Rússia, Índia e Paquistão, sem olvidar a atração do Oriente Médio para dentro do conflito. Ressalte-se que a defrontação entre o Estados Unidos e a China haverá sempre de envolver mais a questão relativa à segurança.
Entendemos, contudo, que tal situação não deverá ocorrer isto porque, embora a China seja o mais importante aliado político e o principal fornecedor de ajuda econômica à Coréia do Norte, suas relações econômicas com a Coréia do Sul são bastante significativas. Dados recentes apontam que a China mantém com a Coréia do Sul um comércio aproximadamente oitenta vezes maior do que o mantido com a Coréia do Norte, o que por si só já demonstra a improbabilidade da China opor-se à Coréia do Sul, haja vista suas manifestações públicas afirmando que não protegerá nenhuma das partes. Para o Japão, também por razões econômicas, não há o menor interesse que seja irrompido o conflito, tanto é que já se dispôs a intermediar um encontro entre as Coréias em Washington, vale lembrar que China, Japão e Coréia do Sul estudam a criação de uma zona livre de comércio envolvendo os três países. Enquanto isso, as duas Coréias continuam a ameaçar-se mutuamente, porém, as últimas informações dão conta de que a Coréia do Sul agendou uma reunião com China para fevereiro de 2011, na qual os respectivos ministros de defesa estudarão meios de conter o conflito.
Em linha de arremate, é provável que ainda haja muito barulho na península coreana, mas, pelos motivos acima expendidos, a tendência é caminhar-se, ainda que penosamente, para uma acomodação, razão pela qual não acreditamos na explosão do conflito. Certamente a aproximação entre as Coréias é um bem maior a ser perseguido, pois traria benefícios para ambos os lados, na medida em que a união com uma economia emergente seria muito vantajosa para a Coréia do Norte, assim como para a Coréia do Sul, a cessação dos ataques norte-coreanos traria paz e maior representatividade no Sistema Internacional, contudo, tal hipótese parece estar ainda muito distante de acontecer.
[1] Conforme matéria titulada “Games movimentam US$6 bi na Coréia”, veiculada no jornal Folha de São Paulo, pag. B 10, em 05.12.10
Fonte:http://www.revistaautor.com/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=634:impactos-do-conflito-entre-a-coreia-do-norte-e-sul&catid=13:economia&Itemid=40